Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 605/2023-T
Data da decisão: 2024-05-15   Outros 
Valor do pedido: € 1.298.264,32
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) – Repercussão – Contradição entre pedido e causa de pedir
Versão em PDF

 

SUMÁRIO

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, era um imposto, não se verificando, por isso, na sua apreciação, nem a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. A CSR não prosseguia “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, 2, da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas tinham essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação directa entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontravam consignados no respectivo quadro legal.
  3. A recusa do reembolso integral do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se for feita a prova, tanto de que o imposto foi suportado, na íntegra, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e em nenhuma medida pelo sujeito passivo, como de que o imposto não causou perdas económicas ao sujeito passivo.
  4. Os sujeitos passivos têm legitimidade processual activa na acção de impugnação através de processo arbitral, independentemente de ter havido, ou não, repercussão do imposto.
  5. Não houve nem há repercussão legal da CSR, não podendo presumir-se essa repercussão, nem dispensar-se a prova da repercussão efectiva.
  6. Não pode alcançar-se a anulação de liquidações através da mera impugnação de repercussões, sem sequer se identificar os sujeitos passivos das liquidações, nem o nexo entre liquidações e repercussões.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. As contribuintes A..., S.A., NIPC..., e B..., S.A., NIPC..., doravante “as Requerentes”, apresentaram, no dia 24 de Agosto de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. As Requerentes pediram a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido revisão oficiosa apresentado em 3 de Abril de 2023, e, mediatamente, das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pelas sociedades fornecedoras de combustíveis C..., S.A. e D..., S.A., e consequentes actos de repercussão da CSR, consignados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquirido pelas Requerentes, no período compreendido entre Março de 2019 e Dezembro de 2022, de que resultou o suporte, pelas Requerentes, de CSR no montante total de € 1.298.264,32 (a A... um total de € 1.177.343,32, a B... um total de € 120.921,00); peticionando o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em 25 de Setembro de 2023 a AT endereçou ao Presidente do CAAD um requerimento solicitando a identificação dos actos de liquidação, em cumprimento do disposto no art. 10º, 1, a) do RJAT e no art. 102º, 2 do CPPT, para efeitos de exercer, ou não, a faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
  7. Por Despacho de 25 de Setembro de 2023, o Presidente do CAAD remeteu a decisão para o Tribunal a constituir.
  8. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 31 de Outubro de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  9. Por Despacho de 3 de Novembro de 2023, foram as Requerentes notificadas para se pronunciar sobre as questões suscitadas pela Requerida no seu Requerimento de 25 de Setembro de 2023 – ressalvando-se que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, mas não impediria, já na pendência do processo, a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário pela AT.
  10. As Requerentes não exerceram o contraditório sobre os pontos suscitados pela Requerida no seu Requerimento de 25 de Setembro de 2023, limitando-se a juntar, por Requerimento de 15 de Dezembro de 2023, declarações da C..., S.A., relativas a cada uma das Requerentes.
  11. Por Despacho de 18 de Dezembro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta – ressalvando-se, de novo, que a constituição do Tribunal precludia o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.
  12. A AT apresentou a sua Resposta em 29 de Janeiro de 2024, juntamente com o Processo Administrativo.
  13. Por Despacho de 29 de Janeiro de 2024, concedeu-se às Requerentes o exercício do contraditório sobre matéria de excepção suscitada na resposta da AT.
  14. Por Requerimento de 14 de Fevereiro de 2024, as Requerentes responderam a essa matéria de excepção, juntando ainda as decisões arbitrais proferidas nos Procs. n.os 294/2023-T, 298/2023-T, 374/2023-T, 410/2023-T, 465/2023-T e 486-2023-T, do CAAD – decisões arbitrais que o Tribunal admitiu por não constituírem documentos com impacto na matéria de facto, mas meras informações jurídicas a que o Tribunal poderia aceder pelos seus próprios meios.
  15. Entretanto, por Requerimento de 9 de Fevereiro de 2024, a Requerida juntara a decisão arbitral proferida no Proc. nº 332/2023-T, do CAAD – uma decisão arbitral que o Tribunal admitiu por não constituir documento com impacto na matéria de facto, mas mera informação jurídica a que o Tribunal poderia aceder pelos seus próprios meios.
  16. Por Despacho de 19 de Fevereiro de 2024, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, sendo as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.
  17. As Requerentes apresentaram alegações em 1 de Março de 2024.
  18. A Requerida apresentou alegações em 6 de Março de 2024.
  19. Por Despacho de 17 de Abril de 2024, foi prorrogada a data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  20. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  21. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e as Requerentes juntaram procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  22. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. As Requerentes são sociedades de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal.
  2. A Requerente A..., S.A., tem como objecto social a exploração de indústria de transportes em veículos ligeiros e pesados de carga e passageiros para aluguer; compra e venda de produtos petrolíferos, acessórios e componentes e prestação de serviços relacionados com a actividade de transportes, armazenagem de mercadorias; compra, venda, construção e administração de prédios, arrendamento de bens imobiliários e compra de imóveis com destino a revenda; e gestão de participações sociais.
  3. A Requerente B..., S.A., tem como objecto social o transporte nacional e internacional de mercadorias, bem como o manuseamento de carga, armazenagem, exploração de terminais, controlo de tráfego, parques de estacionamento, aluguer de veículos pesados e ligeiros, com ou sem condutor e operador, bem como transportes, prestação de serviços, importação e exportação de mercadorias, comercialização e distribuição de combustíveis, bem como actividades complementares.
  4. As Requerentes não são operadores económicos detentores do estatuto IEC de destinatário registado, concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
  5. Entre Março de 2019 e Dezembro de 2022 as Requerentes adquiriram gasóleo rodoviário à C... e à D.. (as duas empresas serão doravante designadas também como as “fornecedoras de combustíveis”), a A... 16.400.036,84 litros de gasóleo rodoviário, a B... 1.089.378,42 litros.
  6. A C... e a D... são sujeitos passivos de ISP ou de CSR, tendo, na sua qualidade de fornecedoras de combustíveis, vendido, às Requerentes, os referidos combustíveis.
  7. Alegando ter sido integralmente repercutido sobre elas o montante total de € 1.298.264,32 de CSR, através das facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis (tendo havido uma parte inicialmente liquidada que teria sido reembolsada nos termos da Lei n.º 24/2016, de 22 de Agosto, e da Portaria n.º 246-A/2016, de 8 de Setembro), as Requerentes deduziram, a 3 de Abril de 2023, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis.
  8. Esse pedido foi tacitamente indeferido.
  9. Em 24 de Agosto de 2023, as Requerentes apresentaram no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):

  1. Quais os valores de CSR liquidados às fornecedoras de combustíveis, com base nas DIC por elas apresentadas, e os valores de CSR por elas pagos ao Estado.
  2. Que a CSR tenha sido repercutida integralmente pelas fornecedoras de combustíveis sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas, e especificamente sobre as Requerentes.
  3. Qual o grau de repercussão da CSR, caso não tenha havido repercussão integral.
  4. Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR, seja sobre as próprias fornecedoras de combustíveis, seja sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante delas – nomeadamente, a inexistência de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas das fornecedoras de combustíveis, fosse qual fosse o grau da repercussão da CSR a jusante delas, e a inexistência de repercussão, em qualquer grau, a jusante das Requerentes, na medida em que, sendo elos na cadeia produtiva, elas próprias não são consumidores finais.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA, ao processo administrativo e a requerimentos oportunamente deferidos.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
  6. O Tribunal considera que as declarações de uma das fornecedoras de combustíveis – apenas uma delas –, apresentadas por requerimento das Requerentes em 15 de Dezembro de 2023, não fazem prova do que alegam, contendo meras afirmações conclusivas sem um suporte documental e sem uma análise jurídico-económica que permitissem, em conjunto, suprir as insuficiências probatórias acabadas de enumerar, mormente em termos de aferição da dimensão efectiva da repercussão económica – não podendo, além disso, substituir-se a documentos que possam comprovar a liquidação conjunta de ISP e de CSR pelos verdadeiros sujeitos passivos: as Declarações de Introdução no Consumo, ou o Documento Administrativo Único / Declaração Aduaneira de Importação.
  7. E o Tribunal considera igualmente que a facturação apresentada documenta as transacções das fornecedoras de combustíveis com as Requerentes, mas não faz, nem pode fazer, prova de repercussão económica da CSR, seja porque os montantes da CSR não eram discriminados, nem podiam sê-lo, nessa facturação (apenas se discriminando os valores de IVA), seja porque está vedada a presunção de que tenha havido repercussão integral da CSR em toda e qualquer das transacções documentadas.

 

III. Sobre a Matéria de Excepção

 

III. A. Posição da Requerida no Requerimento de 25 de Setembro de 2023

 

  1. Em Requerimento de 25 de Setembro de 2023, na fase procedimental, a Requerida sugeriu, sem afirmá-lo, que se estaria perante uma ineptidão do pedido de pronúncia, dada a insuficiência na identificação dos actos tributários impugnados, que, mais do que violar o art. 10º, 2, b) do RJAT, impediria o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT.

 

III. B. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. A Requerida, na sua Resposta, formula um conjunto de questões suscitadas pela alegada legitimidade das Requerentes para peticionarem o reembolso da CSR, enquanto entidades que, embora não revestindo a posição de sujeito passivo relativamente às liquidações em causa, declaram ter suportado a CSR por via da repercussão, ocupando uma posição de “repercutidos”.

 

III. B. 1. Excepção da Incompetência Relativa do Tribunal em Razão da Matéria

 

  1. A Requerida começa por sustentar que, sendo a CSR uma contribuição financeira e não um imposto, o Tribunal não teria competência para apreciar o litígio, seja por força do disposto nos arts. 2º e 4º do RJAT, seja pelo disposto na “portaria de vinculação” (Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. Invocando diversa jurisprudência arbitral em suporte desse entendimento, aduz ainda um argumento relativo à falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o art. 18º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no art. 29º, 1, c), do RJAT e art. 181º do CPTA – acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à AT através da vinculação prevista no art. 4º do RJAT.
  3. Assim, a CSR estaria excluída da arbitragem tributária. No fundo, seria decisiva a não-vinculação do Estado a decisões respeitantes a tributos sem o nome legal de “impostos”, algo similar à incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o art. 18º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no art. 29º, 1, c) do RJAT e no art. 181º do CPTA), um acordo que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido nos termos do art. 4º do RJAT, e resultou na “portaria de vinculação”.
  4. Por uma outra via, a Requerida retira um argumento para excepcionar em termos de incompetência do Tribunal em razão da matéria: é que, no seu entender, o que as Requerentes vêm questionar é, não um conjunto de liquidações (e repercussões), mas o próprio quadro legislativo em si mesmo, em abstracto, a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, visando suspender a eficácia de actos legislativos. Ora, exclui-se do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
  5. Por ambas as vias, a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma excepção dilatória, nos termos do art. 577º, a) do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos arts. 99º, 1 e 576º, 2 do CPC.

 

III. B. 2. Excepção da Ilegitimidade das Requerentes

 

  1. A Requerida coloca em dúvida que as Requerentes sejam, sequer, os consumidores finais dos combustíveis que foram objecto das transacções comprovadas por facturas, não podendo excluir-se que os tenham revendido, repercutindo a jusante a carga da CSR – criando-se assim um problema de legitimidade que verdadeiramente só não afecta os sujeitos passivos a quem o imposto foi liquidado e que efectuaram o correspondente pagamento – os mesmos que são identificados pelo art. 5º da Lei nº 55/2007, e a quem os arts. 15º e 16º do CIEC reconhecem o direito ao reembolso (não tendo aquela Lei qualquer referência à repercussão da CSR, nem sequer uma remissão para o art. 2º do CIEC no qual se se prevê a repercussão dos impostos especiais sobre o consumo).
  2. Conclui a Requerida que carecem de legitimidade para solicitar a anulação das liquidações com fundamento em erro, e consequente reembolso do montante correspondente, os requerentes de reembolso que não correspondam à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR. Sendo isso que resulta para os IEC nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC, é isso que é válido igualmente para a CSR (por força do art. 5º da Lei nº 55/2007).
  3. Trata-se aqui de impostos monofásicos, que incidem num único ponto do circuito económico, e, sem desconhecerem que uma multiplicidade de transacções e de sujeitos podem ocorrer a jusante ao momento da relação jurídica tributária originária, optam por não se envolverem nessa sequência, mantendo-a numa posição de irrelevância relativamente à liquidação dos tributos, do seu pagamento e do seu eventual reembolso.
  4. Entende a Requerida que esse é, de resto, o sentido do entendimento plasmado no Despacho proferido pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 no Proc. nº C-460/21, quando legitima o sujeito passivo como titular do direito ao reembolso, mesmo que os impostos tenham sido concebidos para serem repercutidos, na medida em que não se tenha provado a repercussão plena.
  5. Assim, as Requerentes, quando adquiriram produto às fornecedoras de combustíveis, estabeleceram com elas uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a AT é estranha, para efeitos do que aqui releva, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutida no custo de aquisição de combustível.
  6. Sendo que também só dessa maneira se evitará a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos sobrepostos, a sujeitos passivos “repercutentes” e a terceiros “repercutidos”, com locupletamento indevido de alguns deles, sem qualquer controlo sobre a sequência de transacções, e de eventuais repercussões, posteriores ao facto gerador do imposto.
  7. Não sendo as Requerentes sujeitos passivos nos termos e para o efeito do disposto no art. 4.º do CIEC, não têm legitimidade, nem para apresentar pedido de revisão oficiosa, nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
  8. Não só os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo, e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente (art. 15º, 2 do CIEC); mas também as Requerentes, na medida em que são meras “repercutidas” numa situação de simples repercussão económica, não são sujeitos passivos, pelo que não têm legitimidade, por efeito do art. 18º, 4, a) da LGT.
  9. Além disso, invoca a Requerida os arts. 9º, 1 e 4, do CPPT e 65º e 78º da LGT para sustentar a ilegitimidade processual das Requerentes.
  10. As Requerentes seriam apenas clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR – e a sua posição não ficava desprovida de tutela jurisdicional efectiva, nessa dimensão, já que nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido, instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29).
  11. Conclui a Requerida que, não tendo efectiva titularidade do direito, não sendo sujeitos passivos nem repercutidos legais, falta às Requerentes uma legitimidade que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, em conformidade com os arts. 278º, 1, d), 576º, 1 e 3 e 579º, todos do CPC.

 

III. B. 3. Excepção de falta de interesse em agir por parte das Requerentes

 

  1. A Requerida entende que, não se provando que as Requerentes pagaram os valores referentes à CSR, ou em que montante, ou se repercutiram, ou não, a jusante a CSR que tenham pago, carecem igualmente de interesse em agir – faltando um interesse objectivo, minimamente concretizado, que seja necessário tutelar; sendo impossível fixar um objecto que pudesse resultar, em termos de mínima segurança, do deferimento ou indeferimento da pretensão que formulam.
  2. Essa falta de interesse em agir consubstanciaria uma excepção dilatória inominada, nos termos dos arts. 576º, 1 e 2, e 577.º do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT, a qual, prejudicando o conhecimento do mérito da causa, conduz à absolvição da instância.

 

III. B. 4. Excepção de Ineptidão da Petição Inicial, por falta de objecto

 

  1. Na Resposta, a Requerida explicita o tema da ineptidão (já sugerido no seu requerimento de de 25 de Setembro de 2023), alegando a existência, no pedido de pronúncia arbitral, de deficiências, mormente a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT, que determinam a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme os arts. 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b) do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
  2. Especificamente, sustenta que as Requerentes aludem a actos tributários, mas se limitam a apresentar facturas que não comprovam qualquer acto tributário – nem sequer identificando as liquidações de CSR a que teriam estado sujeitas as fornecedoras de combustíveis “repercutentes”; e que, por outro lado, nem a própria AT tem a possibilidade de suprir essa falta, recolhendo elementos de prova, dado não ser óbvia a correspondência entre as referidas liquidações e as facturas apresentadas.
  3. Não só as Requerentes não são sujeitos passivos de ISP e de CSR, mas não existe qualquer relação evidente entre as provas apresentadas e os factos alegados.
  4. Essa impossibilidade de estabelecimento de uma correspondência específica resulta em larga medida do modo de declaração e liquidação do ISP e da CSR: as companhias petrolíferas, que são os sujeitos passivos nesta relação tributária, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento diário, por via electrónica, de DIC, as quais são, por sua vez, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
  5. A alfândega competente para a liquidação nem sequer é necessariamente a da sede do sujeito passivo, dependendo do lugar onde são apresentadas as DIC.
  6. Esclarece a Requerida que é frequente, no sector dos combustíveis, o circuito económico envolver uma multiplicidade de destinos e de clientes para os produtos após a introdução no consumo, sendo virtualmente impossível acompanhar todos os passos e transacções que vão da introdução no consumo até ao consumo final – sendo raro, e não podendo presumir-se, que uma única liquidação de ISP e CSR seja referente a uma única transacção, aquela que eventualmente teria tido lugar entre o sujeito passivo dos tributos e um seu único cliente.
  7. A normalidade é a situação oposta, da multiplicidade de transacções a jusante da introdução no consumo – sendo, portanto, que uma qualquer factura que documente uma qualquer dessas múltiplas transacções não terá necessária e inequivocamente uma relação com uma única DIC, correspondente à liquidação praticada por uma única alfândega, ou até com os produtos introduzidos no consumo por uma única fornecedora de combustíveis.
  8. Em suma, sendo as vendas dos produtos declarados para consumo destinadas a uma multiplicidade de destinos, e não sendo coincidentes no tempo, em relação ao facto gerador do imposto, torna-se impraticável estabelecer uma relação biunívoca entre DIC e transacções a jusante (a isso acrescem dificuldades de mensuração dos produtos, de que a Requerida dá conta).
  9. A Requerida assinala que, não fazendo as facturas apresentadas qualquer prova dos factos relevantes, ou seja, de quaisquer liquidações de CSR ou de qualquer mensuração da repercussão económica que possa ter ocorrido, a identificação e invocação a que as Requerentes procedem no PPA não se encontra devidamente documentado, conflituando com o estabelecido no art. 429º do CPC; e que, não obstante declararem o interesse de fazer uso de documentos em poder da parte contrária, as Requerentes nem sequer especificam os factos que pretendem provar com esses documentos (cfr. arts. 429º, 146º, 2 e 590º, 3 do CPC).
  10. Lembra a Requerida que, em sede de Impostos Especiais de Consumo, não é possível a identificação dos actos de liquidação nos mesmos moldes em que é possível, por exemplo, em sede de IVA: tudo dependendo de uma Declaração de Introdução no Consumo (DIC), nos termos do art. 10º do CIEC.
  11. Não pode excluir-se que as fornecedoras de combustíveis das Requerentes, especificamente a C... e a D..., tenham efectuado introduções no consumo em várias alfândegas, criando as impossibilidades de identificação dos valores de CSR envolvidos nas transacções das fornecedoras com os seus clientes – ou seja, nas suas transacções a jusante.
  12. Daí retira a Requerida a inferência de que apenas os sujeitos da liquidação, ou seja, os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efectuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações e o reembolso da CSR junto da alfândega competente; só os sujeitos passivos reúnem as condições para identificar os actos de liquidação – não estando ao alcance da própria Requerida identificar os actos de liquidação a serem sindicados, por ser impossível identificar as DICs e os respectivos actos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram alegadamente a ser adquiridos pelas Requerentes.
  13. Colidir-se-ia, em suma, com o princípio geral, que, no entender da Requerida, deveria ser este: “a petição inicial de impugnação que não identifica o acto tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adopção da providência judiciária requerida é inepta” (Acórdão do TCAS de 30-06-2022, Proc. nº 138/17.5BELRS).
  14. Também por essa razão, conclui a Requerida que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, verificando-se assim excepção de ineptidão da petição inicial, o que determina a nulidade de todo o processo, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dando lugar à absolvição da instância, conforme arts. 98º, 1, a) do CPPT, e 186º, 1, 576º, 1 e 2, 577º, b) e 278º, 1, b), do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, c) e e) do RJAT.

 

III. B. 5. Da ilegalidade da coligação de Requerentes

 

  1. A Requerida sustenta que, não obstante as Requerentes terem o mesmo Conselho de Administração e o mesmo Fiscal Único, na verdade elas são duas entidades jurídicas independentes – pelo que, no seu entender, não estão preenchidos os requisitos do art. 3º, 1 do RJAT e do art. 36º, 1 e 2 do CPC, devendo essa circunstância de coligação activa ilegal, que consubstancia excepção dilatória, conduzir à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, 1 e 2, 577º, f) e 278º, 1, e) do CPC.
  2. Especificamente, a Requerida entende que há similitude de causas de pedir entre os casos das duas Requerentes, mas não a mesma causa de pedir, não existindo nenhuma relação de prejudicialidade ou dependência entre os pedidos – logo, faltando um pressuposto da coligação activa, que a Requerida entende não ser sequer sanável nos termos do art. 38º do CPC, na medida em que o Tribunal não é materialmente competente para apreciar todos os pedidos coligados.

 

III. B. 6. Da ilegalidade da cumulação de pedidos

 

  1. A Requerida entende que não estão verificados os pressupostos da cumulação de pedidos, para efeitos dos arts. 3º, 1 do RJAT e 104º do CPPT.
  2. Admitindo que, para a cumulação de pedidos, baste uma identidade das questões jurídico-fiscais a apreciar, que permita concluir que, se se provarem os factos alegados por um dos autores, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos eles, a Requerida contrapõe que, no caso vertente, não está provado o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência de todos eles, na medida que as Requerentes são omissas nessa matéria.
  3. Isto porque, conforme assinala a Requerida, as Requerentes, não sendo sujeitos passivos de ISP/CSR:
  1. Pedem a declaração de ilegalidade de um número não identificado de alegados actos, igualmente não identificados, de repercussão económica de CSR;
  2. Pedem a declaração da ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR não identificadas, desconhecendo-se quantas estarão em causa;
  3. Pedem a anulação dessas liquidações não identificadas, nem provadas;
  4. Pedem o reembolso de valores alegadamente pagos, mas não provados, a título de CSR;
  5. Pedem o pagamento de valor indeterminado, alegadamente devido a título de juros indemnizatórios.
  1. Ora, como a Requerida entende que nenhuma das Requerentes fez prova do suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de ambas, conclui que a cumulação de pedidos é ilegal, por não se encontrar verificado o requisito da coincidência quanto às circunstâncias de facto.
  2. Caso em que se verificaria a excepção dilatória prevista no art. 89º, g) do CPTA, aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT, que conduz à nulidade de todo o processo e à absolvição da instância.

 

III. B. 7. Da caducidade do direito de acção

 

  1. A Requerida, sustentando que não existe erro imputável aos serviços, entende que o pedido de revisão oficiosa foi intempestivo, tendo-se, na data da sua apresentação, 3 de Abril de 2023, ultrapassado o prazo de 120 dias, o prazo de reclamação graciosa previsto na 1ª parte do art. 78º, 1 da LGT – não havendo lugar, na ausência do referido erro, ao prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do art. 78º, 1 da LGT.
  2. A isso acresce também que, não sendo sujeitos passivos de ISP/CSR, nem tendo feito prova específica da repercussão económica que possa ter ocorrido, as Requerentes não poderiam ter pedido reembolsos nos termos dos arts. 15º a 20º do CIEC, nem ter beneficiado do correspondente prazo de 3 anos.
  3. Por essa razão, alega a Requerida que nem sequer se consegue apurar se foi tempestivo o pedido de revisão oficiosa, e, com ele, o presente pedido de pronúncia arbitral, levando em conta, não o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do art. 78º, 1 da LGT, mas o prazo de 3 anos previsto no art. 15º, 2 e 3, do CIEC.
  4. Dessa não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral resultaria um obstáculo irremediável à finalidade da petição inicial, redundando em ineptidão da petição inicial; mas, no que especificamente respeita à caducidade do direito de acção, daí resultaria uma excepção peremptória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido; ou, ao menos, uma excepção dilatória nos termos do art. 89º, 1, 2 e 4, k) do CPTA, devendoser a Requerida absolvida do da instância.

 

III. B. 8. Da ilegitimidade substantiva

 

  1. A Requerida enfatiza a circunstância de as Requerentes não serem sujeitos passivos de ISP/CSR, não tendo efectuado quaisquer introduções no consumo de produtos petrolíferos, não sendo parte da relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não conseguindo definir, quantificar ou provar que efectuaram quaisquer pagamentos a título de CSR – pelo que à ilegitimidade processual, já alegada pela Requerida, se somaria a ilegitimidade substantiva das Requerentes, redundando qualquer reembolso a que se procedesse numa ilegítima, infundada e indevida restituição de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos alegados factos, sem qualquer possibilidade de controlo.
  2. Alerta a Requerida para esse resultado, indesejado e incongruente, da procedência indiscriminada de pedidos de sujeitos passivos “repercutentes” e terceiros “repercutidos”, incluindo entre estes diversos intermediários até se chegar ao consumidor final, cada um deles alegadamente “repercutindo” a jusante a carga económica da CSR: mormente, a inadmissível consequência de uma multiplicação de reembolsos, com locupletamento injustificado dos reembolsados.
  3. Conclui a Requerida que, inexistindo efectiva titularidade do direito a que se arrogam, carecem igualmente as Requerentes de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma excepção peremptória, nos termos do disposto no art. 576º, 1 e 3 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

 

III. B. 9. Da falta de pagamento da CSR pelas Requerentes

 

  1. A Requerida sustenta que não há qualquer prova de que as Requerentes tenham suportado integralmente a CSR, como alegam – e que, portanto, o montante invocado seja aquele que elas invocam. Sendo que eram elas que estavam oneradas com a respectiva prova, nos termos do art. 74º, 1 da LGT.
  2. Nota que as declarações das fornecedoras, juntas aos autos em 15 de Dezembro de 2023, são genéricas e não contêm elementos concretos que pudessem permitir uma comprovação da repercussão económica que tenha ocorrido, qual a sua dimensão; e se se tratou, ou não, de uma repercussão integral, como as Requerentes alegam.
  3. A ausência de prova do suporte económico da CSR não apenas representa uma transgressão do disposto no art. 10º, 2, d) do RJAT, pois acaba por constitui, conclui a Requerida, uma excepção peremptória, nos termos do disposto no art. 576º, 1 e 3 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT, conduzindo à absolvição do pedido.

 

III. B. 10. Da inexigibilidade de juros indemnizatórios

 

  1. Lembra a Requerida que o art. 43º, 3, d) da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando exista uma decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, e que determine a respectiva devolução.
  2. Mas que, no caso, não existe qualquer decisão transitada em julgado para esse efeito – apenas existindo um Despacho do TJUE, proferido em 7 de Fevereiro de 2022 no âmbito do Processo n.º C-460/21, pelo que não pode concluir-se por uma desconformidade da CSR com o previsto na Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, e que revoga a Directiva 92/12/CEE), na medida em que essa desconformidade não foi declarada por qualquer decisão judicial transitada em julgado.
  3. Assim, não há, segundo a Requerida, fundamento para reembolso de impostos, nem para o pagamento de juros indemnizatórios.
  4. A ausência de pressupostos legais para esses efeitos consubstancia, conclui a Requerida, uma excepção peremptória nos termos do art. 89º, 1 e 3 do CPTA, aplicável ex vi art. 29º, 1, a), d) e e) do RJAT, conduzindo à absolvição do pedido.

 

III. C. Posição das Requerentes quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

III. C. 1. Posição das Requerentes no Requerimento de 14 de Fevereiro de 2024

 

  1. Em Requerimento de 14 de Fevereiro de 2024, as Requerentes tomaram posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta (não o tendo feito inicialmente em reacção ao requerimento da AT de 25 de Setembro de 2023).
  2. Começam por abordar o tema daquilo que elas presumem ser uma repercussão legal, que elas entendem poder suceder quando a lei estipula uma obrigação legal stricto sensu no sentido de que o encargo económico do imposto deve ser suportado por um terceiro que não o sujeito passivo, estabelecendo, inclusive, os termos formais, como sucede com o IVA; e pode suceder também quando a lei se limita a afirmar ser esse o objetivo a alcançar – como sucede com a generalidade dos impostos especiais sobre o consumo, e com a CSR.
  3. No caso da CSR, isso decorreria da redacção que, com natureza interpretativa, foi conferida ao art. 2º do CIEC pelo art. 6º da Lei nº 24-E/2022, de 30 de Dezembro; decorreria também da exposição de motivos da Proposta de Lei 153/X, que deu origem à Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, na qual se aludia à repercussão; e decorreria ainda das referências da própria Lei n.º 55/2007, que apontava para o suporte da CSR pelos utilizadores da rede rodoviária nacional, pelos consumidores de combustíveis (o que só poderá acontecer se tiver ocorrido repercussão plena).
  4. No caso da CSR, entendem as Requerentes que, tendo o legislador determinado que a CSR deve constituir um encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível), a CSR liquidada pela AT deve ser legalmente repercutida até atingir a entidade nomeada pelo legislador como devendo suportar, em termos finais, o encargo económico deste tributo: o apontado consumidor de combustível. Ou seja, o dever de repercutir só cessa quando o combustível chegue ao consumidor final.
  5. Daí derivam as Requerentes a concepção de que, sobre os sujeitos passivos “primários”, impende um dever de repercussão sobre os consumidores de combustíveis (entendendo-se como tal os que, a jusante, não revendam eles próprios os combustíveis); e que as facturas constituiriam prova bastante do cumprimento de um tal dever de repercussão.

 

III. C. 2. Sobre a incompetência do Tribunal em razão da matéria

 

  1. Quanto às excepções de incompetência absoluta e relativa do tribunal arbitral, as Requerentes admitem que se trate de contribuição especial, todavia sujeita ao regime dos impostos, e como tal sujeita ao regime do RJAT e da Portaria de Vinculação; entendem que a CSR é uma contribuição especial por maiores despesas, segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado no art. 165º, 1, i) da CRP, e que deve ser perspectivada como um verdadeiro imposto (com a peculiaridade de ter uma natureza paracomutativa).
  2. Por outro lado, sustentam as Requerentes que, mesmo que se tratasse de uma pura contribuição financeira, nem assim deixaria de ser aplicável o RJAT, visto que este estabelece a arbitrabilidade de tributos, e não somente de impostos – o que se adequa ao facto de as contribuições financeiras serem administradas pela AT.
  3. As Requerentes entendem que seria inconstitucional uma leitura da Portaria de Vinculação que deixasse de fora as contribuições especiais como a CSR.
  4. Quanto à excepção de incompetência absoluta do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a validade intrínseca de actos normativos, abstractamente considerada, as Requerentes entendem que não é isso que está em causa, sendo a invalidade desses actos normativos um simples pressuposto do objecto do processo, que respeita à invalidade de actos de repercussão de um tributo desconforme ao direito da União.

 

III. C. 3. Sobre a coligação das Requerentes e a cumulação dos pedidos

 

  1. As Requerentes sustentam que, mesmo perante causas de pedir distintas (não absolutamente idênticas), são admitidas, no âmbito da arbitragem tributária, a cumulação de pedidos e a coligação de autores, sempre que a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – o que decorre do art. 3º, 1 do RJAT.
  2. E sustentam que não somente se verifica semelhança das circunstâncias de facto, como se dá o caso de ser a mesma a questão de direito que é suscitada.

 

III. C. 4. Sobre a ineptidão do pedido arbitral

 

  1. Quanto à excepção de ineptidão do pedido de pronúncia, as Requerentes entendem que a AT suscita somente questões que se encontram directamente relacionadas com os efeitos procedimentais / processuais do fenómeno da repercussão legal de tributos e respectivo ónus de prova, para tentar forçar a conclusão de que, neste domínio, recairia sobre as Requerentes o ónus de identificar e juntar os actos de liquidação de CSR praticados a montante da repercussão; mas que as Requerentes, pelo contrário, fazem prova suficiente de todos os actos tributários impugnados.
  2. Na verdade, as Requerentes sustentam que, num contexto de repercussão legal – como consideram que seja o caso no regime da CSR –, os repercutidos apenas têm o ónus de identificar e de comprovar os únicos actos tributários de que são destinatários no âmbito da relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal, ou seja, os actos de repercussão legal corporizados nas facturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos pelos sujeitos repercutentes; mas não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes actos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT – voltando a insistir que a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que pode não ter acesso.
  3. Assim, bastaria às Requerentes fazerem o que fizeram: juntar aos autos todas as facturas emitidas pelas entidades fornecedoras do combustível por si adquirido – documentos que corporizam os actos de repercussão cuja legalidade se contesta.
  4. As Requerentes sustentam que a junção aos autos das facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras do combustível por elas adquirido, e da listagem com todos os elementos identificativos de tais facturas, bastaria para preenchimento do standard de prova exigível (as Requerentes invocam diversa jurisprudência arbitral em apoio desse entendimento).
  5. As Requerentes lembram que os actos de liquidação de CSR foram praticados pela própria AT e notificados, tão-somente, às entidades fornecedoras de combustível, enquanto sujeitos passivos primários e primeiros repercutentes, não tendo as Requerentes, na sua qualidade de terceiros repercutidos, acesso a eles; assim, sendo a AT a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é ela quem está em condições de identificar os actos pressupostos pelos actos de repercussão.
  6. Não obstante, as Requerentes dizem que preencheram os requisitos do art. 10º, 2, b) do RJAT, procedendo à identificação bastante dos actos de liquidação de CSR praticados pela AT com base nas DIC submetidas pelos respectivos sujeitos passivos, referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pelas Requerentes às fornecedoras de combustível nas datas constantes das facturas, e listagens juntas com o pedido de pronúncia arbitral.
  7. As Requerentes sustentam que a atribuição ao art. 74º da LGT de um sentido diverso, projectando sobre os terceiros repercutidos o ónus de identificarem, e de juntarem aos autos, actos tributários de que não foram destinatários e que não têm forma de conhecer, nomeadamente os actos de liquidação dirigidos aos respectivos sujeitos passivos primários, violará flagrantemente os princípios constitucionais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade (arts. 18º e 20º da CRP), tornando-se tal sentido interpretativo materialmente inconstitucional.
  8. Acrescentam que a projecção de um tal ónus probatório sobre as Requerentes violaria também o princípio da efectividade vigente no âmbito do direito da União, tendo em consideração que tornaria impossível ou excessivamente difícil o exercício, por parte das Requerentes, do seu direito a obter a restituição de um tributo suportado em violação do direito da União.
  9. Sustentando que, a subsistirem dúvidas quanto à prevalência do princípio da efectividade, o Tribunal deveria promover o reenvio prejudicial do processo para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.
  10. Insistindo no pressuposto de que está em causa uma repercussão legal, as Requerentes inferem que o que se passa a jusante da primeira repercussão é irrelevante, transitando a partir daí para o domínio da repercussão meramente económica – pelo que questões de mensuração, ou questões de multiplicação de intervenientes, seriam irrelevantes – tudo se consumando, afinal, neste cumprimento estrito do “dever de repercutir” que recairia sobre os sujeitos passivos da relação tributária – embora as Requerentes admitam ser ilidível a presunção de que a repercussão efectivamente ocorreu.
  11. Ora, não tendo a AT suscitado a questão do não-cumprimento desse dever de repercutir, deveria, no entender das Requerentes, presumir-se cumprido o dever de repercutir das fornecedoras de combustíveis – o dever de repercutir sobre elas.
  12. Sustentando as Requerentes, ainda a partir da sua convicção de que existe repercussão legal, que, na falta de prova de que os sujeitos repercutentes não repercutiram efectivamente a CSR que foram chamados a suportar em primeira linha, se presumirá que, de acordo com a lei, o pertinente encargo económico foi efectivamente transferido para as entidades identificadas pelo legislador, como devendo ser oneradas pelo tributo a repercutir.
  13. Por outro lado, as Requerentes entendem que a jurisprudência vertida no despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022 (Vapo Atlantic, S.A., Proc. C-460/21) deve ser lida no sentido de que, provada que esteja a repercussão, o reembolso do imposto não se dará a favor dos sujeitos passivos, e que essa prova não pode consistir numa presunção que tornasse excessivamente onerosa, ou impossível, a prova pelos sujeitos passivos.
  14. Mas voltam a sustentar que no presente processo não é isso que está em causa, mas apenas a restituição por facto de repercussão, que as Requerentes entendem estar plenamente provado mediante junção das facturas de consumo de combustível que lhes foram emitidas pelos sujeitos repercutentes, e que corporizam os respectivos actos de repercussão legal da CSR de que as Requerentes foram destinatárias.
  15. Lembram as Requerentes que, nos presentes autos, a AT não só não alega, como, muito menos, demonstra, que os sujeitos repercutentes incumpriram o seu dever legal de repercussão – pelo que se aplicaria aqui, segundo elas, a presunção de cumprimento daquele dever legal e inerente transferência da respectiva carga tributária da CSR para as Requerentes, na proporção do combustível por si adquirido.
  16. Por outras palavras, para as Requerentes não está em causa a comprovação de uma excepção mediante inversão de um ónus probatório por via de uma presunção (como apreciado a título principal no processo C-460/21), mas, tão-somente, a prova da repercussão por referência às regras vigentes no ordenamento jurídico doméstico, a propósito da qual o TJUE afirmou que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (cfr. Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, Vapo Atlantic, S.A., proc. C-460/21, § 44).
  17. Adicionalmente, as Requerentes não deixam de assinalar que é a própria AT quem, para negar a restituição da CSR aos sujeitos passivos “primários”, tem afirmado peremptoriamente que a repercussão da CSR ocorreu, e foi completa – para daí inferir que a referida restituição representaria o locupletamento indevido desses sujeitos passivos (dando exemplos, nos Procs. n.os 564/2022-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 665/2022-T e 113/2023-T).
  18. Além disso, remetem para as declarações da C..., S.A., sujeito passivo de CSR e entidade repercutente, juntas aos autos.
  19. E mais uma vez sustentam que, a subsistirem dúvidas quanto à prevalência do princípio da efectividade, o Tribunal deveria promover o reenvio prejudicial do processo para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.

 

III. C. 5. Sobre a ilegitimidade activa (processual e substantiva) e sobre a falta de interesse em agir

 

  1. Sobre a excepção de ilegitimidade, as Requerentes insistem que não só os arts. 15º e 16º do CIEC não são aplicáveis à CSR (fora das matérias de liquidação, cobrança e pagamento), como os repercutidos legais têm direito de recorrer ao meio de reacção estabelecido no art. 78º da LGT.
  2. Concluindo que as Requerentes têm legitimidade para sindicar, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no art. 78º da LGT, a legalidade de actos tributários de liquidação de CSR, enquanto titulares de interesses legalmente protegidos, dado que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo.
  3. Assim, embora o plano de incidência subjetiva da CSR, recortado pela primeira parte do art. 5º, 1 da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, compreenda apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico daquele imposto deve recair, por via de repercussão legal, nos utilizadores da rede rodoviária nacional, “tal como esta [utilização] é verificada pelo consumo dos combustíveis” (art. 3º, 1, “in fine”, da Lei n.º 55/2007).
  4. Disto inferem as Requerentes que, em matéria de CSR, a relação estabelecida entre as Requerentes e as suas fornecedoras de combustível não se traduz apenas numa mera relação privada entre particulares, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, na qual se inclui a AT.
  5. E inferem que, tratando-se de uma repercussão legal, a legitimidade dos repercutidos decorre dos arts. 18º, 4, a) da LGT e 9º, 1 do CPPT.
  6. Além disso, de novo entendem que a repercussão legal se esgota no primeiro passo da repercussão, de nada valendo, para puros efeitos tributários, os argumentos referidos a eventuais repercussões económicas a jusante – porque o legislador, ao consagrar, no regime da CSR, tal repercussão, teria pretendido onerar exclusivamente os consumidores de combustíveis – os putativos utilizadores da rede rodoviária nacional.
  7. Um entendimento contrário seria, segundo as Requerentes, uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos, e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal, sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional.
  8. E, a prevalecer um tal entendimento, então teria de se concluir que o ordenamento jurídico doméstico não confere qualquer meio de reacção às entidades repercutidas para obterem, eficazmente, a restituição do tributo que tenham indevidamente suportado em violação do direito da União. Ora, de acordo com a jurisprudência do TJUE, nos casos em que o ordenamento jurídico doméstico não confira ao repercutido a apontada faculdade de obter a restituição do tributo indevido diretamente junto das autoridades nacionais, esse direito dever-lhe-á, não obstante, ser atribuído por força do princípio da efectividade, sempre que esse repercutido, não possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil. (cfr. acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, Danfoss A/S, Proc. C-94/10).
  9. As Requerentes entendem que, no caso concreto da CSR, além do ordenamento jurídico-tributário português atribuir aos repercutidos o direito de contestarem os actos tributários de repercussão de que sejam destinatários directamente junto da AT (obtendo, por essa via, a restituição do tributo indevidamente suportado), esse é, de resto, o único meio à sua disposição para o efeito, não lhes sendo possível obter essa restituição junto das entidades repercutentes por via de uma acção para repetição do indevido (impossibilidade que, segundo as Requerentes, resulta do próprio regime da repercussão legal).
  10. Ainda, como corolário daquilo que elas julgam ser um regime de repercussão legal, as Requerentes concluem que, por força do disposto nos arts. 172º, 1 do CPA, 173º, 1 do CPTA, e 100º da LGT, a declaração da ilegalidade, seja dos actos de liquidação, seja dos actos de repercussão de CSR (em ambos os casos com fundamento na violação do direito da União), terá por efeito investir a AT no dever legal de promover a anulação de todos os actos tributários antecedentes ou consequentes inquinados por essa ilegalidade, abrangendo necessariamente, nos casos de repercussão legal, tanto os actos tributários de liquidação de CSR, como os inerentes actos tributários de repercussão legal deste tributo.
  11. Destacam, pois, que, na jurisprudência do TJUE, já está consolidado que, se o reembolso pelo sujeito passivo se revelar impossível ou excessivamente difícil, nomeadamente no caso de insolvência, o princípio da efectividade exige que o comprador “repercutido” tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de reembolso directamente contra as autoridades fiscais, e que, para o efeito, o Estado‑Membro preveja os instrumentos e modalidades processuais necessários (cfr. acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, Danfoss A/S, Proc. C-94/10).
  12. E que, perante a desconformidade de determinado tributo com o direito da União, o respectivo Estado-Membro deve restituir os impostos cobrados em violação do direito da União, fazendo-o directamente ao repercutido se o comprador final puder obter, directamente das autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou – ou seja, se o ordenamento jurídico doméstico conferir essa faculdade ao repercutido (acórdão do TJUE de 14 de Janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95).
  13. As Requerentes entendem que não há repetição do indevido, que, nos termos do art. 476º, 1 do Código Civil, supõe ter havido intenção de cumprir uma obrigação inexistente, pelo facto de as Requerentes terem suportado a CSR que constituía uma obrigação lícita e exigível, não lhes sendo propiciado sindicar os actos de repercussão legalmente estabelecidos.
  14. Sendo assim, estando vedada a reacção contra os “repercutentes”, a única via que lhe restaria seria a de obter a restituição da CSR indevidamente suportada através do recurso aos meios de reacção previstos na legislação tributária, para contestar, directamente junto da AT, os actos tributários de repercussão legal.
  15. Daqui inferem as Requerentes que, sempre que seja reconhecida legitimidade aos repercutidos para peticionarem directamente o reembolso da CSR, essa legitimidade não deve ser reconhecida, em contrapartida, às entidades repercutentes. O que seria confirmado pela seguinte posição do TJUE: “se o comprador final puder obter o reembolso, por parte do operador, do montante do imposto que sobre si se repercutiu, esse operador deverá, por sua vez, poder obter o respetivo reembolso das autoridades nacionais. Em contrapartida, se o comprador final puder obter, diretamente das autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou, a questão do reembolso do operador não se coloca como tal” (acórdão do TJUE de 14 de Janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, § 24).
  16. Sustentam mesmo que esse é um efeito normal da anulação administrativa ou judicial: o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado (arts. 172º, 1 do CPA, 173º, 1 do CPTA e 100º da LGT), envolvendo, portanto, tanto os actos principais de liquidação como os actos secundários de repercussão – um dever que obsta a que se tenha de proceder a uma anulação em separado dessas distintas classes de actos.
  17. Daqui decorreria, segundo as Requerentes, a impossibilidade de multiplicação de reembolsos, e de locupletamento indevido dos reembolsados ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis.
  18. Também aqui as Requerentes entendem que qualquer interpretação que conclua pela inexistência de legitimidade de os repercutidos recorrerem ao procedimento de revisão oficiosa (e subsequentes meios de reacção), excluindo-os do respectivo âmbito subjectivo de aplicação, violará os princípios constitucionais do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária, sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional.
  19. E voltam a insistir que, caso subsistam dúvidas quanto à legitimidade das Requerentes para solicitarem a restituição da CSR suportada em violação do direito da União, promova o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, em defesa do princípio da efectividade.

 

III. C. 6. Sobre a invocada falta de pagamento de valores a título de CSR

 

  1. As Requerentes argumentam que as facturas referentes à aquisição de combustível, tal como as listagens com os elementos identificativos de tais facturas, a juntar às declarações das fornecedoras, fazem prova bastante de que elas adquiriram às fornecedoras de combustível um total global de 10.677.026,95 litros de gasóleo rodoviário, e 216.210,88 litros de gasolina, e de que suportaram, por via de repercussão, a quantia global de € 1.203.960,34 a título de CSR.
  2. E alegam que, se a AT tiver dúvidas, é sobre ela que recai o poder-dever de promover as diligências inquisitórias necessárias ao apuramento da verdade, nos termos do art. 58º da LGT (sem esquecer os deveres de colaboração que o art. 59º da LGT consagra) – e isso deveria ter acontecido, mas não aconteceu, logo no procedimento de revisão oficiosa.
  3. Pelo que, concluem, tem de se dar por demonstrada toda a factualidade alegada pelas Requerentes.

 

III. C. 7. Sobre a caducidade do direito à acção

 

  1. Relativamente à excepção de caducidade do direito à acção, as Requerentes entendem que não se pode fazer assentar juízos de intempestividade numa mera insinuação ou juízo probabilístico relativo à falta de identificação precisa dos actos impugnados; além disso, defende a inaplicabilidade do regime de reembolso prescrito pelos artigos 15.º e 16.º do CIEC ao caso vertente, dado que retira do art. 5º da Lei n.º 55/2007 que o regime especial do CIEC é, neste ponto, inaplicável à CSR, devendo aplicar-se, ao invés, os meios gerais de reacção previstos no ordenamento jurídico-tributário; e, como entendem que a desconformidade entre o regime da CSR e o direito da União consubstancia um erro dos serviços, prevaleceria o regime geral do art. 78º da LGT.
  2. Por outro lado, as Requerentes entendem que não se conseguiu apurar o dies a quo, por falta da AT, sobre a qual sustentam que recaía o ónus probatório, e, portanto, não se consegue inferir qualquer conclusão em termos de intempestividade.
  3. Além disso, alegam que a AT invoca o incumprimento de um ónus que impende sobre si própria (o ónus de identificar os actos de liquidação de CSR, já que é ela que não apenas tem na sua posse os actos de liquidação que constituem o objecto da repercussão, mas tem ainda poderes e meios únicos para estabelecer a correlação entre os actos de repercussão e os actos de liquidação de CSR), para fundamentar uma excepção que, por seu turno, imputa às Requerentes e que teria por efeito a absolvição de instância da própria AT.
  4. Como o art. 5º, 1 da Lei nº 55/2007 só remete para o CIEC as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, deixando-se de fora todas as restantes matérias, que ficam sujeitas ao regime geral, concluem as Requerentes que não se aplica o regime especial dos arts. 15º e 16º do CIEC para se aferir a tempestividade dos pedidos apresentados pelas Requerentes, aplicando-se, antes, o regime geral do art. 78º da LGT.
  5. Para efeitos de aplicação deste regime geral, as Requerentes entendem que a desconformidade entre o regime da CSR e a Directiva 2008/118/CE, que fundamentou o pedido de revisão oficiosa e o pedido de pronúncia arbitral, tem a potencialidade de consubstanciar um erro de direito imputável à AT, para efeitos do disposto na última parte do nº 1 do art. 78º da LGT.
  6. Alegam as Requerentes que a observação, pelos Estados-Membros, do princípio do primado do direito da União e do princípio da cooperação leal dos Estados-Membros com a União Europeia não se encontra circunscrita ao adequado cumprimento das normas europeias que sejam directa e imediatamente aplicáveis nas respectivas ordens jurídicas (os regulamentos), devendo o direito nacional ceder, igualmente, perante as normas do direito da União, originário ou derivado (as directivas), dotadas do denominado efeito directo, isto é, as normas da União Europeia de conteúdo suficientemente preciso e incondicional e, portanto, invocáveis directamente pelos particulares perante o Estado (o denominado efeito directo vertical), ou mesmo perante outros particulares (efeito directo horizontal).
  7. Por conseguinte, comportando o art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE o referido efeito direto vertical, impõe-se concluir que as autoridades nacionais (a administração e os tribunais) devem proceder à interpretação das disposições internas mais conforme à realização do subjacente objectivo daquela disposição ou, quando tal não seja possível, desaplicar as normas nacionais que com ela estejam numa relação de manifesta antinomia.
  8. Daqui retiram as Requerentes a conclusão de que, perante a invocada desconformidade entre o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007 e o art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE, e perante o pedido para se pronunciar sobre a existência de um vício de ilegalidade abstracta a si imputável, a AT estava obrigada a proceder à análise do pedido de revisão oficiosa que lhe foi dirigido pelas Requerentes. Não o ter feito consubstancia um erro que é imputável aos serviços da AT.
  9. Lembrando as Requerentes que os pedidos de revisão oficiosa assentaram no fundamento de que os actos tributários sub judice traduzem a aplicação de normas domésticas desconformes com o direito da União derivado, padecendo, por isso, de ilegalidade abstrata – pelo que, face à antinomia gerada por uma contradição entre as normas de direito interno (o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007) e o direito da União derivado (o art. 1º, 2, da Directiva 2008/118/CE), concluem que a AT se encontrava vinculada a desaplicar as normas nacionais, fazendo prevalecer as disposições da referida Directiva (por efeito directo vertical da Directiva), pelo que, ao não tê-lo feito, errou, independentemente de culpa, na aplicação do direito ao caso concreto – obstando infundadamente à plena eficácia do direito da União, e não desaplicando as normas de direito nacional desconformes com esse direito da União.
  10. Também aqui insistindo as Requerentes que, no caso de subsistirem quaisquer dúvidas quanto ao sentido e alcance dos invocados princípios do primado do direito da União e da cooperação leal, ou do efeito directo do art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE, então impor-se-á ao tribunal arbitral promover o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE.

 

III. C. 8. Sobre o direito a juros indemnizatórios

 

  1. As Requerentes sustentam que, dado que a anulação dos actos tributários sub judice se baseia na desconformidade entre as normas dispostas na Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, e o art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE, daí resulta o direito ao recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos, nos termos do art. 43º, 3, d) da LGT.

 

III. C. 9. Sobre a necessidade de reenvio prejudicial em caso de dúvidas

 

  1. As Requerentes reiteram que, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação que deve ser conferida a qualquer uma das disposições invocadas do direito da União, deve ser promovido o reenvio prejudicial do processo para o TJUE, nos termos previstos no art. 267º do TFUE – o que se torna, nos termos desta norma, obrigatório quando a decisão do processo caiba a um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
  2. As Requerentes especificam que, no seu entender, esse dever de reenvio é particularmente fundado em caso de subsistirem dúvidas quanto à legitimidade das Requerentes para solicitarem directamente a restituição da CSR suportada em violação do direito da União, quanto à impossibilidade de projecção sobre as Requerentes do ónus de identificar, e de juntar aos autos, actos tributários de que não foram destinatárias no âmbito da relação jurídico-tributária subjacente, quanto à aptidão das facturas para comprovarem a repercussão da CSR, ou quanto ao primado do direito da União, no que especificamente se refere ao art. 1º, 2 da Directiva 2008/118/CE.

 

III. D. Posição das Requerentes em Alegações

 

  1. Em alegações, as Requerentes retomam o tema das excepções suscitadas na resposta da Requerida, e limitam-se a recapitular, sintetizando-as, as razões para a improcedência das diversas excepções.
  2. E novamente rematam as alegações com considerações sobre a necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE em caso de dúvidas sobre os argumentos apresentados, mormente sobre a legitimidade de um repercutido peticionar directamente o reembolso de CSR, sobre a exoneração de um repercutido em matéria probatória, sobre o valor probatório de facturas quanto ao facto da repercussão, e sobre o primado do direito da União.

 

III. E. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida mantém os seus argumentos de defesa por excepção, retomando, essencialmente, as ideias de que a CSR é uma contribuição cuja repercussão é meramente económica, de que as Requerentes, como “repercutidos económicos”, não têm legitimidade activa, que é insuficiente a identificação dos actos tributários alegadamente impugnados, que a própria repercussão, total ou parcial, não é provada; e que, não ocorrendo erro imputável aos serviços da AT, não há lugar a juros indemnizatórios.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição das Requerentes no Pedido de Pronúncia

 

  1. As Requerentes começam por analisar o circunstancialismo que determinou o regime da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, a sua transposição pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, e o estabelecimento de um regime geral dos impostos especiais de consumo – explicando porque é que acabou por se manter na esfera dos Estados-Membros um poder de tributação residual, reconhecendo-se-lhes a faculdade de sujeitar, sob determinadas condições, os produtos abrangidos pelo referido regime geral a outros impostos indirectos – procurando acautelar-se que daí nascessem entraves às trocas comerciais.
  2. Exigindo-se que esses outros impostos indirectos tivessem um motivo específico, e fossem harmonizados quanto à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
  3. Quanto ao motivo específico, será necessário que o produto do tributo seja obrigatoriamente utilizado nos fins específicos que tenham sido invocados, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (cfr. Acórdão do TJUE de 27 de Fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12, § 30), ou, em alternativa, se for concebido, no que respeita à sua estrutura, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo (cfr. Acórdão do TJUE de 5 de Março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, § 42).
  4. No que especificamente respeita à CSR, as Requerentes descrevem a sua génese (a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), a afectação das receitas à Estradas de Portugal, depois Infraestruturas de Portugal, por invocada contrapartida da utilização da rede rodoviária nacional, tal como ela é revelada pelo consumo de combustíveis rodoviários.
  5. Reconhecendo que a Lei n.º 55/2007 restringe a incidência subjectiva da CSR aos sujeitos passivos identificados no art. 4º do CIEC, as Requerentes insistem que, por força daquilo que elas consideram ser uma repercussão legal, é sobre o consumidor de combustíveis que recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
  6. Lembrando-se de referir que a CSR foi extinta através da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2023.
  7. As Requerentes analisam a violação do Direito da União Europeia que a CSR representou, e a consequente ilegalidade abstracta dos actos tributários que a consubstanciaram, remetendo para as ponderações do Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Proc. C-460-21, centradas na inexistência de um “motivo específico” da CSR, de uma relação directa e exclusiva entre utilização das suas receitas e a finalidade enunciada para o tributo, sem conexões a finalidades concorrentes ou a finalidades mais gerais ou mais difusamente enunciadas – como aquelas que o TJUE detectou na CSR –, e na inexistência de uma estruturação do tributo que o torne susceptível de motivar ou condicionar as condutas dos sujeitos passivos em direcção à finalidade enunciada para o tributo.
  8. Verificada a antinomia entre a CSR e o Direito da União, e dado o primado deste (art. 8º, 4 da CRP), que vincula todos os serviços do Estado, segue-se que a AT deveria desaplicar as normas de fonte interna que instituíram, aplicaram e regularam a CSR – sendo que, se não o fez, concluem as Requerentes, isso representa um erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do art. 78º, 1 da LGT.
  9. Sustentam as Requerentes que o princípio da legalidade, que, conformado pelo do primado do direito da União, vincula todos os serviços do Estado (incluindo, portanto, a AT), constituindo o primeiro parâmetro de aferição da legalidade dos actos administrativos, o que deve ser conjugado com o princípio da cooperação leal dos Estados-Membros com as instituições europeias, que por seu lado também impõe que todos os serviços do Estado se encontrem vinculados a desaplicar as normas de fonte interna com fundamento na sua desconformidade com as normas europeias, evitando assim a consequente ilegalidade abstracta dos putativos actos de aplicação.
  10. Ou seja, verificada uma antinomia entre as normas dispostas na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e a Directiva 2008/118, a AT estaria vinculada a desaplicar as primeiras, com fundamento na sua desconformidade com a segunda; e não o ter feito corresponde a um erro imputável aos serviços, para todos os efeitos – mormente para permitirem o recurso à 2ª parte do art. 78º, 1 da LGT.
  11. Daí inferem as Requerentes que os actos tributários objecto do processo devem ser anulados e, em consequência, devolvidas as quantias por elas suportadas, por repercussão, a título de CSR.
  12. As Requerentes terminam peticionando, para lá do reembolso do imposto, o pagamento de juros indemnizatórios – não contados depois de decorrido um ano da apresentação do pedido de revisão oficiosa, como sucederia por aplicação do art. 43º, 3, c) da LGT, mas a contar da data do pagamento indevido, nos termos do art. 43º, 3, d) da LGT. E isto porque as Requerentes consideram que se está perante um caso de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, dado que, no entender delas, uma decisão judicial que reconheça uma desconformidade entre uma norma de direito interno e o direito da União consubstanciará, ipso facto, uma decisão judicial que declara ou julga a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, o que cabe na previsão do art. 43º, 3, d) da LGT – e que as Requerentes, além disso, julgam ser apoiada na jurisprudência do TJUE.
  13. Entendendo que, porque já houve decisões arbitrais (Procs. n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022-T) a declarar a ilegalidade das normas da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, ao abrigo das quais foram praticados os actos ora em causa, as Requerentes têm direito ao recebimento de juros indemnizatórios calculados desde a data dos pagamentos indevidos, nos termos do art. 43º, 3, d) da LGT.
  14. Terminando com um requerimento de prova documental, “nos termos do disposto nos artigos 84.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 429.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 29.º, alíneas c) e e), do RJAT, que a entidade demandada seja notificada para juntar aos autos cópia dos procedimentos administrativos que antecedem e, bem assim, todos os demais documentos respeitantes à matéria do presente processo arbitral de que é a mesma detentora, em particular as liquidações de CSR aqui impugnadas, designadamente para prova dos factos constantes do artigo 1.º do presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

IV. C. Posição das Requerentes em Alegações

 

  1. Em alegações, as Requerentes retomam as posições expressas do seu Pedido de Pronúncia, a que aditam alguns argumentos novos.
  2. Começam por insistir no carácter legal da repercussão da CSR, entretanto reafirmado pela atribuição de natureza interpretativa à nova versão do art. 2º do CIEC pelo art. 6º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, sendo que, nessa nova versão do art. 2º do CIEC se estabelece que os IEC são repercutidos.
  3. Desse carácter alegadamente “legal” da repercussão, inferem as Requerentes que há uma presunção, visto a repercussão constituir um dever dos sujeitos passivos – ilustrando-o com o facto de, em diversos processos arbitrais, a AT subscrever a noção de que a repercussão deve ser presumida. E assim, na falta de contraprova pela AT, a repercussão estaria comprovada através de presunção – além de que, lembram as Requerentes, foram juntas aos autos declarações das entidades “repercutentes”, reforçando a comprovação de que a repercussão efectivamente ocorreu, e ocorreu completamente.
  4. Além disso, as Requerentes interpretam a jurisprudência do TJUE como estabelecendo que a prova da repercussão não pode assentar numa presunção, a qual poderia redundar na oneração do sujeito passivo com uma prova de facto negativo, uma prova excessivamente difícil, senão impossível – o que seria consonante com o princípio da efectividade. E daí retiram um argumento: o de que, no presente caso, não se trata das relações do Estado com os sujeitos passivos, nas quais essa presunção está proscrita, mas das relações com um terceiro repercutido, nas quais a repercussão legal faz, da presunção dessa repercussão, uma norma em benefício das entidades repercutidas, assente na mera prova documental das transacções nas quais essa repercussão se consumou.
  5. Depois de abordar, novamente, as excepções e questões prévias suscitadas pela Requerida na sua resposta, as Requerentes concluem pelo dever da AT de anular os actos impugnados e de reembolsar a CSR indevidamente liquidada e repercutida; um dever que, não tendo sido cumprido por erro imputável aos serviços, torna procedente o pedido de pronúncia que deu origem ao presente processo.

 

IV. D. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, passada uma série de oito excepções, a Requerida começa a sua impugnação por insistir nas questões de prova, nas regras do ónus da prova e nas consequências da ausência de prova do que é alegado – sustentando que não é possível construir alegações sobre presunções que nenhuma norma, no caso, legitima; sob pena de poder proceder-se, em substância, a uma inversão do ónus da prova, ou estabelecer-se um standard de prova diabólica que forçaria a própria Requerida a fazer prova daquilo que as Requerentes se limitam a alegar.
  2. Retirando dessas circunstâncias a ilação de que a AT não tem de reembolsar um tributo a quem não o pagou (nem, logicamente, de efectuar o pagamento de juros indemnizatórios).
  3. Referindo-se ao despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21, a Requerida sustenta que se procedeu aí a uma análise superficial do tributo, e em momento algum o TJUE retirou a conclusão de que a CSR é ilegal – não havendo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal.
  4. Pelo que, no seu entender, não há uma antinomia entre a CSR e o Direito da União Europeia.
  5. Pelo contrário, sustenta a Requerida que, à data dos factos, existia efectivamente um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, em termos de visíveis e relevantes objectivos não-orçamentais.
  6. Por outro lado, lembra que a repercussão económica é um fenómeno que assenta essencialmente numa relação de direito privado – remetendo para o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10), atinente à matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, no qual se estabeleceu que um Estado-Membro, pode opor-se a um pedido de reembolso, apresentado por um “repercutido”, com o fundamento de não ter sido este quem pagou o tributo – desde que, nos termos do direito interno, esse “repercutido” possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo “repercutente”, tal como ocorre no direito português.
  7. Refere ainda a Requerida que a documentação junta ao PPA é inconclusiva, já porque é totalmente omissa quanto a montantes de ISP e CSR efectivamente liquidados, já porque a documentação aparece descontextualizada, não permitindo aferir objectivamente o seu rigor.
  8. A Requerida termina peticionando a extinção da instância arbitral e a absolvição da Requerida, seja da instância, seja do pedido, por procedência das diversas excepções apresentadas; ou, no mérito, peticionando que seja considerado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

IV. E. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida retoma o essencial da sua resposta, sintetizando e aditando alguns argumentos, mormente para esclarecimento de pontos controvertidos.
  2. Insiste que a CSR é uma contribuição economicamente repercutível, mas que essa repercussão não tem natureza legal – pelo que as Requerentes cometem um erro de base quando insistem na ideia de repercussão legal, que o próprio TJUE afasta:

Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.” (Despacho proferido em 07/02/2022, no Proc. C-460/21, §44)

  1. Esse erro preside à escolha de exemplos jurisprudenciais que as Requerentes convocam, o que, no entender da Requerida, ajuda a demonstrar o erro em que as Requerentes incorrem.
  2. Não havendo qualquer similitude com o Imposto de Selo, a repercussão da CSR dependerá de decisões tomadas nas relações comerciais tomadas ao longo do circuito de comercialização dos combustíveis. Não há um acto tributário autónomo na repercussão, e as facturas não documentam qualquer repercussão, mas somente uma compra e venda de combustíveis, sem se poder descortinar se o valor de CSR foi ou não repercutido – e se sim, em que medida.
  3. Ao contrário do que sucede com o Imposto de Selo ou com o IVA, em sede de IEC não é possível a identificação dos actos de liquidação, sendo que as quantidades de combustível vendidas não têm por base um acto de liquidação específico, e não constando das facturas um valor discriminado do valor dos IEC. E por isso o imposto monofásico recai sobre os sujeitos passivos, e não se envolve nas vendas subsequentes, que podem envolver uma extensa multiplicidade de intermediários e consumidores finais – e essa a razão pela qual todos esses participantes subsequentes no circuito de distribuição de combustíveis são excluídos da legitimidade para pedir reembolsos, nos termos dos arts. 15º e 16º do CIEC.
  4. Foi o próprio TJUE que entendeu que:

um Estado-Membro só pode opor-se à restituição ao operador de um imposto cobrado em violação do direito comunitário se se provar que o imposto foi na totalidade suportado por outra pessoa e que a restituição ao referido operador implica para o mesmo um enriquecimento sem causa. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se estão preenchidas essas condições. Se apenas uma parte do imposto foi repercutida, as autoridades nacionais devem reembolsar ao operador o montante não repercutido; [§] a existência de uma eventual obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo não permite presumir que o imposto tenha sido repercutido na totalidade, mesmo no caso de a violação dessa obrigação implicar uma penalidade; (…)”

  1. Lembra a Requerida que, dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, através do preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo – porque, por sua vez, esses clientes do sujeito passivo de ISP/CSR, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma actividade comercial e utilizam os combustíveis como factores de produção no circuito económico, procuram, também eles, repassar nos preços praticados todos os gastos em que incorrem, por forma a concretizarem o objectivo lucrativo da sua actividade económica.
  2. Quanto às declarações juntas pelas Requerentes, a AT entende que elas não documentam nada, sendo declarações genéricas que nem sequer identificam qualquer acto de liquidação; até porque não foram apresentados quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos correspondentes Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI /DAU), com averbamento do número de movimento de caixa. Assim, as referidas declarações não versam as concretas transacções realizadas entre as fornecedoras de combustíveis e as Requerentes, não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados, não estabelecem a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT, e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas facturas de venda de gasóleo rodoviário às Requerentes, nem tão pouco em que grau ou medida tal incorporação se processou.
  3. Sendo que, até na hipótese de vigorar um verdadeiro regime de repercussão legal, ser essencial, e decisivo, que se procedesse à identificação dos actos de liquidação de ISP/CSR referentes ao combustível (quantidade global/total) introduzido no consumo (através de uma determinada DIC), ao qual seria de imputar a parte de combustível vendida às Requerentes, o que só pode ser feito pelos sujeitos passivos, fornecedores que, ao processar a DIC ou Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação (DAU /DAI), procederam à introdução no consumo.
  4. E acrescenta que esses sujeitos passivos originários já suscitaram, administrativa ou judicialmente, a questão da legalidade da CSR, impugnando as liquidações de CSR e apresentando pretensão idêntica à visada pelas ora Requerentes – caso flagrante da D... (nos Procs. n.os 24/2023-T e 31/2023-T do CAAD). Ora esses sujeitos passivos originários só conseguirão sustentar o seu direito ao reembolso de CSR se não se provar que houve repercussão total – o contrário do que eles parecem estar a fazer nas declarações juntas aos presentes autos.
  5. Por outro lado, segundo a AT as Requerentes laboram num outro erro, que é o de julgar que o que é tributado, no ISP ou na CSR, é o consumo, quando o facto gerador daqueles tributos é, pelo contrário, a produção, entrada no território ou importação daqueles produtos, nos termos do art. 7º do CIEC – e essa a razão principal da demarcação dos sujeitos passivos aos intervenientes nesse momento inicial da introdução dos combustíveis no circuito nacional de distribuição.
  6. Daqui decorre a conclusão da Requerida, de que o repercutido económico não tem legitimidade processual ou interesse de agir: não havendo repercussão legal, não aproveita ao repercutido o que se estabelece no art. 18º, 4, a) da LGT.
  7. Lembra também a Requerida que a legitimidade para pedir o reembolso está expressamente estabelecida no art. 15º do CIEC, que se articula com a legitimidade para pedir a revisão, prevista no art. 78º, 1 da LGT.
  8. E fica de fora o repercutido económico, até porque ele não pode pedir o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
  9. As Requerentes não são sujeitos passivos, nem de ISP, nem de CSR; não efectuaram, consequentemente, qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos; não são partes da relação tributária subjacente às liquidações contestadas, juntando documentos cuja veracidade é contestável, e dos quais não é possível inferir, com um mínimo de rigor, um valor discriminado de CSR, o qual também não consta, nem tinha de constar, das facturas que documentam as transacções com as fornecedoras.
  10. Conclui a Requerida que nenhum dos documentos apresentados pelas Requerentes sustenta qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nem constitui prova bastante quanto a valores alegadamente suportados a título de CSR (a listagem que discrimina valores de CSR fá-lo de forma inteiramente arbitrária, aplicando a taxa ao volume de combustíveis, e assentando na hipótese, não comprovada, de repercussão total do tributo); o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre as Requerentes o ónus de tal prova.
  11. Por outro lado, atenta a regra geral prevista no art. 342º, 1 do Código Civil, não incumbe à AT fazer a prova da não-repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova como a prevista no art. 344º do Código Civil (cfr. Acórdão do STA de 17.12.2008, Processo n.º 0327/08).
  12. A Requerida insiste que o contribuinte do imposto só pode ser o sujeito passivo identificado no artigo 4.º do CIEC, ou seja, aquele que promove a produção, a entrada em território nacional ou a importação, ainda que irregulares, dos produtos petrolíferos e energéticos, e não aquele que os consome; e, mesmo nas hipóteses de substituição tributária, não se pode dissociar o elemento nuclear, objectivo ou material do facto gerador da obrigação tributária, por um lado, do seu elemento subjetivo passivo, por outro, conjecturando a vinculação de uma terceira pessoa alheia à situação configuradora do facto gerador.
  13. Conclui a Requerida que não se comprova que houve efectiva repercussão económica da CSR, nas Requerentes enquanto consumidoras finais, nem que estas efectuaram qualquer pagamento nessa sequência, e nessa qualidade.
  14. Na medida em que só a efectiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitimaria o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido, não está, assim, a CSR abrangida pela parte final da alínea b) do n.º 4 do art. 18º da LGT, pelo que pode inferir-se que as Requerentes não fizeram prova bastante dos factos invocados no pedido arbitral.
  15. Na ausência de repercussão legal, conclui que:

o repercutido não tem qualquer direito que possa exercer, diretamente, contra o sujeito ativo da relação jurídica tributária, sendo que os meios de que dispõe, designadamente, para solicitar o reembolso de quantias indevidamente pagas, devem ser exercidos contra o sujeito passivo da concreta relação jurídico-tributária” (Acórdão do STA de 28/10/2020, Proc.º 0581/17.0BEALM)

  1. Lembra ainda que o art. 15º do CIEC e o art. 78º, 1 da LGT se conjugam para reservar aos sujeitos passivos, tanto a legitimidade para petição do reembolso do imposto como a legitimidade para a petição de revisão dos actos tributários – não se encontrando tais direitos na esfera jurídica de meros repercutidos económicos.
  2. Quanto a juros indemnizatórios, a Requerida insiste que, dado o teor do despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no Proc. n.º C-460/21, não se pode afirmar que exista uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare – pelo que não se encontram reunidos os pressupostos legais, nem para que se efectue o reembolso, nem para que sejam devidos juros indemnizatórios.
  3. Alega assim a Requerida que deve, em alternativa, ser
  1. Extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação:
  • da excepção da incompetência em razão da matéria, ou
  • da excepção da ilegitimidade processual, ou
  • da excepção de falta de interesse em agir, ou
  • da excepção da ineptidão do pedido arbitral, ou
  • da excepção de coligação activa ilegal, ou
  • da excepção de cumulação de pedidos ilegal.
  1. Absolvida a Requerida do pedido, face à verificação
  • da excepção de caducidade do direito de ação, ou
  • da excepção de falta de legitimidade substantiva, ou
  • da excepção de falta de pagamento de CSR por parte da Requerente, ou
  • da excepção de não exigibilidade de juros indemnizatórios.
  1. O pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado.

 

V. Fundamentação da decisão

 

V.A.1- Considerações prévias: um problema no pedido.

 

As Requerentes indicam, no pedido de pronúncia arbitral, que este incide “sobre os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão”.

Quanto aos actos de repercussão, eles só seriam actos tributários, susceptíveis de apreciação jurisdicional por parte deste tribunal, se estivesse em causa uma situação de repercussão legal – que, veremos de seguida, não está.

Quanto aos actos de liquidação de CSR, na verdade as Requerentes não chegam a identificar correctamente essas liquidações – sendo que elas poderiam ter obtido, de ambas as fornecedoras de combustíveis, a documentação comprovativa de tais liquidações, em vez das declarações genéricas que optaram por juntar.

Com efeito, o Documento nº 1 anexo ao pedido de pronúncia consiste numa folha de cálculo que se limita a presumir que houve repercussão completa de CSR em cada uma das transacções de combustíveis, a um valor fixo de CSR por litro – sendo, portanto, um simples exercício de conjectura, num contexto no qual, ao contrário do que as Requerentes presumem, nem sequer existia repercussão legal.

E as facturas compiladas no Documento nº 2 apenas discriminam o valor-base e o valor de IVA, sendo apropriadamente omissas quanto a montantes de ISP e de CSR repercutidos, ou não-repercutidos.

E o Documento nº 3, referente a reembolsos, novamente calcula valores de CSR por simples aplicação de uma taxa aos montantes reembolsados, nada comprovando quanto à dimensão da repercussão que possa ter havido, nas relações entre as fornecedoras de combustíveis e as Requerentes, ou a jusante das próprias Requerentes.

Manifesta-se, aqui, seja uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, seja uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Quanto à margem de ininteligibilidade – afinal, o objecto do pedido são as liquidações, ou são as repercussões? – ela pode ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

Mais difícil será sanar a contradição entre o pedido (a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações) e a causa de pedir (a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o direito da União, para efeitos de reembolso do que foi repercutido – isto, relativamente a um tributo cuja liquidação não se provou, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de que, de um tal regime, decorria que a repercussão pudesse ser presumida, seja no seu quid, seja no seu quantum, permitindo inferir, da ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões).

Dificuldade, desde logo porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.

Tentando remover aquilo que designámos por “margem” de ininteligibilidade, poderíamos presumir que as Requerentes só pretendem impugnar os actos de repercussão que elas consideram serem inerentes à transmissão onerosa de combustíveis – na medida em que só quanto a esses actos de repercussão as Requerentes julgaram terem feito prova através da documentação junta ao pedido de pronúncia.

Só que esse passo para fora da “margem” de ininteligibilidade confronta-nos directamente com a natureza do fenómeno de repercussão que pode associar-se à CSR.

 

V.B.2- Problemas de legitimidade.

 

Comecemos por demonstrar que não está em causa – não o estava, nem o pode estar retroactivamente – um regime de repercussão legal; mas não sem, antes, esclarecermos alguns pontos relativos a legitimidade.

A questão nasce dos efeitos da consideração da hipótese de repercussão plena do imposto – o que faria com que, não obstante o sujeito passivo de CSR ser aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição seria economicamente suportado pelo consumidor do combustível, ou por alguém a jusante do sujeito passivo no circuito económico da distribuição de combustíveis, o que poderia sugerir a adopção de uma solução de substituição tributária – em termos de o contribuinte de facto da CSR passar a ser a única parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação, retirando aos “repercutentes” o seu interesse em agir.

É o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, a norma que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.

E essa conclusão não se modifica com a alteração da redacção do art. 2.º do CIEC pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a converter a “repercussão económica” em “repercussão legal”, mesmo que essa alteração tenha alcance interpretativo / retroactivo (ou seja, mesmo que não fosse inconstitucional): porque também aí não ocorre, nem passa a ocorrer, substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final quem responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E, sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.

Com efeito, para que exista a substituição tributária a que se refere o art. 20º da LGT, é preciso que ocorra a deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo (isto é, de quem se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto) para um terceiro: sendo que a responsabilidade do substituto tributário, nos termos do art. 28.º da LGT, se traduz na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção, e da respectiva entrega nos cofres do Estado, em termos que exoneram o substituído da entrega dessas mesmas importâncias.

A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual das Requerentes: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

Não sendo as Requerentes sujeitos passivos do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, elas não são responsáveis pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuintes directos, titulares da relação jurídica tributária, e partes legítimas no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis – restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade das Requerentes para impugnarem os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com os verdadeiros sujeitos passivos que intervieram nesses actos.

Além disso, havendo um regime especial de revisão no CIEC, para o qual remetia o art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, que criou a CSR, o círculo dos potenciais impugnantes dos actos de liquidação da CSR tenderá a convergir com o círculo dos potenciais credores do reembolso delimitado no art. 15º, 2 do CIEC: “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”; ou seja: “o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”, ou ainda “a pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”. Esses círculos de legitimidade tenderão a convergir, mas não necessariamente a coincidir, visto que, como é óbvio, um pedido de revisão não se confunde com um pedido de reembolso – até porque ambos podem cumular-se.

Em todo o caso, impressiona a circunstância de o art. 15º, 2 do CIEC se ter mantido inalterado ao longo da história desse Código, e de os arts. 15º, 2 e 4º, 1 e 2, a) só terem sofrido, também eles, uma única alteração substancial, o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva” – o que só pode significar que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação.

O entendimento subscrito quanto à ausência, no caso, de substituição tributária prejudica amplamente a atribuição de relevância à repercussão económica deste tributo (e a questão da retroactividade “interpretativa”, dada a inconstitucionalidade, prejudica o alcance da respectiva requalificação como “repercussão legal”).

Se assim não fosse, poderíamos admitir que, tendo havido repercussão plena, e provando-se essa repercussão plena (ou não se ilidindo uma eventual presunção de repercussão plena), fossem os repercutidos a ter legitimidade para impugnar os actos que concretizassem a repercussão, ou os actos que a antecedessem (através dos arts. 18º, 4, a), 54º, 2, 65º e 95º, 1 da LGT, e 9º, 1 e 4 do CPPT): pois, num caso desses, apenas os repercutidos seriam afectados nas suas esferas jurídicas pelo acto lesivo, e o substituto só teria legitimidade na medida em que não tivesse repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (por analogia com o estabelecido no art. 132º do CPPT) – podendo haver concorrência de legitimidades, a reclamar a solução do litisconsórcio necessário.

Sem esquecermos, de novo, que o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (art. 9º, 1 e 4 do CPPT).

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o art. 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Não se tratando, no caso presente, de sujeitos passivos originários, mas de meros “repercutidos económicos”, coloca-se, em relação às Requerentes, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado; podendo, quando muito, fazer-se apelo à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir às Requerentes uma legitimidade, via arts. 9º, 1 e 4 do CPPT e 18º, 3 da LGT.

 

V.B.3- A inexistência de repercussão legal.

 

No entanto, afigura-se claro que a CSR não implicava, à data dos factos, qualquer repercussão legal: a Lei n.º 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica – ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas vendedoras tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, incluindo entre eles, mas não exclusivamente, os gastos tributários.

É verdade que, como repetidamente temos referido, entretanto a repercussão legal veio a ser associada ao ISP e à CSR, por força da nova redacção do CIEC introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, com uma pretensão de retroactividade, acrescentada pelo facto de se atribuir natureza interpretativa a essa nova redacção do art. 2º do CIEC (art. 6º da Lei nº 24-E/2022).

Só que, por um lado, essa solução é problemática, não apenas porque não parece que seja possível ou juridicamente admissível uma retroactividade desse género, e através desse artifício (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19), mas também porque uma tal solução lança a AT para os domínios de uma contradição flagrante na abordagem processual deste tema – como se verá adiante.

Por outro lado, essa nova “repercussão legal”, se fosse válida, surgiria desacompanhada de meios de controlo e prova que permitissem a sua gestão e a dissuasão de abusos, como por exemplo ocorre com a repercussão legal prevista no art. 37º do CIVA, que, essa sim, surge acompanhada de mecanismos adequados para esses efeitos (começando pela obrigatória discriminação do IVA na facturação).

Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas das Requerentes independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido das Requerentes para as suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual destas últimas dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9º do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que estas foram os consumidores finais de combustíveis sobre os quais recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo – ou seja, da demonstração de que estas últimas, por sua vez, não constituíram um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiram economicamente a jusante, elas próprias, a CSR “embutida” no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela.

Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria aos sujeitos passivos “repercutentes” legitimidade processual, ao menos parcial, nem a atribuiria aos “repercutidos”, a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual:

  1. a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera – não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica;
  2. a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua própria clientela.

Mas nunca retiraria completamente aos sujeitos passivos a sua legitimidade processual, visto que – insista-se – não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal[1].

A complicar este raciocínio está o facto de a Lei n.º 55/2007 não fazer qualquer referência a quem deve suportar, do ponto de vista económico, o encargo da CSR, mas apenas estabelecer, no seu art. 5º, 1, que “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”.

Ou seja, como assinalado antes, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, não remetendo, o referido art. 5º, 1, para o art. 2º do CIEC, no qual se prevê a repercussão legal nos IEC, mas somente para as normas do CIEC que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Mas compreende-se que o legislador tenha optado por não estabelecer um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria:

  • quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum;
  • quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido – simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor – de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente:

o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos![2]

A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra as “repercutentes”, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) – preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).

Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o Estado credor (o sujeito activo), não existe, nem se forma, vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga a faculdade de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo, quando este exerça aquela faculdade.

Daqui decorre que as relações entre o sujeito passivo e qualquer repercutido se regem pelo Direito Privado – uma razão suplementar, para lá do que consta dos arts. 2º a 4º do RJAT, para se sustentar a incompetência do Tribunal arbitral para se envolver na ponderação dessas relações “repercutente - repercutido”, e respectivas implicações – isto, não obstante dever enfatizar-se que a circunstância de o repercutido estar à margem da relação jurídica tributária não significa que ele esteja à margem do Direito, e não lhe assista alguma protecção, ainda que num plano subalterno face à tutela reservada aos sujeitos passivos (como resulta do disposto na LGT – por exemplo, do art. 18º, 4, a), em casos de repercussão legal – ou do art. 9º, 1 do CPPT, mediante prova de “interesse legalmente protegido”).

Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto no art. 29º, 1, do RJAT, em concreto, e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

A regra geral do direito processual, que consta do art. 30º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida” – sendo a mesma regra reproduzida no processo administrativo, conferindo-se legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º, 1 do CPTA).

A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18º, 3 da LGT.

Deste preceito resulta que a figura do “repercutido” não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.

No art. 5º, 1 da Lei n.º 55/2007, como referimos já, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, nem sequer no art. 3º, 1, quando estabeleceu que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” – sendo ainda que, como referimos também, a remissão para o CIEC, na Lei n.º 55/2007, é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

De tudo isto decorre que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva e completa do imposto sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar um reembolso do imposto indevidamente liquidado que redundasse em enriquecimento sem causa de sujeitos passivos “repercutentes”, e na possibilidade de um duplo reembolso do imposto – que ocorreria se, na ausência de litisconsórcio, os repercutidos lograssem demandar com sucesso a AT para tutela do “interesse legalmente protegido” de não serem o suporte fáctico do encargo económico de um tributo indevido, porque ilegal.

É pelo facto de os sujeitos passivos da CSR serem partes inequivocamente legítimas que, nos casos em que os Requerentes não têm essa qualidade de sujeitos passivos, invocando a de “repercutidos”, a AT tem reagido com a invocação do litisconsórcio necessário, suscitando o incidente de intervenção provocada, mas deixando claro que, no entender da AT, sem a intervenção dos sujeitos passivos, dada a própria natureza da relação jurídica, a decisão a proferir não produzirá o seu efeito útil normal, deixando de ser possível a composição definitiva dos interesses em causa (art. 33º, 2 do CPC).

Isto, sem embargo de poder discordar-se da pertinência da invocação de litisconsórcio necessário, impondo-se a constatação de que as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar, e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário.

Há mais uma diferença entre sujeitos passivos e terceiros “repercutidos” que não podemos deixar de mencionar, em apoio da ilegitimidade processual dos repercutidos, como as ora Requerentes: tem sido comum que a AT invoque, nos processos referentes à CSR, a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral. A AT tem tido esta reacção habitualmente, e teve-a no presente processo, depois de notificada e antes da constituição do tribunal arbitral, tendo o CAAD, invariavelmente, remetido a ponderação de um tal incidente à competência do próprio tribunal arbitral a constituir, o qual deve apreciá-la como questão prévia, prejudicial da pronúncia sobre o mérito.

A razão para a AT suscitar essa questão está claramente ligada ao problema que mencionámos: pode ser impraticável fazer prova de quais são os actos de liquidação específicos dos quais derivam, a jusante, cada uma das transacções que, após a introdução no consumo, acarretam a repercussão económica por meio da incorporação do tributo nos preços – sendo portanto razoável admitir-se que, por um conjunto de circunstâncias, os repercutidos não reúnam condições para identificar os actos de liquidação, de modo a poderem solicitar a respectiva revisão.

Daí que, no presente processo, a AT tenha seguido por esse caminho: não sendo as Requerentes o próprio sujeito passivo da relação tributária, quem declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto, e quem efectuou o correspondente pagamento, as Requerentes não estão em condições de proceder a uma identificação completa, e documentada, dos actos de liquidação específicos que elas pretendem impugnar – por exemplo, relacionando os DIC com as facturas das vendas de combustível, e com as liquidações que sobre eles recaíram.

 

V.B.4- A lei interpretativa e a vedação da retroactividade.

 

Já assinalámos a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).

O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:

(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:

A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:

  1. o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
  2. o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.

Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.

Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,

a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

Fica juridicamente vedada a inferência de que, sendo esta uma norma de aplicação retroactiva, o ISP, e com a ele a CSR, é, e foi, sempre repercutido nos consumidores.

Pode encarar-se a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, somente como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.

Uma leitura possível do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é a de que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – dada a retroacção propiciada por essa norma interpretativa: só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022, insiste-se, é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.

Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.

Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no Código dos IEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso, aos sujeitos passivos, da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.

Esta a questão jurídica em torno do tema da retroactividade, cuja solução destrói os propósitos do expediente de recurso a normas “interpretativas” para resolver um problema jurídico, e interferir na adjudicação judicial e arbitral de interesses em processos já em curso.

 

V.B.5- A incongruência da Autoridade Tributária.

 

Só que aqui se revela, adicionalmente, uma incongruência, que convirá referir, por imperativo de justiça.

Lembremos o esforço de prevenção da duplicação de reembolsos, seja fazendo convergir o direito ao reembolso com o direito à revisão, seja lançando-se mão da figura do litisconsórcio necessário, sempre que se trate de pedidos de pronúncia apresentados por operadores económicos que não sejam os sujeitos passivos da relação tributária, invocando somente a condição de “repercutidos”.

Se não fosse essa prevenção, se se admitisse que a invocação de ilegalidade de liquidações de CSR, assentes nas DIC apresentadas pelas fornecedoras de combustíveis, pudesse alastrar irrestritamente àqueles que invocassem a repercussão dessas liquidações, então seria difícil evitar a duplicação, ou multiplicação, de reembolsos, e um eventual locupletamento repartido entre repercutentes e repercutidos, passando a fazer todo o sentido as advertências antes transcritas.

Outra forma de reagir é a que acabámos de classificar como inconstitucional – a introdução retroactiva de uma “repercussão legal” como forma de travar indiscriminadamente os reembolsos aos sujeitos passivos – com o efeito colateral de alimentar, ou incrementar, as pretensões dos “repercutidos”.

E há ainda a forma incongruente de reagir a esse perigo, e que consiste em, ao mesmo tempo:

  • invocar a repercussão contra os próprios sujeitos passivos da CSR, alegando que, tendo ocorrido essa repercussão, esses sujeitos enriqueceriam sem causa se lhes fosse reembolsado o tributo;
  • não reconhecer legitimidade activa aos repercutidos, mesmo na hipótese de comprovação de uma repercussão económica integral, invocando o litisconsórcio necessário com os repercutentes, insistindo no chamamento à demanda destes sujeitos passivos.

Desta combinação de reacções – insistir na repercussão e depois negar-lhe efeitos – pode resultar um obstáculo importante à possibilidade de duplicação de reembolsos, mas resulta também uma atitude incongruente, claramente incongruente, da Requerida, a AT.

Pode, com efeito, admitir-se que a AT insista em demarcar um círculo estrito de legitimidade activa – nomeadamente assumindo que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo, e efectuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.

Mas não pode admitir-se que a AT, esgrimindo o argumento da repercussão – o mesmo argumento que recusa aos repercutidos – procure furtar-se a reembolsar o imposto, seja aos sujeitos passivos que pagaram o imposto, seja aos repercutidos sobre os quais tenha comprovadamente recaído, seja parte, seja a totalidade, do suporte económico daquele pagamento.

Negando-se injustificadamente a reembolsar um imposto ilegal, será o Estado a locupletar-se, sem causa, com receitas tributárias indevidas.

Impõe-se reconhecer que, não obstante o apoio de princípio que é concedido por lei à posição dos repercutidos, posto que residual, o simples ónus probatório que sobre eles recai pode ser muito oneroso, a ponto de se revelar impraticável – bastando pensarmos que as repercussões são eventuais efeitos de transacções que ocorrem após a introdução no consumo, a jusante dos sujeitos passivos na relação de imposto, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento e comercialização, pelo que cada uma dessas transacções não tem que ter por base um acto de liquidação específico, o que pode inviabilizar, completa e definitivamente, a identificação, em concreto, do acto tributário que lhe está subjacente.

É razoável, assim, o argumento de que somente o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo, a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar, com facilidade e segurança, os actos de liquidação, para solicitar a respectiva revisão com vista ao reembolso dos montantes cobrados – sendo que essa informação escapa, em princípio (salvo contraprova), aos repercutidos a jusante dessas entidades responsáveis pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR.

O que é reprovável, e causa perplexidade, é a dualidade de critérios, e a evidente incongruência da argumentação, que podemos formular ainda de outro modo:

  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os sujeitos passivos, a AT defende a ilegitimidade processual deles, na medida em que, alega, o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor dos combustíveis.
  • Nos processos arbitrais em que sejam Requerentes os consumidores finais dos combustíveis, a AT sustenta que estes não têm legitimidade, por não serem os sujeitos passivos do tributo, reclamando-se a presença, no processo, desses sujeitos passivos “repercutentes”.

 

V.B.6- A posição do TJUE quanto à necessidade de prova da repercussão

 

Quando, na verdade, e como ficou estabelecido no Despacho do TJUE proferido no Proc. nº C-460/21, o reembolso duplicado, ou multiplicado, é evitado pela prova, ou falta de prova, da repercussão: se não tiver havido repercussão ou ela não for provada, só o sujeito passivo tem direito ao reembolso; se tiver havido repercussão integral, e esta for provada, e não existirem efeitos comprovados ao nível de “volume de vendas”, só o repercutido terá direito ao reembolso; e o reembolso será parcial, e reverterá exclusivamente para o sujeito passivo, em caso de ter havido, e ser comprovada, uma repercussão parcial:

“(…) um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.” [§ 42]

Em suma, não havia – nem há, porque seria inconstitucional – uma repercussão legal de CSR.

Mas, mesmo que houvesse, ela não poderia sobrepor-se à exigência de comprovação da repercussão, lapidarmente estabelecida pelo TJUE no despacho proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no Proc. C-460/21, tendo por objecto um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito do processo n.º 564/2020-T:

A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” (§39) (sublinhado nosso)

Para o caso de subsistirem dúvidas quanto à existência de “repercussões legais” ou de “repercussões presumidas”, o mesmo despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE conclui lapidarmente:

O Direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros (…)”

Vale a pena transcrever alguma da fundamentação do despacho, que esclarece plenamente a irrelevância, para o direito da União, de “repercussões legais”, ou de “repercussões presumidas”, mesmo quando elas existam no direito interno dos Estados-membros:

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Não havendo prova concreta de efectiva repercussão, e de repercussão plena, do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas dos sujeitos passivos e demais “repercutentes” a montante das Requerentes, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa dos sujeitos passivos, não existe fundamento para recusar aos sujeitos passivos o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.

Assim, independentemente de haver, ou não, “repercussão legal”, ou “repercussão presumida” na lei portuguesa – que já vimos não ter havido quanto à CSR, nem à data dos factos, nem posteriormente –, as pretensões das Requerentes só valeriam, nos termos do direito da União, se tivesse sido feita prova de uma repercussão total e efectiva da CSR sobre terceiros, consumada a partir das primeiras transacções dos sujeitos passivos com a respectiva clientela a jusante, e adicionalmente a prova de que as Requerentes são consumidores finais (isto é, sem a possibilidade de também elas repercutirem o tributo); e de que o reembolso da CSR paga não constituiria um efectivo enriquecimento sem causa dos “repercutentes” ou dos “repercutidos”.

Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e, mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

No caso, está ausente qualquer prova de que as margens de lucro dos sujeitos passivos não se reduziram no período em análise, ou a prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período – para se apurar se o requisito do enriquecimento sem causa, exigido pelo direito da União, se verifica, ou não – voltando a sublinhar-se que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.

 

V.C. A matéria de excepção.

 

Temos a encarar as seguintes questões suscitadas pela Requerida, na sua defesa por excepção:

 

  1. Da incompetência relativa do Tribunal em razão da matéria
  2. Da ilegitimidade das Requerentes
  3. Da falta de interesse em agir por parte das Requerentes
  4. Da ineptidão da petição inicial, por falta de objecto
  5. Da ilegalidade da coligação de Requerentes
  6. Da ilegalidade da cumulação de pedidos
  7. Da caducidade do direito de acção
  8. Da ilegitimidade substantiva
  9. Da falta de pagamento da CSR pelas Requerentes
  10. Da inexigibilidade de juros indemnizatórios

 

A procedência de qualquer das seis primeiras excepções (1 a 6) levará à extinção da instância, com absolvição da Requerida.

A procedência das três seguintes (7 a 9) conduzirá à absolvição do pedido.

A procedência de qualquer das nove excepções (1 a 9) obstará à apreciação do mérito, ao juízo sobre procedência ou improcedência do pedido de pronúncia, à avaliação dos fundamentos e da prova do pedido.

Dado que são de verificação alternativa – ou seja, dado que a procedência de qualquer delas será suficiente para obstar à decisão de mérito, prejudicando o conhecimento das demais – não se impõe qualquer precedência lógica entre elas, e não estamos adstritos a considerar as excepções pela ordem pela qual foram apresentadas, ou pela qual foram contestadas, ressalvados os critérios do art. 124º do CPPT (ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT).

Comecemos, assim, pela excepção da ineptidão da petição inicial, centrada no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação que não são sequer identificados, e as Requerentes arguirem, em vez disso, a impugnação de actos de repercussão.

 

V.C.1. A excepção de ineptidão da petição inicial

 

Mesmo que a questão não tivesse sido suscitada, a ineptidão da petição inicial é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 196º do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

Mas o facto é que a Requerida invocou a excepção da ineptidão da petição inicial, por entender que a não-identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial, dada a violação do art. 10º, 2, b) do RJAT:

Artigo 10.º (Pedido de constituição de tribunal arbitral)

(…)

2 - O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:

(…)

b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;

(…)”

Podendo invocar-se igualmente o art. 78º do CPTE (aplicável ex vi art. 29º, 1, c) do RJAT):

Artigo 78.º (Requisitos da petição inicial)

(…)

2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:

(…)

e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;

f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;

(…)”

Ou ainda o art. 108º do CPPT:

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”

Sendo que as Requerentes não só não identificam esses actos, como não os comprovam, apresentando facturas que as Requerentes julgam servirem como prova bastante de uma repercussão que elas próprias entendem, erradamente, ser uma repercussão legal, e, logo, presumida.

E, no entanto, logo na comunicação enviada em 25 de Setembro de 2023, antes mesmo da constituição do Tribunal, a AT advertia as Requerentes de que “Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, e por isso solicitava que “seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada”, solicitação à qual as Requerentes reagiram com a entrega de declarações de uma das fornecedoras de combustíveis, sem mais.

Ficando, por isso, por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que as Requerentes alegam e aquilo que documentaram – uma omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.

Vimos que as Requerentes alegaram que fizeram a identificação que lhes competia, sustentando, no pressuposto (errado) da existência de “repercussão legal”, e de uma relação “causal” entre liquidação e repercussão, que a mera entrega de facturas, a documentar as transacções, bastaria como prova da repercussão da CSR.

Reconhecendo, todavia, que não tinham comprovado suficientemente as liquidações de CSR, as Requerentes alegam não só a sua condição de meras repercutidas, para sustentarem que não têm acesso a tais actos de liquidação de ISP e CSR, solicitando, no final do pedido de pronúncia, que a AT fosse notificada para entregar “as liquidações de CSR aqui impugnadas” (procurando contrariar a regra do art. 74º, 1 da LGT); como tentam colmatar essa deficiência através de declarações genéricas de uma das fornecedoras de combustíveis; como recorrem ainda à alegada natureza “legal” ou “presumida” da repercussão para alegarem que caberia à AT fazer a prova das liquidações, já que a AT tivera intervenção directa nelas.

Na verdade, a identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo, e sobre os quais este Tribunal não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível, no caso, recorrer ao regime previsto no art. 429º do CPC. Há que reconhecer que não estaria sequer ao alcance da própria AT identificar os actos de liquidação a serem sindicados, por ser impossível identificar as DICs e os respectivos actos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pelas Requerentes.

As Requerentes envolvem, nesta distribuição de ónus de prova que decorre do seu entendimento peculiar sobre a natureza da repercussão, o próprio direito da União, entendendo que a insistência na produção de prova, a recair sobre as Requerentes, violaria o princípio da efectividade, na medida em que tornaria excessivamente oneroso o exercício de um direito que lhes assiste.

Como concluímos no final das considerações prévias relativas à detecção de uma contradição no pedido, verifica-se, manifestamente, quer uma margem de ininteligibilidade na indicação do pedido, quer uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Quanto à margem de ininteligibilidade – que se reporta ao facto de ficarmos sem saber se o que se pretende é a anulação de liquidações, se a de repercussões – vimos que ela poderia ser eventualmente sanada nos termos do art. 186º, 3 do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT), na medida em que a Requerida foi respondendo às questões suscitadas sem se deixar enredar nesse impasse relativo à definição do objecto imediato da acção, apenas realçando as insuficiências probatórias emergentes de tal indefinição de objecto.

Mas também referimos que será mais difícil sanar a contradição entre o pedido e a causa de pedir:

  • o pedido, formalmente, é a anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e é-o formalmente, porque é assim que está inicialmente formulado o pedido de pronúncia.
  • a causa de pedir é a repercussão de um tributo tido por inválido, por desconformidade desse tributo com o Direito da União, para efeitos de reembolso do que foi repercutido – isto, relativamente a um tributo cuja liquidação não se provou, por se assentar na ideia errada de que vigorava para esse tributo um regime de repercussão legal, e de que, de um tal regime, decorria que a repercussão pudesse ser presumida, seja no seu quid, seja no seu quantum, permitindo inferir, da ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das repercussões, fosse qual fosse o nexo entre liquidações e repercussões.

Na verdade, esta contradição é fatal para o prosseguimento da acção, porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são actos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são actos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.

A causa de pedir, além de existir e dever ser inteligível, deve estar em conformidade com o pedido, formando com a qualificação jurídica as premissas que constituem o corolário da pretensão formulada[3].

A contradição entre pedido e causa de pedir torna procedente a excepção de ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 186º, 2, b) do CPC (aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT):

Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial)

1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.

2 - Diz-se inepta a petição:

(…)

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

(…)

Por causa do entendimento que erradamente perfilharam sobre a natureza da repercussão da CSR, as Requerentes não trouxeram para os autos a documentação que, ao menos, pudesse comprovar a liquidação conjunta de ISP e de CSR pelos verdadeiros sujeitos passivos, nomeadamente as Declarações de Introdução no Consumo (DIC, art. 10º do CIEC), ou o Documento Administrativo Único / Declaração Aduaneira de Importação (DAU / DAI), de forma a, subsequentemente, permitir imputar, a esses valores totais da introdução no consumo, a parte de combustível vendida às Requerentes – antes mesmo de qualquer prova, igualmente necessária, relativa ao quid e ao quantum da repercussão económica.

Na ausência desses elementos mínimos, como fazer, sequer, a prova de liquidação à qual o próprio direito da União obriga, removendo presunções que pudessem prejudicar a legitimidade activa dos sujeitos passivos – em eventual benefício de uma legitimidade sucedânea de “repercutidos”?

Como, em suma, na ausência de identificação bastante dos únicos actos tributários relevantes – as liquidações originais das quais emerge tudo o resto, a própria condição dos “repercutentes”, e a posição dos “repercutidos” –, satisfazer o pedido a partir de uma causa de pedir ostensivamente contraditória com ele, incompatível com ele, à luz do direito português e do direito europeu?

A deficiência na formulação da causa de pedir, e na sua articulação com o pedido, verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa.

E é isso que determina a nulidade do processo.

E não se diga que as Requerentes fizeram referência às liquidações de CSR da melhor forma que podiam: pelo contrário, desvalorizaram-nas, entendendo-as presumidas, e não carecidas de prova sua, por força de um regime legal que supuseram ser o vigente (regime que, refira-se, também não dispensaria a prova mínima que aqui faltou – porque a presunção de que houve repercussão não pode abarcar, obviamente, a presunção de que houve liquidação, tendo de provar-se que houve liquidação, e qual foi a liquidação).

Não cabendo a este tribunal emitir juízos de equidade (art. 2º, 2 do RJAT), não terão aqui cabimento considerações sobre a desculpabilidade de um tal erro de direito, ou se um tal erro pode, ou não, aproveitar a quem o cometeu.

A procedência da excepção de ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (art. 186º, 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

Trata-se de uma excepção dilatória (art. 577º, b) do CPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dá lugar à absolvição da instância – não obstando, portanto, a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (arts. 278º, 1, b) e 2, 279º e 576º, 2 do CPC).

E obsta igualmente ao conhecimento das demais excepções, nada podendo inferir-se, da sua não-consideração por prejudicialidade, quanto à procedência ou improcedência de cada uma delas para efeitos de absolvição da instância ou do pedido.

 

V.D – Aplicação uniforme do Direito.

 

Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 296/2023-T, 298/2023-T, 332/2023-T, 364/2023-T, 374/2023-T, 375/2023-T, 398/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 438/2023-T, 465/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 486/2023-T, 490/2023-T, 523/2023-T, 534/2023-T e 537/2023-T, todos do CAAD[4].

 

V.E – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

VI. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Declarar nulo o processo, por ineptidão da petição inicial;
  2. Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
  3. Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

VII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.298.264,32 (um milhão, duzentos e noventa e oito mil, duzentos e sessenta e quatro euros e trinta e dois cêntimos)., nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VIII. Custas

 

Custas no montante de € 17.442,00 (dezassete mil, quatrocentos e quarenta e dois euros) a cargo das Requerentes (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 15 de Maio de 2024

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

Amândio Silva

 

Voto de vencido do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro

 

Não acompanho a decisão que fez vencimento e declarou nulo o processo por ineptidão da petição inicial, pelas razões que, sinteticamente, passo a enunciar.

Sustenta a Requerida que “verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.”

Entendo que improcede esta argumentação,  pelas razões expostas na decisão do processo arbitral nº 491/2023-T, cujo coletivo integrei, onde, além do mais, se pode ler:

A eventual dificuldade que a AT possa ter na identificação das liquidações a que ela própria procedeu junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado nem trazer desvantagem às Requerentes. As Requerentes fizeram tudo quanto poderiam ter feito, juntando os documentos que tinham à sua disposição. Exigir às Requerentes a identificação dos atos de liquidação numa situação com este recorte, em que o repercutido não tem meios para proceder a essa identificação nem ela se assume como imprescindível para a apurar da legalidade da liquidação de CSR que as faturas coonestam, constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP.

Improcede, portanto, a exceção de ineptidão da petição inicial.

Considero, ainda, que não se verifica ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Decorre do artigo 581º, nº 4º, do Código de Processo Civil que nas ações de anulação a causa de pedir é “a nulidade especifica que se invoca que se invoca para obter o efeito pretendido”. Ou seja,  a causa de pedir é o vício invocado como fundamento da anulabilidade, no caso, a  meu ver, a ilegalidade abstrata das liquidações por desconformidade do direito nacional, em que se baseiam, com o Direito da União Europeia.

Assim, a pretensão anulatória está em harmonia com a causa de pedir invocada pelo que, no meu entender, não se verifica a apontada ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de  pedir.

Pelas razões expostas, discordo da  decisão  que fez vencimento e declarou nulo o processo por ineptidão da petição inicial, entendendo que, ao invés, tal exceção deveria ter sido julgada improcedente.

 

 

 

                                    Marcolino Pisão Pedreiro

 



[1] A jurisprudência do STA já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tinha legitimidade para impugnar a respectiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1 de Outubro de 2003, Proc. n.º 0956/03).

[2] “A Contribuição de Serviço Rodoviário e a Legitimidade Processual dos Consumidores Finais”, e “A Contribuição de Serviço Rodoviário: Enquadramento e Desenvolvimentos Recentes”, edições de Agosto de 2022 e de Março de 2023 da Newsletter do Tax Litigation Team encabeçado por Rogério Fernandes Ferreira, disponível em https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-e-a-legitimidade-processual-dos-consumidores-finais/4579/ e em

https://www.rfflawyers.com/pt/know-how/newsletters/a-contribuicao-de-servico-rodoviario-enquadramento-e-desenvolvimentos-recentes-marco-2023/4755/

[3] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta & Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I- Parte Geral e Ação Declarativa, 2ª ed., p. 232.

[4] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2022-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 644/2022-T (Fernando Araújo, Nina Aguiar, Francisco Carvalho Furtado), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves), 702/2022-T (Fernando Araújo, Catarina Belim, António A. Franco), 24/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Raquel Franco, Nina Aguiar), 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa), 294/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Fernando Miranda Ferreira, Catarina Belim), 296/2023-T (Victor Calvete, Luís Menezes Leitão, Marcolino Pisão Pedreiro), 298/2023-T (José Poças Falcão, Maria Alexandra Mesquita, António A. Franco), 332/2023-T (Victor Calvete, José Nunes Barata, João Menezes Leitão), 364/2023-T (Fernando Araújo, Jesuíno Alcântara Martins, Rui Miguel Sousa Simões Fernandes Marrana), 374/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Magda Feliciano, Pedro Miguel Bastos Rosado), 375/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Miguel Patrício, Maria do Rosário Anjos), 398/2023-T (Fernando Araújo, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 408/2023-T (Alexandra Coelho Martins, Tomás Cantista Tavares, Marcolino Pisão Pedreiro), 409/2023-T (Victor Calvete, Marisa Isabel Almeida Araújo, Ana Rita do Livramento Chacim), 410/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, Sílvia Oliveira, Marta Vicente), 438/2023-T (Victor Calvete, António de Barros Lima Guerreiro, Catarina Belim), 465/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Rui Marrana, António Franco), 466/2023-T (Victor Calvete, Magda Feliciano, Elisabete Flora Louro Martins Cardoso), 467/2023-T (Carla Castelo Trindade, Nina Aguiar, João Pedro Rodrigues), 486/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Maria Alexandra Mesquita, António Franco), 490/2023-T (Victor Calvete, Hélder Faustino, Amândio Silva), 523/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, João Taborda da Gama, Miguel Patrício), 534/2023-T (Sílvia Oliveira), 537/2023-T (António de Barros Lima Guerreiro).