Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 684/2023-T
Data da decisão: 2024-05-15  IRS  
Valor do pedido: € 1.810,06
Tema: IRS – caducidade do direito à liquidação – inquérito criminal.
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SUMÁRIO

 

Nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo geral de caducidade de quatro anos é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. O alargamento do prazo de caducidade só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., com o NIF ... e residente na Rua..., n.º ... – ..., ...-... Paranhos (“Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa que pugnava pela anulação da liquidação de IRS n.º 2022... referente ao período de 2016, com o valor a pagar de IRS, acrescido de juros compensatórios, totalizando 1.810,06 €.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 27/09/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 15/11/2023, sem oposição das partes.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 06/12/2023.

A Requerida foi notificada em 16/12/2023 para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, o que fez em 22/01/2024.

Por Despacho de 08/02/2024 o Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

Ainda no mesmo Despacho facultou-se às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas, sucessivas, por prazo de 10 dias, não tendo qualquer das partes exercido essa faculdade.

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.

O procedimento de Reclamação Graciosa foi aberto em 28/02/2023, conforme consta do Processo Administrativo, presumindo-se o seu indeferimento em 28/06/2023, de acordo com a regra do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, começando a contar o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, no dia 29/06/2023. Tendo o pedido de constituição do Tribunal Arbitral dado entrada no dia 27/09/2023, tem-se o mesmo por tempestivo.

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente foi alvo de procedimento de inspeção aos exercícios dos anos 2015 e 2016, de âmbito parcial (IRS e IVA), ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2019... (ano de 2015) e OI2019... (ano de 2016) da Direção de Finanças do Porto (cfr. Processo Administrativo junto aos autos).
  2. Esta inspeção decorreu ao abrigo de “controlo declarativo dos rendimentos para a instrução do processo criminal de inquérito .../18...T9PTM” tendo-se iniciado em 07/11/2019 e sido ordenada em 23/09/2022 a notificação do RIT ao Requerente (cfr. Processo Administrativo).
  3. O referido processo criminal de inquérito resultou de, alegadamente, o Requerente, na qualidade de advogado, e a respetiva sociedade de advogados (B...), não emitirem quaisquer recibos pelos honorários cobrados a um cliente, no período compreendido entre os anos de 2015 e 2016 (cfr. documento n.º 2 junto com o PPA).
  4. O Requerente A... é sócio da sociedade B..., Sociedade de Advogados, RL, NIPC..., detendo 90% do seu capital social (cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos – RIT).
  5. A sociedade tem um capital social de 5.000,00 € detido por A... e C..., NIF ..., nas proporções de 90% e 10%, respetivamente, e, encontra-se sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC (cfr. RIT)
  6. No âmbito do procedimento inspetivo foram propostas correções ao lucro tributável e matéria coletável declaradas pela sociedade no ano de 2016, no montante de 7.000,00 €, devido a gastos não dedutíveis relativos a depreciações de terreno e de viatura ligeira de passageiros, nos termos das alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 34.º do CIRC (cfr. RIT).
  7. Uma vez que o Requerente detém 90% do capital da sociedade, foi efetuada, para efeitos de rendimento da categoria B do Requerente, a imputação ao rendimento no montante de 6.300,00 € [7.000,00x90% (% de imputação)] (cfr. RIT).
  8. O Requerente foi notificado em 04/11/2022 da referida liquidação de IRS (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela AT, sendo a data coerente com as datas que constam das notas de compensação e liquidação juntas com o PPA).
  9. Da nota de liquidação resultou uma quantia a pagar de 1.810,06€, incluindo imposto e juros compensatórios, tendo o Requerente procedido ao respetivo pagamento (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA).
  10. Com o objetivo de anular a liquidação de IRS, o Requerente enviou por carta registada em 27/02/2023 uma Reclamação Graciosa, tendo o procedimento sido aberto pela AT em 28/02/2023, conforme consta do Processo Administrativo.
  11. Até à data não foi proferida qualquer decisão pela AT quanto à Reclamação Graciosa.
  1. Factos não Provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

  1. Motivação da Decisão de Facto

A matéria de facto foi fixada tendo por base a documentação junta com o PPA, bem como os elementos juntos como o Processo Administrativo.

 

  1. Matéria de Direito

 

  1. Posição das partes

Posição do Requerente

O Requerente alega que a liquidação em causa padece do vício de caducidade do direito da AT em liquidar tributos referentes ao exercício de 2016, invocando adicionalmente ilegalidade do procedimento de inspeção, por ter sido realizado com base numa denúncia falsa e violadora do princípio da legalidade.

De seguida apresenta-se uma compilação de transcrições do PPA que resumem a posição do Requerente:

No âmbito do artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, o prazo para o exercício do direito da AT em liquidar IRS (IRC via transparência fiscal) de 2016 começou a contar no dia 01/01/2017, tendo caducado passados 4 anos, ou seja 2021. Assim, o direito da AT em apresentar liquidações adicionais já se encontrava caducado quando o Requerente foi notificado da liquidação de IRS no dia 04/11/2022.

Dispõe o artigo 46.º, n.º 1 da LGT que ao prazo de caducidade podem acrescer 6 meses, em virtude de ter sido instaurado procedimento de inspeção externa: “1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção”.

In casu, e tendo a inspeção durado mais de 6 meses, considera-se que o prazo de caducidade nunca esteve suspenso nos termos do artigo 46.º n.º 1 da LGT, uma vez que o legislador pretende que o prazo de inspeção de 6 meses não seja ultrapassado. Sendo tal prazo, meramente ordenador, ultrapassado a consequência para a AT é que não possa beneficiar da suspensão.

Prossegue ainda o Requerente:

A AT vem invocar que “de acordo com o nº 5 do artº 45º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo de liquidação dos tributos uma vez instaurado inquérito criminal, é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”. Sendo que a premissa em que a AT sustenta a aplicabilidade de tal regime assenta na alegação de que a liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, fazendo alusão que teria incidido sobre factos atinentes ao processo de inquérito n.º .../2019... T9PTM, o qual envolvia o Requerente (cfr. II.2 do RIT). Sucede que tal infirmação é insuficiente para aplicar o artigo supramencionado, podendo-se concluir que, no caso em apreço, o direito de liquidar o IRS (IRC via transparência fiscal), ainda que tenha existido um inquérito criminal a decorrer, não se alargou.

Para esse alargamento seria necessário, como condição “sine qua non”, que a identidade dos factos que serviram de base à liquidação do IRS e os factos investigados no âmbito do processo-crime fossem os mesmos.

Podendo-se, desta forma, concluir que, perante a falta de conexão entre o RIT e o inquérito criminal não existia qualquer fundamento para o alargamento do prazo de caducidade, pelo que o disposto no artigo 45.º, n.º 5 da LGT não podia ser aplicado por falta de verificação de pressupostos de facto, devendo, por isso, vigorar o princípio geral da caducidade do já mencionado artigo 45.º, n.º 1, da LGT.

Para que a AT pudesse beneficiar do alargamento do prazo disposto no artigo 45.º, n.º5, da LGT teria de fazer prova de que nos autos de inquérito em questão foram investigados factos idênticos aos que justificaram os atos impugnados, o que não ocorreu.

Não foi demonstrada a existência de qualquer relação entre o inquérito criminal (no qual é investigada uma alegada fraude fiscal pela não emissão de faturas) e a inspeção tributária (onde a AT alega que as faturas emitidas deveriam ter liquidado IVA, além de correções na depreciação de um imóvel e na amortização de uma dada viatura).

Adicionalmente, sustenta ainda o Requerente:

Não obstante o Requerente entender que não existem motivos para a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, ainda que tal prazo se encontrasse suspenso, tal situação não transcenderia ipse dixit para a suspensão do prazo de conclusão do processo de inspeção nos termos do artigo 36.º, n.º 5, al. c) do RCPITA.

Caso o processo-crime seja anterior ao procedimento de inspeção tributário, como no presente caso, a AT pode beneficiar do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação, caso preencha os pressupostos previstos no artigo 45.º, n.º 5 da LGT. A lei que utiliza o subjuntivo para referir que “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”.

Por mera cautela, o Requerente argumenta subsidiariamente:

Mesmo que o processo de inspeção tributária se encontrasse suspenso em virtude do processo crime, o que não se aceita, e apenas se levanta essa hipótese por uma questão meramente académica, essa suspensão nunca poderia exceder o prazo de 8 meses.

Assim, e no limite, o prazo de caducidade que terminou no dia 01/01/2021, poderia (mas não pode) no máximo, prolongar-se-ia até 01/09/2021. De outra forma, e uma vez que o processo penal pode prescrever decorridos 15 anos da prática do crime, poder-se-ia cair no ridículo da AT procurar enviar liquidações adicionais passando todos os prazos de caducidade e até de prescrição dispostos nas leis tributárias com alegadas suspensões e interrupções do prazo, contrariando a lei ordinária e a lei fundamental.

Pelo que, apenas se pode concluir que a notificação do RIT a 13/10/2022 é claramente extemporânea (vide que a data do RIT, cfr. doc. 5).

Também subsidiariamente, o Requerente argumenta ainda o seguinte:

O procedimento de inspeção é ilegal por: i) se ter baseado numa denúncia manifestamente infundada; ii) por não ter sido dado a conhecer ao Requerente os fundamentos de aplicação da inspeção com base na denúncia; iii) e por ser anónima (pelo menos a AT não deu a conhecer ao Requerente a identidade do denunciante), o que, agregada à violação do princípio da legalidade inquina todo o procedimento de inspeção tornando a liquidação de IRS (IRC via transparência fiscal) ilegal.

Juntamente com o reembolso da quantia de 1.810,06 € paga, o Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios

Posição da Requerida

Abaixo se resume a posição da Requerida, recorrendo igualmente a transcrições do seu direito de Resposta.

Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, conforme nº 5 do mesmo artigo.

Com efeito, nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT, o prazo de 4 anos, é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de 1 ano, pelo que, considerando que o inquérito criminal foi instaurado em 2019-03-03 e arquivado em 2021-12-30, à data de notificação das liquidações do IRS e juros compensatórios relativas ao ano de 2016, ainda não se tinha completado o prazo de caducidade.

O processo de inquérito nº .../18...T9PTM teve origem em certidão extraída do processo nº .../14...JAFAR para investigação de crime(s) de fraude fiscal, previsto e punível pelo artº 103º do RGIT de que seriam suspeitos A... e/ou a B...- Sociedade de Advogados, RL, em face da alegada ausência de emissão de recibos pelos honorários cobrados a D..., nos anos de 2015 e 2016, porquanto foram detetados movimentos financeiros provenientes desses clientes, indiciando-se possível omissão de rendimentos através da utilização de contas bancárias na esfera da sociedade e na esfera pessoal do suspeito, advogado de profissão.

Assim, emitidas as Ordens de Serviço n.ºs OI2019.../..., para os sujeitos passivos A... e B..., Soc, respetivamente, para instrução do referido processo de inquérito, e estando em causa, a averiguação de possível omissão de rendimentos, foi necessária uma análise completa aos anos em questão, a toda a contabilidade da sociedade, e a todos os factos ocorridos nesses anos, em sede de IRC e IVA e aos registos da atividade profissional do sócio, em sede de IRS e IVA.

E, tendo por base a suspeita de omissão na emissão de recibos ou faturas a favor de clientes, e consequente omissão de rendimentos e liquidação de IVA, foi instaurado o processo de inquérito nº .../18.9T...PTM, para investigação de eventual fraude fiscal.

Quanto ao alegado incumprimento do ónus da AT em correlacionar o crime à inspeção:

Verifica-se a identidade de factos entre o relatório de inspeção e o processo de inquérito criminal .../2019... T9PTM, sendo que, as correções propostas no âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo ao sujeito passivo ora Requerente A... em sede de IRS e ao ano de 2016, respeitam à imputação ao sócio na proporção da sua quota, nos termos do artº 20º do CIRS, da matéria coletável apurada em sede de IRC na esfera da sociedade B... Soc. (sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal), nos termos do artº 6º do CIRC.

Quanto à alegada não conexão entre as correções em sede de IRS e o processo-crime:

As correções propostas no Relatório decorrem da análise dos indícios que deram origem à instauração do processo de inquérito nº.../18...T9PTM, por respeitaram ao âmbito do IRC e extensão anual que incidiu sobre a sociedade, repercutida na esfera pessoal do sócio, por via da transparência fiscal, nos termos do artº 20º do CIRS.

Quanto à alegada não suspensão do prazo de conclusão do procedimento de inspeção:

As alegações do Requerente não têm qualquer suporte na lei, porquanto, o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, conforme estipula a al. c) do nº 5 do artº 36º do RCPITA, e, de acordo com o nº 5 do artº 45º da LGT, o prazo de liquidação dos tributos uma vez instaurado inquérito criminal, é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Quanto à duração do Processo-Crime:

Relativamente a este argumento, o Requerente alega, em síntese, que mesmo que o processo de inspeção tributária se encontrasse suspenso em virtude do processo crime, o que não se aceita, e apenas se levanta essa hipótese por uma questão meramente académica, essa suspensão nunca poderia exceder o prazo de 8 meses, pelo que, e no limite, o prazo de caducidade que terminou no dia 01/01/2021, poderia (mas não pode) no máximo, prolongar-se-ia até 01/09/2021.

Ora, e com o devido respeito, mais uma vez não lhe assiste razão, porquanto, e desde logo, os prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPP têm uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos atos praticados decorrido os prazos do inquérito.

Assim, uma vez que o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, conforme estipula a al. c) do nº 5 do art.º 36º do RCPITA, e, de acordo com o nº 5 do artº 45º da LGT, pelo que, considerando que o inquérito criminal foi instaurado em 2019-03-03 e arquivado em 2021-12-30, à data de notificação das liquidações do IRS e juros compensatórios relativas ao ano de 2016, ainda não se tinha completado o prazo de caducidade.

Quanto à alegada ilegalidade da inspeção, a Requerida contrapõe:

As correções propostas no âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo ao sujeito passivo A... em sede de IRS e ao ano de 2016 respeitam à imputação ao sócio na proporção da sua quota, nos termos do art.º 20º do CIRS, da matéria coletável apurada em sede de IRC na esfera da sociedade B... Soc. (sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal), nos termos do art.º 6º do CIRC.

Efetivamente, tendo por base a suspeita de omissão na emissão de recibos ou faturas a favor de clientes, e consequente omissão de rendimentos e liquidação de IVA, foi instaurado o processo de inquérito nº .../18...T9PTM, para investigação de eventual fraude fiscal. Ora, o processo de inquérito tem origem em indícios e a investigação subsequente, para análise desses indícios, exige uma análise ao ano completo e a todos os factos que nele ocorreram para a formação do facto tributário, apurando-se os consequentes efeitos tributários, neste caso em sede de IRC, repercutidos, inevitavelmente na esfera pessoal do sócio, em sede de IRS, devido a tributação por transparência fiscal.

Em consequência, foram emitidas as Ordens de Serviço n.ºs OI2019.../..., para os sujeitos passivos A... e B..., Soc, respetivamente, para instrução do referido processo de inquérito, e estando em causa, a averiguação de possível omissão de rendimentos, foi necessária uma análise completa aos anos em questão, a toda a contabilidade da sociedade, e a todos os factos ocorridos nesses anos, em sede de IRC e IVA e aos registos da atividade profissional do sócio, em sede de IRS e IVA.

O Requerente teve conhecimento dos objetivos, âmbito e extensão e motivos do procedimento inspetivo, pois para tal foi notificado através das cartas aviso enviadas através dos ofícios nºs 2019... e 2019... ambos de 04/09/2019, nos termos da alínea l) do nº 3 do artº 59.º da LGT e do artº 49º do RCPITA, bem como foi notificado pessoalmente, nos termos do nº 6 do artº 36º do RCPITA da suspensão do prazo para a conclusão dos procedimentos de inspeção, levados a cabo aos anos de 2015 e 2016, em face do disposto na alínea c) do nº 5 do artº 36º do mesmo diploma, dado ter sido instaurado em 06/03/2019 o processo de inquérito n.º .../2018... T9PTM.

Assim, nos termos expostos, o procedimento de inspeção cumpriu o que a lei determina, e, contrariamente ao que alega o Requerente, não se vislumbra que tenha sido cometida qualquer ilegalidade.

A Requerida pugna igualmente pela legitimidade para instaurar o procedimento inspetivo, uma vez que os factos denunciados levavam à liquidação de tributos, ficando assim, comprovado a conexão entre o processo de inquérito criminal e o procedimento inspetivo.

  1. Análise

Conforme estipula o artigo 45.º, n.º 1, da LGT, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

Está em causa uma liquidação de IRS, a qual advém da imputação do lucro apurado pela sociedade sujeita ao regime da transparência fiscal. Assim, estabelece o n.º 4 da norma citada que “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”. Logo, relativamente ao IRS do exercício de 2016, a caducidade opera para quaisquer liquidações adicionais notificadas a partir do dia 01/01/2021.

Refere o n.º 5 da norma citada que, “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Resulta da letra da lei que esta exceção se aplica quando estão em causa factos relativamente aos quais foi instaurado processo criminal. Conforme se escreve no Acórdão do STA, de 11.05.2016, dado no Processo 1071/14, “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”.

Recorde-se que o que está em causa, quanto à investigação criminal, é um processo de inquérito por, alegadamente, o Requerente, na qualidade de advogado, e a respetiva sociedade de advogados, não emitirem quaisquer recibos pelos honorários cobrados a um cliente específico. A liquidação adicional de IRS operada deriva de correções ao lucro tributável da sociedade transparente no ano de 2016, resultante de gastos não dedutíveis relativos a depreciações de terreno e de viatura ligeira de passageiros.

Não há qualquer identidade, nem sequer de forma muito indireta, entre o inquérito criminal e a liquidação adicional operada, pelo que não pode aplicar-se o alargamento do prazo de caducidade previsto no citado n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

Adicionalmente, dispõe o artigo 46.º, n.º 1, da LGT que “o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção”.

Conforme bem alega o Requerente, tendo a inspeção durado mais de 6 meses, considera-se que o prazo de caducidade nunca esteve suspenso nos termos do artigo 46.º n.º 1 da LGT.

Tal como invocado pelo Requerente, o Acórdão do TCA Sul, de 28-10-2021, dado no processo n.º 1659/17.5BELRA, postula que “a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação prevista no n.º 1 do art.º 46.º da LGT só ocorre se a duração da inspeção externa não tiver ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

Finalmente, importa referir que o artigo 36.º, n.º 5, alínea c), do RCPITA, determina que o prazo para conclusão do procedimento de inspeção se suspende quando seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença. Porém, esta regra é aplicável no caso de o inquérito criminal ser instaurado no decurso da inspeção, o que não foi o caso.

Caso o processo-crime seja anterior ao procedimento de inspeção tributária, como no caso dos autos, o alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação estaria sempre sujeito às condições previstas no artigo 45.º, n.º 5 da LGT, que, como se viu, não estão cumpridas.

Verificou-se assim a caducidade do direito de liquidar IRS relativamente ao exercício de 2016, uma vez que a liquidação só foi notificada ao Requerente em 04/11/2023.

Fica também prejudicada a análise das questões subsidiárias alegadas pelo Requerente.

  1. Juros indemnizatórios

O Requerente peticiona, além do reembolso do imposto, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, tal como expressamente prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.

Conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Está assim a Requerida adstrita à obrigação de pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir da data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, conforme estatui o n.º 5 do artigo 61.º, do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS nº 2022... referente ao período de 2016, com o valor a pagar de imposto e de juros compensatórios de 1.810,06 €.
  2. Condenar a AT ao reembolso do imposto pago indevidamente pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. Condenar a AT ao pagamento das custas do processo.

 

 

 

 

  1. Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pelo Requerente de 1.810,06 €.

  1. Custas

Custas no montante de 306,00 €, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 15 de maio de 2024

O Árbitro,

Jorge Belchior de Campos Laires