Sumário:
I - O ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver;
II - Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode, em princípio, arguir a ilegalidade da liquidação de IMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável;
III – A tal não se opõe o facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido efetuado com fundamento nos números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, como decorre da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal Administrativo.
DECISÃO ARBITRAL
RELATÓRIO
A..., S.A., titular do NIPC..., com sede social na Rua ..., n.º ..., ..., ..., em ..., com o capital social de € 15.000.000,00, veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º, alínea a) e o artigo 102.º, n.º 1, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral, com a intervenção de árbitro singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), pretendendo a declaração de ilegalidade (i) do ato de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa das liquidações de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”) n.os 2020..., 2020... e 2020..., relativas a três prestações de IMI relativas ano de 2020, notificados pela Requerida à Requerente, e (ii) de forma mediata, dos mencionados atos de liquidação de IMI, quanto ao valor total de € 5.365,38, e bem assim, a condenação da Requerida na restituição à Requerente do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos da lei.
De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 1, do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 20 de novembro de 2023, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 23 de janeiro de 2024
A Requerida não juntou aos autos o Processo Administrativo instrutor, apesar de ter sido notificada por duas vezes para o efeito.
Por despacho de 4 de março de 2024, este tribunal determinou que “não sendo requerida prova testemunhal, não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, pelo que, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) se dispensa a mesma”.
Não obstante, no mesmo despacho, o tribunal instou as partes a apresentarem alegações escritas, sucessivas, no prazo de 20 dias, uma vez que “a Requerente invoca expressamente, no indeferido pedido de revisão oficiosa, que o mesmo é efetuado ao abrigo das normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, [pelo que] cumpre ouvir as Partes, e muito em particular a Requerida, no sentido de saber se o valor patrimonial tributário dos imóveis em causa se encontra ou não atualmente calculado de acordo com a fórmula que entende aplicável (como refere nos artigos 14.º e 15.º da Resposta) e quanto à qual diz não existir litígio com o Requerente, confirmando ou não o cálculo de imposto por este efetuado”.
Nenhuma das partes se pronunciou ou apresentou alegações no prazo assinalado para o efeito.
A Requerente alega, em síntese, que, no que respeita ao ano de 2020, relativamente a determinados terrenos para construção por si detidos, a Requerida liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido, “face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados” nessas liquidações, pelo que deveria a Requerida ter deferido o pedido de revisão oficiosa efetuado, restituir-lhe o montante de IMI pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, tal como requereu no pedido de revisão oficiosa que deduziu e foi indeferido pela AT.
Por seu lado, a AT entende, no essencial, que o presente pedido arbitral assenta, em rigor, na imputação de vícios aos atos de fixação ou determinação do valor patrimonial tributário dos mencionados terrenos para construção pelo que, encontrando-se previsto um meio e prazo próprios para a impugnação direta desses atos, não são os atos de liquidação aqui em crise impugnáveis com tal fundamento, razão pela qual deve este tribunal arbitral absolver a AT do pedido.
MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente é proprietária dos prédios inscritos sob os artigos matriciais urbanos n.º..., n.º..., n.º ..., n.º..., n.º ... e n.º..., sitos na freguesia União das freguesias de ..., e sob artigos matriciais urbanos n.º ..., n.º ..., n.º..., n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º..., sitos na freguesia de ... e..., todos do concelho e distrito de ...– facto provado pelos Docs. n.os 3 a 15 juntos ao Pedido de Pronúncia Arbitral.
Tais prédios encontravam-se qualificados, nas respetivas cadernetas prediais, como sendo do tipo “Terreno para Construção” – facto provado pelos Docs. n.os 3 a 15 juntos ao Pedido de Pronúncia Arbitral.
As liquidações de IMI parcialmente contestadas (identificadas com os n.os 2020..., 2020 ... e 2020... e emitidas, a primeira, em 7 de abril de 2021 e as duas outras em 16 de junho de 2021) e assentam nos valores patrimoniais tributários (doravante “VPT”) inscritos nas mencionadas cadenetas prediais em 31 de dezembro de 2020, os quais foram calculados no ano de 2012 (com posteriores atualizações) e, apenas quanto ao prédio inscrito sob o artigo 114, no ano de 2013 – admitido por acordo, resultando do PPA e da Resposta.
As liquidações em causa foram integralmente pagas pela Requerente – facto provado pelo Doc. n.º 16 junto ao PPA.
A Requerente apresentou, em 2 de novembro de 2022, um pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT, com fundamento no n.º 1, mas também nos n.os 4 e 5 daquele artigo, das liquidações do IMI relativas àqueles imóveis e ao ano de 2020, acima identificadas – facto provado pelo Doc. n.º 17 junto ao PPA.
Nesse pedido, apresentou a Requerente as razões pelas quais entende ter pago em excesso um valor de € 5.365,38 a título de IMI, por se encontrar alegadamente o VPT dos identificados imóveis inflacionado.
Em 13 de junho de 2022, o Chefe de Finanças de Viseu indeferiu o pedido de revisão oficiosa, concluindo, em suma, que a AT já não se encontrava em prazo para rever os atos de determinação do VPT e que a impugnação das liquidações de IMI em causa não poderia ter por fundamento erros na determinação desse valor, mas apenas vícios próprios do ato de liquidação – facto provado pelo Doc. n.º 1 anexo ao PPA e confirmado na Resposta da Requerida.
A.2. Factos dados como não provados
Não se provou que a Requerente tenha solicitado segunda avaliação dos imóveis e/ou impugnado administrativa ou judicialmente o resultado da mesma.
Não existem outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
DO DIREITO
Analisados os articulados e documentos juntos aos autos, torna-se cristalino que a Requerente não assaca qualquer vício próprio aos atos de liquidação mediatamente impugnados formulando, ao invés, a sua causa de pedir com base em vícios que entende ferirem de ilegalidade os atos de determinação do VPT de cada um dos imóveis relevantes (os quais contagiariam também a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que imediatamente impugna através do presente pedido de pronúncia arbitral).
Ora, como bem refere a Requerida, a questão de saber se, precludidos os prazos de impugnação do ato de fixação de VPT (e este tribunal entende que tais atos podem ser, de facto, objeto de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT desde que cumpridos os requisitos elencados no mesmo) os vícios de tal ato podem servir de fundamento a uma posterior impugnação das liquidações de imposto que nele se baseiem, foi já objeto de profusa jurisprudência do CAAD e, com maior relevância, de um acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em fevereiro de 2023, em sede de oposição de julgados no CAAD, num caso com contornos factuais muito semelhantes ao presente, em que se discutia uma potencial anulação de liquidações de AIMI no contexto da alegadamente errada aplicação de coeficientes na fixação de VPT de terrenos para construção.
E, de tal acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, de cujos fundamentos não se veem razões para divergir e que se consideram assumidos e reproduzidos por este tribunal arbitral, resulta que:
“Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. [Neste] segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece[-se] que «Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.»
O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) «quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte», e (ii) quando «exista disposição expressa em sentido diferente», ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.
Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. […]
Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.
Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos («7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação»), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.
E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial. […]
O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10). […]
Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.
Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável” (sublinhados do signatário).
Ora assim sendo, tendo o Supremo Tribunal Administrativo uniformizado jurisprudência tão recentemente e em termos tão incisivos, e sendo tão evidente que a Requerente não imputa aos atos de liquidação impugnados (e ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa) qualquer vício que não advenha do ato de fixação dos VPT dos imóveis em causa, tem este tribunal de assumir que não assiste razão à Requerente com base neste fundamento, que deriva do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, como já decidiu o aqui signatário no processo n.º 36/2023-T.
Contudo, e ao contrário do que sucedia nesse processo n.º 36/2023-T decidido pelo aqui signatário, a Requerente funda expressamente os seus pedidos de anulação não só na norma resultante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas também nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo, pelo que cumpre saber se tal diversa fundamentação pode ou não projetar diferentes efeitos na decisão a proferir.
Com efeito, alguma jurisprudência arbitral recente, entre a qual se conta, em termos muito explicativos, a decisão proferida em 11 de abril de 2023 no processo n.º 679/2022-T, mas também outras, como a relativa ao processo n.º 462/2022-T, de 6 de junho de 2023, tem reconhecido relevância a essa diversa fundamentação, referindo que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acima citado não se refere a esta concreta questão (i.e., revisão oficiosa da matéria tributável ao abrigo do artigo 78.º, n.os 4 e 5 da LGT) e que “tem de se concluir que a revisão da matéria tributável admitida pelo n.º 4 do artigo 78.º da LGT tem necessariamente por objecto actos de fixação da matéria tributável «consolidados», por falta de impugnação tempestiva. Trata-se de uma possibilidade admitida a título excepcional, como expressamente se refere n.º 4 do artigo 78.º, e só constitui excepção porque afasta a aplicação da regra da inimpugnabilidade dos actos «consolidados» por decurso dos prazos normais de impugnação”.
Ora, em sede de recurso por oposição de julgados tendo por base este exato tema, veio o pleno do Supremo Tribunal Administrativo esclarecer, em 22 de novembro de 2023, por acórdão proferido no âmbito do processo 0115/23.7BALSB, o seguinte:
“de nada vale, neste domínio, procurar abrigo no art. 78º nº 4 da LGT, dado que, a jurisprudência emanada do Acórdão Fundamento [i.e. o acórdão proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, que acima citámos] emerge de um pedido de revisão formulado ao abrigo do disposto no 78º da LGT, impondo-se referir que, se é verdade que está em causa um verdadeiro direito do contribuinte, no sentido de exigir da AT que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei, não pode olvidar-se que este procedimento apenas tem por objecto os “actos tributários” em sentido estrito, aqui se incluindo os actos de liquidação e de alteração da matéria colectável quando não dê lugar a qualquer liquidação, não abrangendo os actos administrativos em matéria tributária, como são os actos de fixação de valores patrimoniais (art. 97º, nº 1 alíneas a), b) e f), do CPPT).
Por outro lado, como referem Diogo Leite Campos e Outros, “LGT - Anotada e Comentada”, 4ª ed. 2012, pág.702, estarão abrangidos pela expressão “actos tributários” que consta da epígrafe do artigo 78.º quer os actos de liquidação, quer os de fixação da matéria tributável, se ela tiver autonomia, o que significa que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo.
Assim sendo, uma boa leitura do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, no sentido de que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo - teriam permitido ao Tribunal Arbitral decidir a questão” (cit., sublinhados do signatário).
Tendo, a final, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidido que “[n]estes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, reafirmando a jurisprudência do Acórdão do Pleno de 23-02-2023, proferido no Processo n.º 102/22.2BALSB”.
Pelo exposto, entendendo este Tribunal ser de acompanhar a jurisprudência acabada de citar, tendo até em conta o fim de se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito como se impõe através do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, não há outra decisão possível que não julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
DA DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral e, em consequência, condenar a Requerente nas custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 5.365,38 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de maio de 2024.
O Árbitro,
João Taborda da Gama