Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 664/2023-T
Data da decisão: 2024-05-27  IRS  
Valor do pedido: € 7.844,88
Tema: IRS – Liquidação oficiosa; caducidade do direito à liquidação; ineficácia da liquidação; crédito de imposto;
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SUMÁRIO:

I. – O regime da caducidade do direito à liquidação de impostos consagrado genericamente no art.º45.º da Lei Geral Tributária não é de conhecimento oficioso, pelo que se a parte não invocar tal caducidade o tribunal está impedido de conhecer ex officio tal excepção.

II. – A ineficácia da liquidação (resultante da respectiva notificação não ter sido validamente efectuada, cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), porque não contende com a validade desse acto, não constitui fundamento de impugnação judicial, podendo constituir fundamento de oposição à execução fiscal por inexigibilidade, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT.

III. - O crédito de imposto por dupla tributação internacional, pelo método da imputação ordinária consagrado em convenção para evitar a dupla tributação, é determinado com base no montante do rendimento efetivamente tributado no país da fonte e no da residência.

 

DECISÃO ARBITRAL

O Árbitro João Santos Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Novembro de 2023, decide no seguinte:

  1. Relatório
  1. A..., solteiro, maior, doravante designado Requerente, residente na Rua ... nº..., ...-... Caxias, contribuinte fiscal ..., apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado apenas por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada apenas por Requerida).

No Pedido de Pronúncia Arbitral o Requerente requer a constituição de Tribunal Arbitral e pedido de Pronúncia Arbitral sobre a LIQUIDAÇÃO oficiosa n.º ..., a que se reporta a respectiva DEMONSTRAÇÃO com o número 2022..., com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos identificados actos de liquidação de IRS.

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20/09/2023 e posteriormente notificado à Requerida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10/11/2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 28/11/2023.

  1. Em suporte das suas pretensões alega o Requerente, em síntese:
  1. O Requerente por lapso negligente não efectuou a sua declaração de IRS, do ano de 2018.
  2. Tendo sido posteriormente emitida pela AT uma Declaração Oficiosa com o n.º..., com data de vencimento 2022-11-07, da qual resultava devido o valor de IRS de € 6.947,26 e € 897,62 de juros de mora, dando assim a pagar um valor total de € 7.844,88, com prazo de liquidação até 07/11/2022.
  3. O Requerente não foi notificado devidamente da referida liquidação, pois que a mesma não só não lhe foi enviada por carta registada com aviso de recepção, como este jamais a recebeu, o que constitui uma nulidade.
  4. E por outro lado, só tomou conhecimento da divida, quando verificou a citação da execução, deslocando-se o mesmo posteriormente à repartição emitente, pretendendo consultar a notificação supostamente enviada ao mesmo, para tomar conhecimento dos fundamentos da referida liquidação, depois de consultado o respectivo processo, verificou-se que não havia neste qualquer tipo de fundamentação na referida notificação, nomeadamente não se conseguiu apurar como é que do rendimento em causa a AT chegou ao valor de imposto apurado na liquidação.
  5. E o Requerente entretanto apresentou uma nova declaração de IRS, com os valores correctos de rendimentos e despesas, necessários para a referida declaração de IRS do ano de 2018;
  6. Declaração essa de IRS com data de 24/01/2023, com o código de identificação de declaração 2018-...-...-..., para substituição da anterior relativa ao ano de 2018, a qual foi considerada certa
  7. Há uma clara violação do dever de fundamentação dos actos tributários.
  8. A liquidação oficiosa em causa, não se encontra devidamente fundamentada, em violação do disposto nos artigos 268.º n.º 3 da CRP e 77.º da LGT.
  9. O Reclamante em 2018 trabalhou a tempo inteiro, como artista gráfico de 3D, para a referida empresa, sendo este trabalho a sua única fonte de rendimentos, comprovando-se a natureza dos referidos rendimentos pela declaração que a direcção da mesma empresa emitiu.
  10. E de facto a referida empresa declarou ter feito um pagamento de 28.422,58 USD às autoridades fiscais dos Estados Unidos da América, através do impresso 1042-S, mas por lapso desta, nessa declaração assinalaram no mesmo impresso que o rendimento era da categoria 12.
  11. Assim, embora a referida declaração seja preenchida nos Estados Unidos da América, o Reclamante entende que os rendimentos que este recebe que lhe são pagos confessadamente por essa entidade como rendimentos pagos pelos serviços de artista gráfico de 3D, que o Reclamante presta à referida empresa, logo os mesmos deveriam ter sido classificados na categoria da instrução 1042-S, 42 ou 43.
  12. A categoria 12 não é apenas de Royalties, sendo denominada de Other royalties, como um nome genérico, contendo alguns exemplos: 12 Other royalties (for example, copyright, software, broadcasting, endorsement payments)
  13.  Ou seja, Direitos de autor, software, emissões de radio e televisão, pagamentos de patrocínios, que, não parece ser nenhuma das categorias onde tais rendimentos possam ser incluídos, pois que se tratam sempre de remunerações de trabalhos de 3D prestados, e não verbas relativas a licença ou permissão de uso de programas de computador.
  14. Assim, os rendimentos da actividade prestada pelo Requerente, não são claramente rendimentos de capital, mas sim rendimentos de trabalho, que poderão ser da categoria A ou B, mas nunca da categoria E.
  1. Em 10/01/2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, e juntou o processo administrativo, invocando em síntese:
  1. No caso concreto, o acto tributário encontra-se devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação do requerente no presente pedido de pronúncia arbitral revela que esta não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.
  2. No âmbito da troca internacional de informações fiscais, a Administração Fiscal dos Estados Unidos da América comunicou à AT que o referido contribuinte havia auferido no ano de 2018, outros rendimentos de capitais no montante de € 24.811,66 (28.423,00 USD).
  3. Essa comunicação pressupõe que a autoridade fiscal dos Estados Unidos da América considerou o Requerente como residente fiscal em Portugal, tendo reportado o rendimento obtido naquele país como de outra natureza diferente de rendimentos de trabalho ou pensões, ou dentro da classificação de rendimentos de capitais diferentes de juros ou mais-valias.
  4. Neste sentido, tendo por base a informação recebida dos Estados Unidos da América, sendo a mesma fidedigna, enquadrou-se o rendimento como outros rendimentos de capitais;
  5. No que respeita ao documento emitido pela entidade pagadora dos rendimentos, o mesmo limita-se a confirmar que pagaram ao sujeito passivo o rendimento em causa por ser um dos “artistas contratados”, não tendo sido apresentado por exemplo cópia do contrato assinado que pudesse fundamentar o alegado relativamente à natureza dos rendimentos (trabalho dependente ou prestação de serviços).
  6. Quanto ao documento relativo às autoridades fiscais americanas (Form 1042 – S), o mesmo considerou o rendimento em causa como Outros royalties (direitos de autor, software, radiodifusão, etc).
  7. E, em consulta ao site de internet do IRS (Internal Revenue Service) é possível confirmar que o formulário 1042-S é entregue pelo agente responsável de efetuar a retenção, no caso concreto a empresa que efetuou o pagamento do rendimento.
  8. Pelo que, se estranha que, a entidade que entregou o formulário 1042 S às autoridades fiscais norte-americanas, venha posteriormente numa carta, alterar a natureza dos rendimentos em causa.
  9. No entanto, o que se verifica é que, a carta apresentada como fundamentando que em causa estaria uma prestação de serviços, apesar do requerente ter declarado rendimento da categoria A (trabalho dependente), na realidade apenas confirma que efetuou pagamentos a um artista contratado não especificando a natureza dos rendimentos.
  10. O Requerente não conseguiu provar a verdadeira natureza dos rendimentos em causa, para além do facto de parecer ser evidente estarmos perante rendimentos que devem ser considerados outras espécies de royalties (como por exemplo direitos de autor, software, radiodifusão, etc), conforme resulta do documento Form 1042 -S.
  11. Contudo, dos documentos apresentados pelo Requerente, não consta nenhum que venha contrariar a informação comunicada pelas autoridades fiscais dos Estados Unidos da América, excluindo ou demonstrando inequivocamente que os royalties em causa tenham um enquadramento diferente do que a AT efetuou na declaração oficiosa.
  12. Assim, atendendo à informação que a AT tem disponível e à prova que o Requerente juntou, verifica-se que não constam documentos suficientes que nos permitam determinar uma natureza diferente dos rendimentos obtidos nos Estados Unidos da América, pelo que não se observa a prática de ato ilegal uma vez que foi respeitada a lei vigente tendo-se identificado a entidade pagadora dos rendimentos, o ano, o sujeito passivo e os montantes de rendimento
  1. Por despacho de 22/01/2024, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, notificando as partes para querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 10 dias.
  2. As Partes apresentaram alegações, o Requerente, em 07/02/2024, em que reitera o posicionamento manifestado no Pedido de Pronúncia Arbitral, e a Requerida, em 01/02/2024, onde assume o mesmo posicionamento manifestado na resposta, remetendo, igualmente, para a prova documental constante dos autos.
  3. Em 06/02/2024 o Requerente procedeu à junção do comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem subsequente (pago a 05/02/2024).

 

  1. SANEAMENTO
  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).
  2. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).
  3. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. QUESTÕES DECIDENDAS

Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

A. Da falta de notificação da liquidação oficiosa;

B. Da falta de fundamentação;

E. Da qualificação dos rendimentos como royalties enquadráveis na categoria E ou rendimentos da categoria A/B;

F. Do apuramento dos rendimentos tributáveis em sede de liquidação oficiosa de IRS.

 

III.1- MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos Provados:

Analisada a prova produzida no âmbito do Presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular considera como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

  1. O Requerente é residente fiscal em Portugal.
  2. O Requerente não procedeu voluntariamente à entrega da declaração modelo 3 do IRS do ano 2018.
  3. No âmbito do procedimento de troca de informações entre Portugal e os Estados Unidos da América, foi comunicado no Sistema Integrado de Troca de Informação (SITI) pelas Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América a obtenção de rendimentos pelo Requerente naquele país, cuja natureza identificaram como outros rendimentos de capitais no montante bruto de € 24.811,29 (28.422,58 USD)
  4. Verificada a falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2018 por parte do Requerente, foi elaborada pelos Serviços em 21/09/2022 a declaração oficiosa de IRS do ano de 2018, com o preenchimento do respetivo anexo J - rendimentos de capitais, com os montantes mencionados no ponto anterior.
  5. A qual originou a emissão da liquidação oficiosa de IRS de 2018 com o n.º..., com data de vencimento 07/11/2022, da qual resultava devido o valor de IRS de € 6.947,26 e € 897,62 de juros compensatórios, dando assim a pagar um valor total de € 7.844,88, com prazo de liquidação até 07/11/2022.
  6. Não concordando com o resultado da liquidação, o Requerente procedeu à entrega de uma declaração de substituição, na qual corrigiu a natureza do rendimento no anexo J para rendimentos de trabalho dependente, declaração essa que foi convolada em reclamação graciosa.
  7. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 16/06/2023 da Chefe de Finanças de Oeiras-..., não tendo sido aceite a sua pretensão quanto à natureza dos rendimentos obtidos nos Estados Unidos da América e à falta de fundamentação do ato.

 

  1. Factos Não Provados:

Não se provou que a liquidação identificada em E) tenha sido notificada ao Requerente.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Relativamente ao facto dado como não provado, resulta de a AT não ter juntado aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação, sendo certo que a demonstração de liquidação terá sido emitida com o n.º de registo RY...PT (conforme consta da decisão da Reclamação graciosa constante a fls 40 do PA) embora tal não conste especificamente da nota de liquidação, não sendo possível, por essa via, verificar a concordância entre o número de registo e o referido talão que permita estabelecer a ligação entre os elementos em apreço. O mesmo sucede com a demonstração de liquidação de juros. Por outro lado, os prints do sistema informático constantes a fls. 34 e 35 do PA não são aptos a demonstrar a notificação - os mesmos não foram retirados do sítio dos CTT. Acresce ainda que, foi consultada nesta data por este tribunal a página dos CTT https://www.ctt.pt/feapl_2/app/open/....jspx?request_locale=pt  e o resultado é devolvido com a seguinte mensagem “objeto não foi encontrado.”

 

IV – DO DIREITO

 

1. Da falta de notificação da liquidação oficiosa de IRS

Veio o Requerente no PPA alegar que não foi notificado da liquidação oficiosa, objecto do presente litígio, porquanto não lhe foi enviada sequer carta registada com aviso de recepção.

A AT, por seu turno, em sede de resposta no âmbito do artigo 17.º do RJAT e em sede de alegações não se pronunciou quanto a esta matéria.

Analise-se:

A regra da sujeição dos actos administrativos à exigência da respectiva notificação aos interessados está consagrada no referido n.º 3 do artigo 268.º da CRP ao estipular que:

 “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”.

Trata-se, como bem sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um direito dos interessados à notificação – o que tem o seu relevo, não apenas em termos de exigibilidade e de reacção contra eventuais recusas da Administração em notificar, como também porque se afasta assim a possibilidade de considerar realizado esse direito por qualquer outra via legal, sucedânea, que não assegure o conhecimento dos actos pelos interessados – cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, página 348.

Por seu turno, a fixação da matéria colectável nos casos de omissão de apresentação de declaração é realizada pela AT, nos termos do n.º 1 e 4 do artigo 65.º do CIRS. Sendo que os actos de fixação da matéria colectável são sempre notificados ao contribuinte com a respectiva fundamentação, conforme artigo 66.º do mesmo diploma.

E na mesma senda, acresce igualmente que, tal como resulta do n.º 1 do art. 36.º nº 1 do CPPT os actos em matéria tributária, que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes, só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

Nesta matéria dispõe-se no art. 38.º do mesmo diploma legal da forma como devem ser feitas as notificações, devendo estas ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção, entre outras e em princípio, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária.[1]

Deste modo, tratando-se de comunicação de acto que altera a situação tributária do contribuinte deveria o mesmo obedecer ao disposto no n.º 1 deste artigo devendo, por isso, a notificação ser feita por carta registada com aviso de recepção. O que é o caso dos autos, isto porque tratando-se de liquidação oficiosa não tem aqui aplicação o n.º 3 do aludido artigo 38.º que apenas exige que as notificações sejam efectuadas por carta registada no caso de liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes.

Sucede, porém, que, dos autos não consta sequer a prova de que foi enviada qualquer notificação, seja por carta registada ou com aviso de recepção. Aliás, a este propósito a informação que consta dos autos é omissa. Apenas consta do PA (fls 40) que: Na consulta às notificações em nome do reclamante, verifica-se que o mesmo foi notificado da liquidação em 2022-10-30, através do registo n.º RY...PT, o qual segundo consta do site dos CTT, foi entregue em 2022-10-06. E como se vê, nem sequer se pronuncia se tal notificação foi apenas enviada por correio registado ou ao invés por carta registada com aviso de recepção.

De qualquer dos modos, ainda que, no limite, a notificação da liquidação tivesse sido enviada por carta registada com aviso de recepção, ao que tudo indica que não terá ocorrido, não consta prova dos autos do seu envio e muito menos ainda da sua recepção pelo Requerente.

Sucede que, no caso dos autos, apenas consta o número objecto do envio postal na decisão de indeferimento da reclamação graciosa e nem sequer a cópia do respectivo aviso de recepção assinado. Mais, tal como referido supra, do sítio dos CTT não consta (ou pelo menos já não consta) qualquer referência ao aludido objecto postal. Dito de outro modo, não existem elementos nos autos que permitam afiançar que as cartas de notificação em apreço atingiram a esfera de disposição do seu destinatário, pelo que a efectividade da comunicação em exame não se comprova nos autos. 

In casu apenas constam uns prints em que está consubstanciada uma (alegada) entrega postal, que não são do próprio site da referida instituição.

Ora, como tem sido defendido amplamente pelos tribunais superiores, ao qual desde já se adere a tal entendimento:

I - Os prints do sistema informático, sendo da própria AT, não constituem documento de prova bastante da notificação dos atos de liquidação, provando somente o registo feito no referido sistema informático, logo insuscetíveis, per se, de atestar a remessa das liquidações em causa para o domicílio do Recorrido, nem o seu recebimento, na medida em que inexiste qualquer presunção de que os prints estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, e não carreados aos autos.

II - Um mero print interno retirado do Sistema Informático da AT, não pode deixar de ser considerado como documento interno elaborado pela própria, para efeitos internos, não sendo oponível ao executado.

III - As informações prestadas pela Inspeção Tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei, contudo não beneficiam de força probatória plena (artigo 76.º da LGT).

IV-Para abalar a força probatória das informações oficiais basta ao interessado gerar dúvidas fundadas sobre tais matérias para obter uma decisão favorável, não tendo de provar o contrário.

Acórdão do TCA Sul, Proc. n.º 450/11.7BESNT de 02/03/2023

Ora resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."

Acresce que, sobre a questão do ónus da prova existe ampla jurisprudência sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. (vide Processo Arbitral n.º 236/1014-T de 4/05/2015).

E na mesma senda, tal como resulta do Acórdão do TCA Sul, Proc. n.º 1124/13.0BESNT de 11/11/2021, que se pode aplicar ao caso em apreço, “[o] ónus da prova da notificação da liquidação recai sobre a Administração Tributária e deve ser observado através da junção de elementos externos à mesma que comprovem o ingresso da carta de notificação na esfera de cognoscibilidade do seu destinatário.

Dúvidas assim não restam de que o Requerente não foi devidamente notificado, pelo que, uma vez assente que ocorreu a falta de notificação da liquidação oficiosa ao Requerente, cumpre determinar a respectiva consequência legal.

 

Vejamos, então.

A título preliminar recorde-se, antes de mais, que o Requerente requereu a constituição de Tribunal Arbitral sobre a liquidação oficiosa n.º ..., na sequência de indeferimento da reclamação graciosa, com vista à declaração de ilegalidade e anulação do identificado acto de liquidação de IRS, tendo apenas formulado no pedido para a liquidação oficiosa de IRS de 2018 ser anulada e aceite a substituição desta pela já apresentada pelo contribuinte, como este requereu, anulando-se o despacho que lhe indeferiu a reclamação graciosa, pois que inexiste quaisquer rendimento de categoria E.

Tendo, por seu turno, alegado no artigo 5.º do PPA que o requerente não foi notificado devidamente da referida liquidação, pois que a mesma não só não lhe foi enviada por carta registada com aviso de recepção, como este jamais a recebeu, o que constitui uma nulidade que se invoca agora.

Ora, no caso dos autos resulta que não ocorreu a notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

E quanto à caducidade do direito de liquidar tributos, estabelece o n.º 1 do artigo 45.º LGT que "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro". In casu estamos perante um imposto periódico (IRS) pelo que o prazo de caducidade conta-se, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. nº 4 do artigo 45.º da LGT).

Contudo, compulsados os autos, constata-se que o Requerente não invocou especificamente no seu arrazoado a caducidade do direito à liquidação. Ora, como tem vindo a ser entendido pelos tribunais superiores - o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, está consagrado genericamente no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17/12, que estabeleceu um prazo de caducidade de quatro anos (Ac STA 02026/15.0BESNT de 12/10/2022).

Pelo que, nesta medida este Tribunal está impedido de oficiosamente determinar a caducidade do direito à liquidação, por não ter sido expressamente invocada pelo Requerente.

*

Em qualquer dos casos, acresce que, embora quer conceptualmente quer materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o acto que o notifica, a notificação não deixa de integrar o procedimento de liquidação. E embora não seja pressuposto da legalidade do acto da liquidação, na medida em que a notificação é sempre um acto posterior é, contudo, pressuposto da sua eficácia donde o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não ocorrer a notificação válida do acto que o interrompa. Isto significa que a falta de notificação da liquidação oficiosa efectuada é inexigível. No mesmo sentido veja-se o Ac do TCA Sul, Proc n.º 397/11.7BEALM de 16/09/2021.

Ora, a falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º, do CPPT. Tal como referido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, Proc. n.º 0578/13 de 18/09/2013:

I - O recurso por oposição de acórdãos interposto em processo de oposição a execução instaurado antes de 1 de Janeiro de 2004 depende da verificação de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
II - Nas situações em que a notificação do acto de liquidação nunca ocorreu ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

III - Nas situações em que a notificação do acto de liquidação ocorreu, mas se verifica que essa notificação foi realizada já depois de decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

E independentemente de constituir fundamento de oposição à execução (desconhecendo este tribunal se o Recorrente apresentou oposição com esse fundamento na execução fiscal da liquidação que terá ocorrido, tal como é referido no PPA), questiona-se se poderá também constituir fundamento de impugnação judicial, nos termos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT aplicável ex vi artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do RJAT.

A resposta deverá ser negativa. Entende este tribunal que o acto de liquidação é distinto da notificação ao próprio contribuinte e que por essa via não está em causa a legalidade da liquidação propriamente dita, emanada dentro do prazo de caducidade, mas a sua eficácia.

Nessa medida acompanha-se o Acórdão do STA, Proc. n.º 01295/14.8BEPNF 0555/1 de 26/06/2018 que se passa a citar:

A INEFICÁCIA DA LIQUIDAÇÃO PODE CONSTITUIR FUNDAMENTO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL?

Na parte em que deu resposta negativa a esta questão, a sentença não merece censura.

Antes do mais, cumpre ter presente que é indisputado que as liquidações foram efectuadas dentro do prazo da caducidade.

Depois, é pacífico que a impugnação judicial se destina à apreciação de vícios que afectam a validade ou existência (cfr. art. 124.º do CPPT) do acto impugnado, podendo ter como fundamento, nos termos do art. 99.º do CPPT «qualquer ilegalidade», quer respeitem ao próprio acto, quer respeitem a actos anteriores cuja ilegalidade se repercuta naquele. Já quanto às circunstâncias ulteriores à prática do acto, que não afectem a sua validade, mas apenas a sua eficácia, em regra, apenas poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal e já não de impugnação judicial. Assim, a falta de notificação válida da liquidação, não estando esgotado o prazo da caducidade ( Se estiver, poderá conhecer-se da questão em sede de impugnação judicial, como causa de inutilidade superveniente da lide, uma vez que não terá utilidade apreciar a validade de uma liquidação que não poderá vir a ter eficácia e, por isso, ser exigida. ) – que nem se esgotará enquanto estiver pendente o inquérito criminal (cfr. n.º 5 do art. 45.º da LGT) –, porque não constitui uma ilegalidade do acto impugnado (no caso, a liquidação), não poderá ser invocada como fundamento da impugnação judicial, antes devendo ser invocada como inexigibilidade da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal, fundamento subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotações 3 e 4 ao art. 99.º, págs. 108/109. ).

Assim, a sentença não merece censura nesta parte.

Razão pela qual improcede o vício de falta de notificação da liquidação.

 

2. Da falta de fundamentação

No que tange o vício de falta de fundamentação veio o Requerente alegar no artigo 14.º do PPA que “Ora, no caso concreto e em rigor, a Administração fiscal alheou-se dos citados imperativos constitucionais e legais ao nem sequer fundamentar a liquidação em causa fazendo uma liquidação meramente conclusiva(teve este rendimento por isso deve xx) não explicando como se chegou a esse valor, não clarificando porque decidiu como decidiu, o que a jurisprudência têm entendido como equivalente a falta da fundamentação.

Como ponto de partida, dúvidas não restam que impende sobre a AT o dever de fundamentar os actos de liquidação, não só pelo imperativo constitucional consagrado no artigo 268.º da CRP, como também pelo artigo 77.º da LGT.

Conforme doutamente entendeu o Acórdão do TCA Sul, Proc. n.º 0723/15 de 07/06/2017:

I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Contudo, compulsada a liquidação oficiosa em causa constante a fls. 22 do PA constata-se que a mesma não merece qualquer censura, dado que preenche os requisitos exigidos nos termos do n.º 2 do artigo 77.º da LGT.

Ora, no caso dos autos a liquidação oficiosa teve por base os mecanismos de cooperação internacional de troca de informações. Por via desse mecanismo foi comunicado pelas Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América a obtenção de rendimentos pelo Requerente naquele país com base num formulário (Form 1042 -S) submetido pela entidade pagadora junto das autoridades americanas competententes (Internal Revenue Service).

E que se dúvidas houvesse, será importante recordar que foi o próprio Requerente que veio juntar aos autos precisamente o mesmo formulário, pelo que, portanto, dúvidas não restam que é de fácil percepção como AT terá qualificado e quantificado o mesmo tributo e que se possa por essa via ser sindicado tal apuramento.

E ainda que hipoteticamente pudesse ter ocorrido falta de fundamentação, o que não foi o caso, considera-se que o acto se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos. Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, 3ª ed. Vislis, Setembro 2003, pág.381-382: “No entanto, dever ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do ato, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com a sua imposição.”

Razão pela qual improcede o vício de falta de fundamentação.

 

3. Da qualificação dos rendimentos como royalties enquadráveis na categoria E ou rendimentos da categoria A/B

Vem o Requerente contestar a qualificação da AT relativamente aos rendimentos pagos pela sociedade norte-americana como royalties em sede de Categoria A.

Alega para o efeito que trabalhou em exclusivo como artista gráfico de 3D e que foi a sua única fonte de rendimentos.

Mais alega que o local de prestação dos serviços foi em Portugal, sendo estes prestados online pelo Requerente - por computador via internet, em sua casa, sendo esta uma ocupação que este prestou, nesse ano a tempo inteiro e apenas para essa entidade. Razão pela qual entende que a declaração preenchida nos Estados Unidos da América deveria ter sido preenchida de modo distinto.

Sustenta igualmente que a entidade pagadora teria assinalado o rendimento como royalties por lapso, concluindo assim que tais pagamentos nunca poderiam ser qualificados como rendimentos da categoria E, mas rendimentos do trabalho enquadráveis na categoria A ou B.

A AT por contraposição mantém a qualificação como rendimentos de royalties tributados na Categoria E, em linha com a informação prestada pelas autoridades fiscais norte-americanas.

Vejamos:

Os rendimentos relativos a royalties (propriedade intelectual) poderão ser tributados em sede da categoria B, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, quando se trate de rendimentos empresariais e profissionais que sejam provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.

Ao invés, a tributação é enquadrada em sede da categoria E no caso dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária de direitos da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando não auferidos pelo respetivo autor ou titular originário, bem como os derivados de assistência técnica, conforme a alínea m) do n.º 1 do artigo 5.º do CIRS.

Analisemos então que elementos as partes carrearam para o processo para que o tribunal possa aquilatar do enquadramento de tais rendimentos.

O Requerente em abono da verdade apenas veio juntar aos autos uma declaração apostilhada (cf. Documento 2 e 3 junto ao PPA) a qual elenca os montantes e datas de pagamentos devidamente assinada onde consta quem assina que é titular do cargo de “Senior VP of Finance”.  Contudo, este documento não é suficiente para colocar em crise o formulário submetido pela empresa às autoridades competentes.

Se não vejamos,

Por um lado, a apostilha confere valor de autenticidade do documento original e a certificação notarial apenas reconhece a assinatura do declarante, mas não na qualidade de representante da entidade pagadora.  Por outro, a mesma empresa submeteu um formulário perante as entidades competentes onde declara que o pagamento se refere a royalties. Deste modo, se a menção a royalties fosse um lapso da entidade pagadora, tal como alega o Requerente, dir-se-ia que competiria a esta mesma sociedade apresentar uma declaração retificativa junto da entidade competente.

E ainda que tal não tivesse sucedido, refira-se que o mesmo Requerente não apresenta qualquer prova adicional, tal como lhe competiria. Ora, se o mesmo tivesse tido uma relação laboral ou de prestação de serviços exclusiva com tal entidade, seria curial que as partes, tal como é usual, tivessem celebrado um contrato escrito. Não tendo o Requerente junto aos autos cópia de qualquer contrato ou acordo que regulassem os termos de tal prestação.

Por essa razão, não pode o tribunal pura e simplesmente presumir que tenha ocorrido uma relação laboral ou de prestação de serviços, tal como o Requerente pretende.

Sucede que, quanto às normas que pautam o ónus da prova na relação jurídico fiscal do contribuinte, resulta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o n.º 1 do artigo 342.º do CC, " aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.".

Acresce ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da LGT, as informações oficiais fazem fé, quando fundamentadas e se, se baseiam em critérios objetivos, nos termos da lei. E nos termos do n.º 4 do mesmo dispositivo “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.

Pelo que, o Requerente manifestamente não cumpriu o ónus de alegar e provar factos de onde se pudesse extrair conclusão de que os pagamentos em causa tivessem resultado de uma relação laboral ou de prestação de serviços.

Destarte, os rendimentos em causa terão forçosamente de ser qualificados como rendimentos da categoria E.

 

4. - Do apuramento dos rendimentos tributáveis em sede de liquidação oficiosa de IRS

Uma vez assente a qualificação dos rendimentos pagos ao Requerente como royalties enquadráveis em sede de categoria E, cumpre aferir se a liquidação foi correctamente efectuada pela AT.

Vejamos:

Nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 13.º do CDT entre Portugal e Estados Unidos da América:

1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties.

 Significa isto que existe um direito partilhado de tributação, tendo o estado da fonte (EUA) o direito de tributar limitado a uma retenção na fonte de 10% (cf. n.º 2 do artigo 13.º do aludido ADT).

Centremo-nos agora no formulário em causa (cf. Documento 1 junto ao PPA):

 

O formulário refere-se a Rendimentos de fonte americana de uma pessoa estrangeira sujeitos a retenção na fonte (Foreign Person’s US source income subject to withholding). E resulta do mesmo documento o pagamento do valor bruto (“gross income”) de 28.422,58 USD e a retenção na fonte à taxa de 10% - em linha com a taxa de tributação máxima de acordo o respectivo ADT.

A este propósito, veio a AT no artigo 26.º da Resposta informar que “no âmbito da troca internacional de informações fiscais, a Administração Fiscal dos EUA comunicou à AT que o referido contribuinte havia auferido no ano de 2018, outros rendimentos de capitais no montante de €24.811,66 (28.423,00 USD).

Ora, como se viu o valor bruto dos rendimentos foi de 28.422,58 USD correspondente a € 24.811,29 e não de 28.423,00 USD correspondente a € 24.811,66. E se atentarmos na liquidação (Cf fls 22 do PA), verifica-se que a AT aplicou a taxa de tributação autónoma de 28% (Cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS) sobre o montante bruto de € 24.811,66 x 28%=€ 6.947,26, tal como consta da liquidação (fls 22 do PA):

 

 

Resulta, porém, do artigo 25.º do mesmo ADT relativamente à eliminação da dupla tributação que:

3 - No caso de Portugal:

a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam se tributados nos Estados Unidos (com base noutro critério que não seja o da cidadania), Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago no Estados Unidos. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos;” (sublinhado nosso)

 

Por seu turno, resulta do n.º 1 e n.º 2 do artigo 81.º do CIRS que:

1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos no artigo 72.º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias: 

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código. (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

 
 

2. Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

 

O que significa que a AT liquidou os royalties à taxa de tributação autónoma de 28% sobre o valor bruto, sem ter deduzido o imposto pago na fonte, tal como lhe competia.

 

Uma vez que o montante bruto foi de 28.422,58 USD correspondente a € 24.811,29, o imposto pago no estrangeiro corresponde à taxa de retenção na fonte de 10% foi de 2.842,23 USD correspondente a € 2.481,13.

 

A este propósito, não se pode aceitar que a AT venha por um lado apelar ao n.º 4 do artigo 76.º da LGT ao pretender que as informações prestadas pelas entidades norte-americanas fazem, e, por outro, ignorar a retenção na fonte declarada nessa mesma informação.

 

Ora, não sendo reconhecido ao Requerente este crédito de imposto para eliminação da dupla tributação internacional, a Liquidação contestada é ilegal e não pode manter-se por violação do disposto no artigo 81.º do Código do IRS e nas CDTs celebradas por Portugal, pelo que deve a mesma ser anulação em conformidade.

 

IV. Decisão Arbitral

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

Anular parcialmente a liquidação oficiosa do IRS na parte em que desconsiderou o montante do crédito de imposto referente a retenção na fonte pago no estrangeiro de 2.842,23 USD equivalente a Eur € 2.481,13.

 

V. Valor do processo

Nos termos do n.º 2 do artigo 306.º do CPC, alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é fixado em € 7.844,88.

 

VI. Custas

Custas a cargo do Requerente e da Requerida, no montante de € 612, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na proporção do decaimento (87% e 13%, respectivamente).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Maio de 2024

 

O Árbitro,

 

João Santos Pinto

 



[1] Atente-se que à data dos factos, já havia sido revogado o artigo 149.º do CIRS, pela Lei n° 82- E/2014, de 31 de Dezembro, pelo que à situação dos autos é aplicável o artigo 38.º do CPPT.