Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 380/2023-T
Data da decisão: 2024-05-28  IMI  
Valor do pedido: € 3.849,01
Tema: IMI - Impugnação da liquidação, com fundamento em erro na determinação do valor patrimonial tributário. Excepção dilatória.
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SUMÁRIO:
 

1. Os actos de avaliação para efeitos da determinação do valor patrimonial tributário, previstos no Código do IMI, constituem actos destacáveis, sendo objecto de impugnação autónoma.

2. A não impugnação tempestiva dos referidos actos de avaliação conduz à formação de caso administrativo resolvido quanto a estes.

3. Uma vez formado caso administrativo resolvido, não é possível ao particular vir, mais tarde, pedir ao Tribunal a apreciação da legalidade do valor patrimonial tributário que serviu de matéria colectável à liquidação impugnada.

4. Verifica-se, assim, excepção inominada de caso administrativo resolvido, quanto aos invocados erros na determinação da matéria colectável, excepção essa dilatória, que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da Requerida - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Martins Alfaro, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 31-07-2023, decide o seguinte:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT)A...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com o número de identificação fiscal ..., representado pela sua sociedade gestora B...– Sociedade  Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., com o número de identificação fiscal  ... e com sede social na ..., ..., ..., ...‐... Lisboa.

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:

 

Os actos de liquidação de IMI n.os 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., com  referência aos anos de 2017, 2018 e 2019, no montante total de € 3.849,01, com referência aos imóveis sitos na  freguesia de ..., com os artigos matriciais..., ... e ... .

 

A.4 - Pedido: A Requerente formulou os seguintes pedidos:

 

a) Seja declarada a legalidade do acto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa acima identificado (com fundamento em erro imputável aos serviços ou, subsidiariamente, com fundamento em injustiça grave ou notória); b) Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque manifestamente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes e a majoração de 25% acima mencionados, não lhes era legalmente aplicável; c) Seja a AT condenada a reembolsar ao Requerente do valor de IMI pago em excesso, no montante de € 3.849,01, relativamente às liquidações sub judice e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.

A título subsidiário, e sem prescindir:

a) Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.~ do mesmo compêndio legal deve riam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo l65.º e no n.º 2 do artigo 103.º-2, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

 

Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular à data dos factos tributários in casu - i.e. ocorrendo o facto tributário de IMI, a 31 de Dezembro de cada ano -, valor este que estava fixado segundo a fórmula erroneamente adoptada pela AT nos períodos de tributação em apreço, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, bem como a aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante no n.° 1 do artigo 39.° do Código do IMI,

 

Verifica-se a ilegalidade das liquidações impugnadas por errónea quantificação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão no presente pedido de pronúncia arbitral, sendo que, nos termos do artigo 45.º, do Código do IMI, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deve atender-se, para efeitos de cálculo, apenas (i) ao valor da área de implantação do edifício a construir e (ii) ao valor do terreno adjacente.

 

A majoração de 25% do valor médio de construção por metro quadrado - artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, preceito legal previsto para prédios urbanos já edificados e não terrenos para construção - não pode ser considerada para efeitos do cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

 

A Requerente, embora considere que as liquidações impugnadas se afiguram ilegais, procedeu ao seu pagamento, pelo que, de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios sobre o montante que foi, indevidamente, pago.

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

A presente acção não é fundamentada em qualquer vício dos actos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

Com efeito, a Requerente pretende a anulação dos actos impugnados com fundamento em vícios, não dos actos de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o valor patrimonial tributário, os quais constituem actos finais do procedimento de avaliação.

 

Aos actos impugnados não é imputado, pela Requerente, qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento.

 

O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, os actos destacáveis de fixação do valor patrimonial tributário e não os actos de liquidação.

 

Os vícios do acto que definiu o valor patrimonial tributário não são susceptíveis de ser invocados na impugnação do acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

Uma vez que os vícios da fixação do valor patrimonial tributário não são sindicáveis na análise da legalidade do acto de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correcção do valor patrimonial tributário em sede de impugnação do acto de liquidação.

 

Caso o acto que fixa o valor patrimonial tributário não seja impugnado nos termos e prazo fixado, consolida-se na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

 

Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na posterior liquidação consequente.

 

Caso dúvidas ainda houvesse, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência, proferido no processo n.º 122/22.8BALSB, veio esclarecer de uma vez por todas estas questões, pondo fim à discussão jurídica que esta matéria tem vindo a suscitar, ao estabelecer que eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insusceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo,

 

O artigo 78.º da LGT não abrange os actos de avaliação patrimonial, que não são actos tributários, previstos no n.º 1, nem são actos de apuramento da matéria tributável previstos no n.º 4 daquela norma.

 

Em face do artigo 168, n.º 1, do CPA, as avaliações em que foram considerados os coeficientes de localização e afectação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efectuadas há mais de cinco, anos já não podem ser objecto de anulação administrativa por determinação legal, pelo que, para os imóveis em causa já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixe valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

 

No que se refere à desaplicação, no caso concreto, da norma pretensamente extraída do artigo 45.º, do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária, o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da igualdade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos actos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.

 

A prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária, privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o valor patrimonial tributário, face àqueles que o fizeram tempestivamente.

 

Conclui pugnando por dever o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, ser a Requerida absolvida quanto a todos os pedidos.

 

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.


As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 31-07-2023.

 

Por despacho de 16-11-2023, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAMT e a a produção de alegações.

 

Em 17-01-2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

 

Na sequência dos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferidos em 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB e em 22-11-2023, processo n.º 115/23.7BALSB, a jurisprudência foi uniformizada no sentido de que «deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável» e que «o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário», dado que a existência de caso resolvido quanto à determinação da matéria colectável no procedimento de avaliação, impede a sua reapreciação em sede de impugnação da liquidação.

Em consequência, o Tribunal tenciona suscitar uma questão prévia, consistente na excepção inominada de caso administrativo resolvido, quanto à determinação da matéria colectável, excepção essa dilatória - artigos 89.º, n.º 4, alínea i), segunda parte e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC -, que conduz à absolvição da instância da Requerida, a qual é de conhecimento oficioso.
O Tribunal entende ser de ouvir as partes sobre esta questão prévia.

Por outro lado, é certo que o prazo para as partes se pronunciarem terminará além do termo do prazo inicial a que se refere o artigo 21.º, do RJAMT, pelo se decidirá a prorrogação deste último prazo pelo período de dois meses, a fim de permitir ao Tribunal ouvir as partes em prazo razoável e evitar uma decisão-surpresa.

Assim, o Tribunal decide:

a) Notificar as partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de dez dias, sobre a questão prévia suscitada oficiosamente, consistente em excepção inominada de caso administrativo resolvido, quanto à determinação da matéria colectável, excepção essa dilatória - artigos 89.º, n.º 4, alínea i), segunda parte e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC -, que conduz à absolvição da instância da Requerida.

b) Prorrogar o prazo inicial a que se refere o artigo 21.º, do RJAMT, pelo período de dois meses.

 

Regularmente notificadas, nenhuma das partes se pronunciou.

 

Por despacho de 26-03-2024, foi decidido proceder à prorrogação do prazo para a prolação da decisão por dois meses.

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT).

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Considera o Tribunal que se suscita, nos presentes autos uma questão prévia, de conhecimento oficioso, a qual, a proceder, constituirá excepção dilatória que obstará a que se conheça de mérito nos presentes autos, pelo que haverá, antes de mais, que apreciar tal questão.

 

A questão prévia a decidir é a seguinte: Verifica-se a excepção dilatória de caso administrativo resolvido relativamente aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, decorrente de os erros na determinação da matéria colectável invocados pela Requerente serem insusceptíveis de invocação na impugnação das liquidações, excepção essa que determina a absolvição da instância da Requerida?

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

 

C.1 - Matéria de facto - Factos provados: Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes por acordo das partes são os seguintes:

 

A Requerente exerce a actividade CAE Principal 68100 - compra e venda de bens imobiliários e a actividade CAE Secundário 068200 - Arrendamento de Bens Imobiliários.

 

A Requerente era sujeito passivo de IMI à data dos factos tributários a que se referem as liquidações de IMI impugnadas (31 de Dezembro dos anos a que respeitam respectivamente), relativamente aos prédios urbanos terrenos para construção inscritos sob os artigos nº ..., ... e ..., todos da freguesia e concelho de ... .

 

Os valores patrimoniais tributários dos imóveis aqui em causa foram fixados em resultado de procedimentos de avaliação iniciados pela apresentação de declarações modelo 1 do IMI entregues em 28-12-2013.

 

Os actos de liquidação de IMI impugnados, bem como os respectivos valores, totalizam o valor de € 3.849,01, assim discriminados:

- IMI do ano 2017 - € 1.279,95;

- IMI do ano 2018 - € 1.279,95 e

- IMI do ano 2019 - € 1.289,11.

 

C.2 - Factos dados como não provados;

 

Não existem factos relevantes para a decisão que não devam considerar-se provados.

 

 

 

C.3 - Matéria de direito:

 

C.3.1 - Questão prévia a decidir - Existência de excepção dilatória inominada, impeditiva da apreciação de mérito, quanto aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral:

 

Na sua resposta - e referindo-se aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral -, a Requerida alegou que «os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo».

 

O Tribunal considera que tal alegação, a proceder, consubstancia excepção dilatória de caso resolvido administrativo, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral e da absolvição da instância da Requerida - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea i), segunda parte, do CPC.

 

Por esses motivos, começará por apreciar-se tal excepção. Vejamos:

 

Tal como conformado pela Requerente, o objecto do pedido de pronúncia arbitral recai sobre as liquidações anteriormente identificadas, sendo quanto a estas que incide a pretensão anulatória da Requerente.

 

Objecto do presente pedido de pronúncia arbitral são, pois, os actos tributários de liquidação e não a respectiva matéria tributável - no caso, o valor patrimonial tributário.

 

Ainda assim, a Requerente, enquanto fundamento impugnatório, assaca aos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, vícios atinentes - todos eles - à formação ou determinação da matéria tributável (no caso, o valor patrimonial tributário dos prédios em questão).

 

Ora, como bem refere a Requerida, a questão de saber se, precludidos os prazos de impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, os vícios de tal acto podem servir de fundamento a uma posterior impugnação das liquidações de imposto que nele se baseiem, foi já objecto de um acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Pleno do STA, em 23-02-2023, em sede de oposição de julgados, num caso com contornos factuais muito semelhantes ao presente, em que se discutia  a anulação de liquidações de AIMI no contexto da invocada errada aplicação de coeficientes na fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção.

 

E, de tal acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, resulta que:

 

Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. [Neste] segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece[-se] que «Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.» O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) «quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte», e (ii) quando «exista disposição expressa em sentido diferente», ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. […]

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos («7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação»), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial. […] O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10). […] Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.

Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

Ainda a propósito e no âmbito da discussão do presente ponto - e abordando expressamente a aplicabilidade do artigo 78.º, da LGT, à impugnação de actos tributários de liquidação com fundamento em vícios da determinação do valor patrimonial tributário -, o STA, por Acórdão uniformizador de jurisprudência, de 22-11-2023, processo n.º 115/23.7BALSB, veio entender o seguinte:

[…] estarão abrangidos pela expressão “actos tributários” que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia, o que significa que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.

Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que - o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do valor patrimonial tributário (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teria permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão.

 

Ora assim sendo, tendo o STA uniformizado jurisprudência tão recentemente e em termos tão incisivos, e resultando do pedido de constituição do Tribunal arbitral que a Requerente não imputa aos actos de liquidação impugnados (e ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa) qualquer vício que não advenha dos actos de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão, o Tribunal entende que se verifica, quanto a todos os actos impugnados, excepção dilatória de caso resolvido administrativo, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, irá decidir não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida, da instância.

A propósito do caso administrativo resolvido, o Tribunal Constitucional já decidiu expressamente em diversos acórdãos que, «nesta última hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282º, n.º 3 da Constituição».

[...]

«O que significa, no caso vertente, que aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados [...]».[1]

 

Para o TCA-Sul - processo n.º 2647/14.9BELSB - «a formação de “caso decidido” encontra justificação no facto de o vício que pretensamente afetaria a validade do ato em causa ser gerador de mera anulabilidade e de ser característico desta figura a existência de um prazo para a sua impugnação, sob pena de se produzir a sanação do ato e, portanto, a eliminação da ilegalidade».[2]

 

E, por fim, conforme resulta do acórdão de uniformização de jurisprudência, proferido pelo Pleno do STA, em 23-02-2023, mais atrás citado, a existência de caso resolvido quanto aos valores fixados no procedimento de avaliação impede a sua reapreciação em sede de impugnação da liquidação.

 

A solução desta questão prévia prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente - artigo 608.º, n.º 1, primeiro segmento, do CPC, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.[3]

 

Refira-se, por fim, que, salvo o devido respeito, o signatário da presente decisão tem entendido - e continua a entender - que, para efeitos da sindicabilidade da legalidade dos pressupostos legais dos actos tributários impugnados, é possível ao Tribunal Arbitral apreciar os vícios atinentes à determinação da matéria colectável, vícios esses a conhecer a título incidental, enquanto vícios que se projectam nos actos tributários impugnados.

 

Não obstante, recentemente, os já citados Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferidos em 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB e em 22-11-2023, processo n.º 115/23.7BALSB uniformizaram a jurisprudência no sentido anteriormente descrito, pelo que, em consonância com as decisões vindas de referir, julgou-se procedente a presente excepção.

 

 

D - DECISÃO:

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral julga verificada a excepção dilatória de caso resolvido administrativo, quanto a todos os actos impugnados, determinante da inimpugnabilidade dos actos objecto do pedido de pronúncia arbitral, assim obstando ao prosseguimento do processo e, em consequência, decide não conhecer do pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida da instância, assim se extinguindo esta - artigos 89.º, n.º 4, alínea l), segunda parte, do CPTA e  577.º, alínea l), segunda parte, do CPC.

 

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.849,01, correspondente às liquidações impugnadas, objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 3.849,01.

F - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, indo a Requerente, que foi vencida, condenada nas custas do processo.

 

Notifique.

 

Lisboa, em 28 de Maio de 2024.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

 

( Martins Alfaro )

 



[3] Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA, de 07-12-2011, processo n.º 0241/11, onde se concluiu - aqui, a propósito da intempestividade - que «a intempestividade do meio impugnatório implica a não pronúncia do tribunal sobre as questões suscitadas na petição inicial, ainda que de conhecimento oficioso, na medida em que a lide impugnatória não chega a ter o seu início».

Disponível em: https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dd9c50bf589c00e580257975003a5cac?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1