Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 78/2024-T
Data da decisão: 2024-05-13  IRS  
Valor do pedido: € 16.361,66
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). Inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

Se, após a constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida anular administrativamente o ato de liquidação impugnado, satisfazendo o pedido do Requerente, conforme é reconhecido por este, encontram-se verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância.

 

DECISÃO ARBITRAL

           

  1. Relatório
  1. A..., NIF..., residente na Rua ...- ... n.º..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
  2. O Requerente pretende a revogação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2023... de 26-10-2023, deduzida contra a liquidação de IRS 2021, e a anulação desta liquidação, com o valor a pagar de €16.361,66.
  3. O Requerente sustenta o pedido de pronúncia arbitral, em síntese, no facto de não poder ser considerado residente fiscal em território português durante a totalidade do ano 2017, conforme se decidiu no processo arbitral n.º 101/2023-T, e aplicando-o ao ano que está em causa nos presentes autos (2021) em toda a sua extensão.
  4. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
  5. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 19-01-2024 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 23-01-2024.
  6. Dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.
  7. Em 06-03-2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  8. O Tribunal Arbitral foi constituído em 26-03-2024, conforme comunicação do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
  9. Em 27-03-2024 a Requerida foi notificada para apresentar resposta e remeter ao tribunal cópia do processo administrativo.
  10. Em 15-04-2024 a Requerida veio informar os autos da “revogação” dos atos em dissídio, mediante despacho proferido, 08-04-2024, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., juntando cópia da Informação dos Serviços da Requerida sobre a qual foi exarado o referido Despacho.
  11. Em 16-04-2024, este Tribunal proferiu despacho arbitral através do qual determinou a notificação do Requerente para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerida informando os autos da “revogação” dos atos em dissídio e, consequentemente, sobre a aparente verificação da exceção de inutilidade superveniente da lide.
  12. O Requerente pronunciou-se em 26-04-2024, informando os autos que considera “a sua pretensão integralmente satisfeita, pelo que não mantém interesse no prosseguimento do processo”, requerendo que seja declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide decorrente da eliminação voluntária da ordem jurídica do despacho objeto dos autos, e, atendendo a que a “revogação” ocorreu na pendência do processo arbitral, que seja a Requerida condenada em custas na medida em que deu causa à presente ação e bem assim à extinção da instância.

 

  1. Em 03/05/2023, este Tribunal proferiu Despacho determinando a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a dispensa da produção de alegações.

 

  1. Saneamento
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

  1. Fundamentação

 

III.1. Matéria de Facto

§1.  Factos provados

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos, que se dão como provados:
  1. No final de 2016 o Requerente recebeu uma oferta de trabalho nos Países Baixos, que formalizou através de contrato de trabalho por período indefinido a 1 de maio de 2017.
  2. No dia 3 de julho de 2017 o Requerente efetuou o seu registo como residente fiscal nos Países Baixos.
  3. Enquanto residente nos Países Baixos, o Requerente submeteu as suas declarações de rendimentos relativos aos anos em que residiu nesse país, incluindo 2017.
  4. Em 2017, o Requerente não permaneceu em território português por mais de 183 dias nem dispunha de habitação em condições que fizessem supor a sua intenção de a manter e ocupar como sua residência habitual.
  5. Assim mesmo o julgou o tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 101/2023-T, que, por decisão de 6 de novembro de 2023, já transitada em julgado, anulou o ato de liquidação de IRS relativo a 2020, emitido sob fundamento idêntico ao ato de liquidação referente a 2021 impugnado nos presentes autos.
  6. O Requerente regressou a Portugal em 21 de outubro de 2020.
  7. Em 27 de junho de 2022 apresentou uma 1ª declaração de rendimentos relativa a 2021, com a opção pelo regime a que alude o artigo 12.º-A do CIRS - ‘Programa Regressar’.
  8. O Requerente não conseguiu submeter a sua primeira declaração de IRS de 2021, com a opção pelo referido regime.
  9. Tendo por isso o Requerente apresentado nova declaração já sem essa opção, da qual resultou a liquidação impugnada, que constitui o objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral.
  10. O Requerente submeteu a 13 de outubro de 2022 nova declaração de substituição de IRS de 2021 tendente à aplicação do regime referido.
  11. O Requerente foi notificado de que também essa declaração teria de ser corrigida, já que não seria elegível para efeitos do regime a que alude o artigo 12.º-A do CIRS.
  12. O Requerente apresentou, em 19 de janeiro de 2023, uma reclamação graciosa da referida liquidação do IRS de 2021.
  13. Sob ofício de 11 de agosto de 2023 foi o Requerente notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa do IRS de 2021.
  14. Por ofício de 27 de outubro de 2023 foi o Requerente notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa do IRS de 2021, que constitui objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral.
  15. Em 17-01-2024 o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, que deu origem aos presentes autos.
  16. Em 08-04-2024, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... proferiu “Despacho de Revogação dos atos em dissídio”, na sequência de procedimento de revisão oficiosa que conclui pela elaboração de documento de correção do IRS de 2021 do Requerente, tendo a Requerida informado os autos desse Despacho em 15-04-2024.
  17. O Requerente informou os autos de que considera assim “a sua pretensão integralmente satisfeita, pelo que não mantém interesse no prosseguimento do processo”, requerendo, consequentemente, que seja declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide e a condenação da requerida em custas, na medida em que deu causa à presente ação e bem assim à extinção da instância.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
  3. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Inutilidade superveniente da lide

  1. O n.º 1 do artigo 13.º do RJAT prevê o seguinte:

Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

 

  1. À luz da terminologia do atual Código do Procedimento Administrativo (CPA), a destruição de atos com fundamento em invalidade não configura uma “revogação”, mas sim uma “anulação administrativa”, conforme resulta do artigo 165.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT:

 

Artigo 165.º

Revogação e anulação administrativas

            1 - A revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.

            2 - A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.”

 

  1. A anulação administrativa produz efeitos retroativos, nos termos do artigo 163.º, n.º 2, do CPA.
  2. Findo o prazo definido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, a AT fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos (n.º 3 do artigo 13.º do RJAT).
  3. No caso sub judice, os atos que constituem o objeto do litígio foram objeto de anulação administrativa pela Requerida em momento posterior à constituição deste Tribunal, como se pode constatar da matéria de facto fixada.
  4. Está, assim, integralmente satisfeita a pretensão formulada pelo Requerente, conforme é, aliás, por este expressamente reconhecido, o que gera a inutilidade superveniente da lide.
  5. Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele ter sido atingido por outros meios” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, Coimbra, 4ª edição, reimpressão 2021, página 561).
  6. A inutilidade superveniente da lide configura uma exceção dilatória, a qual é causa de extinção da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1.  Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, e absolver a Requerida da instância.

 

  1. Valor do processo

Fixa-se ao processo o valor de € 16.361,66, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

 

  1. Custas

O n.º 4 do artigo 22.º do RJAT determina que “[d]a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º”.

No caso em apreço, a causa de extinção da instância quanto aos pedidos de anulação é imputável à Requerida, pois o ato de anulação administrativa é posterior à data de constituição do Tribunal Arbitral.

O n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil estabelece que «[a] decisão […] condena em custas a parte que a elas houver dado causa …».

No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Requerida, pelo que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, lhe é imputável a responsabilidade pelas custas do presente processo.

 

Assim, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 13 de maio de 2024

 

O árbitro,

 

 

Paulo Nogueira da Costa