Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 836/2023-T
Data da decisão: 2024-05-22  IRC IVA  
Valor do pedido: € 32.862,56
Tema: IRC - IVA – Artigo 23.º n.º 1 do CIRC – Gastos afetos a Atividade da Empresa.
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Decisão Arbitral

Sumario

  1. Compete à Requerente, o respetivo ónus da prova do facto invocado, prestar o esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 al. b da LGT), e comprovar por recurso a elementos de prova os rendimentos por si declarados nas declarações de rendimentos.
  2. Decorre atualmente do artigo 23.º do Código do IRC que norteia a dedutibilidade de gastos através de dois critérios: um de natureza formal, através do qual se exige que os gastos ou perdas tenham um suporte documental adequado, em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 3 do Código do IRC; e outro de natureza material, nos termos do qual se exige que os gastos ou perdas tenham sido «incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» [cf. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC].
  3. Os gastos foram incorridos no interesse da empresa, sendo manifesta a sua adequação atendendo à regular prossecução do objeto societário (e portante à atividade económica desenvolvida pela Requerente), não tendo ficado comprovada qualquer outra motivação.
  4. O artigo 19.º, n.º 2, do CIVA (na linha do artigo 178.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2006/112/CE) assegura o direito à dedução desde que o imposto seja mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.

 

I - Relatório

A - Identificação Das Partes

Requerente: A..., UNIPESSOAL, LDA, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Porto, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n. º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 21-11-2023, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 23-11-2023.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra, a Dra. Rita Guerra Alves, aceite por esta, nos termos legalmente previstos.

Em 16-01-2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 05-02-2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 05-02-2024, a Requerida foi notificada para apresentar a sua resposta e juntar o processo Administrativo, que o fez em 11-03-2024.

Por despacho de 25-03-2024, a Requerente em 09-04-2024, veio responder à exceção invocada pela Requerida.

No dia 30-04-2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas arroladas e apresentadas pela Requerente. As Partes foram também notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência à Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 13-05-2024 e 16.05.2024, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

O processo não enferma de nulidades.

B – Pedido   

  1. A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2023... no montante a pagar de € 12.566,49, e da declaração parcial de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º 2023..., 2023..., 2023... e 2023... referentes aos períodos de IVA do ano de 2019, no montante, €29.376,60 emitidos pela AT, na sequência da ação inspetiva n.º OI2022... .

 

C – Causa De Pedir

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
  1. A atividade da Requerente consiste, em termos genéricos, na prestação de serviços de consultoria de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística de empresas; na representação comercial; na compra e venda de participações sociais no âmbito da gestão da sua carteira de títulos; na prestação de serviços de engenharia e construção e prestações de serviços conexos com essas atividades; e na atividade agrícola e produção animal combinados.
  2. Sob a ordem de serviço n.º OI2022..., os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) iniciaram uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, à referida sociedade, nomeadamente em sede de IRC, tendo por referência o exercício de 2019.
  3. Em sede de IRC, na sequência da desconsideração de um conjunto de gastos que a AT considerou como não relacionados com a atividade, designadamente, com fornecimentos e serviços externos e com ativos fixos tangíveis, no montante de € 158.351,38.
  4. Em sede de IVA, no valor global de € 33.527,17, na sequência da correção do IVA deduzido referente a gastos não relacionados com a atividade e gastos com ativos fixos tangíveis.
  5. Relativamente aos gastos relacionados com prestações de serviços jurídicos prestados por duas sociedades de advogados (B..., SP, RL, e C..., SA, RL), entende a Requerente que: que tais gastos, contrariamente ao que refere a AT no RIT, foram redebitados pela Requerente às diferentes empresas do Grupo por base de um critério de proporcionalidade à dimensão da empresa, dos seus ativos e diversos trabalhos/serviços administrativos e serviços jurídicos, onde se incluem os serviços aqui em causa.
  6. A Requerente sendo parte integrante do grupo empresarial do qual aquelas empresas fazem parte, tinha - como tem - todo o interesse em adquirir os serviços em causa, numa lógica do desenvolvimento da atividade económica do grupo, como um todo.
  7. Não há dúvidas de que os gastos incorridos com estes serviços jurídicos são efetivos e estão relacionados com a atividade da Requerente, tendo sido prestados em relação a diversos temas empresariais, e de crescimento,
  8. Neste âmbito dúvidas não restam de que os custos incorridos com estes serviços jurídicos estão relacionados com a atividade da Requerente, tendo sido prestados em relação a diversos temas empresariais, e de crescimento, tais como a elaboração de documentos societários, como atas de Assembleia Geral, atas de Conselho de Administração; elaboração de procurações e reconhecimentos em documentos; Analise de tratados fiscais internacionais; Acompanhamento jurídico de diversos processos em contencioso; Apoio em fiscalizações levadas a cabo pela AT; Elaboração de pareceres sobre estatutos e relações societárias em diversas sociedades; e Elaboração de diversos contratos, entre outros.
  9. No que diz respeito aos gastos inerentes a atividade agrícola, a Requerente, no período de 2019, incorreu em gastos com bens e serviços relacionados com o exercício da atividade agrícola, nomeadamente com depreciações de ativos biológicos, remunerações de  funcionário, arrendamento rural.
  10. Apesar de no período em causa não ter obtido rendimentos relevantes no âmbito da atividade agrícola, tendo obtido proveitos imateriais, uma vez que se tratava de um período de adaptação de produção animal, a Requerente continuou a ter gastos inerentes a essa atividade, nomeadamente com a compra de animais reprodutores cuja amortização feita anualmente.
  11. Ora, a atividade de criação animal e, neste caso, de cavalos exige sempre um tempo para obtenção de proveitos.
  12. No entanto, a Requerente teve gastos com os cavalos uma vez que, tal como qualquer outro animal, existem custos e despesas base que não podem deixar de existir se não houver um rendimento referente à atividade onde se inserem.
  13. Estes custos passam tanto pela alimentação, cuidados de saúde e manutenção dos animais.
  14. Ora, em conexo com estes gastos com animais é evidente que existia a necessidade de contratar funcionários para prestarem serviços referentes ao cuidado dos animais e de terreno, onde se realizava a produção agrícola.
  15. Assim, os gastos com pessoal que a Requerente incorreu estão relacionados com o âmbito da atividade agrícola e cuidados animais.
  16. Relativamente ao terreno rustico referido pela AT, importa referir que a Requerente arrenda o referido terreno para exercer a atividade agrícola, bem como onde mantem os animais em causa relacionados com a criação animal.
  17. No âmbito da atividade agrícola, em 2019, a Requerente procedeu ao registo de gastos relacionados com depreciação e amortizações de ativos fixos tangíveis e de gastos com reparações com ativos, nomeadamente, corta-relvas, tratores, entre outros.
  18. Ora, desde já, se diga que todos os equipamentos referidos são equipamentos usados para o exercício da atividade agrícola e para uso exclusivo na atividade de criação animal.
  19. No obstante no período em causa não se terem contabilizado rendimentos relativos a atividade agrícola, continuaram a existir custos inerentes a essa atividade e relativamente à manutenção e conservação dos ativos, sendo certo que, como já se referiu, o facto de no período em causa não terem sido gerados rendimentos naquela atividade, não significa - nem torna tais gastos - por si só, como não dedutíveis.
  20. Em sede de IVA e no que diz respeito as transmissões de bens e prestações de serviços referidas anteriormente, decorre do n. 1 do artigo 20.º do Código do IVA que "[s] pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo".
  21. Tendo em conta isto, a Requerente deduziu o IVA suportado com as transmissões de bens e prestações de serviços anteriormente referidas e que, como ficou demonstrado, estão conexas com a atividade e o objeto social da Requerente.
  22. Entende a Requerente que a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de Direito.
  23. Conclui a Requerente: No restam dúvidas de que a Requerente demonstrou e provou que as liquidações adicionais de IRC e de IVA, emitidas pela AT, para o exercício de 2019 são indevidas, porque ilegais.
  24. A Requerente solicita ainda o pagamento do valor dos juros indemnizatórios a que tem direito nos termos do disposto no n. 1 do artigo 43.º da LGT.
  25.  

D - Da Resposta Da Requerida

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  1. Por exceção, a cumulação ilegal pedidos, alegando que o facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  2. A correção em sede de IRC, resultou pela necessidade de desconsideração dos gastos do período, relacionados com: Aquisição de serviços jurídicos que, dizem respeito a outras entidades do grupo empresarial do qual a A... faz parte, gastos esses que suportou e não redebitou às respetivas empresas em causa, e, Gastos com a atividade agrícola, designadamente, gastos com depreciação de ativos biológicos, remuneração de um funcionário (G...) e gastos com o arrendamento de um terreno agrícola e gastos com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis e de reparação de ativos, gastos esses relativamente aos quais a AT não detetou rendimentos, motivo pelo qual considerou que os mesmos então não estariam afetos a atividade da A... .
  3. Assim, a questão sub júdice, resulta da caracterização e enquadramento dos gastos anteriormente referenciados, designadamente os gastos com a aquisição de serviços jurídicos, os gastos com a atividade agrícola e os gastos com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis e de reparação de ativos.
  4. Esta divergência de posição foi objeto de apreciação, face ao contraditório exercido pela Requerente, no âmbito do direito de audição, mediante a análise, enquadramento e fundamentação efetuada aos gastos contabilizados, que a seguir, resumidamente, se reproduz.
  5. Quanto aos serviços jurídicos da sociedade de advogados B..., foi concluído que “relativamente às entidades discriminadas nas Notas de Honorários, apenas foram faturados os valores de €3.000,00 mais IVA à taxa normal em vigor, respeitantes a “prestação de serviços administrativos-financeiros e de contabilidade”, não estando evidenciados no seu descritivo - “serviços jurídicos” e nem os valores são coerentes com os serviços jurídicos faturados pela B...” e quanto aos serviços jurídicos da sociedade de advogados C..., ficou por esclarecer os efetivos serviços que estão na origem da emissão das faturas de 2019, nomeadamente qual o objetivo da viagem ao Luxemburgo, bem como a identificação da(s) entidade(s) sujeita(s) a intervenção jurídica, de forma, a identificar se essa(s) entidade(s) foi(ram) objeto de faturação por parte da A..., de serviços onde estejam incluídos os serviços faturados pela C...”;
  6. Desta forma, face às relações especiais entre o sócio D... e os órgãos de gestão das entidades integrantes do Grupo de sociedades, concluiu-se que, a A... suportou gastos com serviços jurídicos, que não foram praticados no interesse da sociedade, mas de terceiros, ou seja, trata-se de gastos, efetuados em nome de sociedades relacionadas com o sócio D..., e que consequentemente afetaram negativamente o resultado contabilístico e fiscal da A...;
  7. Não se detetando na contabilidade da A... o redébito destes serviços jurídicos “às empresas relativamente às quais tais serviços diziam respeito”, mas somente a emissão de faturas relativas a “serviços técnicos administrativos-financeiros e de contabilidade”, às sociedades nas quais, E... e F..., ambos funcionários da A..., no ano de 2019, foram os respetivos Contabilistas Certificados;
  8. Relativamente ao desreconhecimento dos gastos registados na contabilidade com a “atividade agrícola e animal”, dos gastos relacionados com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis e de gastos com reparações com ativos, não foi comprovada a conectividade com os rendimentos ou a fonte produtora da atividade empresarial, nomeadamente no que se refere à eficiência económica do gasto e a sua relação com a realização dos rendimentos;
  9. Ora, não obstante os ativos biológicos – cavalos (usados para várias finalidades: recreação, desporto, negócios, agricultura, entre outros) terem sido adquiridos no ano de 2016 e o funcionário G..., ter sido contratado em 2017, vem a A... fazer crer que, num espaço de 4 anos, não obteve quaisquer rendimentos associados com esta atividade de criação animal e agrícola;
  10. Na situação sub judice, embora os gastos em análise, sejam conexos com o exercício de uma atividade agrícola e animal, a contabilidade não reflete quaisquer rendimentos associados, verificando-se a existência dos cavalos e o aluguer do terreno agrícola a uma sociedade relacionada com o sócio D..., sem que se produzam os devidos réditos na esfera da A..., pelo que, fica a dúvida de qual(ais) a(s) entidade(s) está(ão) a utilizar os bens e serviços suportados, designadamente se a quinta para casamentos -“Quinta ...”, a estrutura para a prática de equitação - “...”, ou, dado o universo de empresas associadas ao sócio D..., coloca-se a hipótese de se tratar de uma atividade de lazer ou lúdica em prol dos detentores e trabalhadores do Grupo de sociedades;
  11. De ressaltar que, no mesmo local, está identificado o domicílio fiscal de D..., tendo um acesso privilegiado ao local e podendo usufruir de forma privada e familiar de toda a estrutura instalada: cavalos, picadeiros, estábulos, espaços verdes, as vinhas.
  12. Em sede de IVA, de acordo com o seu normativo, confere o direito à sua dedução, o conjunto de operações passivas da A..., desde que as mesmas se destinem às suas operações tributáveis ativas, nelas se compreendendo as que se destinem, em geral, aos fins da empresa e, em particular, quando se traduzam em bens de investimento por si adquiridas para a sua atividade tributável, ou se destinem a autoconsumo interno, ou de atividades preparatórias de tais operações tributáveis.
  13. Nos termos do art. 20° do Código do IVA, o sujeito passivo só pode deduzir o IVA que incidiu sobre estas aquisições, se a finalidade for a de realizar operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, o que tal não é provado.
  14. Pelo que não tendo a Requerente demonstrado que os gastos com serviços jurídicos titulados pelas duas faturas emitidas pela sociedade B..., no montante total de € 97.171,34, foram suportados no seu interesse e para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não podem os mesmos ser considerados na determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, e em sede de IVA, a correção, nos termos do nº 1 do artigo 20º do CIVA, do valor do IVA indevidamente deduzido.
  15. Relativamente aos gastos registados na contabilidade, na conta 6221123 – Trabalhos especializados, no período de tributação de 2019, suportados na fatura n.º FAC 1/3431, no montante de € 5.524,48, emitida pela sociedade de advogados C..., SA RL com o descritivo “Serviços jurídicos janeiro de 2019, Despesas prestação serviços, Despesas viagem Luxemburgo”, a Requerente, no PPA, continua a não juntar  nenhum elemento de prova, à semelhança do que já se tinha verificado no procedimento de  inspeção.
  16. Sob os gastos inerentes à atividade agrícola, alega a Requerente, No exercício do direito de audição ao projeto de relatório a Requerente continua a não apresentar quaisquer elementos ou documentos a comprovar a relação dos gastos incorridos com a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e limita-se a reafirmar que “no período em causa não ter obtido rendimentos no âmbito da atividade agrícola, uma vez que se tratava de um período de adaptação da produção animal”.
  17. Ora e com o devido respeito, a justificação de um período de adaptação não parece que constitua argumento credível face ao que os Serviços Inspectivos puderam observar, quer na  contabilidade da Requerente quer nas pesquisas efetuadas na internet, e lembram que os cavalos foram adquiridos no ano de 2016 e o funcionário G... foi contratado em 2017, e que num espaço de 4 anos, 2016 a 2019, a Requerente não logrou demonstrar a obtenção de quaisquer rendimentos associados com esta atividade agrícola e de criação animal.
  18. Sob os Gastos relacionados com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis para que os mesmos para terem relevância fiscal devem estar relacionados com o objeto social da sociedade e existir uma relação causal entre tais gastos e os rendimentos obtidos. Ora, que os gastos aqui em causa estão diretamente relacionados com o usufruo de terceiros, eventualmente na esfera pessoal do gerente da Requerente, e não propriamente com o exercício de uma actividade agrícola ou de criação animal, para a qual, sempre se acrescenta, não se observa qualquer rendimento registado na contabilidade.
  19. Termina a Requerida peticionando que deve ser deverá ser julgada procedente a exceção da cumulação ilegal de pedidos, absolvendo-se a entidade Requerida da instância; Caso assim não se entenda, o presente pedido de pronúncia arbitral dever ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados.

 

E- Matéria de Facto

E.1. Factos Provados

  1. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental e testemunhal constante dos autos.
  2. A Requerente foi constituída em 18.02.2015, sob a forma de sociedade por quotas de direito português. Cf PA.
  3. A atividade da Requerente consiste na prestação de serviços de consultoria de apoio à gestão, à área administrativa e financeira, à logística de empresas; na representação comercial; na compra e venda de participações sociais no âmbito da gestão da sua carteira de títulos; na prestação de serviços de engenharia e construção e prestações de serviços conexos com essas atividades; e na atividade agrícola e produção animal combinados. Cf PA, e depoimento das testemunhas.
  4. A A..., em 9 de novembro de 2015, apresentou uma Declaração de Alterações de Atividade, em que, para além das atividades de “compra, venda e arrendamento de bens imobiliários”, comunicou o exercício da atividade secundária de “Agricultura e produção animal combinadas” – CAE 01500. Cf RIT.
  5. A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção externa sob a ordem de serviço n.º OI2022..., dos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”), de âmbito geral, tendo por referência o exercício de 2019. Cf PA.
  6. A 24.06.2023, a Requerente foi notificada do respetivo Projeto de Relatório de Inspeção Tributária. Cf PA.
  7. A Requerente apresentou, em 24.07.2023, o Direito de Audição Prévia sobre o Projeto de Relatório de Inspeção nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento e Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).Cf PA.
  8. Em 02.08.2023, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária referente ao período de tributação de 2019. Cf PA.
  9. Em resultado da ação inspetiva, apuraram-se correções meramente aritméticas, em sede de IRC, no montante de €158.351,38 e, declarado a Requerente o lucro tributável de €107.094,46, face à correção, apurou-se o lucro tributável de €265.445,84, e fixada a matéria coletável no montante de €80.657,97, decorrente da dedução integral dos prejuízos fiscais, dos anos de 2017 (€56.883,25) e 2018 (€127.904,62) Cf PA.
  10. Como fundamentos das correções de IRC e IVA realizadas, constam do RIT, com relevância para a matéria em apreciação nestes autos, os factos infratranscritos: Cfr. RIT

 

 

B...

 

 

 

 

B...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A...

 

 

 

 

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WW...

A...

 

 

 

 

  1. A Requerida no seguimento do RIT emitiu e notificou a Requerente da liquidação de IRC n.º 2023..., e de juros compensatórios, do ano de 2019, que conduziram à demonstração de acerto de contas n.º 2023..., compensação n.º 2023..., no montante a total a pagar de € 14.055,18., e da liquidação de IVA, n.º 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023 ... referentes aos períodos de IVA do ano de 2019, no montante, €29.376,60. Cf. RIT,  PA.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações. Cf. PPA e Resposta.
  3. A Requerente incorreu em gastos relacionados com a prestação de serviços jurídicos, devidamente suportados por faturas n.ºs 2019.02533 e 2019.05081, prestados pela entidade B... SP RL – NIPC:  ..., e faturas FAC 1/3412  e FAC 1/3431 prestados pela entidade C..., SA RL. Cf. RIT, PA, e doc. 7 do PPA.
  4. Estes gastos são efetivos e estão relacionados com a atividade da empresa, prestados em relação a diversos temas empresariais, e de crescimento, tais como a elaboração de documentos societários, como atas de Assembleia Geral, atas de Conselho de Administração; elaboração de procurações e reconhecimentos em documentos; Análise de tratados fiscais internacionais; Acompanhamento jurídico de diversos processos em contencioso; Apoio em fiscalizações levadas a cabo pela AT; Elaboração de pareceres sobre estatutos e relações societárias em diversas sociedades; e Elaboração de diversos contratos. Cf. Doc 7 do PPA, e depoimento das testemunhas
  5. O gasto, relativo a depreciações de ativos biológicos, no valor € 2.300,10, está suportado num contrato de compra e venda de cavalos, datado de 6 de janeiro de 2016, entre o sócio-gerente da Requerente,  D..., e a Requerente. Estes gastos estão relacionados com a atividade agrícola e criação animal da Requerente. Cf. RIT e Doc. 8 9 e 10, e depoimento das testemunhas.
  6. Os gastos, no valor de € 25.866,63, estão suportados em faturas, emitidas no período de período de tributação de 2019 por um conjunto diversificado de fornecedores, conforme já identificados no RIT supra transcrito. Cf. RIT.
  7. Os gastos com o pessoal, no valor de €11 896,04, correspondem aos vencimentos, encargos sociais e subsídios de alimentação com o funcionário G..., contratado para a realização de funções inerentes à atividade agrícola e de criação animal, devidamente documentados. Cf. RIT, PPA, e depoimento das testemunhas.
  8. Os gastos com o arrendamento de um terreno rústico, no valor de € 3.600,00, estão devidamente suportados num contrato de arrendamento rural de duração limitada, com a duração de 7 anos e inicio a 1 de setembro de 2016, celebrado entre a sociedade H..., Sa, nif..., e a Requerente, datado de 15 de setembro de 2016, e tem por objeto o prédio rústico, com a área de 38.531 m2, composto por um terreno com pinhal e eucaliptal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... rústico, da união de freguesias de ... (...), ... e ..., o documento de suporte é uma fatura n.º FA 2019/11, emitida pela sociedade I..., Sa, Nif ... , datada de 24/05/2019, no valor de 3600 euros, correspondente à renda do ano de 2019. Cf. RIT.
  9. Ficou demonstrado que estes gastos estão devidamente suportados documentos, conforme já identificados no RIT supra transcrito, estes gastos são efetivos e estão relacionados com a atividade agrícola e criação animal da Requerente empresa. Cr. RIT e PPA, e depoimento das testemunhas.
  10. Os gastos dizem respeito a atividade de criação animal, com ativos biológicos, Cavalos, á remuneração do funcionário G..., contratado para prestar serviços referentes ao cuidado dos animais e de terreno, onde se realizava a produção agrícola. Cf. RIT  e depoimento das testemunhas.
  11. O arrendamento do terreno rústico, composto por um terreno com pinhal e eucaliptal e inscrito na matriz com o nº ... à empresa I..., no ano de 2019, é o local onde a Requerente exercer a atividade agrícola, bem como  onde mantém os animais em causa relacionados com a criação anima. Cf. Doc 10 da PPA.
  12. Estes gastos são efetivos e estão relacionados com a atividade da empresa, concretamente com a atividade agrícola e de criação animal, e são enquadráveis no CAE da Requerente, “Agricultura e produção animal combinadas” – CAE 01500. Cf. depoimento das testemunhas.
  13. A Requerente incorreu em gastos relacionados com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis, no ano de 2019, respetivamente Depreciações e amortizações - € 8 323,24 relacionado com depreciações dos seguintes bens do ativo fixo tangível: - Corta-relvas, Máquina rider Husqvarna 319 TSX AWD; - Club car DS Elc 48v IQ verde e Club car Carryall 232 Elec IQ System, e  Conservação e reparação - € 3 669,55. Cf. RIT.
  14. Ficou demonstrado que estes gastos estão devidamente suportados documentos, conforme já identificados no RIT supra transcrito, estes gastos são efetivos e estão relacionados com a atividade da empresa. Cf. RIT e depoimento das testemunhas.
  15. Estes gastos são efetivos e estão relacionados com a atividade da empresa, concretamente com a atividade agrícola e de criação animal, e são enquadráveis no CAE da Requerente, “Agricultura e produção animal combinadas” – CAE 01500. Cf. RIT e depoimento das testemunhas.

 

E.2. Factos Não Provados

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
  2. Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.

E.3. Fundamentação da matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.
  5. As Testemunhas, aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos, responderam de forma clara, objetiva e circunstanciada, que se revelou importante na formação da convicção do tribunal, importa salientar os contributos trazidos pelos depoimentos de:
  6. F..., funcionaria da Requerente, que testemunhou com clareza que no período de 2019, a Requerente prestava várias atividades, serviços às empresas do grupo, como gestão, contabilidade, e jurídico, e que redebitava esses serviços às entidades do Grupo. Sobre atividade agrícola, declarou que a Requerente possuía cavalos, e que no ano de 2022 e 2023 esses cavalos foram vendidos.
  7. E..., diretor financeiro, testemunhou com clareza, com conhecimento direto dos factos, que a Requerente, possuía uma atividade de criação de cavalos, e que prestavam serviços as várias entidades do grupo, contratavam serviços jurídicos, que eram redebitados às restantes empresas do grupo.
  8. G..., funcionário da Requerente, desempenhava as funções de tratador de cavalos da Requerente, testemunhou com clareza que tratava dos cavalos e da reprodução de cavalos, e que os maiores gastos eram relacionados com ração, palha e outros relacionados com a criação e tratamento dos cavalos.
  9. J..., funcionaria da Requerente, testemunhou com clareza, que fazia parte das suas funções prestar serviços administrativos as entidades do Grupo, e que esses serviços eram redebitados as respetivas entidades, e que fazia o redébito dos serviços jurídicos prestados pelos Advogados.
  10. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

G         Da Questão Prévia

G.1 Da exceção invocada:

  1. Na resposta veio a Requerida invocar a situação de cumulação ilegal de pedidos na medida em que no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IVA e IRC, sendo que cada uma das pretensões de anulação são diferentes.
  2. Alega que o facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  3. Pugnando pela procedência da cumulação ilegal de pedidos, o que constitui exceção dilatória, absolvendo-se a Requerida da instância.
  4. A Requerente defendeu-se, invocando que a jurisprudência dos tribunais arbitrais que em interpretação defendem que é possível a cumulação de pedidos relativos a impostos de diferente natureza e nesse sentido não exige uma identidade absoluta de facto e de direito entre os pedidos, até porque a matéria de direito será naturalmente distinta quando estiverem em causa impostos diferentes (a título de exemplo, menciona as decisões arbitrais proferidas no Processo n.º 241/2021-T, de 05.05.2022; Processo n.º 243/2021-T, de 05.03.2022, Processo n.º 350/2020-T, de 08.07.2021)
  5. Exposto sumariamente a alegação e resposta à invocada exceção de cumulação ilegal de pedidos cumpre apreciar.
  6. No presente pedido de pronuncia arbitral, é peticionada a anulação por ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
  7. Quanto à questão da admissibilidade sobre a cumulação de pedidos, diz-nos o artigo 3.º n.º 1 do RJAT que: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  8. De acordo com a factualidade já descrita, os atos tributários de ambos os impostos resultaram da mesma Inspeção Tributaria.
  9. A averiguação da legalidade das liquidações, ora impugnadas, resulta da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  10. Com efeito, resulta do RIT no ponto “V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades V.1 – Gastos e IVA deduzido não relacionados com a atividade”, ou seja, os dois impostos são agrupados e analisados em conjunto pela AT.
  11. Conforme resulta da factualidade descrita e da Matéria de Direito, as correções em sede de IVA resultaram exclusivamente da não consideração das faturas como gastos para efeitos de IRC, por não cumprimento das regras previstas no art.º 23.º do CIRC, por outras palavas, as correções em sede de IVA são um resultado direto e consequência das correções em sede de IRC, e em contra posição, a aceitação dos gastos e faturas aqui em apreço para efeitos de IRC, têm como consequência a sua igual validação em sede de IVA.
  12. Nos termos da moldura legal prevista nos artigos 3.° do RJAT e 104.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e de diferentes Impostos é valida e legalmente permitida.
  13. Consequentemente, não se vê fundamento para a procedência da alegada exceção motivo pelo qual vai improcedente.

G -  Questões Decidendas

  1. Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir:
    1. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, n.º 2022..., referente ao período de 2019, no montante de 14.055,18€, emitido pela AT, na sequência da ação inspetiva n.º OI2022....
    2. Da declaração parcial de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023 ... referentes aos períodos de IVA do ano de 2019 emitidos pela AT, na sequência da ação inspetiva n.º OI2022... .
    3. No reembolso do imposto e condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

H -  Matéria De Direito

  1. Atendendo à posição das Partes e à matéria de facto dada como assente, compete ao tribunal averiguar se os gastos declarados pela Requerente e alvo de correção por parte da Requerida, cumprem com os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC, mais concretamente, se os gastos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, e consequentemente se são gastos válidos para efeitos de IVA.
  2. Em concreto cumpre analisar a questão sobre os gastos referentes: a) gastos relacionados com a prestação de serviços jurídicos, b) gastos inerentes a atividade agrícola e c) gastos relacionados com depreciações e amortizações de ativos fixos tangíveis.
  3. Para analise da questão sub júdice, cumpre em primeiro lugar, analisar sobre quem recai o ónus da prova.
  4. Resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
  5. Acresce que sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11).
  6. Seguindo a exposição e os normativos anteriormente referidos, conclui-se que compete à Requerente, o respetivo ónus da prova do facto invocado, prestar o esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 al. b) da LGT, e comprovar por recurso a elementos de prova os rendimentos por si declarados nas suas declarações de rendimentos.
  7. Aplicando o exposto ao presente caso, temos por certo que recai sobre o Requerente o ónus da prova dos factos inscritos na sua declaração de rendimentos relativos ao ano de 2019, ou seja, cabe-lhe provar os gastos foram incorridos no interesse da empresa, nos termos do artigo 23.º do CIRC, e apresentar as faturas e documentos que os suportam, que cumprem os requisitos para efeitos do direito de dedutibilidade do artigo 19.º do CIVA.
  8. Com efeito e de acordo com a matéria de facto consignada como provada, por via da prova documental e testemunhal, ficaram demonstrados os rendimentos, bem como os gastos incorridos no interesse da empresa, e as faturas e documentos que os suportam cumprem os requisitos para efeitos do direito de dedutibilidade do artigo 19.º do CIVA.
  9. Vejamos em melhor detalhe, a análise jurídica sobre a aplicação do art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC,  já objeto de várias decisões do CAAD, as quais naturalmente beneficiam a presente análise pela exposição técnica aportada.
  10. Dispõe o art.º 23.º, n.º 1 do Código do IRC que "são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".
  11. Se até à introdução da redação do art.º 23.º do Código do IRC dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a norma em causa referia expressamente o conceito de indispensabilidade do gasto para efeitos da sua dedução em sede de determinação do lucro tributável, tal conceito deixou de ter expressa previsão legal.
  12. Tal não significa, contudo, que não se deva admitir atualmente o conceito de indispensabilidade para efeitos de apuramento de um gasto como dedutível para efeitos fiscais. Na verdade, volvidos cinco anos da introdução da nova redação do artigo 23.º do Código do IRC, a doutrina e jurisprudência (judicial e arbitral) continuam a defender a presença deste conceito, admitindo como gasto dedutível para efeitos de determinação da matéria coletável, «todo o gasto decorrente da gestão realizado na prossecução do objecto societário, excluindo-se assim todo o gasto que seja estranho a tal prossecução.» [nosso sublinhado]
  13. Neste sentido, pode ler-se na Decisão prolatada no Processo n.º 398/2020-T que «A exclusão, propositada, da menção comprovadamente sejam indispensáveis", não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade. A doutrina considera que é bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. De facto, não se eliminou toda a subjetividade que poderia existir com a anterior redação, pois a relevância fiscal de um gasto continuará a depender de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa e, como tal, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.» Conclui assim que «Um dos objetivos destes limites à dedutibilidade dos gastos consiste em impedir eventuais situações de abuso fiscal, daí que o legislador tenha estabelecido uma lista exemplificativa de gastos dedutíveis por forma a limitar as reduções indevidas de impostos, ou estaria aberto o caminho à prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios em detrimento dos da empresa, resultando numa violação do princípio da tributação do lucro real.»
  14. Assim, também na Decisão proferida no Processo n.º 33/2018-T deste Tribunal: «há que concluir que a relevância fiscal de um gasto depende unicamente da sua conexão com a atividade da empresa, independentemente do mérito da opção de gestão empresarial que tenha sido seguida na assunção desse encargo, havendo apenas de afastar-se os gastos que tenham sido determinados por outras motivações.» [nosso sublinhado].
  15. Entendimento que se afigura em linha com o já defendido pelo Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 30 de novembro de 2011, prolatado no processo n.º 0107/11] quando refere, «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. (…) O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa.»
  16. No entendimento de MOURA PORTUGAL[1], «Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». [nosso sublinhado].
  17. Sendo que, por lucro deverá entender-se «(…) o resultado ou produto líquido de uma actividade produtiva, que tem a natureza de uma compensação líquida, por se tratar de retribuição que já vem depurada de todos os custos correlativos.»[2] Nesta senda, e nas palavras de VÍTOR FAVEIRO, os custos assim apurados apenas poderão «ser objecto de correcção directa, (…) quando se trate de factos que, por natureza e univocidade se evidenciem objectivamente como estranhos ao objecto e ao fim económico e gestionário global da empresa.»[3]
  18. Perante o exposto, é possível afirmar que o regime que decorre atualmente do artigo 23.º do Código do IRC norteia a dedutibilidade de gastos através de dois critérios: um de natureza formal, através do qual se exige que os gastos ou perdas tenham um suporte documental adequado, em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo; e outro de natureza material, nos termos do qual se exige que os gastos ou perdas tenham sido «incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» [cf. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC].
  19. A par das conclusões expendidas anteriormente, «só perante normas expressas e uma motivação intrínseca se poderá afastar a dedutibilidade de custos contabilísticos que preencham os requisitos legais do citado artigo 23.º do CIRC»[4] [nosso sublinhado]
  20. Deste modo[5], a não dedutibilidade de um gasto para efeitos fiscais terá de «passar no teste da “motivação”», sendo que para efeitos de consideração da referida não dedutibilidade «tem de ser visível e identificável o interesse fiscal específico que se visa acautelar. Ora se esta exigência recai sobre o legislador, mais se justifica que na tarefa de aplicação do preceito ao facto concreto o julgador tenha presente que está a aplicar uma norma que constitui uma excepção à regra geral de identidade conceptual entre custos contabilísticos e custos fiscais.»
  21. Neste sentido, cabe igualmente acolher o entendimento de acordo com o qual «Só respeitando estes requisitos e fazendo um uso restritivo da limitação à dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais se respeitarão o princípio da tributação pelo lucro real e o princípio segundo o qual a conexão dos custos com a actividade do contribuinte justifica a respectiva dedutibilidade.»[6]
  22. Desta forma, exposto o que se deve entender por gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, bem como das exigências que a aplicação do artigo 23.º-A do Código do IRC reclama em sede da própria construção e funcionamento do ordenamento jurídico-tributário, nomeadamente do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real, importa analisar o caso concreto.
  23. O art.º 23.º-A do Código do IRC tem funcionado como uma espécie de cláusula geral antiabuso invertida, na medida em que não se exige à Administração Tributária um concreto dever de fundamentação quanto à exclusão de dedutibilidade de um determinado gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável, que de resto deve pautar toda a sua atuação.
  24. Pretendendo-se aferir da respetiva dedutibilidade, o mesmo é dizer que se se considera ou não que os referidos gastos foram incorridos no interesse da empresa e na prossecução da respetiva atividade.
  25. Ora, da análise efetuada aos factos apresentados, e atentos os requisitos de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos foram incorridos no interesse da empresa, sendo manifesta a sua adequação atendendo à regular prossecução do objeto societário (e portante à atividade económica desenvolvida pela Requerente), não tendo ficado comprovada qualquer outra motivação.
  26. Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a anulação da liquidação de IRC, conforme peticionado pela Requerente.
  27. Sobre as correções feitas em sede de IVA, o artigo 19.º, n.º 2, do CIVA (na linha do artigo 178.º, n.º 1, da Directiva n.º 2006/112/CE) assegura o direito à dedução desde que o imposto seja mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
  28. Não tendo a AT, questionado os valores indicados de IVA, e não tendo sido invocada a falta de requisitos das faturas, em sede do RIT, bem como nestes autos, não se vê motivo atendível para recusar o direito à dedução.
  29. As correções, conforme resulta da factualidade descrita, resultaram da desconsideração dos referidos gastos em sede de IRC, ora, tendo-se decidido que os gastos foram incorridos no interesse da empresa, preenchendo os requisitos de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, consequentemente os mesmos são aceites para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 2, do CIVA.
  30. Bem como, as referidas operações, estão incluídas na alínea a) do artigo 20.º do CIVA, que estabelece, “1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;”
  31. Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial das liquidações de IVA, peticionado pela Requerente.
  32. No caso em apreço, e conforme o anteriormente exposto, conclui-se pela ilegalidade das liquidações em apreço, e em consequência procedente o pedido de pronúncia arbitral.

I - Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

  1. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente e acrescida de juros indemnizatórios.
  2. A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
  3. Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
  4. O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).
  5. Na sequência da anulação do ato de liquidação de IRC e IVA, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia paga, peticionada, no valor total de € 32.862,56, como consequência da anulação total do ato de liquidação de IRC e anulação parcial do ato de liquidação de IVA, e a juros compensatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, desde a data de pagamento do imposto até ao integral reembolso.
  6. Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido da Requerente.

J-Questões De Conhecimento Prejudicado

  1. O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
  2. Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral

L - Decisão

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral, julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente, e em consequência:

  1. Declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC n.º n.º 2023 ... e juros compensatórios, referente ao período de 2019, no montante total de 14.055,18 €,
  2. Declarar a de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, n.º 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023... e juros compensatórios referentes aos períodos de IVA do ano de 2019, no montante, €18.807,38.
  3. Condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º n.º 1 da LGT;
  4. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

M. Valor Do Processo e Custas

Fixa-se o valor do processo em 32.862,56 (trinta e dois mil, oitocentos e sessenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente ao valor económico do processo aferido pelo valor das liquidações de imposto cuja ilegalidade é impugnada.

 

 

N. Custas

 Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Maio de 2024.

A Árbitra

 

Rita Guerra Alves

 

 

 



[1]      Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 116.

[2]    Cfr. MOURA PORTUGAL, ANTÓNIO, in «A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 63.

[3]    Cfr. VÍTOR FAVEIRO, in «O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito», Coimbra, 2002, pp. 847-848.

[4]    Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 104.

[5]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 302.

[6]     Cfr. MOURA PORTUGAL, ob.Cit., p. 350.