DECISÃO
SUMÁRIO: Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, , do ato de liquidação que havia impugnado, após a constituição do Tribunal Arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
A..., respetivamente, contribuintes fiscais n.ºs ... ... e B..., casados entre si, residentes em..., vieram, em 27 de outubro de 2023, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, "RJAT") e da Portaria .º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e demonstração de acerto de contas com o n.º ... no montante de € 843,43, referente aos rendimentos do ano de 2018, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n. º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi regularmente constituído em 11 de janeiro de 2024.
A 11 de janeiro de 2024, o Tribunal proferiu despacho nos termos do artigo 17.º do RJAT.
No dia 1 de fevereiro de 2024, antes do termo do prazo para apresentar a Resposta, a Requerida veio informar os autos que por despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária IR, datado de 29 de janeiro de 2024, os atos objeto do pedido de constituição do Tribunal Arbitral haviam sido parcialmente revogados, por ter sido comprovado que o contrato de seguro teve início a 1989-10-01, encontrando-se os rendimentos de capitais auferidos no estrangeiro excluídos de tributação.”
Notificados os Requerentes, no dia 2 de fevereiro de 2024, para se pronunciarem sobre o teor daquele requerimento, declarando se mantinham interesse na manutenção da instância, ou pelo contrário, nada tinham a opor à sua extinção, por requerimento de 16 de fevereiro de 2024, vieram os mesmos consignar que não tinham interesse no prosseguimento dos autos, atenta a revogação do ato tributário, no entanto, atendendo a que a revogação do ato de liquidação ocorreu na pendência do processo arbitral e após haver sido proferido e notificado o despacho a que alude o artigo 17º, do RJAT, requereram a condenação da AT no pagamento das custas na medida em que deu causa à ação, bem assim como à extinção da instância.
Por requerimento de 7 de fevereiro de 2024, a Requerida veio requerer, fundadamente, a prorrogação do prazo para apresentar a resposta atendendo ao termo do prazo para os Requerentes se pronunciarem sobre o interesse no prosseguimento dos autos, o que foi deferido, tendo a Requerida, dentro do prazo concedido pele Tribunal, manifestado a sua concordância com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
II – Saneamento
O Tribunal é competente.
O processo é próprio e as partes são legítimas e detêm capacidade e personalidade judiciárias.
Não há exceções ou nulidades.
Cumpre apreciar e decidir da extinção da instância.
III- Decisão
Revogado o ato tributário impugnado na pendência da ação depois de proferido despacho nos termos do artigo 17.º do RJAT e antes de apresentada a Resposta pela AT, cumpre apreciar a utilidade do pedido.
Segundo Lebre de Freitas “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios” – cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. No mesmo entendimento segue Lopes do Rego, Comentários, pág. 611 e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.
Também o Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou sobre a inutilidade superveniente da lide no acórdão de 19 de novembro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 0246/19.7BEBRG, no qual referiu “A impossibilidade ou a inutilidade superveniente da lide (al. e) do art. 277º do CPC) verificam-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a resolução do litígio se torna impossível ou deixa de ter interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância, pois que a pretensão do autor não
poderá, então, manter-se, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por se encontrar fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…)”
No caso vertente, a AT praticou um ato de anulação do ato administrativo, ou seja, um ato que teve em consideração a legalidade administrativa da liquidação e não de mera discricionariedade, pelo que, ainda que o despacho de 29 de janeiro de 2024 aluda à revogação do ato administrativo o mesmo corresponde a um verdadeiro ato anulatório.
Nos termos do n.º 3 do artigo 168.º do CPA, quando um ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.”
O que quer dizer que, a anulação do ato é tempestiva e uma vez destruído o ato tributário sindicado por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como impossível.
A inutilidade superveniente, nos termos da alínea a) do artigo 277.º do CPC, é aplicável às ações arbitrais tributárias por força da remissão operada pelo artigo 29.º do RJAT, conduzindo à extinção da instância.
Termos em que se julga extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Neste caso, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago nem quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios. Relativamente a essas questões o pedido arbitral apenas pode ser entendido como uma pretensão condenatória de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal, e a pronúncia do tribunal quanto a esses outros pedidos apenas deveria ocorrer se o processo devesse prosseguir para a apreciação do mérito da causa e eventual declaração de ilegalidade do ato impugnado.
Em todo o caso, o reembolso do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios é uma consequência da anulação administrativa tal como resulta do disposto no artigo 172.º do CPA, que impõe à
Administração Tributária o dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, em consonância com o também estabelecido no artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
A questão das custas
O princípio-regra nesta matéria é o de que suporta as custas quem dá causa à extinção da instância, tornando-a inútil ou impossível. (cfr. artigos 527.º e 536.º n.ºs 3 e 4, do CPC, ex vi artigo 29º, do RJAT).
Não se vislumbra que tivessem sido trazidos ao processo elementos ou que tivesse ocorrido outros factos supervenientes, imputáveis ao Requerente, que só agora permitissem à Requerida corrigir aquilo que ela própria assume ser a ilegalidade dos atos objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Assim, ao abrigo do artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, a AT pode evitar a constituição do Tribunal Arbitral se, no prazo de 30 dias após conhecimento da existência do pedido arbitral, revogar totalmente os atos objeto daquele pedido.
Mas não é manifestamente o caso porquanto, sabendo da pendência do processo arbitral, a revogação do ato só vem a ocorrer numa fase relativamente avançada do processo, designadamente após prolação do despacho arbitral para apresentação da Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT, e esgotado prazo inicial para a AT apresentar a Resposta.
Dito isto, a anulação do ato de liquidação dentro do prazo concedido para a apresentação da Resposta pela AT é tempestivo e satisfez a pretensão impugnatória do Requerente. O que quer dizer que, destruído totalmente o ato tributário sindicado por revogação administrativa na pendência da causa, a continuação da instância é não só inútil como mesmo e sobretudo impossível, por falta de objeto da lide.
À luz do sumariamente exposto, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide é imputável à AT que deve, em consequência, suportar as custas do processo.
III. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 834,43, (oitocentos e trinta e quatro e quarenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IV. Custas
Ficam as custas a cargo da Requerida (AT) na medida em que deu causa à extinção da instância (cfr. artigos 527.º e 536.º n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, do RJAT), fixando-se a taxa de arbitragem em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de maio de 2024
O árbitro
Cristina Coisinha