Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 775/2023-T
Data da decisão: 2024-05-13   Outros 
Valor do pedido: € 96.068,80
Tema: Litispendência. Suspensão da instância. Inimpugnabilidade, em pedido de pronúncia arbitral, do ato de fixação do valor patrimonial tributário, quando, com os mesmos fundamentos, foi deduzida a impugnação judicial própria nos termos legais, junto do Tribunal competente.
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Tema:  Liberdade de Circulação

 

SUMÁRIO:

I. Não existe litispendência quando a causa de pedir e o pedido não são idênticos e não o são quando, em impugnação judicial própria, se pede a anulação do ato de fixação do valor patrimonial tributário com fundamento em vícios da própria avaliação direta e no pedido de pronúncia arbitral se pede a anulação da liquidação do imposto que teve como base aquele vpt, sem que se leguem vícios que não se integrem, ou a excedam, na tipologia dos vícios assacados ao procedimento de avaliação.

II.  Não há lugar à suspensão da instância quando o Tribunal considere que a decisão é no interesse das partes, nomeadamente se ficar assegurada, para o contribuinte, a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e garantias.

III. Não é admissível o conhecimento, em pedido de pronúncia arbitral, dos vícios próprios suscetíveis de afetarem a legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário, não apenas quando aquele deixe precludir o prazo para impugnar judicialmente o ato, mas também, e, ad fortiori, quando aquele intentou a ação judicial própria para o efeito.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Augusto Vieira e Manuel Lopes da Silva Faustino (árbitros vogais), designados, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I.RELATÓRIO

  1. A... S.A., contribuinte n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ..., ...-... ... (doravante “Requerente”), veio requerer, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de tribunal arbitral porque notificada dos atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “AIMI”) referentes aos períodos de 2019, 2020, 2021, e 2022, cada um com a importância a pagar de € 24 017,20, perfazendo o montante global de € 96 068,80, pretende impugnar, nos termos e para efeitos do previsto no artigo 129.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “CIMI”), no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante, “RJAT”), e no artigo 99.º, do Código do Procedimento e Processo Tributário (doravante, “CPPT”), as mencionadas liquidações e, para o efeito, formula pedido de pronúncia arbitral
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que ficou constituído no dia 11-01-2024.
  3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não se opuseram, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  4. Na sequência do despacho arbitral proferido em 17-1-2024, a AT apresentou resposta/contestação em 21-2-2024 e formulou, subsidiariamente, os pedidos de procedência da exceção dilatória de litispendência, a suspensão da instância em conformidade com o disposto nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC, aplicável por força do disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e, por último, a improcedência do pedido por não provada a ação arbitral. absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos. Juntou processo administrativo
  5. Por despacho arbitral de 26-2-2024, foi notificada a Requerente para exercer, querendo, o contraditório relativamente à exceção invocada pela Requerida, o que fez em 5-3-3024, pugnando pela sua improcedência.
  6. Por despacho arbitral de 9-3-2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foram as partes notificadas para apresentarem alegações finais escritas, no prazo simultâneo no prazo de 15 dias.
  7. A Requerente apresentou as suas alegações em 27-3-2024. A Requerida não apresentou alegações.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.  
  2. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente representadas.
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. Foram, no entanto, invocadas pela Requerida, por um lado, a exceção dilatória de litispendência que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável nos termos do disposto no artigo 29.º do RJAT, deve ser conhecida de imediato, porque a sua procedência implica a absolvição da instância e o impedimento do conhecimento de mérito e, por outro lado, a relação de prejudicialidade existente entre as duas causas, pois caso a ação administrativa seja procedente a presente impugnação também fica sem objeto que determina, em seu entendimento, a suspensão da instância, caso a exceção de listispendência seja declarada improcedente, o que se coloca como questão prévia a decidir também de imediato.

 

II.1. Factos provados

  1. Dão-se como provados, tendo em vista o imediato conhecimento da exceção dilatória de litispendência e da eventual relação de prejudicialidade entre ambas as causas, suscetível de determinar a suspensão da instância, caso a exceção não proceda, os seguintes factos:
  1. Corre termos, na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o n.º .../23.7BE... o processo de impugnação judicial dos atos de fixação do valor patrimonial tributário;
  2. É fundamento da impugnação a não aplicação da expressão legal matemática de cálculo do VPT prevista para os terrenos para construção;
  3. Nesta data, o processo está pendente por ainda não ter sido proferida a sentença;
  4. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de AIMI que, na sequência dos VPT fixados em segunda avaliação, foram efetuadas à Requerente, com referência aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.
  1. Não há outros factos provados ou não provados que relevem para a decisão que aqui deve ser adotada.
  2. Os factos dados como provados radicam nas proposições da Requerente e da Requerida e na sua concordância, tendo a Requerente remetido ao Tribunal, sob o Doc. 15, cópia, respetivamente, da petição inicial com base no qual foi instaurado o processo jurisdicional que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... e se encontra pendente de decisão, não tendo a Requerida contestado o seu teor.

 

II.2. Posição das Partes

  1. A Requerida fundamenta a invocação da exceção dilatória de litispendência nos termos seguintes:
  1. Em março de 2023 a Requerente interpôs uma ação junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o n.º de processo .../23.7BE..., onde veio impugnar os atos de fixação de VPT dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ... da Freguesia de ..., que se concretizaram após segunda avaliação vertida nos Ofícios n.ºs ... e ..., com fundamento em erro na fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário.
  2. A matéria em apreço em ambos os processos e sobre a qual incidirá a decisão judicial é a mesma - a legalidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário.
  3. Pelo que, cumpre averiguar se estão reunidos os pressupostos para se considerar verificada a exceção da litispendência nos termos do artigo 581.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.
  4. Como refere o artigo 580.º do CPC:

«1 – As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há́ lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já́ não admite recurso ordinário, há́ lugar à exceção do caso julgado.

2 – Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. (...)»

  1. Nos termos do artigo 581.º n.º 1 do CPC os requisitos para a verificação das exceções da litispendência e do caso julgado, são:

«1 – Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 – Há́ identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há́ identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há́ identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade especifica que se invoca para obter o efeito pretendido.»

  1. Ora, no que se refere à identidade de sujeitos, esta é evidente, pois o a requerente é a mesma em ambos os litígios e a entidade requerida também é a mesma.
  2. Também se verifica a identidade na causa de pedir, pois a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, ou seja, em ambos o pedido a Requerente fundamenta a sua pretensão nos vícios do ato que fixa o valor patrimonial tributário.
  3. Cumpre referir, que, quanto ao pedido, apesar de nos presentes autos o pedido recair sobre as liquidações supra identificadas e na ação administrativa o pedido referir a anulação das segundas avaliações, o que é certo, é que pretende o mesmo efeito jurídico.
  4. No que se refere ao disposto no artigo 582.º do CPC a litispendência está a ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.
  5. Cumpre suscitar a exceção da Litispendência, pois que, tal como determina o n.º 2 do artigo 580.º do CPC, o presente Tribunal arbitral encontra-se perante a possibilidade de ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
  6. Neste sentido, veja-se a Decisão arbitral proferida no processo n.º 91/2014-T, de 19/06/2014, ou mais recentemente a decisão arbitral proferida no professo n.º 384/2023-T, de 26/02/2024 onde se decidiu:

“A exceção de litispendência assenta num critério não apenas formal, dos seus pressupostos referidos no artigo 581.º do Código de Processo Civil, mas também, e essencialmente, substancial/ material, atento o disposto no n.º 2 do artigo 2 do artigo 580o, onde se afirma que a litispendência tem por Finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.”

  1. Por tudo o que ficou expresso, ficou sobejamente demonstrado que estão verificados todos os pressupostos da litispendência, pelo que se requer que se julgue verificada a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, al. i), do CPC e a Requerida seja absolvida da instância conforme o determinado no artigo 576.º n.º 2 do mesmo código, todos aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.
  1. A Requerida fundamenta a causa de prejudicialidade e da suspensão da instância nos seguintes termos:
  1. A propósito da suspensão da instância, diz o artigo 272.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes”:

«1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.

4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.»

  1. Quanto a esta questão, transcreve-se um excerto do Acórdão proferido pelo STA no Processo 01461/13 de 29-10-2014, que diz o seguinte:

«(…) as eventuais ilegalidades de que sofra este acto administrativo em matéria tributária, cfr. artigo 10º, n.º 1, al. d) do CPPT e acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 03/07/2013, recurso n.º 0120/11 (a respeito de acto idêntico no domínio da CA), que não “reconheça” o acesso a tal regime, ou o “reconheça” apenas parcialmente, não se reconduzem a ilegalidades próprias do acto tributário a liquidação, uma vez que este acto, enquanto acto eminentemente vinculado, quer à lei, quer ao anterior acto de verificação dos pressupostos da não sujeição, está condicionado pelo sentido e alcance deste acto antecedente, ou seja, este acto condiciona de forma irremediável o subsequente acto de liquidação.»

  1. Pelo que, também nos presentes autos, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que decidirá as alegadas ilegalidades do valor patrimonial tributário condiciona de forma irremediável os subsequentes atos de liquidação (aqui visados).
  2. E diz mais adiante o mesmo Acórdão:

«Tratando esta impugnação judicial e a acção administrativa especial n.º 647/12.2BEPNF do mesmo “assunto”, no dizer do acórdão proferido no recurso n.º 0419/11 atrás citado, ficamos confrontados com a possibilidade de vir a ocorrer uma contradição de julgados, no caso de nos dois processos virem a ser proferidas decisões em sentido oposto.»

  1. Portanto, apenas um dos processos deve ver a sua tramitação seguir o seu curso normal, não devendo o tribunal pronunciar-se quanto ao mérito em ambos, precisamente porque estamos perante uma situação de prejudicialidade, daquela ação relativamente a esta impugnação.
  2. E se é certo que seria este processo que teria primazia na sua tramitação, sendo mesmo desnecessária a ação administrativa, entretanto intentada, a verdade é que naquela ação apenas se conhece do ato, e suas ilegalidades, cuja decisão condiciona o sentido da liquidação aqui impugnada, pelo que, se configura como prejudicial relativamente a esta impugnação, cfr. artigo 272º, n.º 1 do CPC (novo).
  3. Portanto, impõe-se, face à existência de tal evidente prejudicialidade, que se suspenda a presente instância, até que aquela ação administrativa especial esteja decidida com trânsito em julgado, cfr. nesse sentido, J. Lopes de Sousa, CPPT- 6ª ed., vol. II, anot. 3 ao artigo 122º, pág. 306.
  4. Perante tudo o supra exposto, e salvo melhor opinião, a Requerida entende que se verifica uma evidente prejudicialidade entre a presente impugnação e a ação administrativa que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., processo, n.º .../23.7BE..., pelo que se requer a suspensão da instância nos termos do artigo 272º, n.º 1 do CPC.
  1. Por sua vez, a Requerente contesta, quanto à exceção dilatória de litispendência e a questão prévia da prejudicialidade suscetível de determinar a suspensão da instância, a fundamentação da Requerida nos termos seguintes:
  1. A exceção dilatória de litispendência (e de caso julgado) encontra-se definida no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, da seguinte forma: “As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar a litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.
  2. O n.º 2 desse normativo explica devidamente que ambas as exceções dilatórias aí previstas visam evitar que um tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
  3. Este impedimento decorrente da verificação da litispendência opera na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal a ação para a qual o réu foi citado posteriormente (cfr. artigo 582.º, n.º 1 do CPC).
  4. Por outro lado, para apreciação e verificação da litispendência, o que releva é o objeto da ação. Ou seja, não ocorre litispendência relativamente ao que numa causa seja invocado como questão prejudicial ou a título de mera defesa, a não ser que passe a ser objeto de declaração incidental do tribunal, a pedido de alguma das partes.
  5. Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (em “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, 1985, p. 301), a litispendência, como exceção dilatória, pressupõe uma repetição da ação em dois processos diferentes.
  6. Assim sendo, verifica-se a litispendência quando se instaura um processo, estando pendente no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto.
  7. Portanto, para que um dos tribunais não venha a contradizer ou a reproduzir (em qualquer dos casos inutilmente) a decisão de outro (ou a sua anterior decisão), estatui a lei adjetiva civil que o réu seja absolvido da instância no segundo processo.
  8. Tal como define o artigo 581.º, n.º 1, do CPC, repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
  9. Por força do n.º 2 do mesmo normativo, resulta que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3); e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (n.º 4).
  10. Para que exista a litispendência terá então de ocorrer a tríplice identidade prevista neste preceito processual: sujeitos, pedido e causa de pedir.
  11. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (em “Código de Processo Civil Anotado”, I vol., pp. 685-686), no que tange à identidade de pedidos, esta afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões.
  12. Como consta do Ac. do STJ, de 14-12-2016 (proferido no proc. nº 219/14.7TVPRT.C.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as ações é substancialmente o mesmo.
  13. Também a fim de aferir da identidade de pedidos entre as duas ações em comparação, teremos de ter sempre presente um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, dever vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória.
  14. Por seu turno, como decorre do supracitado normativo, a identidade da causa de pedir verifica-se quando as pretensões aduzidas nas ações em apreço derivam do mesmo facto jurídico, lido à luz da substanciação consagrada no artigo 581.º, n.º 4, do CPC.
  15. Nesta matéria, defende Mariana França Gouveia (em “A Causa de Pedir na Ação Declarativa”, p. 508), que a identidade de causa pedir para efeitos de litispendência se identifica com o conjunto de factos principais que permitem preencher determinada norma jurídica.
  16. No citado Ac. do STJ de 14-12-2016, entendeu-se que a verificação da identidade e individualidade das causas de pedir deve aferir-se em função de uma comparação do seu núcleo essencial, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não altere o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações, nem pela invocação na primeira ação de determinada factualidade, perspetivada como meramente instrumental ou concretizadora de factos essenciais (vide neste sentido, entre outros, os Ac. do STJ de 17-04-2018 e de 24-04-2013; e do TRL do Porto de 9-07-2014, acessíveis em www.dgsi.pt).
  17. Tal como é acentuado ainda por Rodrigues Bastos (em “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, 3ª edição, p. 46), a repetição da mesma causa é facto (anormal) comum às exceções do caso julgado e litispendência, sendo que na última a repetição ocorre quando ambas as causa ainda estão pendentes.
  18. Feitas estas considerações sobre a exceção dilatória da litispendência, que focamos pela pendência atual do processo n.º .../23.7BE..., volvendo ao caso vertente, cumpre logo destacar que no caso vertente não se verifica a tríplice identidade de que depende esta exceção, por não existir identidade de pedido, já que através de cada uma das ações, se pretende obter um efeito prático-jurídico distinto.
  19. De facto, enquanto nos presentes autos se peticiona a anulação dos atos de liquidação impugnados, com a condenação da Requerida no reembolso do excesso de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, e nas custas da lide, naqueles pede-se a correção da segunda avaliação dos prédios inscritos na matriz predial urbana sob artigos ... e ... da Freguesia de ..., Município de Trofa, de que a Requerente é proprietária.
  20. Veja-se, nesse sentido, com as devidas adaptações, o Ac. do STA de 05-02-2015, no proc. 08/13:

Por um lado, é exacto que os actos de fixação dos valores patrimoniais só podem ser impugnados nos termos previstos no artigo 134.º do CPPT. Ora o valor patrimonial atribuído ao artigo matricial unificado constitui uma realidade para efeitos fiscais distinta e distanciada no tempo da realidade que presidiu à fixação do valor patrimonial dos dois artigos transmitidos com base no qual foi efectuada a liquidação adicional objecto da presente impugnação. O valor patrimonial atribuído ao artigo matricial unificado pode e deve ser impugnado autonomamente (como o recorrente afirma ter feito) e o mesmo em nada pode influenciar a liquidação adicional efectuada e ora sindicada porquanto constitui uma realidade autónoma para efeitos fiscais e processuais. O seu conhecimento na presente impugnação não é possível face à anunciada impugnação autónoma que aliás não constituiria litispendência (sobre o conceito de litispendência remetemos para o modelar acórdão deste STA de 15/10/2014 tirado no rec. Nº 0906/14). E, se não tiver sido impugnado o valor patrimonial fixado para o artigo matricial unificado (artº matricial P3545) então é exacto que não pode, nesta sede, discutir os critérios que presidiram à avaliação porquanto a avaliação geradora da liquidação adicional sindicada nos presentes autos ser um acto tributário distinto e assente numa avaliação também distinta.

Este entendimento não contende com o direito a uma tutela efectiva e plena do acesso ao Direito por parte do recorrente porquanto existe uma sede própria para a sindicância do valor patrimonial fixado para o artigo matricial unificado que terá, aliás, exercido.

  1. Relativamente à questão prévia da prejudicialidade e suspensão da instância, a Requerente fundamenta a sua posição com a decisão prolatada no Processo nº 379/2019-T, relevando o seguinte: 

Assim sendo, considerando não existir identidade de pedido, considerando apenas existir identidade parcial da causa de pedir, e ponderando ainda o prejuízo que a suspensão da instância, em processo arbitral tributário, traz ao sujeito passivo (como já se explicou o prejuízo será sempre, por natureza, apenas do sujeito passivo), julga-se que todas as razões pesam no sentido da não suspensão da instância ao abrigo do artigo 272º do CPC. Assim sendo, considerando não existir identidade de pedido, considerando apenas existir identidade parcial da causa de pedir, e ponderando ainda o prejuízo que a suspensão da instância, em processo arbitral tributário, traz ao sujeito passivo (como já se explicou o prejuízo será sempre, por natureza, apenas do sujeito passivo), julga-se que todas as razões pesam no sentido da não suspensão da instância ao abrigo do artigo 272º do CPC

  1. Nas suas alegações, a Requerente conclui, quanto a esta questão: "Caso se entenda existir uma relação de prejudicialidade entre os dois processos, não deverá esta levar a uma suspensão da presente instância, já que esta se encontra numa fase tão adiantada que os prejuízos da suspensão da presente instância, já que esta se encontra numa fase tão adiantada que os prejuízos da suspensão superam as suas vantagens, conforme se prevê no artigo 272.º, n.º 2, do CPC".

 

II.3. Do direito

  1. Tanto o regime da litispendência como o da suspensão da instância encontram-se regulados no CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º do RJAT, pelo que é à luz das respetivas normas, que se transcrevem, que a questão da exceção dilatória, bem como a questão da suspensão da instância, devem ser decididas:
  2. Regime da litispendência:

Artigo 580.º

Conceitos de litispendência e caso julgado

1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.

2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

3 - É irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.

 

Artigo 581.º

Requisitos da litispendência e do caso julgado

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

 

Artigo 582.º

Em que ação deve ser deduzida a litispendência

1 - A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.

2 - Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.

3 - Se em ambas as ações a citação tiver sido feita no mesmo dia, a ordem das ações é determinada pela ordem de entrada das respetivas petições iniciais.

 

  1. Regime da suspensão da instância por determinação do juiz ou acordo das partes:

Artigo 272.º

Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes

1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância. 4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.

 

II.4. Fundamentação

  1. A questão da litispendência foi suscitada no processo instaurado em segundo lugar, pelo que se mostra cumprido o requisito previsto no artigo 582.º do CPC, podendo passar-se de imediato ao conhecimento de mérito.
  2. Escreveu-se no Acórdão do STA n.º 0906/14, de 15-10-2014, o seguinte:

Como é sabido, a litispendência, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui excepção dilatória, que tem por objectivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior. O conceito nuclear da litispendência radica, pois, na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra.

Ora, o artigo 581º do CPC, sob a epígrafe «Requisitos da litispendência e do caso julgado», estabelece, no seu nº 1, que a causa se repete «quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», esclarecendo, no nº 2, que «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», e no nº 3, que «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», esclarecendo no nº 4, que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.».

O que significa que a litispendência só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em apreciação intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter o mesmo efeito jurídico e, esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.

No caso vertente, é fora de dúvida que os intervenientes nas duas reclamações são os mesmos, sob o ponto de vista jurídico, o que, de resto, não vem questionado neste recurso.

Todavia, o efeito jurídico que se intenta obter em cada uma dessas reclamações é manifestamente diverso, sendo, aliás, os actos reclamados completamente distintos, designadamente quanto à respectiva motivação, sendo, por conseguinte, os pedidos anulatórios igualmente diferenciados.

  1. Não deixando de se reconhecer que também neste processo as Partes intervenientes são as mesmas do processo que se encontra pendente de decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., entende este Tribunal que, desde logo, inexiste identidade de causa de pedir, o que conduz necessariamente a que o Tribunal conclua pela improcedência da invocação da exceção dilatória de litispendência.
  2. Fundamenta-se esta decisão na densificação do conceito de atos em matéria tributária subjacente ao pedido e à causa de pedir de ambos os processos que a doutrina e a jurisprudência foram burilando. Com efeito, se os atos em matéria tributária em causa nos dois processos não forem idênticos e um não constituir ato preparatório do outro, não é possível afirmar-se a existência de litispendência.
  3. A doutrina tem, consensualmente, delimitado o conceito de atos em matéria tributária referidos em diversas normas do CPPT (v.g., artigo 10.º) e da LGT (v.g. artigos 60.º e 95.º da LGT) a partir de um outro conceito, o de atos tributários em sentido amplo que incluem, os atos tributários em sentido estrito, ou seja, os atos de liquidação dos tributos, e os atos em matéria tributária em sentido amplo, subdividindo ainda estes em atos em matéria tributária em sentido estrito, ou seja, atos preparatórios de atos de liquidação e atos administrativos relativos a questões tributárias, ou seja atos administrativos que encerram procedimentos autónomos em relação ao procedimento de liquidação - a este propósito e neste sentido ver, entre outros, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, Áreas Editora, 2011, Vol. I, 6.ª ed., pp. 166/167, e CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 10.ª ed., Almedina, pp. 357/359.
  4. E CASALTA NABAIS aprofundando a questão refere o seguinte, a propósito dos atos de fixação dos valores patrimoniais, (op. cit., pp. 365/367), concluindo o excerto que dedica à impugnação de atos administrativos em matéria tributária: "Pois bem, em todos estes casos estamos face a actos diretamente impugnáveis nos tribunais tributários, sendo por isso a sua impugnação administrativa meramente facultativa e sem efeitos suspensivos e a decisão desta insuscetível de recurso contencioso. Regras estas que resultam tanto do artigo 80.º da LGT como dos arts. 66.º e segs. do CPPT. A nosso ver, é neste tipo de actos administrativos que se integram as decisões de fixação dos valores patrimoniais. Embora se trate de actos administrativos pressupostos necessários de actos tributários, de liquidações de impostos, não se configuram como actos preparatórios destes, porquanto se não inserem no correspondente procedimento tributário. Antes fazem parte de procedimentos tributários próprios e especiais, isto é, de procedimentos de avaliação de bens, cujos actos de avaliação, porque constituem verdadeiros actos administrativos autónomos, têm, ou podem ter, uma eficácia que vai muito para além das posteriores liquidações de impostos a que venham servir de base (IMI, IMT, IS, IRC, etc.)" (sublinhados nossos).
  5. Estamos, pois, perante dois processos jurisdicionais em que os efeitos jurídicos visados pelos correspondentes pedidos não são idênticos: num, pretende-se a anulação do ato de avaliação dos terrenos para construção com fundamento em errada aplicação matemática da fórmula legalmente prevista para o efeito; no outro pretende-se a anulação do ato de liquidação de um imposto, ainda que com fundamento em ilegalidade na fixação do valor patrimonial tributário.
  6. Não se verificando, assim, a invocada identidade das causas de pedir e dos pedidos, observando a jurisprudência decorrente do Acórdão do STA proferido no processo n.º 0906/14, de 15-10-2014, no segmento acima transcrito, e com o apoio da doutrina, este tribunal conclui pela improcedência da exceção dilatória de litispendência invocada pela Requerida.
  7. Sobre a requerida suspensão da instância, antecipa-se que o pedido é considerado improcedente. Com efeito, decorre de forma expressa do n.º 1 do artigo 272.º do CPC que o tribunal pode decretar a suspensão da instância não apenas nos casos em que a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta, mas também quando ocorrer outro motivo justificado. A questão é, pois, a de saber (i) se a decisão desta causa depende do julgamento da que se encontra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ...; (ii) ou se, não se verificando o primeiro pressuposto, ocorre outro motivo justificado.
  8. Como já se concluiu quanto à improcedência da exceção dilatória de litispendência, é evidente que, no plano estritamente jurídico, a decisão desta causa não depende do julgamento da que anteriormente foi proposta.
  9. Resta, então, saber se existe outro motivo justificado para decretar a suspensão da instância. E a conclusão também é negativa. Com efeito, a apreciação imediata deste pedido de constituição de tribunal arbitral é do interesse das partes. E, nomeadamente, a Requerente nunca poderá ficar prejudicada, porque se o ato autónomo que, em tempo e com legitimidade, impugnou em processo próprio, for anulado, o ato de liquidação que o teve por base cairá, por estar afetado de nulidade superveniente, como decorre da alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA (ofensa de caso julgado), entendimento perfilhado por JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª ed., Áreas Editora, pp. 306/307).
  10. Termos em que este Tribunal entende não dever decretar a suspensão da instância, passando de imediato ao conhecimento de mérito, ou seja, ao conhecimento do pedido de anulação da liquidação de AIMI, ato tributário praticado na sequência da fixação do VPT dos terrenos para construção em segunda avaliação, relativamente aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. Por escritura de 28 de dezembro de 2012, lavrada no Cartório Notarial de B..., em Matosinhos, ... n.º ..., ..., ..., a Requerente adquiriu os terrenos rústicos inscritos na matriz predial rústica da freguesia de ..., concelho da Trofa, sob os artigos ... e ... .
  2. Os imóveis antes identificados imóveis foram adquiridos como prédios rústicos sem qualquer menção à existência de licenciamento para construção, edificações ou benfeitorias.
  3. A 29 de dezembro de 2020, a Requerente submeteu declarações Modelo 1 do IMI, a que corresponderam os seguintes artigos da matriz predial urbana da freguesia de  ...concelho da Trofa:
    1. ...- Declaração com o registo n.º ..., relativa a prédio do tipo "Outros" proveniente do artigo rústico ... da freguesia de ..., com a área de 62.288,5 m2;
    2. ... - Declaração com o registo n.º ..., relativa a prédio do tipo "Outros" proveniente do artigo rústico ... da freguesia de ..., com a área de 82.277,3 m2.
  4. A Requerente apresentou também ao Serviço de Finanças da ..., a 31 de dezembro de 2020, um requerimento onde informava ter sido apresentado junto do Município da Trofa, em 29 de setembro de 2020, um pedido de movimentação de terras e de demolição das construções degradadas que existiam naqueles prédios.
  5. Com o propósito de anexar àquelas declarações e de justificar a alteração das áreas dos terrenos, juntou também levantamentos topográficos efetuados por técnico credenciado.
  6. Em 5 de abril de 2021, o perito local efetuou a avaliação dos prédios de acordo com o determinado no n.º 2, do artigo 46.º, do CIMI, indicando na descrição "SOLO CLASSIFICADO NO PDM DA TROFA COMO ESPAÇO PARA ACTIVIDADES ECONOMICAS.".
  7. Quanto ao artigo..., através do Ofício n.º..., a perita avaliadora definiu o valor do terreno em 70,00 € por cada m2, o que veio a resultar num VPT de 4.360.000,00 €.
  8. Já relativamente ao artigo ..., pelo Ofício n.º ..., a perita avaliadora definiu, igualmente, o valor de terreno em 70,00 € por cada m2, o que resultou num VPT de 5.759.420,00 €.
  9. A 27 de setembro de 2021, os prédios foram inscritos na matriz predial de acordo com as avaliações efetuadas de 23 de julho de 2021.
  10. A 31 de dezembro de 2021, a Requerente apresentou uma reclamação de matriz junto do Serviço de Finanças da ..., pela qual solicitou uma nova avaliação dos prédios, com fundamento na alínea c) do n.º 3 do artigo 130.º do CIMI.
  11. Nessa reclamação, a Reclamante sustentou que os prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de ..., concelho da Trofa, artigos n.º ... e ..., deveriam ser considerados parcelas de terreno para construção e, como tal, avaliados de acordo com as regras de determinação previstas no artigo 45.º do CIMI.
  12. Para o efeito, submeteu duas declarações Modelo 1 do IMI, uma para cada artigo, com o propósito de desencadearem o novo procedimento de avaliação.
  13. No âmbito do procedimento de Reclamação de Matriz dos prédios, que tramitou sob o n.º ...2022..., a Requerente foi notificada, a 29 de abril de 2022, pelo Ofício n.º 2022..., do projeto de decisão do respetivo indeferimento, e para se pronunciar, querendo, sobre aquele, no âmbito do exercício do seu Direito de Audição Prévia
  14. No exercício da Audição Prévia, a Requerente juntou ao procedimento os projetos de construção aprovados pela Câmara Municipal da Trofa no dia 30 de dezembro de 2021, referentes aos prédios sob os artigos... ... .
  15. Termos em que resultou comprovado, conforme previsto no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, a espécie dos prédios em causa (terrenos para construção), assim como as respetivas áreas brutas de implantação, construção e dependente.
  16. Em junho de 2022, a Requerente foi notificada do Ofício n.º 2022..., no qual o técnico responsável propôs, com efeitos retroativos, o seguinte:

1) A anulação administrativa das avaliações em 05/04/2021, de acordo com o determinado no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI, aos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de ..., concelho da Trofa, sob os artigos ... e ..., por serem inválidas devidos aos erros cometidos;

2) A realização e novas avaliações, aos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de ..., concelho da Trofa, sob os artigos ... e ..., de acordo com o determinado no artigo 45.º do CIMI, considerando os pedidos de licenciamento de edifício para indústria e remodelação de terrenos, com obras de demolição e cedência ao domínio público, a que corresponderam os processos n.º 1.../21 e 1.../21 do Município da Trofa .(…)”.

  1. Não tendo a Requerente exercido o seu Direito de Audição, contestando o conteúdo da proposta elaborado pelos Serviços competentes, a mesma tornou-se efetiva por força do Ofício n.º 2022..., de 13 de julho 2022.
  2. A Requerente foi então notificada, a 8 de agosto de 2022, dos Ofícios n.ºs ... e..., nos quais foram fixados os VPT dos prédios P... e P..., respetivamente, em 1.916.310,00 € (um milhão e novecentos de dezasseis mil e trezentos e dez euros) e 4.087.990,00 € (quatro milhões e oitenta e sete mil e novecentos e noventa euros).
  3. Não concordando com o resultado da determinação do VPT dos prédios decorrente das avaliações de 8 de agosto de 2022, a Requerente requereu uma segunda avaliação dos mesmos, nos termos e para efeitos do artigo 76.º do CIMI.
  4. Consequentemente, a Requerente foi notificada pelo Ofício n.º 2022..., para que o seu representante no procedimento de 2.ª avaliação integrasse a comissão de avaliação dos prédios agendada para 21 de novembro de 2022.
  5. Nessa data, após deslocação ao local para vistoria, a Comissão de Avaliação competente no procedimento decidiu, por maioria, determinar o VPT dos prédios inscritos na matriz sob artigos ... e ..., da freguesia de ..., respetivamente, em 1.916.310,00 € e em 4.087.990,00 €.
  6. Do procedimento de segunda avaliação apresentado não resultou, assim, qualquer alteração do VPT dos prédios fixado na 1.ª avaliação.
  7. A dia 8 de dezembro de 2022, a Requerente foi notificada dos atos de fixação do VPT dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob artigos ... e ... da Freguesia de ..., que se concretizaram após pedido de segunda avaliação, respetivamente, pelos Ofícios n.º ... e ... .
  8. A Requerente impugnou, então, judicialmente os atos de fixação do VPT, por entender que os VPT dos imóveis que sustentam as liquidações de AIMI em apreço se encontram sobrevalorizados, na medida em que o seu apuramento resultou de violação das disposições legais aplicáveis, pois que a Requerida (i) não levou em conta os critérios legalmente previstos no artigo 45.º do CIMI, e (ii) determinou um VPT que é evidentemente distorcido face ao valor normal de mercado dos imóveis em causa
  9. Aquele processo encontra-se a correr termos junto da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., sob o n.º de processo .../23.7BE..., presentemente aguardando “os autos até janeiro de 2024 pela marcação da audiência contraditória, por ordem de antiguidade dos processos, sem prejuízo da sua natureza prioritária”.
  10. Não foi comunicado a este Tribunal, até à data da prolação da presente decisão arbitral, que o Tribunal Administrativo de ... tivesse, entretanto, proferido sentença no processo que ali corre termos.
  1. Não há factos não provados suscetíveis de interferirem na decisão da causa

 

          Motivação quanto à matéria de facto

  1. Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigoº 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 
  3. Por outro lado, a discussão relativa à matéria de facto não envolve, naturalmente, os argumentos apresentados pelas partes, sendo certo que sobre eles não tem o Tribunal o dever de se pronunciar.
  4. À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.
  5. Para o estabelecer, ponderou o Tribunal as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o acervo documental incorporado no processo, sendo certo que não foram juntos aos autos nem a petição inicial, nem a resposta, que Requerente e Requerida hão de ter instruído o processo jurisdicional que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
  6. Infra, na apreciação jurídica, se verá mais bem evidenciado que o que se encontra fundamentalmente em litígio é a questão de saber se a Requerente pode ou poderia impugnar as liquidações de AIMI com fundamento em alegado erro ou vício na fixação dos VPT que serviram de base às respetivas liquidações, quando impugnou, em tempo, com legitimidade e na ação própria, os VPT que resultaram da segunda avaliação, nos termos legalmente previstos.

 

IV. DO DIREITO

  1. Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, assinale-se ou reafirme-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade (sublinhado nosso) de os Tribunais apreciarem todos os argumentos formulados (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094)
  2. O objeto material dos autos reconduz-se ao pedido, que cumpre apreciar e decidir, da Requerente, formulado nos seguintes termos, requerendo:

A anulação das liquidações impugnadas, por viciadas de ilicitude com fundamento em erro sobre os pressustos (sic) [pressupostos] de direito;

  1. Decorre da matéria de facto dada como provada que foram tramitadas todas as fases, tal como estão consagradas no código do IMI, no procedimento de avaliação direta do valor patrimonial tributário que está subjacente às liquidações de AIMI relativamente aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, e com intervenção ativa da Recorrente. Assim:
    1. Apresentou em 29 de dezembro de 2020 as declarações mod. 1 do IMI que deram origem à primeira avaliação dos imóveis notificada por ofícios assinados em 23-07-2021;
    2. Em 27-09-2021 os imóveis foram inscritos na matriz de acordo com a avaliação antes referida;
    3. Apresentou em 31.12.2021 uma reclamação de matriz, contestando a qualificação que na avaliação havia sido atribuída aos imóveis e defendendo que deveriam ser qualificados como terrenos para construção e avaliados em conformidade com o disposto no artigo 45.º do CIMI, tendo consequentemente apresentado duas novas declarações mod. 1 de IMI para sustentarem uma nova primeira avaliação;
    4. Tendo sido notificada de um projeto de indeferimento da reclamação de matriz, exerceu o direito de audição prévia a que juntou os projetos de construção aprovados para os imóveis;
    5. Na sequência, foi dado provimento à reclamação, foram anuladas as avaliações anteriores e foi determinada pelo Serviço de Finanças da ... a realização de novas avaliações;
    6. A Requerente aceitou a decisão e foi notificada, em 8-8-2022, das novas primeiras avaliações realizadas;
    7. Apresentou, delas discordando, pedido de segunda avaliação que foi realizada em 21-11-2022, com a intervenção do perito por si nomeado;
    8. Notificada em 8-12-2022 dos atos de segunda avaliação, e com eles não concordando, deduziu impugnação judicial que diz, e a Requerida não contesta, ter sido fundamentada:

no facto de naqueles atos não ter sido aplicada a expressão legal matemática de cálculo de VPT prevista para terrenos de construção, conforme prevista no momento da apresentação da reclamação de matriz (31 de dezembro de 2021), que exigia que, fixação dos VPT, fossem considerados os coeficientes de afetação das edificações autorizadas ou previstas (“Ca”) e de localização (“Cl”) e, subsidiariamente, pela falta de avaliação de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º do CIMI, quando se verifica uma distorção entre os VPTs fixados e o valor normal de mercado dos prédios, conforme impõe o artigo 76.º, n.ºs 3 e 5, do CIMI

  1. O artigo 1.º do Código do IMI, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, definindo os artigos subsequentes, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).
  2. O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:

 “1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

  1.  Habitacionais;
  2.  Comerciais, industriais ou para serviços;
  3.  Terrenos para construção;
  4.  Outros.

2   - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3   - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4   Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.

  1. No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é ou deve ser determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º, do CIMI.
  2. O artigo 38.º, sob a epígrafe “Determinação do valor tributário”, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Clx Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

(…).

  1. Por sua vez, os preceitos que regulam a fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção e prédios urbanos da espécie “outros” estatuem do seguinte modo:

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

  1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

(…).

 

Artigo 46.º

Valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «Outros»

1   - No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º, com as adaptações necessárias. No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno.

2   No caso de terrenos, o seu valor unitário corresponde ao que resulta da aplicação do coeficiente de 0,005, referido no nº 4 do artigo 40º, ao produto do valor base dos prédios edificados pelo coeficiente de localização.

3   O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da câmara municipal.

  1. O sistema de avaliações do IMI consta dos artºs.38º a 70º, do respetivo Código.
  2. O objetivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artigo 38.º, do CIMI., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.45 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):

Vt = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

CL = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

  1. A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objetivo que se podem agregar em dois conjuntos:

a) Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São fatores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL).

b) Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afetação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez - Cv (cfr, v. g.,.Ac.TCA-Sul-2ª.Secção, 14/2/2012, proc.4950/11; Ac.TCA- Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7223/13; Ac TCA-Sul -2ª.Secção, 18/9/2014, proc.6982/13).

  1. No que se refere ao regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção, aquele que no caso dos autos é aplicável, está consagrado no artigo 45.º, do CIMI.  O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respetivo projeto. 
  2. Seguindo a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Sul no processo 907/09, de 11/16/2017, “É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. artigo 6.º, n.º.3, do CIMI.; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.107 e seg.).”
  3. Mais recentemente, o artigo 45º, do CIMI, foi alterado pela Lei nº 75-B/2020, de 31-12-2020 
  4. Revertendo ao caso dos autos, defende a Requerida que a avaliação realizada não violou o regime legal da avaliação dos terrenos para construção e, sobretudo, que não é admissível a impugnação de liquidação de AIMI com fundamento em vícios dos atos que fixaram os VPT dos prédios em questão.
  5. Concretamente, pretende a Requerente a declaração de ilegalidade das liquidações de AIMI, que lhe foram efetuadas com referência aos anos de 2019,2020,2021 e 2022, no montante de € 96.068,80 pago, reembolso, pela AT, do montante de € 631.266,91, valor em excesso liquidado e pago, com juros indemnizatórios.
  6. Considera a Requerente que a AT procedeu a uma errónea (des)aplicação dos coeficientes de afetação das edificações autorizadas ou previstas e de localização, na determinação do VPT dos prédios propriedade da Requerente - erro que se estende às liquidações do AIMI posto que este incide sobre a soma dos VPT dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
  7. E foi, em traços gerais, a sobredita posição que, na parte em que diz respeito à, em seu entender, errónea (des)aplicação dos coeficientes de afetação das edificações autorizadas ou previstas de localização, na determinação do VPT dos prédios de sobreposição, a Requerente fez espelhar na impugnação judicial que deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., contra a respetiva fixação, nos termos conjugados do disposto no artigo 77.º do CIMI e no artigo 97.º, n.º 1, al. f) do CPPT.
  8. Ou, dito doutro modo:  não obstante a invocação de erro nos pressupostos de direito[1] como fundamento da ilegalidade das liquidações impugnadas, o litígio reconduz-se, em rigor, à errónea quantificação da matéria tributável - os VPT fixados no procedimento de avaliação direta - matéria igualmente invocada na impugnação judicial própria, deduzida no tribunal competente.
  9. Pois bem, o entendimento do Tribunal vai no sentido da inadmissibilidade da impugnação da liquidação de AIMI com o exclusivo fundamento de ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.
  10. Tal como foi decidido do Acórdão do STA (Pleno) de 23-02-2023, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB e reiterado o Acórdão do STA (Pleno) de 22-11-2023, proferido no processo n.º 0115/23.7BALSB, "deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributável que lhe serviu de matéria colectável".
  11. A fortiori se deve aplicar esta jurisprudência aos casos em que o contribuinte, não tendo deixado precludir a possibilidade de o fazer, impugnou judicialmente, no tribunal tributário competente e através do meio próprio, a fixação dos valores patrimoniais tributários fixados no procedimento próprio.
  12. O que, de resto, já se podia concluir de jurisprudência anterior dos tribunais superiores, como se pode ver nos Acórdãos do STA de 4-12-2013, Processo 0877/13 e de 15-01-2014, Processo 01101/13, do TCAN de 11-11-2021, Proc. 00735/07.7BEPRT e do TCAS de 27-01-2022, Processo 2197/15.6BEALM, que têm de comum entre si o facto de as respetivas decisões se ancorarem no princípio de que os vícios que afetam o ato de avaliação direta, como é o ato de fixação do VPT, quer os existentes no próprio ato final de avaliação, quer os que se reportam ao respetivo procedimento de avaliação, apenas podem ser invocados na respetiva impugnação e não na impugnação do ato de liquidação que venha ser praticado com base no ato de avaliação.
  13. Tendo ficado provado que os vícios assacados pela Requerente à ilegalidade das liquidações de AIMI se integram exclusivamente, e não a excedem, na tipologia dos vícios invocados na impugnação judicial do valor patrimonial tributário fixado no procedimento tributário próprio, é manifesto que o presente pedido de pronúncia arbitral é improcedente.
  14. O que, repita-se, não viola o princípio da tutela jurisprudencial efetiva da Requerente, uma vez que que se a decisão ainda não proferida pelo tribunal competente lhe for desfavorável, subsiste suscetibilidade de recurso para o Tribunal Superior competente e se lhe for favorável, tem a AT o dever de anular as liquidações de imposto efetuadas com base em VPT erroneamente determinado.
  15. Fica, assim, prejudicado o conhecimento do pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios.

V – DECISÃO

Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em: 

  1. Julgar totalmente improcedentes as exceções e/ou questões prévias suscitadas pela Requerida; 
  2. Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações de AIMI relativas aos anos fiscais de 2019, 2020, 2021 e 2022;
  3. Condenar a Requerente a suportar integralmente as custas do processo.

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 96.068,80.

Valor das Custas: Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, a cargo da Requerente, conforme decidido supra, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

Notifique-se.

Envie-se ao Ministério Público, para os fins convenientes, cópia deste acórdão

Lisboa, 13 de maio de 2024

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente do Tribunal)

 

 

Augusto Vieira

(Árbitro Adjunto, com declaração infra)

 

Manuel Lopes da Silva Faustino

(Árbitro Adjunto e Relator)

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Face ao recente acórdão do STA nº 187 de 2023 com data de 21.03.2024 acompanho a decisão adoptada na parte referida na conclusão III do Sumário.

Acompanho ainda a decisão adoptada quanto à improcedência da excepção de litispendência.

Já quanto ao pedido de suspensão da instância suscitado pela AT afigura-se-nos que deveria proceder, quer porque estão verificados os pressupostos processuais, quer porque a AT vê interesse na sua procedência (daí o ter deduzido e dele não prescindiu), quer ainda porque, caso ocorra a procedência do pedido no Processo .../23.7BE... – UA 2 – TAF de ..., mesmo que se considere que quanto às liquidações de IMI aqui impugnadas resulta o efeito imediato da sua nulidade superveniente, não está afastada a hipótese de subsequente ocorrência de nova litigância entre as partes (graciosa e judicial) o que afetará o princípio do nº 1 do artigo 2º do CPC na dimensão de obtenção “em prazo razoável” de uma decisão judicial definitiva e transitada.

 

Augusto Vieira

 



[1][1] Segundo JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Comentado e Anotado, Vol. II, 6.ª ed., Áreas Editora, pp. 115) "haverá erro sobre os pressupostos de direito sempre que na prática do acto tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objectiva ou subjectiva, as que fixam as taxas ou as que conferem isenções ou outros benefícios fiscais ou as que determinam a matéria tributável". No caso vertente, e por estarem em causa normas de determinação da matéria coletável é adequada a qualificação de erro sobre os pressupostos de direito a elas referido. Todavia, a sua ininpugnabilidade neste processo resultado do facto de, por imperativo legal, deverem os respetivos vícios ser invocados em processo próprio, o que, aliás, foi feito.