SUMÁRIO
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Os encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros são tributados autonomamente nos termos do art. 88º, 3 e 5 do Código do IRC, por constituírem encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, cabendo na previsão do art. 88º, 5 do Código do IRC, que contém uma enumeração meramente exemplificativa.
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Fere regras de experiência comum a noção de que a utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros não implica custos de portagens e estacionamentos, e que, portanto, tais encargos não estariam relacionados com essas viaturas, tanto ou mais do que o estão os encargos que, a título exemplificativo, estão explicitamente enumerados no art. 88º, 5 do Código do IRC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo, Pedro Guerra Alves e Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6 de Fevereiro de 2024, acordam no seguinte.
I. Relatório
A... SGPS S.A., doravante “Requerente”, NIPC..., veio, em 24 de Novembro de 2023, ao abrigo do art. 10º, 1, a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do art. 102º, 1, d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os actos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativos aos períodos de tributação de 2020 e 2021, no valor de 73.340,78€, e contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023..., pretendendo a respectiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, e a condenação da AT no pagamento das custas arbitrais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
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A Requerente é uma sociedade anónima cujo objecto social se consubstancia na gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo essa uma forma indirecta de exercício de actividades económicas.
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A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto no art. 69º e seguintes do Código do IRC (“CIRC”), sendo o respectivo perímetro constituído, nos exercícios de 2020 e 2021, pelas seguintes sociedades dominadas – as quais têm como objecto social a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde:
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B... S.A., (“B... S.A.”) com o número de identificação fiscal ...;
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C... S.A. (“C...”) com o número de identificação fiscal...;
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D..., S.A. (“D...”) com o número de identificação fiscal...;
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E... S.A. (“E...”) com o número de identificação fiscal ...;
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F..., S.A. (“F...”) com o número de identificação fiscal...– apenas a partir de 2021.
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No âmbito do cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu, nos dias 19 de Julho de 2021 e 6 de Junho de 2022, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do Grupo de sociedades, referentes aos períodos de tributação de 2020 e 2021.
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A 26 de Setembro de 2022 e a 10 de Outubro de 2022 a Requerente submeteu uma declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC, de substituição, com referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021.
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Ulteriormente à entrega das referidas declarações, a Requerente veio a constatar que, por lapso, as mesmas não refletiam corretamente a situação tributária do grupo, uma vez que considerou, erradamente, o montante de € 38.068,51 e de € 35.203,85, com referência aos períodos de tributação de 2020 e a 2021, respetivamente, a título de tributação autónoma relacionada com encargos com portagens e estacionamentos.
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No período de tributação de 2020, as sociedades pertencentes ao Grupo G... suportaram, a título de despesas com portagens e estacionamentos, um total de €38.136,93.
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De igual modo, no período de tributação de 2021, as sociedades pertencentes ao Grupo G... suportaram um total de €35 203,85 a título de despesas com portagens e estacionamentos.
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De facto, no âmbito da sua atividade, as sociedades do Grupo G... incorreram, durante aqueles exercícios, num conjunto de despesas absolutamente indispensáveis à sua actividade e intrinsecamente conexas com a normal prossecução do seu objecto social – nomeadamente associadas a estacionamentos e portagens.
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Sucede que, no âmbito de uma revisão interna de procedimentos, a Requerente concluiu que, aquando do apuramento das suas tributações autónomas nos períodos de tributação em causa, no âmbito dos gastos respeitantes a portagens e estacionamento, foi cometido um erro – na medida em que sujeitou indevidamente estes encargos a tributação autónoma.
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De facto, a Requerente verificou que, na medida em que os aludidos encargos respeitam a portagens e estacionamentos, não preenchem a hipótese legal da tributação autónoma prevista no art. 88º do CIRC.
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Assim, considerou a Requerente que se impunha a anulação parcial da autoliquidação de IRC ora em apreço, por forma a corrigir o montante de tributação autónoma apurado e pago, particularmente, não se sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos.
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Nessa senda, a Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente à mencionada autoliquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a fim de solicitar a devida correcção.
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A Requerente juntou ao procedimento um conjunto de extractos com a informação de suporte às despesas em causa incorridas na esfera das Empresas seleccionadas numa base de amostragem, e, na medida em que esses extractos reflectem a totalidade dos gastos desta natureza registados (i.e., deles constam outros encargos com portagens e estacionamentos que não foram sujeitos a tributação autónoma), remeteu, igualmente, o mapa de apuramento da tributação autónoma dos encargos que constam do extrato da conta, por forma a demonstrar cabalmente os encargos incorridos a título de portagens e estacionamento.
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A Requerente apresentou a decomposição do montante total de encargos sujeitos a tributações autónomas do Grupo G..., no montante de €231.462,40 e €116.753,10, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, respetivamente, incluindo os valores totais de encargos com viaturas ligeiras de passageiros (“VLP”s) sujeitos às taxas de tributação de 20,00%, 37,5% e 45,00%.
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De igual forma, a Requerente procedeu à decomposição dos encargos com VLPs sujeitos a tributações autónomas por natureza, por ano e para cada uma das sociedades do Grupo G... que sujeitaram a tributação autónoma os encargos com portagens e estacionamentos nos períodos de tributação de 2020 (B... SA, C..., E... e D...) e de 2021 (B... SA, C..., E..., e F...).
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Adicionalmente, e de forma a demonstrar que incorreu nos encargos referentes a portagens e estacionamentos, a Requerente juntou os balancetes de cada uma das sociedades, referentes aos períodos de tributação de 2020 e 2021, nos quais se comprova o saldo final das rubricas contabilísticas em análise.
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Finalmente, a Requerente apresentou ainda os extractos contabilísticos das principais rubricas relativas aos encargos suportados com portagens e estacionamentos, bem como os documentos de suporte aos referidos encargos, buscando a demonstração, ainda que a título meramente exemplificativo, de que os encargos aqui em discussão respeitam efectivamente a portagens e estacionamentos.
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Com base na sistematização destes elementos e apresentação dos respectivos suportes documentais, entende a Requerente provado que o Grupo G... suportou encargos com portagens e estacionamentos de VLPs nos montantes de €185.062,48 e €172.616,44, com referência a 2020 e 2021, respectivamente, os quais resultaram na liquidação indevida de tributação autónoma nos montantes de €38.136,93 e €35.203,85, respectivamente.
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Assim, entende a Requerente ter ficado cabalmente demonstrado: (i) o montante de tributações autónomas sobre encargos com VLPs que foi suportado e liquidado pelo Grupo G... nos períodos de tributação de 2020 e 2021; bem como (ii) a parte desse montante que corresponde a tributações autónomas sobre encargos suportados com portagens e estacionamentos.
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Através deste procedimento, a Requerente pretendeu evidenciar os gastos desta natureza registados nas empresas identificadas, separados por ano, evidenciando ainda quais dos mesmos foram sujeitos a tributação autónoma.
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É entendimento da Requerente que, ao invés do erradamente pressuposto na declaração de rendimentos “Modelo 22” de IRC, não pode considerar-se que tais encargos se assumam como “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” na acepção dos n.ºs 3 e 5 do art. 88º do CIRC,
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Porquanto aqueles não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa, pelo que este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no art. 88º do CIRC.
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Defende que a lei apenas se refere aos encargos suportados com viaturas ligeiras de passageiros e inerentes às mesmas – designadamente, combustíveis e reparações.
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Diversamente, os encargos com portagens e estacionamentos, (i) não são encargos específicos de viaturas ligeiras de passageiros, (ii) não são indissociáveis de viaturas ligeiras de passageiros e (iii) constituem encargos com a obtenção do direito de passagem e estacionamento.
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Com efeito, os custos com a utilização de portagens não constituem um encargo da viatura, antes se traduzem no pagamento de uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público que são as autoestradas.
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Assim, a portagem assume-se como uma taxa de acesso a um serviço público e a um bem do domínio público (ainda que concessionado a terceiros), não devendo ser tida como um custo, neste caso, inerente a viaturas ligeiras de passageiros.
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Do mesmo modo, os encargos com a utilização de estacionamento não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa.
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Assim sendo, os encargos com portagens e estacionamentos não são encargos específicos com tal tipo de viaturas, nem sequer se assumem como indissociáveis das mesmas.
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Assumem-se, isso sim, como encargos com a obtenção do direito de passagem e de estacionamento, respetivamente, em zonas concessionadas e / ou em zonas de acesso reservado.
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Por conseguinte, este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no art. 88º do Código do IRC.
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Conclui a Requerente pela ilegalidade da decisão aqui impugnada, e, em consequência, pela ilegalidade do acto tributário que lhe subjaz – peticionando a sua anulação parcial e consequente restituição do imposto no valor global de € 73.340,78, no que respeita aos gastos incorridos com portagens e estacionamentos, a soma do montante de €38.136,93 relativo ao período de tributação de 2020, e de €35.203,85 relativo ao período de tributação de 2021.
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A Requerente peticiona que seja:
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anulada a decisão administrativa ora impugnada, com as legais consequências, mormente;
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a anulação parcial das autoliquidações de IRC ora impugnadas, relativas ao exercício de 2020 e 2021;
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a restituição à Requerente do montante de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 73.340,78;
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o arbitramento de juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa;
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a condenação da AT no pagamento das custas arbitrais.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28-11-2023, e subsequentemente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-01-2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 06-02-2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A Requerida apresentou a sua resposta, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 13-03-2024, alegando, em síntese, o seguinte:
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O objecto do presente pedido centra-se na apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., referente aos períodos de tributação de 2020 e 2021, que considerou que não existia erro na autoliquidação de IRC do grupo.
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A questão central prende-se com a tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos.
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Importa saber se os encargos com portagens e estacionamentos deverão, ou não, ser considerados encargos com VLPs, e, nessa medida, se enquadram nos n.ºs 3 e 5 do art. 88º do CIRC, ficando sujeitas a tributação autónoma.
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De facto, os encargos suportados com portagens e estacionamentos relativos à utilização de VLPs estão sujeitos a tributação autónoma e só são devidos em função da utilização das referidas viaturas, pois, sem a sua utilização, a Requerente não suportaria aqueles encargos.
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Pois que, indubitavelmente, os encargos em apreço, encargos concernentes a estacionamento e portagens, estão directa e intrinsecamente relacionados com a utilização de viaturas, pois que apenas estas são estacionadas e passam em portagens, pelo que, tratando-se de VLPs expressamente listadas nas alíneas a) a c) do n.º 3 do art. 88º do CIRC, os respectivos encargos são objecto de tributação autónoma nos termos da lei.
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A Requerida não entende, pois, qual a racionalidade subjacente à defendida tese da Requerente, em que concede que os encargos com combustível associados à utilização das referidas VLPs numa autoestrada estão sujeitos a tributação autónoma, mas já as correspondentes despesas com portagens, suportadas exactamente com a utilização das mesmas VLPs na autoestrada, já não estariam sujeitas a tributação autónoma.
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Trata-se, analogamente, de encargos relacionados com a utilização de VLPs, nos termos expressamente previstos no n.º 5 do art. 88º do CIRC, pois que, sem essa utilização dada pela Requerente (e não apenas pela sua posse ou funcionamento como parece defender a Requerente), não suportaria aqueles encargos, e, consequentemente, não haveria sujeição a tributação autónoma, dando assim cumprimento ao fim último das mesmas, desencorajar o recurso àquele tipo de despesas.
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Sobre a alegada violação do Princípio do Inquisitório e do Ónus da Prova, sustenta a Requerida que o dever de a AT descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, de acordo com a boa-fé, conforme resulta do artigo 59.º, da LGT.
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De facto, os valores que compõem as autoliquidações em causa respeitam a despesas concretas com veículos, designadamente portagens e despesas de estacionamento, e é sobre a Requerente que impendia o ónus da sua demonstração, ónus esse que nunca resultaria cumprido, com o recurso a uma mera amostragem.
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Sublinhe-se que, substantiva e adjectivamente, a amostragem (que configura por si uma técnica de auditoria), ou prova por amostra, não figura no nosso ordenamento jurídico – CC e CPC – como meio de prova idóneo.
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A Requerida adverte que uma interpretação contrária violaria o princípio da legalidade (cf. art. 104º, 2 da CRP), na medida em que distorceria o princípio de que as empresas devem ser tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real; e também o seu corolário da indisponibilidade dos créditos tributários (art. 30º, 2 da LGT), na medida em que interferiria com o apuramento lucro tributável da empresa, traduzindo-se numa liquidação de imposto inferior à devida.
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Ou seja, por mera amostragem, tal interpretação permitiria que as tributações autónomas, que são factos de realização de despesa, e, por conseguinte, instantâneos, se assumissem como gasto para um exercício inteiro, permitindo a dedução na sua plenitude.
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Ao que acresce que tal recurso à amostragem é per si manifesta e frontalmente violadora dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (cf. art. 2º da CRP), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cf. art.º 20º da CRP), da independência e vinculação dos tribunais à legalidade (cf. art.º 203º da CRP).
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Culminando num prejuízo do princípio da eficiência fiscal, que visa garantir que o sistema fiscal seja adequado à satisfação das necessidades financeiras do Estado e também a prossecução de todos os seus objetivos políticos, qualquer que seja a sua natureza.
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Princípio que está implicitamente consagrado na CRP, pois que o sistema fiscal, nos termos do art. 103º, deve contribuir não só para «a satisfação das necessidades financeiras do Estado», mas também para «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza»; e, ainda, para a consecução dos objectivos previstos no art. 104º da CRP.
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Conclui a Requerida que não pode um tribunal, por recurso à prova por amostragem, extrapolar para a totalidade das despesas, pelo que, à luz de todo o exposto, forçoso será concluir que fenecem na íntegra os argumentos usados pela Requerente, não padecendo os actos em dissídio de qualquer vício.
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Conclui a Requerida que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
Por despacho de 18-03-2024, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais, tendo o Tribunal indicado a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente.
Requerente e Requerida não apresentaram alegações.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, fixada em 31 de Agosto de 2023, tendo a presente acção sido proposta em 24 de Novembro de 2023.
O processo não enferma de nulidades.
III. Matéria De Facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
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A Requerente é uma sociedade anónima cujo objecto social se consubstancia na gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo essa uma forma indirecta de exercício de actividades económicas.
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A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto no art. 69º e seguintes do CIRC, sendo o respectivo perímetro constituído, nos exercícios de 2020 e 2021, pelas seguintes sociedades dominadas – as quais têm como objecto social a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde:
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B... S.A., (“B... S.A.”) com o número de identificação fiscal ...;
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C... S.A. (“C...”) com o número de identificação fiscal...;
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D..., S.A. (“D...”) com o número de identificação fiscal...;
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E... S.A. (“E...”) com o número de identificação fiscal...;
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F..., S.A. (“F...”) com o número de identificação fiscal...– apenas a partir de 2021.
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No âmbito do cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu, nos dias 19 de Julho de 2021 e 6 de Junho de 2022, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do Grupo de sociedades, referentes aos períodos de tributação de 2020 e 2021, (cfr. Documento n.º 2 do PPA).
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A 26 de Setembro de 2022 e a 10 de Outubro de 2022 a Requerente submeteu uma declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição, com referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, respectivamente (cfr. Documentos n.º 3 e n.º 4 do PPA).
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No período de tributação de 2020, as sociedades pertencentes ao Grupo G... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos (cfr. Documento n.º 5 do PPA):
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No período de tributação de 2021, as sociedades pertencentes ao Grupo G... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos (cfr. detalhe que se junta como Documento n.º 6 do PPA):
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A Requerente apresentou, em 17 de Julho de 2023, reclamação graciosa relativamente às autoliquidações de IRC respeitantes aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a fim de solicitar a devida correção.
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Foi atribuído o número ...2023... à Reclamação Graciosa.
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A Requerente apresentou a decomposição do montante total de encargos sujeitos a tributações autónomas do Grupo G..., no montante de €231.462,40 e €116.753,10, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, respectivamente, incluindo os valores totais de encargos com VLPs sujeitas às taxas de tributação de 20,00%, 37,5% e 45,00%, procedendo a sua sistematização do seguinte modo:
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A Requerente procedeu à decomposição dos encargos com VLPs sujeitos a tributações autónomas por natureza, por ano, e para cada uma das sociedades do Grupo G... que sujeitaram a tributação autónoma os encargos com portagens e estacionamentos nos períodos de tributação de 2020 (B... SA, C..., E... e D...) e de 2021 (B... SA, C..., E..., e F... ) – igualmente sistematizando a informação do seguinte modo:
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Calculando sinteticamente a tributação autónoma a recuperar, do seguinte modo:
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Notificada para efeito de exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de decisão no procedimento de reclamação graciosa, a Reclamante, e ora Requerente, exerceu esse direito.
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A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com base na Informação n.° ...-AIR1/2023, da UGC – Divisão da Justiça Tributária, datado de 31 de Agosto de 2023.
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Em 24 de Novembro de 2023 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
§3.2. Factos não provados
Não se consideram não-provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa. Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não-provados.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não-provada (cfr. art. 123º, 2 do CPPT e art. 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Matéria de Direito
§4.1. Posição da Requerente
A posição da Requerente, quanto à única questão que se suscita no presente processo, já tinha sido expendida na reclamação graciosa, e é a de que não incide tributação autónoma sobre os encargos de viaturas ligeiras de passageiros com portagens e estacionamentos – considerando que tais encargos não cabem na previsão do art. 88º, 3 e 5 do CIRC, quando aí se alude a “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros”.
E isto porque a Requerente entende que os encargos com portagens e estacionamentos não são “inerentes” à utilização de viaturas ligeiras de passageiros – no sentido de que não são específicos e indissociáveis dessas viaturas, e antes constituem encargos relativos à utilização de bens do domínio público (portagens como “taxas de acesso”), ou preços de prestação de serviços (no caso dos estacionamentos).
E alega que essa “inerência”, se existisse, teria de encontrar consagração expressa no art. 88º do CIRC, visto a Requerente sustentar uma certa taxatividade da hipótese legal de tributação autónoma prevista nesse artigo – ao menos distinguindo entre “encargos relacionados com viaturas”, que no seu entender excluem portagens e estacionamentos, e “encargos decorrentes da utilização de viaturas”, que, no seu entender, já incluiriam tais portagens e estacionamentos.
A tese da Requerente é a de que os encargos previstos no art. 88º, 3 e 5 do CIRC englobam somente despesas com o “funcionamento” dos veículos, despesas decorrentes da “titularidade ou posse” desses veículos, ou despesas conexas com a “circulação legal” deles, designadamente seguros e impostos – e daí conclui que portagens e estacionamentos estão excluídos de todas essas hipóteses, não cabendo na letra nem no espírito da lei, enfatizando que, estando-se perante uma norma de incidência, deve insistir-se num grau mínimo de determinabilidade, sob pena de lesão aos princípios de legalidade, tipicidade e segurança do Direito Fiscal.
A Requerente louva-se em jurisprudência administrativa que sustenta que a exemplificação legal tem em comum um critério de “ligação directa, necessária, intrínseca e física” e de “nexo físico ou contratual” que faltaria nos encargos com portagens e estacionamentos, ou que assinala que o legislador poderia ter feito menção explícita a tais encargos, se quisesse incluí-los na previsão legal (Acórdãos do TCAS de 09-03-2017, Processo n.º 08955/15, e de 05-03-2020, Processo n.º 2863/09.5BCLSB; Acórdãos do TCAN de 11-03-2021, Processo n.º 2303/11.0BEPRT, de 29-04-2021, Processo n.º 519/06.3BEPRT, de 08-07-2021, Processo n.º 01509/05.5BEPRT, de 17-02-2022, Processo nº 2113/08.1BEPRT; Acórdão do CAAD, Proc. nº 138/2022-T).
Sustentando haver erro imputável aos serviços, a Requerente remata peticionando o direito a juros indemnizatórios.
§4.2. Posição da Requerida
A Requerida interroga-se sobre a legitimidade de se ver na lei, como o sustenta a requerente, uma restrição da tributação autónoma a encargos com combustíveis e reparações; ou a mobilização de critérios de “indissociabilidade”, e de enquadramento em subcategorias de “funcionamento”, “titularidade ou posse” e de “circulação legal” de que alegadamente estariam excluídos os encargos com portagens e estacionamentos – contornando ostensivamente o carácter meramente exemplificativo da enumeração contida na norma, e a própria menção expressa a “utilização” no final do art. 88º, 5 do CIRC, esclarecendo que os encargos relacionados com a utilização dos veículos são genericamente abarcados.
A Requerida louva-se em jurisprudência arbitral (decisões nos Processos n.os 31/2012-T, 92/2013-T e 51/2023-T) e num parecer do Ministério Público apresentado no STA, num recurso apresentado da última das referidas decisões arbitrais – para sustentar que as disposições conjugadas dos n.ºs 3 e 5 do art. 88º do CIRC, na redacção aplicável, têm a estrutura formal de uma cláusula geral, formulada mediante um conceito indeterminado (n.º 3), e complementada com uma enumeração exemplificativa de vários tipos desses encargos (n.º 5) – o que afasta a hipótese de existir qualquer lacuna, e esclarece a função da tributação autónoma de, tornando objecto de tributação um simples custo, evitar a utilização abusiva desse custo na exploração da vantagem fiscal correspondente a esse custo, contrabalançando-o com tributação autónoma (razão pela qual, no que respeita a viaturas ligeiras de passageiros, de todo o montante de custos potencialmente dedutíveis, o legislador estabelece que 10%, 27,5% e 35%, dependendo do custo de aquisição, são gerados por “despesas pessoais”, e, assim, não podem valer como “custos dedutíveis” de carácter empresarial.).
A Requerida enfatiza a ideia de que o próprio facto de estar em causa uma cláusula geral, formulada através de um conceito indeterminado, inculcar ter subjacente um sentido dotado de considerável latitude, que pretende abranger um grande número de casos desse tipo de despesas relacionadas com viaturas ligeiras de passageiros – um sentido que seria corroborado pelo uso do termo “relacionado”, um termo de abrangência ampla que, entre outros objectivos, tem o de desonerar o contribuinte de encargos administrativos com o registo de toda e cada uma das despesas em causa, para efeitos de apurar o lucro tributável em IRC.
A Requerida lembra também que o escopo da tributação autónoma é o de contrabalançar o empolamento de custos que afectem negativamente a receita fiscal – deslocando para a realização da despesa o facto revelador da capacidade contributiva.
Ora, também relativamente aos encargos com portagens e estacionamentos se poderá dizer que são propiciadores de pagamento de rendimentos camuflados, permitindo a sua tributação autónoma reaver algum do imposto que deixa de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento.
Quanto ao carácter meramente exemplificativo da enumeração legal, a Requerida convoca a fundamentação do acórdão arbitral do Proc. nº 51/2022-T, e ainda a posição de Joaquim Fernando da Cunha Guimarães que, quanto ao art. 88º, 5 do CIRC, refere que este “contém a palavra “nomeadamente” (ou designadamente ou exemplificadamente) pelo que não houve a preocupação do legislador em elencar todos os encargos, daí que se devam incluir outros não aí mencionados (v.g. portagens, encargos com estacionamento, aluguer de garagens)” [“Os Encargos com Viaturas Ligeiras (POC e CIRC)”, Revista TOC, 29, Agosto de 2002, p. 39].
A Requerida assinala o absurdo que é sustentar-se que, para efeitos de tributação autónoma, o encargo com combustíveis de um veículo que circula numa autoestrada é intrinsecamente relacionado com a utilização do veículo, mas já o não seria o pagamento de portagens para ingresso nessa mesma autoestrada.
Noutro ponto, a Requerida devolve a imputação de deficiências na observância do princípio do inquisitório, alegando que o dever de descoberta da verdade que impenda sobre a AT não pode sobrepor-se ao ónus da prova que recaia sobre o contribuinte – entendendo ser esse o caso nos presentes autos. Ou seja, que a invocação do art. 75º da LGT não pode servir para afastar o princípio consagrado no art. 74º, 1 da LGT (e no art. 342º do Código Civil), e não faz esquecer a circunstância de a Requerente ter feito prova meramente por amostragem de encargos que, se fossem atendíveis para o mérito da causa, deveriam ser objecto de prova plena.
Termina sustentando que, não devendo proceder o pedido, e não tendo havido, portanto, erro dos serviços, não há lugar a juros indemnizatórios.
§4.3. Fundamentação da decisão
A questão que se suscita é somente uma: a sujeição a tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2020 e 2021, que, a entender-se injustificada, implicaria a devolução de € 73.340,78 de tributação autónoma indevida.
Sendo subsidiária desta a questão do standard de prova, e do ónus de prova, de tais encargos.
Vamos seguir de perto a fundamentação da decisão proferida no Proc. nº 51/2023-T do CAAD, ainda que aí se analisassem outras questões, para lá da questão única que aqui se suscita.
Comecemos por transcrever as normas pertinentes para o caso presente.
Em 2020 e 2021, os n.os 3 e 5 do art. 88º do CIRC (na redacção da Lei nº 82-C/2014, de 31 de Dezembro, da Lei nº 2/2020, de 31 de Março, e da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro) dispunham o seguinte:
Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:
a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 27 500 €;
b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 27 500 € e inferior a 35 000 €;
c) 35% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.
(…)
5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
É sabido como a introdução do mecanismo de tributação autónoma visou lidar com despesas cujo regime fiscal fosse difícil de fixar, por se encontrarem numa zona de sobreposição entre a esfera privada e a esfera empresarial, procurando-se evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição oculta de lucros, ou atribuíssem rendimentos que acabariam por não ser tributados na esfera dos seus efectivos beneficiários.
Entendeu o legislador que tais práticas lesariam a igualdade e conduziriam a situações de transparência duvidosa (de ligação problemática com uma “causa empresarial”), susceptíveis de afectarem negativamente a receita fiscal.
E assim, ao mesmo tempo que se aceita a dedutibilidade de certos custos, aplica-se uma tributação autónoma que, incidindo sobre a despesa, reduz a vantagem fiscal de se incorrer nos referidos custos. É uma tributação que nasce independentemente da existência, ou não, de matéria colectável, constituindo, pois, uma excepção ao princípio da tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro apurado – sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e, por isso, passível de tributação.
Lembremos ainda, a propósito, a posição assumida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016, de 13 de Abril de 2016:
“A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência […] de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.
E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório. (…).”
Vimos que, no entendimento da Requerente sobre o que dispõe o art. 88º do CIRC, não deveriam ter sido considerados encargos com portagens e estacionamentos, e por isso seria indevida a correspondente tributação autónoma.
Vimos também que a Requerida, por seu lado, entende que o art. 88º, 5 do CIRC não representa qualquer tipologia fechada, exemplificando apenas alguns dos tipos dos encargos conexos com a posse ou utilização de viaturas ligeiras de passageiros (veja-se o “nomeadamente”), pelo que não está em causa qualquer violação da tipicidade fiscal.
Lembremos que, segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência.
Ora ditam as regras da experiência que os encargos com portagens e estacionamentos sejam despesas tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiros – são típicas da utilização desses veículos, embora, evidentemente, não sejam exclusivas desses veículos, tal como o não são as despesas expressamente enumeradas no art. 88º, 5 do CIRC.
Não se afigura razoável, assim, que, no vigor da argumentação, se pretenda:
-
que as portagens e os estacionamentos não são uma realidade comum, constante, e incindível da utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros;
-
que uma norma que está expressa e indubitavelmente formulada em termos de enumeração aberta, exemplificativa, incluindo um “nomeadamente” inserido antes de uma exemplificação, seja lida como uma tipificação fechada, um “numerus clausus”.
É verdade que, como se argumenta na fundamentação da decisão arbitral no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, essa exemplificação foi perdurando nas sucessivas versões que antecederam aquela que vigorava no período de referência como art. 88º, 5 do CIRC, e nunca se incluiu expressamente a alusão a portagens e estacionamentos – mas o argumento é, se atentarmos bem nele, reversível:
-
nas sucessivas versões também nunca se aboliu o “nomeadamente”, retirando o carácter ostensivamente exemplificativo da norma – quando essa abolição poderia ter acontecido;
-
jamais é conclusivo qualquer argumento de inclusão ou exclusão, não-inclusão ou não-exclusão, de um item numa lista aberta e meramente exemplificativa – quando é manifesto que as disposições conjugadas dos n.os 3 e 5 do art. 88º do CIRC, na redacção aplicável, têm a estrutura formal de uma cláusula geral, formulada mediante um conceito delineado em termos genéricos (n.º 3), e complementada com uma enumeração exemplificativa de vários tipos desses encargos “relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” (n.º 5) (um pouco à semelhança do que acontece no art. 23º do CIRC, no qual se começa por estabelecer o critério de dedutibilidade dos gastos incorridos pelo sujeito passivo, para depois se recorrer a uma enumeração exemplificativa desses gastos).
Também é verdade que, como se argumenta na fundamentação da aludida decisão no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, a exemplificação dentro de uma enumeração aberta serve para delimitar a analogia entre o expresso e o implícito – mas também aqui se impõe reconhecer que as despesas com portagens e estacionamentos são tanto ou mais inerentes à utilização de viaturas ligeiras de passageiros como as despesas que servem de exemplos na enumeração do art. 88º, 5 – e que isso se impõe como evidência às regras de experiência que ditam a convicção deste tribunal, e presidiram, e presidem, à sua apreciação dos factos.
Dizer o contrário é pretender desconhecer o que é a utilização corrente, comum, desses viaturas – tão corrente e tão comum que, só no ano de 2019, portagens e estacionamentos de viaturas ligeiras de passageiros representaram em 2020 um total de €184.880,03 de despesas para o grupo da Requerente, e em 2021 um total de €172.616,44.
São encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros – e a prova de que são encargos comuns, incindíveis da utilização comum de tais veículos, está feita também através dos próprios montantes apresentados pela Requerente.
Não faz muito sentido, por outro lado, pretender-se que certas nuances vocabulares, de tonalidade vagamente bizantina, bastariam para demarcar a inclusão no perímetro da tributação autónoma, ou a exclusão dele, dos encargos com portagens e estacionamentos: o art. 88º, 3 e 5 do CIRC não consente uma leitura que, reportando-se a “encargos relacionados com viaturas”, exclua “encargos decorrentes da utilização de viaturas”, como se as duas fórmulas fossem diametralmente opostas, ou mutuamente exclusivas – ou, a benefício de uma argumentação específica, fosse preciso proceder ao estrangulamento semântico da expressão “relacionado”, decretando para ela uma conotação tão restritiva que praticamente se lhe proibiriam sinónimos.
E em parte nenhuma do quadro normativo emerge a construção de subcategorias, alegadamente reportadas ao “funcionamento” dos veículos, à “titularidade ou posse” desses veículos, ou à sua “circulação legal” – como repetidamente alega a Requerente, arvorando até tais subcategorias em premissas da sua argumentação.
Mais estranho é que se alegue com a natureza das portagens e dos preços dos estacionamentos para tentar provar que eles não cabem no âmbito do art. 88º, 5 do CIRC: porque, nos termos da própria norma, o que releva é que se trate de encargos relacionados com a utilização dos veículos – seja qual for a origem, ou o quadro normativo, de tais encargos.
Não se ignora o entendimento contrário ao que subscrevemos, e que é perfilhado por alguma jurisprudência, como aquela que é elencada pela Requerente.
Secundamos, aqui, a posição assumida no recente acórdão do Proc. nº 650/2023-T do CAAD:
“Segundo a nossa perspetiva, a jurisprudência que conclui pela não sujeição destas despesas a tributação autónoma assenta num erro metodológico: tentar resolver a questão (apenas) à luz do elemento literal da norma.
Seria assim (uma tal abordagem poderia resultar suficiente) caso estivéssemos perante uma norma dotada da tipicidade que tradicionalmente se associa à previsão legal dos elementos essenciais dos impostos. Tipicidade no sentido de normas suficientemente densas para da leitura da norma ter que resultar claramente a conclusão de estar abrangido o caso concreto em análise; tal não acontecendo, não haverá lugar a tributação.
Só que hoje apenas se exige, mesmo no domínio dos elementos essenciais dos impostos, aquilo que chamaríamos a “tipicidade possível”: a lei continua a prever, em homenagem à segurança jurídica que a tradicional tipicidade garante, um elenco de situações-tipo abrangidas pela hipótese norma. Mas tal elenco é completado por um conceito indeterminado (no caso, encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros) de forma a evitar que escapem à tributação realidades que, por alguma razão, deveriam constar do elenco das situações a tributar, mas que, por alguma razão, nele não figuram.
O que está em causa não é pois, diferentemente que entenderam alguns dos referidos arestos judiciais, uma questão de interpretação (stricto sensu), mas sim de preenchimento de um conceito indeterminado ou cláusula geral.
Tendemos também a considerar que a argumentação de alguma da referida jurisprudência (a que conclui pela não sujeição a tributação autónoma) enferma de um segundo erro metodológico, pois considera que as despesas com portagens e estacionamento não são análogas das expressamente previstas na lei (e, por essa, razão, não subsumíveis no conceito geral que (também) integra a hipótese da norma por estarem em causa situações materialmente diferenciadas.
Ora a analogia jurídica não supõe uma similitude factual entre duas situações, muito embora tais casos sejam, porventura, os de ocorrência mais vulgar.
A “analogia jurídica” não se refere à identidade entre situações, mas sim à identidade da razão de decidir.
Assim sendo, a resposta à questão em análise tem que ser procurada na ratio da norma. Dito de uma forma simples, há que responder à seguinte pergunta: o legislador teria expressamente previsto a tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos se tal questão lhe tivesse sido suscitada?
(…)
Após estas considerações gerais, haverá que dar resposta a duas questões concretas:
(i) As despesas de estacionamento e portagens originam gastos fiscalmente dedutíveis na esfera da pessoa coletiva?
Pensamos que a questão verdadeiramente nem se coloca por este tipo de despesas, sem necessidade de qualquer individualização, ser unanimemente considerado como tendo carácter empresarial, pelo que origina gastos fiscalmente dedutíveis em IRC.
Está, pois, verificada a primeira das motivações da tributação autónoma deste tipo de despesas.
(ii) Existe benefício económico para o trabalhador ou membro do órgão social?
É evidente que quando uma viatura está a ser utilizada para fins particulares (o que, como vimos, a lei pressupõe que acontece) é óbvio que o particular tem vantagem em ser a empresa – e não ele próprio - a suportar tal despesa. Na prática. obtém um rendimento equivalente ao valor pago.
Está, pois, verificada a segunda das motivações da tributação autónoma deste tipo de despesas.”
Também não desconhecemos que foi interposto recurso da decisão nº 51/2023-T, junto do STA (Proc. nº 183/23.1BALSB).
Mas a íntima e prudente convicção deste tribunal deve mais à livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da sua experiência, do que à existência de precedentes jurisprudenciais que, propendendo para o “numerus clausus”, se afiguram incompatíveis com a letra e o espírito do art. 88º, 5 do CIRC.
Quanto à questão subsidiária do standard de prova, e do ónus de prova, de tais encargos com portagens e estacionamentos, se ela não tiver ficado inteiramente prejudicada – e cremos que ficou –, bastará subscrever a posição adoptada pelo TCAS (Acórdão de 25 de Novembro de 2021, Proc. n.º 5/07.0BELSB), para afastarmos o que é alegado em matéria de supostas violações do princípio do inquisitório:
“É pacífico na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que os citados normativos conferem ao Juiz o poder de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas sobre os factos alegados, pois mesmo que se considerem como factos instrumentais nada impede que o Tribunal indague sobre eles.3
Com efeito, como doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0388/13, de 23 de outubro de 2013: “não impondo a lei ao juiz que proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes, antes estabelecendo que este pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT)” a verdade é que atento “o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.”
No entanto, se é certo que o inquisitório é um poder/dever do Juiz a verdade é que o mesmo não pode desvirtuar o ónus probatório que existe, a montante, sobre as partes.
(…)
Mas a verdade é que, se por um lado, tais alegações em nada permitem almejar o efeito pretendido pela AT, por outro lado, anuímos, inteiramente, com o seu teor, e isto porque “O princípio do inquisitório, não pode servir para as partes se eximirem do seu ónus probatório. A intervenção ativa do julgador tem de ser sempre balizada pela igualdade processual das partes, e com o respeito pela justa repartição do ónus da prova.”
Sem esquecermos as peculiaridades, em matéria de prova, próprias do contencioso tributário:
“No contencioso tributário existem regras próprias sobre a repartição do ónus da prova em matéria de quantificação da matéria tributável, ficando afastada a possibilidade de fundamentar tal repartição com base quer nas regras dos arts. 342º a 344º do Código Civil e 516º do Código de Processo Civil, quer no critério geral de repartição do ónus da prova que tem vindo a ser usado no contencioso administrativo (Neste sentido também Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag .133.) .
Assim, no que concerne à repartição do ónus da prova entre a Administração Fiscal e o contribuinte estabelece o artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».” (Acórdão do STA de 27 de Junho de 2012, Proc. n.º 0982/11 – ver também o recente acórdão arbitral do Proc. nº 493/2023-T, do CAAD).
§4.4. Questões prejudicadas.
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.
V. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica as autoliquidações de IRC, e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra elas;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido formulado;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em €73.340,78 (setenta e três mil, trezentos e quarenta euros e setenta e oito cêntimos), indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IRC cuja anulação constitui o objecto desta acção, nos termos do disposto no art. 97º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29º, 1, a), do RJAT e art. 3º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas Arbitrais
Custas no montante de €2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 7 de Maio de 2024
Os Árbitros,
Fernando Araújo, Presidente
(Relator, por vencimento)
Pedro Guerra Alves, Vogal
(Vencido, conforme declaração junta)
Sónia Martins Reis, Vogal
VOTO DE VENCIDO
Entendo não poder subscrever a posição da presente Decisão Arbitral, pelas razões que, sinteticamente, passo a expor:
No que concerne a questão da tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na atividade da Requerente e do seu grupo em 2020 e 2021, subscrevo posição diferente, o sentido que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no artigo 88.º n. º 3 do Código do IRC, e consequentemente não são sujeitas a tributação autónoma.
Quanto à questão de fundo, acompanho o entendimento de várias decisões judiciais e arbitrais proferidas, designadamente os acórdãos do TCAN, de 11/03/2021, de 29/04/2021, de 17/02/2022 e de 31.03.2022, proferidos no âmbito dos processos n.º2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT, n.º 2113/08.1BEPRT e Proc. 635/09, na Decisão Arbitral n.º 138/2022, de 10 de Outubro de 2022.
Conforme estabelece o Acórdão do TCAN Proc. 635/09 TCAN, de 31.03.2022:
Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5.
Nesta linha seguindo a Jurisprudência firmada defende-se que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no artigo 88.º n. º 5 do Código do IRC.
Igualmente o Acórdão do CAAD n.º 138/2022, que segue o mesmo entendimento o qual escreveu “Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objecto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.
Ora, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.
Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação em que consiste a tributação autónoma sub judice, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.”
As decisões supra mencionadas tem acompanhado o entendimento que as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no artigo 88.º n. º 3 do Código do IRC.
Razões pela qual voto vencido, quanto à decisão central e em consequência julgaria totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.
Pedro Guerra Alves