Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 665/2023-T
Data da decisão: 2024-05-31  IMT  
Valor do pedido: € 11.086,88
Tema: IMT; isenção artigo 7.º do Código do IMT; Requisitos; Sociedade de Titularização de Créditos.
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Sumário:

I - Desde a entrada em vigor da Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto, cumpridos os prazos de alienação e demais pressupostos relativos ao destino do imóvel que esteja em causa, pode em abstrato uma Sociedade de Titularização de Créditos (“STC”), atuando no âmbito da sua atividade, beneficiar da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do respetivo Código.

II – Tal sucede porque, desde a entrada em vigor do n.º 6 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (aditado pela Lei acima referida), as aquisições de imóveis por STCs são, por um lado, legalmente autorizadas e, por outro, necessariamente destinadas a posterior re-alienação.

III - A aquisição de imóvel através de dação em cumprimento não obsta ao benefício em causa, conquanto a posterior re-transmissão se dê por contrato de compra e venda.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

RELATÓRIO

A..., S.A., titular do NIPC..., com o capital social de € 250.000,00 e sede na..., n.º ..., Piso ..., ..., ...-... Lisboa (doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a) e o artigo 102.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade i) da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2023..., proferida pela Unidade de Grandes Contribuintes da AT e ii) do ato de liquidação do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante, “IMT”) com o n.º..., datado de 20.01.2020, do qual resulta um montante a pagar de € 11.086,88, e bem assim, que se determine a condenação da Requerida i) a reembolsar a Requerente do montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal e ii) no pagamento das custas processuais.

De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 6 de dezembro de 2023, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 29 de janeiro de 2024.

A Requerente alega, em síntese, que os atos de indeferimento de reclamação e de liquidação ora impugnados estão inquinados de vício de violação de lei na medida em que nada obsta a que as Sociedades de Titularização de Créditos (“STCs”) como a Requerente possam beneficiar da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do respetivo Código, conhecida na gíria como “isenção de compra para revenda” nos casos em que, tendo adquirido imóveis no âmbito da sua atividade venha a aliená-los em prazo inferior ao estabelecido naquela norma, benefício esse que lhe foi negado pela AT.

 A Requerida, por seu lado, opõe-se a tal entendimento, sustentando, por um lado, que as STCs não podem abstratamente beneficiar de tal isenção na medida em que não exercem uma atividade imobiliária de compra para revenda com caracter de habitualidade, sendo a revenda de imóveis adquiridos meramente incidental no contexto da sua atividade e, por outro, que no caso concreto da Requerente, o facto de tais imóveis terem sido adquiridos por dação em cumprimento exclui por si só a aplicabilidade da sobredita isenção.

Tendo em conta a natureza da matéria em causa e a prova documental trazida aos autos, foi dispensada, por despacho arbitral de 5 de março de 2024, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT bem como a produção de alegações.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 5.º, e 6.º do RJAT, tendo as partes personalidade e capacidade judiciárias, sendo legítimas e encontrando-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

Posto que o processo não enferma de nulidades, cumpre apreciar e decidir.

MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. A Requerente é uma Sociedade de Titularização de Créditos (“STC”) que foi constituída em 2006, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, encontrando-se para tal registada junto da CMVM sob o n.º ... – facto admitido por acordo.
  2. A Requerente tem como objeto social o exercício das atividades consentidas por lei às STCs, que consiste exclusivamente na realização de operações de titularização de créditos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento de créditos adquiridos – facto admitido por acordo.
  3. A Requerente tem registado, como CAE principal, o código 64992 (“Outras atividades de serviços financeiros diversos, n.e., excepto seguros e fundos de pensões”) e, desde 7 de março de 2019, o CAE secundário 68100 (“Compra e venda de bens imobiliários”) – facto admitido por acordo.
  4. Em 29 de agosto de 2019 entrou em vigor a Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto (diploma que alterou, entre outros, o regime jurídico da titularização de créditos), nos termos da qual passou a ser permitido às STC a aquisição de bens imóveis.
  5. Em 23 de janeiro de 2020 a Requerente adquiriu, por dação em cumprimento correspondendo ao valor de € 275.000, o prédio urbano descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóvel de ... sob o n.º ... da freguesia do ... e inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de ..., ... sob o artigo ... (o “Imóvel”) – facto não controvertido.
  6. Previamente à aquisição, em 20 de janeiro de 2020, a Requerente entregou a declaração de IMT correspondente à mesma, tendo sido emitida, e paga, a liquidação de IMT n.º..., correspondente ao DUC..., no valor de € 11.086,88 (a “Liquidação”) – facto provado através do Doc. n.º 3 junto ao Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”).
  7. A Requerente vendeu o Imóvel em 24 de agosto de 2021 – facto resultante do Doc. n.º 8 junto ao PPA e não controvertido.
  8. Os compradores destinaram o Imóvel a habitação secundária – facto resultante do Doc. n.º 8 junto ao PPA e não controvertido.
  9. Em 13 de setembro de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a Liquidação – facto admitido por acordo.
  10. A reclamação consistiu exclusivamente num pedido de anulação da Liquidação e reembolso do imposto pago por aplicação do n.º 4, do artigo 7.º do Código do IMT – facto não controvertido.
  11. A Requerida indeferiu a reclamação por ofício datado de 14 de junho de 2023 – facto não controvertido.
  12. A Requerente impugnou a decisão de indeferimento e a Liquidação através do presente processo, que deu entrada no CAAD em 22 de setembro de 2023.

A.2. Factos dados como não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).  

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. 

 Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada. 

DO DIREITO

Da validade dos atos impugnados

Inexistindo controvérsia quanto aos factos, como vimos, e sendo especialmente de salientar que está em causa a aquisição e alienação de um imóvel posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto (doravante, a “Lei n.º 69/2019”), a principal questão a dirimir nos presentes autos é essencialmente jurídica e pode enunciar-se assim:

 

Desde a entrada em vigor da Lei n.º 69/2019, cumpridos os prazos de alienação e pressupostos relativos ao destino do imóvel que esteja em causa (i.e.., manutenção do destino pela STC e aquisição que não seja para revenda por parte do adquirente do imóvel), pode uma STC , atuando no âmbito da sua atividade, beneficiar da isenção de IMT estabelecida no artigo 7.º do respetivo Código, com a epígrafe “Isenção pela aquisição de prédios para revendapara a aquisição?

 

A situação de facto é diversa da analisada no processo arbitral n.º 628/2021-T, na medida em que, naquele processo, a requerente em causa havia adquirido e alienado imóveis em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 69/2019, o que conduziu o tribunal arbitral a decidir pela improcedência do pedido com fundamento, note-se, na falta de permissão legal para o exercício de atividade imobiliária pela requerente à data da aquisição e alienação.

Não obstante, resulta da decisão proferida no mencionado processo que, tivessem os imóveis em causa sido adquiridos em data posterior à da entrada em vigor daquela Lei, outro teria sido o desfecho, na medida em que ali se refere o seguinte:

 

Através dos documentos anexos ao requerimento, verifica-se que a revenda dos prédios em questão foi realizada dentro do prazo estipulado legalmente para as STC, não declarando as entidades adquirentes que o destino dos imóveis é a revenda.

Desta forma, parece que se encontrariam reunidos os pressupostos para que a Requerente beneficiasse da isenção prevista no art.º 7.º do CIMT.

[Contudo] Só a partir de 29-08-2019 é que passou a ser permitido às STC a aquisição e venda de imóveis, com a entrada em vigor do n.º 6 do DL n.º 453/99, de 5 de novembro, introduzido pelo artigo 3.º da Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto, conforme suprarreferido.

9.  Sendo assim, temos de dar razão à Requerida quando alega que «analisadas as aquisições dos prédios urbanos e rústicos, para os quais a Requerente pretende que lhe seja reconhecida a isenção do art.º 7.º do CIMT, constata-se que os mesmos foram adquiridos, alguns sobre a forma de dação em pagamento, outros por escritura pública de compra/venda, em data anterior a 29-08-2019» e que as referidas aquisições de imóveis realizadas antes de 29-08- 2019 nunca poderiam beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, em virtude de serem operações legalmente vedadas às STC até àquela data.

Na verdade, e tendo em conta o carácter automático do benefício fiscal em causa, só com a redação do n.º 6 do art.º 45.º do mesmo Decreto Lei 453/99, de 5 de novembro, sob o título “Transmissões de créditos” é que «As sociedades de titularização de créditos podem ainda adquirir e deter imóveis (…)» - faculdade esta que se relaciona intrinsecamente com o regime do artigo 12.º do EBF, que dispõe que o «direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos (…)» – pressupostos estes que no caso em apreciação remetem para uma autorização legal que não existia (nem podia pré-existir) antes da entrada em vigor da Lei n.º 69/2019, de 28 de agosto (29-8-2019)” (cit., sublinhados do signatário).

 

Ou seja, e em resumo, entendeu aquele tribunal arbitral que, tivessem as sobreditas aquisições de imóveis ocorrido posteriormente à adição do n.º 6 ao artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (pela Lei .º 69/2019), poderiam as mesmas beneficiar da isenção a que nos vimos referindo.

De facto, dispõe aquele n.º 6 que “[a]s sociedades de titularização de créditos podem ainda adquirir e deter imóveis para os patrimónios segregados, quando estes sejam adquiridos em resultado de dação em pagamento ou da execução de garantias reais associadas aos ativos detidos, devendo os imóveis ser alienados no prazo máximo de dois anos a contar da data em que tenham integrado os referidos patrimónios, o qual, havendo motivo fundado, poderá ser prorrogado, nos termos a fixar em regulamento da CMVM”. (destaques do signatário).

E refira-se desde já que a posição defendida na decisão arbitral citada nos parece de sufragar, posição essa que, aplicada ao caso dos autos, determinará a procedência do pedido na medida em que a aquisição e alienação aqui em causa ocorreram já em 2020 e 2021, após a entrada em vigor do n.º 6, do artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro.

Com efeito, o artigo 7.º do Código do IMT prevê o seguinte:

 

1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.

2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda.

3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a atividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transação” (cit., destaques e sublinhados do signatário).

Conforme alega a Requerida, à semelhança do que havia feito no contexto do processo n.º 628/2021-T que acima se citou, “a razão de ser desta isenção encontra fundamento no princípio que enforma o IMT, que se traduz na tributação da manifestação de riqueza revelada pela aquisição de bens imóveis(…)” sendo que “a aquisição efetuada por empresas que exercem a atividade de compra para revenda, e com esse fim, não corresponde a manifestação de riqueza, sendo que o bem – imóvel adquirido para revenda – corresponde a mercadoria, razão pela qual entendeu o legislador isentar de IMT tais aquisições”.

A isenção estabelecida no artigo 7.º do Código do IMT é verdadeiramente um benefício fiscal de caráter automático porque o direito ao benefício resulta direta e imediatamente da lei, operando pela mera verificação do respetivo pressuposto de facto, não carecendo de qualquer ato posterior de reconhecimento por parte da AT e reportando-se “à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo [emitido posteriormente à data do pedido] pela administração fiscal».

Com efeito, o direito subjetivo a um benefício fiscal nasce com o facto tributário que reúna os pressupostos elencados no tipo isentivo.

Ou seja, cumpridos, na data de aquisição, os pressupostos de que depende o benefício (e cumprido, naturalmente, o posterior prazo de alienação que no caso dos autos não está em discussão) o mesmo aplicar-se-á, sem mais.

De onde cumpre saber quais são esses requisitos.

Na Informação Vinculativa n.º 10868, com despacho concordante de 2016-11-30, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, invocada no presente processo, refere-se que “a isenção constante do artigo 7.º do CIMT, visando a atividade de compra e venda de imóveis, está dependente da observância de determinados requisitos, a saber:

a) Que a aquisição do imóvel tenha como finalidade ou destino, a sua revenda;

b) Que a revenda se concretize no prazo de 3 anos, contado da data da aquisição;

c) Que antes da aquisição tenha sido apresentada a declaração prevista nos artigos 112.º do CIRS e 117.º do CIRC;

d) Que na revenda a efetuar, a entidade adquirente não destine o imóvel a revenda;

e) Que não seja dado destino diferente.

Quanto ao modo de fazer operar a isenção aqui em análise, esta processa-se, de acordo com aquela Informação, “por uma de duas vias: 1 - Se no momento da aquisição se verificarem todos os requisitos elencados, e no ano anterior a "atividade de comprador de prédios para revenda", tenha sido exercida normal e com caráter de habitualidade, há lugar à emissão de um documento único de cobrança de valor zero, evidenciando que não houve lugar a liquidação por se contemplar já o benefício de isenção, situação que se verificou na situação em apreço; 2. Por aplicação, nas demais situações, da regra geral constante da parte inicial do n.º 2, que determina que a liquidação e pagamento se processem nos termos gerais, funcionando o benefício (caso se verifiquem os outros requisitos) em momento posterior, aquando da revenda, sendo anulado o imposto mediante pedido a apresentar pelo interessado, nos termos e moldes constantes do n.º 4, do artigo 7.º do CIMT

Ora, atalhando caminho desde já quanto a um dos fundamentos invocados pela Requerida para negar à Requerente o gozo do benefício aqui em causa, em especial nos artigos 113.º e seguintes da Resposta, refira-se que a lei não limita a forma ou título de aquisição suscetível de beneficiar desta isenção. A lei refere-se, simplesmente, a aquisição e onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, como resulta do antigo brocardo latino, com especial intensidade no âmbito dos benefícios fiscais..

Pelo que constituindo, em substância, a entrega de um imóvel em dação em cumprimento um negócio oneroso com eficácia translativa da propriedade ao qual, por isso, se aplicam as regras gerais do contrato de compra e venda (como se estabelece no artigo 939.º do Código Civil), não se vêm razões para retirar a aquisição por dação em cumprimento (ou pagamento) do conceito de aquisição a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT.

E nem se argumente em sentido contrário com a decisão arbitral referida pela Requerida nessa secção da sua Resposta (tirada no processo n.º 83/2028-T) porque o tema que ali se analisa é diferente: na situação em causa nesse processo a requerente pretendia beneficiar da isenção por equiparar a saída de um imóvel no seu património por dação em cumprimento à alienação enquanto forma de revenda e não, como no caso aqui em discussão, a entrada de um imóvel no património a uma forma de aquisição passível de, futuramente, originar uma transmissão subsumível ao conceito de revenda para efeitos deste benefício fiscal.

Repare-se que, para a aqui Requerente, a dação em cumprimento teve dois efeitos jurídicos: operou a extinção de um crédito que detinha sobre outrem (o que está no cerne da sua atividade como forma de obtenção de lucro) e, do mesmo passo, acrescentou ao seu património um ativo que legalmente tem de alienar no curto/médio prazo (dois anos, tal como decorre do artigo 45.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro), não podendo ficar a contar com ele de forma permanente como propriedade de investimento ou ativo fixo tangível, pelo contrário – para que não seja considerada contrária ao objeto social e violadora das normas regulatórias aplicáveis, a aquisição de imóveis por STCs tem de ser feita no contexto da extinção de um crédito detido por esta e, por natureza, esses imóveis destinam-se a ser retransmitidos.

O que cabe aferir, ao invés, é se a transmissão (que no caso consistiu numa venda, como resulta provado) operada posteriormente pela Requerente pode caber no conceito de revenda para que possa dar-se por cumprido o requisito final que automaticamente conferirá à Requerente o benefício da isenção de IMT (por reembolso do imposto pago) na aquisição do imóvel em causa.

O que, no fundo, é saber se inerente à conceção de revenda patente no artigo 7.º do Código do IMT está necessariamente um anterior ato de compra propriamente dito, na medida em que literalmente só a venda possa originar revenda – situação que é em tudo diferente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em que se funda a decisão tomada no processo arbitral n.º 666/2023-T, designadamente constante do acórdão daquele Alto Tribunal proferido em 8 de novembro de 2017, no âmbito do processo n.º 0174/17, e retomada em posteriores arestos como o relativo ao processo n.º 0462/17.

É que nessa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo estão em causa situações em que – novamente – se pretende fazer equivaler a dação em cumprimento à revenda (e não à aquisição, como sucede no presente caso e sucedia já no mencionado processo arbitral n.º 666/2023-T).

Razão pela qual dissente este tribunal da decisão tomada no processo arbitral n.º 666/2023-T: entende-se, aqui, que as razões que justificam que a dação em cumprimento não seja equiparável a uma revenda não se verificam no contexto em que a dação em cumprimento é a forma de aquisição do imóvel que vem a ser posteriormente (obrigatoriamente) alienado e afigura-se que essa diferença não foi analisada nessa decisão arbitral.

Com efeito, afigura-se a este tribunal que o artigo 45.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro dá resposta a esta questão no âmbito das STCs – no âmbito desta norma, as aquisições de imóveis por STCs são destinadas a posterior alienação o que tem por consequência que se o negócio translativo for uma venda, como sucede in casu, estaremos por natureza perante aquisição destinada a revenda, ainda que o título aquisitivo não o diga.

Por fim, quanto ao requisito de normalidade e habitualidade do exercício da atividade de compra de imóveis para revenda: ao contrário do alegado na Resposta, nada  na lei exige que a atividade imobiliária das entidades beneficiárias da isenção seja a sua atividade principal ou sequer registada como CAE principal.

Exige-se, apenas, que essa atividade seja exercida com carácter de habitualidade e normalidade, seja ou não com recursos autónomos, seja ou não, como se refere na Resposta, “uma forma de realização dessa atividade principal, se[ndo-lhe] imanente, essencial, indispensável”.

Sendo certo que, no caso das STCs, e em face do estabelecido no já citado artigo 45.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, nem há dúvida – hoje – de que a aquisição de imóveis e sua posterior retransmissão constitui uma forma possível de realização da atividade principal deste tipo de sociedades na vertente de gestão de créditos, posto que o objeto destas sociedades, de acordo com o artigo 39.º do mesmo diploma, consiste exclusivamente, na “realização de operações de titularização de créditos ou de riscos, mediante a sua aquisição, gestão e transmissão e a emissão de obrigações titularizadas para pagamento dos créditos ou dos riscos adquiridos”.

Visa a obtenção de lucro e não é necessariamente acidental, como aliás provou a Requerente através do Doc. n.º 9 junto ao PPA, nos termos do qual, ainda que com difícil legibilidade, se confirma que a transmissão do imóvel em causa nos autos serviu de fundamento para que a Requerida passasse, em 2022, a considerar a Requerente como automaticamente isenta de IMT no quadro de futuras aquisições de imóveis.

Pelo que, constituindo a aquisição e posterior revenda do imóvel em causa a prova do exercício habitual e normal de uma atividade (principal ou não) de aquisição de imóveis para sua (legalmente imposta) revenda, e encontrando-se como vimos, cumpridos os demais requisitos isentivos, deveria a Requerida ter anulado a liquidação de IMT em causa em sede de reclamação e reembolsado a Requerente do imposto pago.

Não o fazendo, estão o ato de indeferimento e de liquidação em causa inquinados de vício de violação de lei, em particular da norma que resulta das disposições conjugadas do artigo 7.º, n.º 1 do Código do IMT com o n.º 6, do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 453/99, na redação em vigor em 2020, sendo, por essa razão tais atos anulados por este tribunal.

 

Do direito a juros indemnizatórios

Além do reembolso das quantias pagas, a Requerente peticiona, também, o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida.

A LGT estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios assenta num conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam, a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento de imposto em montante superior ao devido, sendo esse erro analisado em sede de reclamação ou impugnação judicial (encontrando-se hoje estabilizada a jurisprudência segundo a qual tal avaliação pode ser efetuada, também, em sede arbitral).

No caso concreto, resulta do probatório que a liquidação de imposto e juros compensatórios impugnada foi integralmente paga.

Adicionalmente, como se viu na fundamentação que se expendeu acima, afigura-se patente que o erro de direito que inquina o ato de indeferimento e a liquidação de ilegalidade é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, ao invés de se abster, praticou o ato de indeferimento sem atender a que Requerente beneficiava de uma isenção que lhe daria o direito ao reembolso de IMT.

Nessa medida, reconhece-se à Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, até ao integral reembolso do imposto.

DA DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral, anulando os atos de indeferimento e de liquidação impugnados, no montante de € 11.086,88 e, em consequência, condenando a Requerida no reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios e nas custas do processo.

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 11.086,88 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.  

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.   

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de maio de 2024

 

O Árbitro,

João Taborda da Gama