Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 578/2023-T
Data da decisão: 2024-05-15  IRC  
Valor do pedido: € 737.386,39
Tema: IRC – Mais-Valias Imobiliárias – Sociedade Não residente
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SUMÁRIO:

 

A sujeição das mais-valias, em apenas 50%, como previsto no disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não é aplicável às sociedades comerciais, em Portugal, quer sejam residentes ou não residentes, uma vez que os rendimentos daquelas estão sujeitos às regras de tributação previstas no Código do IRC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (árbitro-presidente), Dra. Magda Feliciano (Adjunta e Relatora) e Dr. Gustavo Gramaxo Rozeira (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

A..., sociedade de direito neozelandês, com sede em ..., ..., ..., Nova Zelândia, titular do número de identificação fiscal de não residente em Portugal com o NIF ... (doravante designada “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT),  da decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2023 ..., que se reporta ao período de tributação de 2022, no valor de €1.474.772,78 (Um milhão quatrocentos e setenta e quatro mil, setecentos e setenta e dois mil euros e setenta e oito cêntimos).

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 16.10.2023.

A AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em face do teor da matéria contida nos autos, tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações escritas facultativas.

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

II- Matéria de facto

 

II-1- Factos provados

 

Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade de direito neozelandês, com sede em ..., Nova Zelândia e sem estabelecimento estável em Portugal;
  2. Até ao ano de 2022, a Requerente detinha um imóvel em Portugal, prédio urbano sito nos ..., da freguesia de ..., concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo .
  3. A 28 de Março de 2022, a Requerente procedeu à venda do referido imóvel, pelo valor de €6.850.000,00; (cfr. Documento n.º 3, junto com o PPA).
  4. O imóvel identificado foi adquirido pela sociedade B.... com sede no Panamá, em 2 de Fevereiro de 1998, pelo preço de €324.218,63; (Cfr. Documento 4 junto com o PPA).
  5. Em 2003 a sociedade B..., transferiu-se para Nova Zelândia tendo passado a designar-se como A... Limited; (Cfr. documento certificado de constituição, devidamente traduzide e com apostila junto aos autos).
  6. A Requerente procedeu, em 22 de Abril de 2022, à apresentação da Declaração Modelo 22, por forma a declarar a mais-valia obtida com a venda daquele imóvel; (Cfr. Doc. 1 junto com o PPA).
  7. Na referida declaração, a Requerente declarou o montante de matéria colectável, correspondente à mais-valia resultante da venda deste imóvel, de €5.899.091,15.
  8. Tal montante foi apurado tendo em conta os seguintes pressupostos:
  1. Valor de aquisição do imóvel (em 1998), actualizado segundo o respectivo coeficiente de desvalorização monetária: €324.218,63 (PTE 65.000.000);
  2. Emolumentos e outros encargos notariais pagos aquando da aquisição do imóvel (em 1998): 3.654,64 (PTE 732.690);
  3. Montante de SISA pago em 27 de janeiro de 1998:  aquisição do imóvel no montante de €32.421,86 (PTE 6.500.000);
  4. Valor de realização (venda) do imóvel (em 2022): € 6.850.000,00;
  5. Valor da comissão cobrada pelo mediador imobiliário, no âmbito da venda do imóvel suportado - €421.275.
  1. Sobre o montante assim calculado foi aplicada uma taxa de tributação de 25%, tendo resultado o apuramento de um montante de imposto a pagar de €1.474.772,79.
  2. Em 6 de Janeiro de 2023, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação de IRC, correspondente à declaração Modelo 22 de IRC, de 22 de Abril de 2022, relativa ao período de tributação compreendido entre 1 de Janeiro de 2022 e 28 de Março de 2022, com fundamento em erro na quantificação da mais-valia imobiliária sujeita a IRC; (Cfr. doc. 2 junto com o PPA).
  3. A 7.08.2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, que deu lugar aos presentes autos.

 

II- 2- Factos Não Provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

II- 1-3- Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [Cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

III- MATÉRIA DE DIREITO

III.1 - Thema decidendum

 

Em face do pedido e da fundamentação das Partes, entende-se que se pretende saber se o acto de liquidação impugnado é ilegal, considerando que a mais-valia imobiliária apurada foi sujeita a tributação em 100% e não em 50% como se prevê no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, cuja aplicação ao caso concreto, a Requerente reclama.

 

Em suma, a Requerente invoca como causas de pedir: a ilegalidade por violação do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS.

 

III.2 -– Tributação das Mais-Valias

 

Alega a Requerente que no cálculo das mais-valias apurado pela AT na liquidação do IRC de 2022 considerou o saldo apurado das mais-valias em 100% quando deveria ser em 50%, de acordo com o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 43.º do Código do IRS e no artigo 56.º do TFUE, que proíbe a restrição aos movimentos de capitais.

 

Por sua vez, a AT defende que a Requerente está sujeita a IRC, sendo o rendimento das mais-valias no caso determinado por remissão para as categorias sujeitas a IRS, mas a liquidação do imposto devido segue as regras previstas no IRC, que não contempla qualquer redução em 50% das mais-valias sujeitas a imposto, como acontece no IRS.

 

Vejamos.

 

A Requerente, enquanto sociedade comercial, está sujeita às regras estabelecidas no Código do IRC e não do Código do IRS, que aplica aos rendimentos obtidos por pessoas singulares.

Sendo a Requerente uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, conforme acima transcrito, aplica-se o artigo 56.º do código do IRC, que sob a epígrafe “Rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável” estatui que esses rendimentos (não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes), são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS.

Em consequência, a determinação da matéria colectável do rendimento de mais-valias obtidas pela Requerente segue as regras previstas para o cálculo do rendimento, previstas no Código do IRS, que respeitam essencialmente à incidência de imposto. Não obstante, o rendimento das mais-valias ser determinado, por remissão do artigo 56.º do Código do IRC, de acordo com as regras estabelecidas quanto à determinação do rendimento colectável previstas no Código do IRS, o rendimento das mais-valias obtida pela Requerente, enquanto sociedade comercial, está sujeito a IRC e não a IRS.

Sobre a tributação da matéria colectável das sociedades comerciais, não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, determina-se no artigo 87.º, n.º 4 do Código do IRC que a taxa de IRC é de 25%. No caso desses rendimentos serem obtidos por uma sociedade residente em Portugal, a taxa de IRC é de 21%.

Não se prevê no Código do IRC nenhuma dedução de 50% das mais-valia a sujeitar a imposto, nem para residentes, nem para não residentes, contrariamente ao que sucede, em sede de IRS, como salienta a Requerente.

Em consequência, a sujeição das mais-valias, em apenas 50%, como previsto no disposto no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS não é aplicável às sociedades comerciais, em Portugal, quer sejam residentes ou não residentes, uma vez que os rendimentos daquelas estão sujeitos às regras de tributação previstas no Código do IRC.

Neste sentido, vejam-se as Decisões do CAAD, Proc. 757/2022-T, Proc. 303/2022-T, e o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA, Processo n.º 152/23.1BALSB, de 29.02.2024: “A matéria colectável das mais-valias realizadas na venda de imóvel localizado no nosso país, por parte de sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, incide sobre a sua totalidade, não sendo aplicável a redução de 50%, prevista no artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do CIRS.”

Em face do exposto, entende-se que o pedido de anulação da liquidação de IRC, no que respeita à ilegalidade da tributação a 100% do rendimento de mais-valias, é improcedente.

 

III.3 - Questões de conhecimento prejudicado 

 

O Tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre as que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Em face da solução dada, que garante tutela eficaz à Requerente, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

 

IV – Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral de anulação da decisão de indeferimento relativa ao acto tributário de liquidação de IRC n.º 2023..., referente ao período de tributação de 2022, quanto à determinação da matéria colectável sujeita a imposto;
  2. Julgar, em consequência, improcedente o pedido de condenação em juros indemnizatórios.

 

V - Valor da causa

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €737.386,39.

 

VI - Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €10.710,00, a cargo Requerente.

 

Lisboa, 15 de Maio de 2024

 

 

Os Árbitros

 

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(Regina de Almeida Monteiro - Presidente

 

 

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(Magda Feliciano - Adjunta e Relatora)

 

 

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(Gustavo Gramaxo Rozeira - Adjunto)

 

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)