CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º 25/2014-T
Tema: Imposto de Selo – Terreno para construção
Decisão Arbitral
Autora / Requerente: A, S.A.
Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)
1. Relatório
Em 10-01-2014, a sociedade anónima A, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), relativos ao prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia de …, concelho de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ….
A Requerente pede a anulação dos referidos atos de liquidação de Imposto de Selo por erro sobre os pressupostos de direito que, em seu entender, justificaria a declaração de ilegalidade daqueles atos e a sua anulação.
A Requerente alega que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo é um terreno para construção, e por esse facto, não pode ser classificado como prédio “com afetação habitacional” para efeitos da tributação prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A Requerente pede ainda a devolução do valor de 8.559,60 €, relativamente ao pagamento que efetuou relativo à liquidação de Imposto de Selo n.º …, emitida ao abrigo do regime transitório definido no artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29-10, acrescido de juros indemnizatórios até integral reembolso.
A Requerente pede também a cumulação de pedidos, alegando a existência de identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 09-05-2014, defendendo que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, uma vez que as liquidações em crise consubstanciam uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Foi designada como árbitro único, em 26-02-2014, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 31-03-2014.
Realizou-se em 02-07-2014 a reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária. O mandatário da Requerente não compareceu à reunião. Determinou-se a notificação do mesmo para juntar aos autos a procuração e declaração da Requerente a ratificar o processado em 10 dias, o que veio a fazer em 10-07-2014. E a Requerida foi notificada para em 10 dias juntar o processo administrativo, o que fez em 24-07-2014. Não havendo correções a efetuar às peças processuais nem exceções a conhecer, foi dispensada a realização de alegações. Foi nessa data fixada como data para prolação da decisão o dia 08-09-2014.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, tendo em conta que a Requerente foi notificada em 15-10-2013 da decisão da reclamação graciosa que teve por objeto a liquidação de Imposto de Selo n.º … (emitida ao abrigo do regime transitório definido no artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29-10, no valor de 8.559,60 €),e os documentos de cobrança n.º …, no valor de 5.706,41 €, e da decisão da reclamação graciosa que teve por objeto o documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,39 €, relativo à liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012, e foi notificada em 12-12-2013 da decisão da reclamação graciosa do documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,39 €, relativo à liquidação de Imposto de Selo de 2012.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, para além do pedido de cumulação de pedidos que em seguida se decidirá.
A Requerente pede a cumulação de pedidos, alegando a existência de identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito.
Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, concelho de …, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 10;
2. O prédio é um terreno para construção e tem um valor patrimonial de 1.801.795,06 € (determinado em 2013), conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral;
3. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º …, emitida ao abrigo do regime transitório definido no artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29-10, no valor de 8.559,60 €, a pagar numa única prestação até 20-12-2012.
4. Foi ainda notificada da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012, no valor de 17.119,19 €, a pagar em três prestações, constantes dos documentos de cobrança n.º …, no valor de 5.706,41 €, a pagar até 30-04-2013, documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,39 €, a pagar até 31-07-2013, e documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,39 €, a pagar até 30-11-2013.
5. A Requerente interpôs reclamação graciosa da liquidação n.º … no valor de 8.559,60 € e do documento de cobrança n.º … no valor de 5.706,41 €,relativa à liquidação de imposto de selo do ano de 2012, conforme documento 6 junto ao pedido arbitral.
6. Tendo sido notificada, em 15-10-2013, da decisão de indeferimento da referida reclamação graciosa, conforme documento 7 junto ao pedido arbitral.
7. A Requerente interpôs ainda reclamação graciosa do documento de cobrança n.º … no valor de 5.706,41 €, da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012.
8. E em 15-10-2013 foi também notificada da decisão de indeferimento desta reclamação graciosa, conforme documento 8 junto ao pedido arbitral.
9. Em 02-12-2013, a Requerente apresentou também reclamação graciosa do documento de cobrança n.º … no valor de 5.706,39 €, da liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012, conforme documento 9 em anexo ao pedido.
10. A Requerente procedeu ao pagamento, na data limite de pagamento (20-12-2012), da liquidação de Imposto de Selo emitida ao abrigo do regime transitório definido no artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29-10, no valor de 8.559,60 €, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes.
3. Matéria de direito:
3.1.Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel que foi objeto das liquidações de imposto de selo, sendo terreno para construção, tem afetação habitacional e se lhe é aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).
Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 310/2013-T e 284/2013-T.
O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre esta questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 0467/14 de 02-07-2014, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014, n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014 e n.º 046/14 de 14-05-2014.
3.2. Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência daquele n.º 28.1 da TGIS
3.2.1. Regime da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redação:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonialtributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012,estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
A verba 28.1 TGIS e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contém um conceito que não é utilizado em qualquer outra legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.
Vejamos:
3.2.2. Conceitos de prédios utilizados no CIMI
No CIMI, enumeram-se as espécies de prédios nos seus artigos 3.º a 6.º. Não se vislumbra em qualquer destes artigos o conceito de “prédio com afetação habitacional”.
A noção mais aproximada do teor literal desta expressão utilizada é a de «prédios habitacionais», que o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI define como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.
No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, aponta no sentido de não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
Também não se encontra este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
3.2.3. Conceito de «prédio com afetação habitacional» como conceito distinto de «prédios habitacionais»
A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso».
Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T, em que foram árbitros o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira:
“em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim”.
Assim, ”é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.
São classificados como terrenos para construção, e atento o disposto no artigo 6º n.º 3 do Código do IMI, aqueles em que o proprietário tenha adquirido o direito de neles construir ou de proceder a operações de loteamento, bem como os que tenham sido adquiridos expressamente para esse efeito. Neste sentido veja-se JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES in Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, página 97.
Note-se que na classificação como terreno para construção é irrelevante a afetação que as futuras construções venham a ter, designadamente habitacional, comercial, industrial ou para serviços.
Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-07-2014, do processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afetação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“
Da mesma forma, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relatora Ascenção Lopes, refere que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI – subsidiariamente aplicável ao Imposto de Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral – uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto de Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional.”
Podemos assim concluir que, distinguindo com clareza o artigo 6º do CIMI prédios urbanos “habitacionais” de “terrenos para construção”, não podem estes últimos ser considerados como “prédios com afetação habitacional” para efeitos de aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Proibição da analogia e da interpretação da extensiva
Poder-se-á, por outro lado, colocar a questão da possibilidade de aplicação da analogia à verba prevista na verba 28.1 da TGIS. Ora, sobre esta matéria dispõe o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual:
“4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”
Quanto às matérias abrangidas pela reserva de lei, atente-se ao artigo 103.º, n.º 2 da CRP e ao artigo 8.º da LGT. Segundo estas normas o princípio da legalidade fiscal abrange a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. Isto é também referido na obra “O Princípio da Legalidade Fiscal” de Ana Paula Dourado, Almedina, 2007, página 106.
Sendo a verba 28.1 TGIS uma norma de incidência, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, é proibida a sua aplicação analógica a situações aí não expressamente previstas.
Da mesma forma, também não será de admitir uma interpretação extensiva da referida verba que permitisse incluir na expressão constante da lei os terrenos para construção. Sobre interpretação rege o artigo 11.º, n.º 1 a 3 da LGT e o art.º 9.º do Código Civil. Entendemos que não é possível uma interpretação extensiva da referida verba que inclua na mesma os terrenos para construção, já que a mesma sempre teria que ter um mínimo de correspondência na letra da lei, o que não ocorre.
Relativamente ao elemento histórico, o facto de a verba 28.1 TGIS ter sido entretanto expressamente alterada, com a Lei de Orçamento de Estado para 2014, de forma a incluir, a partir de 01.01.2014, os prédios para construção, permite também concluir que esses prédios não eram tributados na redação vigente até 31.12.2013.
Aplicação do regime à situação da Requerente
O prédio da Requerente é um terreno para construção detido por uma empresa. Pelo que se referiu, não se está perante um prédio com afetação habitacional, pelo que não incide sobre esse prédio o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.
Por este facto, as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação daquela verba n.º 28.1 TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).
4. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
- julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo emitida ao abrigo do regime transitório definido no artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29-10, no valor de 8.559,60 €, do documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,41 €, do documento de cobrança n.º …, no valor de 5.706,39 €, e do documento de cobrança n.º … no valor de 5.706,39 €, relativos à liquidação de Imposto de Selo do ano de 2012;
- julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente a quantia paga de 8.559,60 €, acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.
5. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 25.678,79 €.
6. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 € devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 08 de setembro de 2014.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
O árbitro singular
Suzana Fernandes da Costa