Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 639/2023-T
Data da decisão: 2024-05-17  IMI  
Valor do pedido: € 17.060,29
Tema: IMI – ilegalidade por violação de caso julgado; caducidade do direito à liquidação.
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SUMÁRIO:

 

  1. Os tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD são competentes para declarar a ilegalidade dos atos indicados no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nomeadamente por violação de caso julgado, nos termos do disposto na  alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário nos termos do disposto na alínea d) do artigo 2.º do CPPT.
  2. Decorre do preceituado na parte final n.º 1 do artigo 108.º do CPPT, bem como da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, que é na petição inicial/pedido de pronúncia arbitral que o impugnante/requerente tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. Considerando que a causa de pedir, no contencioso de anulação dos atos tributários, corresponde ao comportamento concreto da administração tributária que consubstancia a violação das normas jurídicas invocadas, é necessário que sejam alegados os factos integradores do vício concretamente imputado ao ato impugnado, mais precisamente, no que toca à alegação de desrespeito do prazo de caducidade, os factos dos quais decorre que a AT estaria a violar, através dos atos concretamente praticados, as normas que compõem o regime de caducidade do direito à liquidação.

A Árbitra Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular no presente processo, decide o seguinte:

DECISÃO ARBITRAL

A A... Unipessoal, Lda., NIF..., com sede na Av. ..., ..., ... (doravante, «Requerente») vem, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado da reclamação graciosa deduzida a 09.11.2022 contra os atos de liquidação de IMI de 2014 e de 2015 (documentos n.ºs 1A, 1B, 2A e 2B juntos com o pedido de pronúncia arbitral), vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos artigos 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT»), apresentar um pedido de Pronúncia Arbitral com vista à declaração de nulidade dos seguintes atos:

  • Decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, interposto junto da Direção de Finanças de Faro, a 2023-10-04;
  • Decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, deduzida junto do Serviço de Finanças de Loulé ..., a 2022-11-09;
  • Liquidação de Imposto Municipal Sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2014..., emitida a 2022-06-22, referente ao período de 2014, no valor (a restituir) de € 8.613,68; e
  • Liquidação de IMI n.º 2015..., emitida a 2022-06-22, referente ao período de 2015, no valor (a reembolsar) de € 8.392,19.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 12 de setembro de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitra a signatária desta decisão, tendo disso sido notificadas as partes em 31 de outubro de 2023, e não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O tribunal arbitral encontra-se, desde 20 de novembro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas – tudo nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta a 8 de janeiro de 2024.

Por despacho de 10 de janeiro de 2024, o tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho:

“Atendendo à Resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, determina este Tribunal o seguinte:

- Conceder à Requerida o prazo adicional de 10 dias para juntar aos autos o processo administrativo;

- Conceder à Requerente o mesmo prazo para apresentar a sua pronúncia quanto às exceções invocadas pela Requerida.

Os prazos correm em simultâneo, contando-se a partir da notificação do presente despacho.

Depois de praticados os atos acima referidos, ou de decorrido o prazo para o efeito, o Tribunal decidirá quanto à tramitação subsequente do processo.”

A 26.01.2024, a Requerente apresentou Réplica.

Nesse mesmo dia, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Apresentada a resposta às exceções por parte da Requerente, constata-se que a Requerida ainda não procedeu à junção do processo administrativo, devendo fazê-lo, o mais tardar, com a apresentação das alegações finais ou dentro do prazo que o Tribunal aqui fixará para o efeito.

Não existindo prova adicional requerida, e mostrando-se cumprido o principio do contraditório relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida, o Tribunal entende ser de dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Quanto a alegações finais, as Partes dispõem agora do prazo de 15 dias para a sua apresentação, o qual corre de forma simultânea para ambas.

O Tribunal proferirá a decisão dentro do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º do RJAT.

Alerta-se a Requerente para a necessidade de proceder ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.”

A Requerida veio a juntar o processo administrativo no dia 07.02.2024 e, posteriormente, as Partes apresentaram as suas alegações, mantendo o que já haviam referido nas peças processuais anteriormente apresentadas.

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

Por sentença de 11 de abril de 2022 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, na ação de execução de julgados .../16.7BELLE-A, a Autoridade Tributária foi condenada a “restituir à Exequente a quantia de € 43.074,03 correspondente ao montante pago das liquidações de IMI dos anos 2014, 2015 e 2016, acrescida de juros de mora entre a data de 6 de Novembro de 2020 e a data da emissão da nota de crédito”.

Conforme resulta do respetivo probatório (cf. pontos 4. a 5. na pg. 5 da sentença), a referida quantia decompõe-se nas seguintes parcelas:

  1. Com base nos valores constantes no ato de fixação de Valores Patrimoniais Tributários anulado foi liquidado IMI referente ao ano 2014, no valor de € 17.487,90, pago em 25 de novembro de 2015; e
  2. Com base nos valores constantes no ato de fixação de Valores Patrimoniais Tributários anulado foi liquidado IMI referente ao ano 2015, no valor de € 16.578,26, pago em 29 de novembro de 2016.

A Autoridade Tributária foi assim condenada, no que respeita aos IMI aqui em causa, a devolver à impugnante € 17.487,90, relativamente a 2014, e € 16.578,26, relativamente a 2015.

Em vez disso, a Requerida notificou a impugnante das liquidações de IMI aqui impugnadas a título mediato, apurando quantias a reembolsar de apenas € 8.613,68, relativamente a 2014, e € 8.392,19, relativamente a 2015, valores aquém das quantias que a AT tinha sido condenada a devolver à Requerente e desacompanhadas dos juros que a AT foi condenada a pagar.

A Requerente considera, por isso, que as liquidações em causa são nulas, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, por ofenderem ostensivamente o caso julgado.

Por outro lado, considera que o direito à liquidação já tinha caducado quando as mesmas foram efetuadas, pelo que as liquidações seriam, por esse motivo, igualmente ilegais.

Tendo a Requerente apresentado reclamação graciosa das referidas liquidações, bem como, na sequência da formação do respetivo indeferimento tácito, recurso hierárquico, o qual também não tinha sido respondido à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, entendeu que deveria apresentar este último por “receio fundado de a AT vir a persistir na sua conduta omissiva, requerendo a tutela do seu direito que se cristalizou, em definitivo, com o trânsito em julgado da sentença de 11 de abril de 2022 do TAF de Loulé”, entendendo ainda que “cabe, pois, a este douto tribunal declarar nulas por ofensa de caso julgado, as liquidações em causa, as quais, mediante nova regulação da situação, reintroduziram parte dos efeitos jurídicos criados pelos atos primários declarados nulos nos termos da sentença de 11 de abril de 2022 proferida pelo TAF de Loulé.”

 

II.2      Posição da Requerida

 

A AT acrescenta que a ação de execução de julgados instaurada pela Requerente, que correu termos com o n.º de processo .../16.7BELLE-A, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, se prendia com a falta de concretização da sentença proferida no processo de impugnação judicial, a qual determinou, entre outros, a anulação dos valores patrimoniais tributários fixados em segundas avaliações dos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sitos em ... .

 

A 11.04.2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu sentença parcialmente favorável à Requerente, tendo condenado a Requerida a restituir-lhe o valor de € 43.074,03 correspondente ao montante pago das liquidações de IMI referentes aos períodos de 2014, 2015 e 2016, no prazo de 30 dias; a pagar-lhe juros de mora entre 06.11.2020 e a data da emissão da nota de crédito, no prazo de 30 dias, e tendo ainda absolvido a Requerida dos demais pedidos, nomeadamente do pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios e de condenação ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Em 22.06.2022, a Requerida emitiu os atos de reembolso de imposto impugnados neste pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente interpôs recurso da decisão do TAF de Loulé a 18.05.2022, circunscrito à questão da absolvição da aqui Requerida quanto ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios. Até à data, não foi proferido acórdão.

Entretanto, a 09.11.2022, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa e, a 10.04.2023, apresentou o já referido recurso hierárquico.

Quanto ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerida invoca, a título de exceção, o erro na forma de processo e a incompetência material do Tribunal Arbitral, por não estar em causa nenhuma das pretensões elencadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, prendendo-se o pedido com o alegado incumprimento de uma sentença judicial proferida no âmbito de uma Execução de Julgados. Entende, portanto, que o que a Requerente pretende com o pedido de pronúncia arbitral é “uma execução de uma Execução de Julgados” alegadamente incumprida pela Requerida, e que, como tal, não só o Pedido de Pronúncia Arbitral não constitui o meio processual adequado para reagir contra as duas liquidações aqui em causa, como também o Tribunal Arbitral Singular se mostra incompetente para ajuizar do alegado incumprimento da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no âmbito da Execução de Julgados. No sentido da tese que defende, invoca a decisão arbitral proferida a 09.02.2023, no âmbito do processo 539/2022-T, bem como a proferida a 10.02.2021 no âmbito do processo 942/2019-T.

Conclui que a incompetência material do Tribunal Arbitral consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da Requerida da instância, de acordo com os artigos 576.º/2 e 577.º-a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT.

Por impugnação, defende ainda que a Execução de Julgados invocada pela Requerente se prendeu com a falta de concretização da anulação dos valores patrimoniais tributários fixados nos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... e que as duas liquidações sub judice foram emitidas em resultado de revisões oficiosas com referência a outros prédios da Requerente, que não são prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... . Conclui que “as liquidações ora colocadas em crise nada têm que ver com as “liquidações corretivas” que constituem objeto dos presentes autos arbitrais (cfr. Documentos 2-A e 2-B da p.i.), pelo que as invocadas pechas de ofensa de caso julgado e caducidade do direito de liquidação são totalmente destituídas de sentido quanto àquelas”.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

  1. Factos dados como provados

 

Considera-se provada a seguinte matéria de facto:

  1. Em 2013, a Requerente apresentou impugnação judicial, à qual foi atribuído o n.º de processo …/13.OBELLE, contra os atos de fixação do valor patrimonial tributário resultante de segunda avaliação dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia de ..., concelho de Loulé (...).
  2. A Fazenda Pública apresentou recurso da decisão proferida no referido processo de impugnação, o qual deu origem ao processo n.º …/14.9BELLE. O acórdão proferido neste processo considerou verificada a caducidade do direito de ação por referência aos atos avaliativos dos prédios..., ...,..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., tendo mantido apenas os referentes aos prédios ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... . 
  3. Em 10.03.2016, a recorrente apresentou outra impugnação judicial, à qual foi atribuído o n.º de processo .../16.7BELLE, pedindo a anulação do ato de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) relativos aos artigos matriciais n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia de ..., do Concelho de Loulé, todos integrantes do aldeamento turístico sito na  ... “B...”.
  4. Foi liquidado IMI referente ao ano de 2014, no valor de € 17.487,90, pago a 25.11.2015, IMI referente ao ano de 2015, no valor de € 16.578,26, pago em 29.11.2016 e IMI referente ao ano de 2016, no valor de € 9.007,86, pago em 27.11.2017.
  5. A ação correspondente ao número de processo .../16.7BELLE foi considerada procedente, tendo a sentença, datada de 07.03.2020, transitado em julgado a 02.07.2020.
  6. A AT não restituiu a totalidade dos valores de IMI liquidados com referência aos anos de 2014, 2015 e 2016, apurados sobre os VPTs anulados, nem os juros de mora, nem pagou juros indemnizatórios.
  7. A 20.08.2021, a aqui Requerente instaurou uma Execução de Julgados, contra a aqui Requerida, a qual foi distribuída e autuada sob o n.º do processo .../16.7BELLE-A, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
  8. Nessa ação executiva, a Exequente, aqui Requerente, pediu: (i) a restituição da quantia indevidamente cobrada a título de IMI, no total de € 43.074,03; (ii) o pagamento de juros indemnizatórios e de mora, nos valores de € 8.550,16 e de € 3.320,35; (iii) a fixação de um prazo para cumprimento da sentença e a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
  9. No âmbito desse processo, a AT informou que as liquidações emitidas com base nos VPTs anulados ainda não tinham sido anuladas.
  10. Em 11.04.2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu sentença parcialmente favorável à Requerente, tendo condenado a Requerida a restituir-lhe o valor de € 43.074,03, correspondente ao montante pago das liquidações de IMI referentes aos períodos de 2014, 2015 e 2016 e a pagar à Requerente juros de mora entre 06.11.2020 e a data da emissão da nota de crédito.
  11. A sentença do processo executivo fixou, ainda, o prazo de 30 dias para o cumprimento do dever de executar que incumbe à executada, nos termos do disposto no artigo 176.º, n.º 4, do CPTA.
  12. A 22.06.2022, foram emitidos os seguintes atos relativos a IMI dos períodos de 2014 e 2015:
  1. n.º 2014 ..., com a indicação de que o total de IMI liquidado anteriormente era de € 82.599,76, de que o total devido era de € 73.986,09 e de que o total pago tinha sido de € 82.599,77, pelo que o valor a restituir correspondia a € 8.613,68. A diferença entre o valor liquidado anteriormente e o valor devido era relativa à 3.ª prestação de 2014, sendo o valor anterior de € 21.793,15 e o valor atual de € 13.179,48;
  2. n.º 2015..., com a indicação de que “nos termos do artigo 115.º CIMI foi promovida a revisão oficiosa da liquidação contida no documento de cobrança a seguir indicado 2015... . Daquele ato de gestão tributária, resulta a constituição de um crédito a favor do contribuinte. De acordo com as instruções transmitidas ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, o reembolso concretizou-se por transferência para a conta relativa ao IBAN acima identificado, pelo que qualquer esclarecimento sobre a mesma transferência deverá ser solicitado à instituição de crédito onde se encontra localizada a conta bancária.

Imposto já pago: € 85.397,16

Imposto devido: € 77.004,97

Importância a reembolsar: € 8.392,19

A devolver autonomamente: 0,00”.

  1. A 09.11.2022, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa relativa aos atos referidos no ponto anterior.
  2. A 10.04.2023, a Requerente Interpôs Recurso Hierárquico do indeferimento tácito da reclamação graciosa referida no ponto anterior.
  3. A 09.01.2024, a Direção de Finanças de Faro, onde correu o processo de reclamação graciosa apresentado pela Requerente em 09.11.2022, comunicou à Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis o seguinte:

“Para dar provimento à decisão da sentença de 11-04-2022 do TAF de Loulé na ação de execução de julgados .../16.7BELLE-A, em nome de A... UNIPESSOAL LDA NIPC..., restituindo o montante em falta, face ao despacho proferido pelo Diretor de Finanças de Faro no âmbito do recurso hierárquico.” (cf. p. 106 do processo administrativo).

  1. Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo Requerente, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 596.º e nos n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

IV. 2. Matéria de Direito

 

Na sua Resposta, a Requerida invoca as exceções de erro na forma de processo e de incompetência material do Tribunal Arbitral. Defende que os pedidos da Requerente não se inserem em nenhuma das pretensões elencadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT por que, em seu entender, o pedido da Requerente se prende com um alegado incumprimento de uma sentença judicial, ou seja, o que a Requerente peticiona ao tribunal é “uma execução de uma Execução de Julgados” alegadamente incumprida pela Requerida.

Continua dizendo que o Pedido de Pronúncia Arbitral não constitui o meio processual adequado para reagir contra os atos impugnados, e que o Tribunal Arbitral se mostra incompetente para ajuizar do alegado incumprimento da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, no âmbito da Execução de Julgados. Invoca a decisão arbitral proferida a 09.02.2023, no âmbito do processo 539/2022-T, bem como a proferida a 10.02.2021 no âmbito do processo 942/2019-T. Conclui que a incompetência material do Tribunal Arbitral consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da Requerida da instância, de acordo com os artigos 576.º/2 e 577.º-a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT.

 

Vejamos. O pedido formulado pela Requerente na sua petição inicial é o seguinte: “a ação ser julgada inteiramente provada e procedente, e por via disso, declaradas nulas, por ofensa de caso julgado, as liquidações de IMI 2014 e 2015 subjacentes, cumprindo-se o disposto na sentença de 11 de abril de 2022 proferida pelo TAF de Loulé, ou subsidiariamente anuladas por caducidade, bem como as decisões de indeferimento do recurso e da reclamação que tais liquidações tacitamente confirmaram, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT a restituir à impugnante o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.”

 

Pede-se, portanto, a declaração de nulidade de dois atos de liquidação, pretensão que se inscreve no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que prevê que a competência dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos. Não se pede, ao contrário do que refere a Requerida, a execução de uma execução de julgados. O que se pede é que o Tribunal afira da ilegalidade dos atos tributários impugnados, com o fundamento previsto na alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário nos termos do disposto na alínea d) do artigo 2.º do CPPT.

 

Quanto às decisões do CAAD invocadas pela AT, e embora não haja qualquer regime de precedente em vigor no ordenamento jurídico português, uma análise rigorosa das mesmas permite concluir que os casos que os tribunais arbitrais tiveram em mãos são diferentes do presente. Com efeito, no caso do processo 539/2022-T[1], o Tribunal entendeu decidiu que «Há que concluir que, não se inserem no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foram concretizadas as decisões judiciais referentes ao exercício de 1997. Ora, a liquidação de IRC respeitante a 2009 em crise nos termos do presente procedimento arbitral (demonstração de liquidação e correspondente demonstração de acerto de contas aqui identificadas), decorre da concretização da decisão arbitral proferida no Processo n.º 933/2019-T, na sequência da devolução à AT para que esta assente a aplicação do regime do artigo 46.º do Código do IRC (atual artigo 51.º do mesmo Código), pronunciando-se sobre a verificação (ou não) dos respetivos pressupostos impostos pelo respetivo regime. Neste sentido, “O dever de execução da sentença que se configura como um dever de reconstituição da situação que existiria não fosse a prática do ato anulado, na verdade, impõe à Administração um verdadeiro dever de reexame da situação que lhe é colocada, devendo, em consequência fazer subsumir as circunstâncias que se apuram ao dispositivo da sentença proferida, tudo no quadro da legislação aplicável, e daí identificar os atos (materiais e jurídicos) necessários à reposição da legalidade conforme resulta da configuração dada pela sentença (daqui resultando os efeitos “ultra-constitutivos” da sentença). Estes últimos, “(…) reportados ao dever da Administração de modelar a sua própria atividade de acordo com a sentença de anulação.”[4] Nestes termos, “[o]s deveres ultra-constitutivos são reportados no n.º 1 [do artigo 173.º do CPTA] a um eventual dever de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”.»

 

Ou seja, estava em causa um caso em que a sentença transitada em julgado (a proferida no processo 933-2019-T) impunha à AT um dever de reexame da situação e de emissão de novo ato tributário, tendo o Requerente discordado da forma como a AT tinha reexaminado a questão à luz do decidido na sentença arbitral. Nessa decisão arbitral, o Tribunal havia julgado procedente o pedido formulado pela Requerente, mas remetendo para execução de julgados a quantificação do montante de reembolso e de juros indemnizatórios. Em concreto, o Tribunal tinha-se pronunciado no sentido de que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia, é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, e que, portanto, se deve aplicar a estes as mesmas regras previstas para os restantes. O Tribunal constatou, no entanto, não existir matéria suficiente para se pronunciar sobre a verificação, ou não, dos pressupostos enumerados no artigo 46.º, n.º 10 do Código do IRC aplicável à data. Por conseguinte, entendeu que seria de retornar o procedimento à fase imediatamente anterior à decisão daquele pedido, assistindo à Administração Tributária o dever legal de o decidir. Assim, decidiu mandar reabrir o processo de reclamação graciosa para a AT poder reapreciar a autoliquidação de 2009 que tinha sido contestada pela Requerente. Não tendo a Requerente concordado com a liquidação efetuada pela AT na sequência do decidido no processo arbitral, solicitou a constituição de um novo tribunal, que entendeu não ser competente para aferir acerca da correção da execução dada pela AT ao decidido pelo tribunal arbitral anterior.

 

Assim, entendeu o Tribunal, no acórdão citado pela AT no presente processo arbitral, que “a liquidação de IRC respeitante a 2009 em crise nos termos do presente procedimento arbitral (demonstração de liquidação e correspondente demonstração de acerto de contas aqui identificadas), decorre da concretização da decisão arbitral proferida no Processo n.º 933/2019-T, na sequência da devolução à AT para que esta assente a aplicação do regime do artigo 46.º do Código do IRC (atual artigo 51.º do mesmo Código), pronunciando-se sobre a verificação (ou não) dos respetivos pressupostos impostos pelo respetivo regime” e que “Da análise efetuada aos factos apresentados, é convicção deste Tribunal que estamos perante a materialização da decisão arbitral proferida no Processo n.º 933/2019-T, não se vislumbrando, por este motivo, suporte legal que permita ao tribunal arbitral a respetiva pronúncia.”

 

No presente caso, não foi isso que sucedeu: não se trata de aferir se a AT executou corretamente um dever de reexame e de reapreciação da situação determinado pelo Tribunal. Trata-se de aferir se os atos impugnados violam, ou não, o caso julgado resultante da sentença de execução de julgados proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. E essa sentença é clara na determinação do que deve a AT fazer para reconstituir a legalidade violada: no prazo de 30 dias, restituir à Exequente a quantia peticionada de € 43.074,03, correspondente ao montante pago das liquidações de IMI dos anos 2014, 2015 e 2016; no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento à Exequente de juros de mora entre a data de 06.11.2020 e a data da emissão da nota de crédito. Aliás, decorre da matéria de facto dada como provada – em resultado do que consta do próprio processo administrativo junto pela AT – que, no entender da Requerida, as quantias em questão devem ser devolvidas à Requerente em consequência da sentença atrás referida (cf. o ponto O. da matéria de facto).

 

Não há, portanto, qualquer erro na forma de processo, nem tão-pouco se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral, pelo que não procedem as exceções invocadas pela Requerida.

 

Cabe, assim, a este Tribunal aferir se a causa de ilegalidade invocada pela Requerente se verifica, ou não, in casu. Para tanto, importa aferir (i) se existe um caso julgado; (ii) se os atos praticados pela AT depois de se produzir o eventual caso julgado o violam, caso em que, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, se verificará a respetiva nulidade.

 

Na origem do litígio que opõe as partes no presente processo está a decisão judicial transitada em julgado em 02.07.2020, que determinou a anulação do ato de fixação dos VPTs relativos aos artigos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia de ..., do concelho de Loulé.

 

Porque a AT não procedeu à restituição do montante de IMI apurado com base nos VPTs anulados, a Requerente pediu então, em execução de sentença, a restituição da quantia indevidamente cobrada a título de IMI com base naqueles VPTs, no total de € 43.074,03, juros de mora e indemnizatórios, e a fixação de um prazo para o cumprimento da sentença, bem como o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória para o seu incumprimento.

 

O Tribunal deu-lhe razão, sendo claro na sua decisão:

“Com fundamento na factualidade e nas normas legais acima expostas, julga-se parcialmente procedente a presente execução de julgados e, em consequência:

- Condena-se a Autoridade Tributária a, no prazo de 30 (trinta) dias, restituir à Exequente a quantia peticionada de € 43.074,03 correspondente ao montante pago das liquidações de IMI dos anos 2014, 2015 e 2016;

- Condena-se a Autoridade Tributária a, no prazo de 30 (trinta) dias, proceder [ao] pagamento à Exequente de juros de mora entre a data de 6 de Novembro de 2020 e a data da emissão da nota de crédito;

- No mais, absolve-se a Fazenda Pública dos pedidos.

Custas pela Fazenda Pública.

Loulé, 11 de Abril de 2022.”

 

Depois desta sentença transitar em julgado, a AT emitiu, a 22.06.2022, os atos impugnados no presente processo, através dos quais restituiu à Requerente um valor diferente daquele que havia sido determinado pelo Tribunal. Assim:

  1. Através do ato n.º 2014 ..., a AT informou que o total de IMI liquidado anteriormente era de € 82.599,76, de que o total devido era de € 73.986,09 e de que o total pago tinha sido de € 82.599,77, pelo que o valor a restituir correspondia a € 8.613,68. A diferença entre o valor liquidado anteriormente e o valor devido era relativa à 3.ª prestação de 2014, sendo o valor anterior de € 21.793,15 e o valor atual de € 13.179,48;
  2. Através do ato n.º 2015..., com a indicação de que “nos termos do artigo 115.º CIMI foi promovida a revisão oficiosa da liquidação contida no documento de cobrança a seguir indicado 2015.... Daquele ato de gestão tributária, resulta a constituição de um crédito a favor do contribuinte. De acordo com as instruções transmitidas ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, o reembolso concretizou-se por transferência para a conta relativa ao IBAN acima identificado, pelo que qualquer esclarecimento sobre a mesma transferência deverá ser solicitado à instituição de crédito onde se encontra localizada a conta bancária.

Imposto já pago: € 85.397,16

Imposto devido: € 77.004,97

Importância a reembolsar: € 8.392,19

A devolver autonomamente: 0,00”.

 

São estes dois atos que a Requerente impugna neste processo, por violação de caso julgado. Importa, portanto, decidir se, neste caso, os dois ou algum deles violaram caso julgado e, em caso afirmativo, declarar a respetiva nulidade.

 

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017, proferido no âmbito do processo 73/16.4YFLSB, enunciam-se os contornos do que deve entender-se por caso julgado e dos efeitos que o caso julgado projeta sobre a conduta da administração. Nesse sentido, clarifica-se que:

“I - As decisões judiciais que anulam actos administrativos produzem, ademais, um efeito preclusivo, o qual se reconduz à imposição à administração, em sede de renovação do acto anulado, da proibição de reincidir nos vícios que determinaram a anulação. Por isso, a invalidade do acto reincidente será sempre primeiramente aferida por referência à sentença que declarou a invalidação do acto anterior.

II - O alcance negativo do efeito preclusivo do caso julgado não impõe, em regra, à administração o conteúdo de determinados actos mas apenas a observância de uma regra de não contrariedade ao decidido, cuja geometria depende do concreto conteúdo do acertamento judicial e, em particular, dos vícios determinantes da anulação, os quais integram o caso julgado.

III - A execução da decisão anulatória – aqui entendida como o cumprimento voluntário da mesma pelo ente administrativo – importa que a administração adopte as medidas necessárias à adequação do plano factual à realidade jurídica definitivamente estabelecida pela sentença anulatória, sempre em homenagem ao princípio da reconstituição da situação hipotética actual. (n.º 1 do art. 173.º do CPTA).

IV - A sanção da nulidade a que se referem a al. i) do n.º 2 do artigo 162.º do CPA e o n.º 2 do art. 158.º do CPTA tem em vista assegurar o respeito pelo princípio da subordinação do poder administrativo ao poder judicial.”

 

Destaca-se o “efeito preclusivo” referido pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do qual se impõe à administração “a observância de uma regra de não contrariedade ao decidido, cuja geometria depende do concreto conteúdo do acertamento judicial”. Ora, se, na prática, parece que a Administração Tributária, através dos atos impugnados, está a contrariar o decidido pelo Tribunal, por devolver valor inferior ao determinado pela sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, compulsados os atos de liquidação concretamente impugnados, não podemos concluir por essa violação.

 

De facto, conforme alegado pela Requerida já em sede de impugnação, a Execução de Julgados invocada pela Requerente prendeu-se com a falta de concretização da anulação dos valores patrimoniais tributários fixados nos prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., enquanto que as duas liquidações sub judice foram emitidas em resultado de revisões oficiosas com referência a outros prédios da Requerente, que não são prédios urbanos inscritos sob os artigos matriciais n.os..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... . Conclui, então, a Requerida que “as liquidações ora colocadas em crise nada têm que ver com as “liquidações corretivas” que constituem objeto dos presentes autos arbitrais (cfr. Documentos 2-A e 2-B da p.i.), pelo que as invocadas pechas de ofensa de caso julgado e caducidade do direito de liquidação são totalmente destituídas de sentido quanto àquelas”.

 

Compulsados os dois atos de liquidação de IMI impugnados, verifica-se que, no que se refere ao ano de 2015, o ato com o número 2015... não se refere a nenhum dos prédios acima referidos (embora contenha a indicação de “prédios não listados” e de que “a relação completa segue em envelope separado” – mas esse outro eventual documento não consta dos autos); no que se refere ao ato relativo ao ano de 2014, com o número 2014..., apenas um dos prédios envolvidos na sentença do processo de execução de julgados, com o artigo ..., se encontra listado, e, quanto a esse, o VPT mencionado aparece como “0” e a coleta também como “0”. Portanto, não decorre diretamente dos atos impugnados uma violação do caso julgado consubstanciado na decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé no processo .../16.7BELLE-A, não podendo, portanto, este Tribunal concluir que os atos impugnados sejam ilegais por ofensa de caso julgado. Nesse sentido, os atos impugnados não serão declarados nulos, nem, em consequência, são de anular os indeferimentos tácitos da reclamação graciosa e do recurso hierárquico proferidos em relação a estes dois atos.

 

A Requerente alega, ainda, que “sempre se dirá a título meramente subsidiário que a notificação das liquidações impugnadas ultrapassou largamente o prazo de caducidade, pelo que também por isso jamais se poderiam manter”, acrescentando apenas que “o prazo de caducidade das liquidações de IMI relativas aos anos de 2014 e 2015 há muito que se completou (cf. artigos 116.º do CIMI e 134.º, n.º 7 do CPPT).”

 

Contudo, os atos impugnados são atos através dos quais a AT comunica que procedeu à revisão oficiosa da liquidação e que, na sequência dessa revisão, procede ao reembolso de determinada quantia. No caso de 2014, consta do mesmo documento que “comunica-se a demonstração da revisão oficiosa da liquidação de Imposto Municipal Sobre Imóveis”. No caso de 2015, informa-se que “nos termos do art. 115.º do CIMI, foi promovida a revisão oficiosa da liquidação contida no documento a seguir indicado 2015... . Daquele ato de gestão tributária, resulta a constituição de um crédito a favor do contribuinte.” Estes atos pressupõem todo um procedimento prévio que não foi carreado para os autos, nem através de factos indicados no pedido de pronúncia arbitral, nem através de documentos destinados a provar o que deveria ter sido alegado.

 

Os atos impugnados foram emitidos na sequência de procedimentos de anulação de VPTs e de recálculo do imposto devido dos quais este Tribunal não tem conhecimento, pela simples razão de que não foram carreados para os autos quaisquer factos relevantes para uma decisão sobre essa matéria, nomeadamente sobre os procedimentos de apuramento dos tributos em causa, ocorridos em momento anterior aos atos aqui impugnados. Com efeito, não foram carreados para os autos quaisquer elementos que, em abstrato, pudessem permitir ao Tribunal aferir o decurso dos prazos de caducidade, acrescendo que o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos não é matéria de conhecimento oficioso. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o que, a esse propósito, se refere no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul a 08.07.2021, no processo 85/10.1BECTB: “Vejamos, por partes, começando por este último aspecto para esclarecer, sem delongas nem hesitações, que, como a jurisprudência afirma reiteradamente, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, não é, matéria de conhecimento oficioso, nem invocável a todo o tempo (neste sentido, entre muito outros, vejam-se os acórdãos TCA SUL, de 31/01/19, processo nº 2724/05.7BELSB e do TCA Norte, de 12/01/17, processo nº 00674/15.8BEVIS).” Com efeito, a caducidade do direito à liquidação constitui um vício gerador de ilegalidade do ato, na medida em que consubstancia a prática de ato tributário ferido de vício de violação de lei. Esse vício gera mera anulabilidade e não a nulidade do ato, pelo que não é de conhecimento oficioso, devendo, antes, ser invocada pelo contribuinte, na petição inicial.

Decorre do preceituado na parte final n.º 1 do artigo 108.º do CPPT, bem como da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, que é na petição inicial/pedido de pronúncia arbitral que o impugnante/requerente tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido. É, portanto, aí que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e delineado o pedido que daquele decorre. Considerando que a causa de pedir, no contencioso de anulação dos atos tributários, corresponde ao comportamento concreto da administração tributária que consubstancia a violação das normas jurídicas invocadas (no caso, e no essencial, do disposto nos artigos 45.º e 46.º da LGT), seria necessário que tivessem sido alegados os factos integradores do vício concretamente imputado ao ato impugnado, mais precisamente, no que toca à alegação de desrespeito do prazo de caducidade, os factos dos quais decorre que a AT estaria a violar, através dos atos concretamente praticados, as normas que compõem o regime de caducidade do direito à liquidação. Deste modo, era necessário que o Requerente tivesse invocado, no pedido de pronúncia arbitral, os factos integradores do vício de caducidade do direito à liquidação, o que, claramente, não fez.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade dos atos impugnados, por ofensa de caso julgado;
  2. Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação dos atos impugnados por caducidade do direito à liquidação;
  3. Julgar improcedente o pedido de condenação da AT a restituir à impugnante o valor do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
  4. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 17.060,29, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1.224,00, a pagar pela Requerente, disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de maio de 2024

 

A Árbitra,

 

Raquel Franco

 



[1] Quanto ao outro processo invocado pela AT, trata-se da decisão arbitral cuja (in)execução é contestada na decisão proferida no processo 539/2022-T, pelo que, em substância, um caso está relacionado com o outro, analisando-se aqui ambos em conjunto.