SUMÁRIO:
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De entre os requisitos previstos nas alíneas a) e b), do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS, temos que “O reinvestimento deve ser efetuado nos 36 meses posteriores à data da realização”, donde decorre que o legislador confere uma espécie de dilação temporal (36 meses) durante a qual se suspende a tributação de modo a permitir ao Sujeito Passivo efetivar o reinvestimento. Se a fundamentação a ter em conta é a contemporânea da emissão do ato tributário e se no caso em apreço o prazo mencionado ainda estava em curso quando a autoridade Requerida emitiu o ato tributário ora impugnado (sendo certo que esta entidade não entrou sequer em linha de conta que o legislador durante o período da Pandemia acrescentou a essa suspensão mais dois anos), a entidade requerida incorre em erro de facto e de direito.
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A interpretação seguida pela requerida não cabe nem na letra nem na ratio do preceito, pois seguindo-se esse entendimento o preceito ficará esvaziado de conteúdo, uma vez que não é cumprido o prazo que o legislador entendeu como razoável conceder aos particulares para fazerem os reinvestimentos mais adequados, o que pode passar até pela necessidade de adaptação do imóvel à habitação própria e permanente.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º ..., residente na ..., ..., ..., n.º ..., ...-......, ..., Loulé, tendo sido notificado, mediante Ofício n.º ..., datado de 4 de maio de 2023, da Decisão Final de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2021..., apresentado contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2019..., do qual resultou imposto a pagar no valor de € 295.513,99, e a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no valor de € 3.867,30, com referência ao ano de 2018 vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e com a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do RJAT, apresentar o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
O Pedido tem por objeto o indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021..., assim como, do antecedente ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n. º 2019... e correspondente ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., referentes ao período de tributação de 2018.
2- O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
O Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14 de novembro de 2023.
3-A fundamentar o pedido alega, em síntese, o Sujeito Passivo:
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Segundo o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS “São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: a) o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) o reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização; c) o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação” .
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Em 28 de junho de 2019, os então reclamantes e ora requerente apresentaram atempadamente – tendo optado pela tributação conjunta – a respetiva declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, tendo preenchido o respetivo anexo G, onde declararam: (i) No quadro 4 (campo 4001), os elementos respeitantes ao valor de realização referente à alienação onerosa da sua habitação própria e permanente (i.e., € 2.450.000,00), o valor de aquisição (€ 1.100.000,00) e o montante relativo às despesas e encargos suportados com a aquisição e com a alienação (i.e., 221.800,00); (ii) No quadro 5: (i) no campo 5005, o valor em dívida do empréstimo à data da alienação, o qual ascendia a € 1.000.000,00; e (ii) no campo 5006, a intenção de reinvestir € 1.450.000,00 do valor de realização, sem recurso ao crédito.
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Nesta sequência, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em 29 de junho de 2019, a liquidação de IRS n.º 2019... (1.º ato de liquidação), a qual apurou um saldo zero.
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Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira reviu oficiosamente a declaração de IRS de 2018 e, nessa sequência, no dia 8 de novembro de 2019, emitiu o ato de liquidação de IRS n.º 2019... (2.º ato de liquidação), respeitante ao mesmo ano de 2018, na qual apurou um valor a pagar de €295.513,99 (cfr. cit. Documento n.º 1), tendo resultado a desconsideração da intenção expressada pelo ora requerente, no mencionado campo 5006, de reinvestir €1.450.000,00 do valor de realização.
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Não obstante, e conforme suprarreferido, em 16 de dezembro de 2019, cerca de 19 meses após a venda do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., e..., n.º ..., esse valor foi, efetivamente, reinvestido na aquisição de um imóvel sito em ..., freguesia da..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número ..., da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... (cfr. cit. Documentos n.ºs 7 e 8).
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Posteriormente, em 12 de março de 2020, i.e., menos de 3 meses após a data do reinvestimento, o Requerente assinou uma proposta, com a sociedade B..., Lda. –..., para a realização de um projeto de arquitetura e especialidades de engenharia para adaptação do imóvel de restauração adquirido, sito em ..., ..., para uma moradia individual, i.e., para sua habitação própria e permanente (cfr. cit. Documentos n.ºs 9 e 10).
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De igual modo, o Requerente manifestou a título inicial a sua intenção, junto das autoridades competentes, condomínio e Câmara Municipal de Loulé, de alterar a afetação do imóvel para habitação própria e permanente (cfr. cit. Documento n.º 11).
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Adicionalmente, em 16 de outubro do mesmo ano, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, constando desde então do seu cadastro fiscal que a sua residência fiscal é na ..., ..., ..., n.º ..., ...-... ..., ..., Loulé.
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Ora, sucede que, aquando da emissão do ato de liquidação também objeto do presente Pedido, a Autoridade Tributária fez incidir, erradamente, a referida liquidação de IRS sobre a totalidade do saldo positivo da mais-valia auferida pelo ora requerente decorrente da alienação do imóvel acima melhor identificado situado em território português e que constituía habitação própria e permanente do ora requerente.
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O Requerente alega que a Requerida incorre em fundamentação a posteriori uma vez que começou por apresentar a seguinte fundamentação : “Dada a falta de apresentação de documentos pelos sujeitos passivos foram, pela Autoridade Tributária, confirmados os valores de aquisição e alienação, pela consulta à base de dados da Autoridade Tributária, nomeadamente às liquidações de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Bens e Imposto de Selo e Modelo 11, pelo que foi considerado o valor de € 66.000 de IMT e € 8.800,00 de Imposto de Selo, como despesas e encargos previstas no artº 51º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.” E, bem assim, que “Não foi apresentado, pelos sujeitos passivos, qualquer documento comprovativo do valor em dívida do empréstimo à data de alienação, relativo ao imóvel identificado pelo artº ..., da freguesia de ... que permitisse comprovar os valores inscritos na declaração de IRS, anexo G, quadro 5 A” E, continuando, “Reportando ao valor de realização que pretendia reinvestir, a falta de informação por parte do sujeito passivo impossibilitou o correto apuramento, dado que no montante do reinvestimento terá de se atender ao facto de o prédio alienado não ser de propriedade total, mas de propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, não podendo o sujeito passivo reinvestir no pressuposto que simultaneamente habitava no rés do chão, 1º andar e águas furtadas”.
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Mais tarde, na sequência da apresentação da Reclamação Graciosa, a Autoridade Tributária invocou outra fundamentação, conforme decorre do probatório e do processo instrutor.
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Tal fundamentação a posteriori tem consequências diretas na legalidade do ato de liquidação também objeto do presente Pedido, devendo concluir-se que o ato de liquidação contestado não se mostra fundamentado em termos legalmente adequados, impondo-se a respetiva anulação por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º, da LGT.
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O SP contesta igualmente que a questão não reúna os requisitos do artigo 10.º, n.º5 do Código do IRS por a Requerida entender o imóvel afeto a comércio e não a habitação, incorrendo em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
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Para efeitos do preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas a) e b), do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS:(i) O valor de realização do imóvel afeto a habitação própria e permanente deverá ser deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel; (ii) O valor de realização do imóvel afeto a habitação própria e permanente deve ser reinvestido na aquisição da propriedade de um imóvel, igualmente, destinado a habitação própria e permanente; e (iii) O reinvestimento deve ser efetuado nos 36 meses posteriores à data da realização.
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Desde logo, atendendo (a) ao valor de realização do imóvel atrás referido (€ 2.450.000,00), (b) o valor do empréstimo contraído para a sua aquisição (€ 1.000.000,00), e (c) ao valor indicado pelo Requerente como o valor que tencionam reinvestir (€ 1.450.000,00 = € 2.450.000,00 - € 1.000.000,00), resulta que foi devidamente deduzido, ao valor de realização, o valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel.
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Por outro lado, dado que o valor da realização data 25 de maio de 2018 e que o reinvestimento na aquisição do imóvel de Vilamoura foi efetuado a 16 de dezembro de 2019, cerca de 19 meses depois, verifica-se preenchido o requisito temporal, que determina que o reinvestimento deve ocorrer até 36 meses a contar da data da realização.
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Para o Requerente, não obstante, tratar-se de um imóvel afeto formalmente ao comércio, a verdade é que o mesmo tinha condições de habitabilidade, tendo o ora requerente alterado a sua residência fiscal e efetiva para o referido imóvel.
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Por outro lado, decorre do elemento literal subjacente ao regime fiscal do reinvestimento, que a lei não exige que no momento do reinvestimento que o Requerente disponha de licença de utilização do imóvel adquirido para fins habitacionais (como é aliás o caso), admitindo que esta venha a ser subsequentemente obtida, desde que dentro do prazo previsto na lei.
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Daqui resulta que a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias provenientes da
alienação de imóvel afeto à habitação própria e permanente dos sujeitos passivos e/ou respetivo agregado familiar depende única e exclusivamente dos requisitos previstos no artigo 10.º do CIRS. Nesse sentido, cita artigo doutrinal de PAULA ROSADO PEREIRA, in Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, 2018, p.101).
4- A Requerida alega, em síntese, reproduzindo o teor da informação que sustentou o indeferimento:
“ B - Pedido de Pronúncia.
Após leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, informa-se:
• Factualidade e pedido
- Em 24JUN2015 o contribuinte e a sua mulher adquiriram, pelo preço de 1.100.000€, o direito de propriedade do imóvel identificado sob art.º..., sito em Lisboa, destinando-o a sua HPP (habitação própria e permanente), tendo o mesmo sido alienado em MAI2018 por 2.450.000€.
Este facto tributário gerador de mais valia foi inscrito no mod 3/anexo G, bem como a intenção de reinvestimento de 1.450.000€ e, a titulo de empréstimo remanescente, os contribuintes inscreveram o valor de 1.000.000€, igualmente tendo sido declarado 221.800€ de despesas e encargos; esta declaração deu lugar à emissão de uma liquidação datada de JUN2019, corrigida oficiosamente no decurso de procedimento de divergência aberto em NOV2019, de que resultou a liquidação vigente e objeto dos presentes autos, na qual foi corrigido o valor dos encargos para 74.800€ e desconsiderado qualquer reinvestimento.
- Não concordando, os requerentes interpuseram reclamação graciosa, objeto de despacho de indeferimento proferido em AGT2021, do qual foi interposto recurso hierárquico, igualmente indeferido por despacho emitido em 28.07.2023, pelo Subdiretor Geral (por subdelegação).
(…) Argumenta o peticionário na petição caad:
(…) Ora, uma das questões que se coloca é a de saber se o imóvel onde o peticionário reinvestiu o valor de realização pode beneficiar de exclusão de tributação dos ganhos pelo art.º 10, nº 5 CIRS na medida em que o imóvel encontrava-se inicialmente afeto a comércio e não a habitação; sendo que no caso e de facto, o centro da vida pessoal do peticionário foi fixado no imóvel sito em ..., nos prazos legalmente admitidos, tendo procedido igualmente à alteração do domicilio fiscal.
(…) É igualmente de notar uma outra ilegalidade traduzida num caso de fundamentação a posteriori porquanto a AT foi alterando a sua fundamentação á medida que o requerente foi apresentando a documentação solicitada “(ponto 66 P.I), pelo que o ato de liquidação contestado não se mostra legalmente fundamentado.
• Pronúncia
(…) O art.º 10, nº 5 CIRS determina que são excluídos de tributação os ganhos decorrentes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente (HPP) do sujeito passivo e/ou do seu agregado, se o VR, deduzido da amortização de eventual empréstimo que tenha sido contraído por forma a permitir essa aquisição, for reinvestido na aquisição de um outro com idêntico destino, desde que cumpridos os requisitos, na sua totalidade, previstos no normativo legal.
(…) Sublinhe-se, desde logo, que este regime de exclusão de incidência, enquanto benefício face aos demais contribuintes que adquirem e alienam imóveis, radica na opção do legislador de considerar como merecedor de proteção determinado fim social, no caso o de favorecer a detenção da propriedade de imóvel no qual se situe, com carater de permanência, o centro de interesses sociais e familiares dos contribuintes.
O conceito de reinvestimento que se encontra presente neste regime assume, pois, clara natureza económica, sendo imperioso aferir se o imóvel de “partida” e aquele onde se concretiza a aplicação do valor de realização, o “imóvel de chegada”, tem como destino único e exclusivo o de constituir HPP, sob pena de se estar a favorecer o mero negócio imobiliário.
Por outro lado, os serviços tributários, tendo de aferir do cumprimento dos pressupostos legais e não detendo poderes de omnisciência relativamente à realidade pessoal e individual dos contribuintes, têm de se socorrer de distintos recursos que permitam esta averiguação, de forma documentada e legitima.
(c) Factualmente, o que se assiste é que a pretensão manifestada pelo requerente de reinvestimento ter-se-ia concretizado, em 16.12.2019, na aquisição de um imóvel sito em ... cuja afetação não era o de habitação, antes encontrando-se afeto a “restauração”, como se mostra patente, desde logo, nas liquidações IMT.
É certo que a intenção do contribuinte poderia, tal como o próprio alega, ser a de promover a “transformação” da nova aquisição por forma a que o mesmo pudesse vir a assumir natureza habitacional e, consequentemente nele pudesse vir a ser situado o seu centro de vida pessoal e familiar, i.é, a sua habitação própria e permanente; neste quadro seria compreensível que uns meses após a aquisição que ocorrera em DEZ2019, tivesse sido celebrado em MAR2020, um contrato com uma sociedade de arquitetura e engenharia (NIPC ...) a fim de ser elaborado e concretizado um projeto de adaptação do referido imóvel de comércio em habitação, implicando este processo não apenas a aprovação do projeto que viesse a ser elaborado por parte das autoridades competentes, no caso as autoridades camarárias, como a vistoria posterior e a aceitação e reconhecimento a uma nova afetação, só então sendo possível que a nova realidade viesse a ter assento em sede de registo patrimonial.
(d) Portanto, nos autos não se questiona sobre a eventual intencionalidade do contribuinte peticionário aquando da aquisição do imóvel, em finais de 2019, mas como se mostra evidente, deparamo-nos com uma mera expetativa que, atento o teor normativo do regime controvertido, bem como a razão que subjaz à elaboração do mesmo por parte do legislador e ao facto de que nos deparamos com um regime de beneficio de alguns contribuintes em sede de sujeição a tributação de rendimentos de mais valias imobiliárias, que a sua ponderação deve revestir-se de cuidados redobrados no respeito por princípios como o da justiça, da imparcialidade e, claramente da legalidade no quadro do cumprimento escrupuloso dos pressupostos legais fixados para o seu deferimento .
(e) O eventual reinvestimento do VR decorrente da alienação do imóvel sito em Lisboa apenas poderia correlacionar-se com um novo direito de propriedade que, desde logo, teria de assumir-se na sua natureza jurídica, como passível de ser afeto a habitação, situação que não se verificou. Pode aceitar-se a existência de uma expetativa, marcadamente futura e condicional, que poderia ou não vir a concretizar-se, mas nada mais do que isso, cumprindo referir que até ao presente a afetação não revela qualquer atualização em sede patrimonial, tendo a determinação do VPT atual tido como um dos coeficientes essa mesma natureza – de comercio/restauração; a este propósito, cumpre ainda referir ter sido recentemente apresentado pelo requerente (em sede recurso hierárquico) uma comunicação emitida pela CM Loulé e dirigida a A..., datada de meados de FEV2022, na qual se informava que o requerimento camarário de licenciamento para alteração interior e mudança de uso – proc nº .../2020/ proc nº .../2022 – fora deferido, sendo certo que tal apenas reforça que o imóvel controvertido só a partir desta data (2022) era passível de afetação a habitação e, como tal, poderia ser solicitada a atualização da sua natureza jurídica em sede patrimonial, o que não se verifica até ao presente.
(f) É ainda de referir, tal como o peticionário intenta, que a alteração do domicilio fiscal, em OUT2020, para a morada do imóvel controvertido, poderia permitir aferir da coincidência, ainda que tendencial e presumida, entre domicilio fiscal e HPP, atento o disposto no art.º 12, nº12 CIRS e LGT, art.º 19; mas para além do facto curioso da concretização (apresentação do plano de arquitetura, aprovação pela CM e realização das obras) da transformação do imóvel em habitação ter ocorrido de modo tão célere, principalmente por comparação com o licenciamento final tão demorado por partes das mesmas entidades camarárias, o certo é que inexistindo por parte da AT qualquer conhecimento omnisciente relativamente à situação pessoal dos contribuintes, a averiguação e ponderação das realidades e da sua adequação com as exigência legais, apenas pode sustentar-se em elementos /ou documentos efetivos e legalmente admissíveis, sendo certo que a realidade indesmentível e que até hoje se mantém, é a de que foi adquirido um novo imóvel que não constituiu numa aquisição cuja natureza é passível de ser afeta a habitação, tal como eventuais obras e melhoramentos realizados ou a realizar também não foram exercidas num imóvel (o imóvel de chegada) que tivesse o mesmo destino que o imóvel gerador da mais valia, como exige o regime previsto no art.º 10, nº 5 CIRS.
Aceitar-se sem mais que a mera indicação de uma morada como domicilio determinava inderrogávelmente que nela passaria a situar-se, de modo habitual, o centro da vivencia pessoal do requerente seria ultrapassar a presunção ilidível prevista na lei e, portanto, todo e qualquer uso de um espaço como local onde se instala o que as partes a titulo particular identificam como a “sua” habitação, incluindo a sua identificação como domicílio fiscal, significaria fazer tábua rasa das exigências legais que uma localização tenha de cumprir para assumir de forma legitima determinada afetação, sob pena de prevalecerem as apreciações discricionárias e casuística, necessariamente injustas.
(g) Conclui-se, assim, que um dos pressupostos fundamentais e inultrapassáveis para eventual ponderação do beneficio de exclusão de tributação dos ganhos imobiliários à luz do disposto no art.º 10, nº 5 CIRS, não se encontra preenchido de todo porquanto não poderia ser destinada a habitação um imóvel cuja afetação não era legalmente admissível, necessariamente exigindo-se que a transformação da sua natureza jurídica teria de ter aprovação/licenciamento por parte dos organismos oficiais e camarários competentes, que atestariam o cumprimentos dos diversos parâmetros para que um imóvel possa assumir a afetação de habitação, sendo certo que tal igualmente teria que encontrar tradução final em sede dos registos tributários patrimoniais, sob pena de violação do principio da legalidade.
(h) Relativamente ao argumento de fundamentação à posteriori por parte dos serviços em razão da apresentação de elementos que vinham sendo carreados para os autos nos exato termos em que o peticionário descreve na petição caad é de esclarecer:
- Tendo por base o princípio da presunção de veracidade dos elementos declarados pelos contribuintes e atendendo a que o mesmo manifestou a intenção de reinvestimento do valor de realização do imóvel sito em Lisboa, foi emitida uma primeira liquidação respeitando essa pretensão, que seria sujeita a correção em caso de se vir a verificar que os pressupostos legais exigidos no CIRS, art.º 10 relativamente ao benefício de exclusão aí previsto não eram cumpridos na sua totalidade.
- É neste quadro que foi emitida a liquidação IRS vigente, que numa apreciação inicial e após notificação dos interessados para apresentação dos elementos comprovativos dos factos inscritos e demais pronúncias que fossem por estes consideradas relevantes no âmbito do procedimento de divergências aberto, que os serviços concluíram não se encontrarem reunidos os pressupostos para o reconhecimento do benefício pretendido.
Portanto, há desde logo, como que uma “suspensão” de sujeição relativamente aos ganhos de mais valias atenta a informação declarada, necessariamente importando ponderar, numa apreciação previa, a adequação desta face ao regime legal e aos elementos comprovativos carreados, o que foi realizado e traduzido na liquidação corretiva emitida, obviamente passível de ser contestada.
Efetivamente, o direito de contestação foi exercido graciosamente com a apresentação de reclamação graciosa, na qual foram tecidos pelo requerente os fundamentos considerados relevantes para o seu posicionamento e os elementos comprovativos; a análise realizada pelos serviços tributários sobre a factualidade e elementos apresentados e demais passiveis de serem oficiosamente conhecidos, bem como a pronuncia do requerente em sede de audição previa sobre o projeto de despacho, levou a concluir no sentido de não assistir razão ao peticionado, tendo sido explicitados os fundamentos que sustentaram essa apreciação e que se encontra relatada no ponto 65 da presente P.I, sendo que a sua concretização traduziu-se na manutenção do ato tributário vigente, i.é, não se encontravam preenchido os diversos e na sua totalidade os pressupostos do regime pretendido. Parece-nos, portanto, que inexiste uma situação como a alegada pelo peticionário, antes uma análise crescente e sucessiva dos argumentos, factos e documentos carreados que confirmavam ou não os diversos aspetos inerentes à situação de facto descrita e ao seu enquadramento legal.
Ainda assim e porque mantinha o contribuinte a discordância com a decisão final e a respetiva fundamentação, foi interposto recurso hierárquico tendo sido peticionado o direito já antes requerido e renovadas as alegações, ainda que a argumentação apresentada tenha sido situada na matéria única que também é suscitada no presente caad; ponderados uma vez mais os distintos factos, documentos e normativo legal aplicável, concluiu-se novamente que não se mostravam preenchidos os pressupostos legais, desde logo um fundamental e inultrapassável – o destino efetivo do imóvel de partida e de chegada para um eventual reinvestimento e beneficio inerente, concretamente constituir HPP do contribuinte e/ou do seu agregado, sendo que tal não se mostrava concretizado na situação.
Mostra-se assim, sem fundamento este último argumento de ilegalidade apresentado, não tendo existido uma qualquer fundamentação à posteriori, antes a análise dos factos à luz dos elementos que os corroboravam ou não e o enquadramento legal dos mesmos, sendo certo que a informação e/documentos foi sendo carreada, tal como a respetiva análise.
lV - Conclusão.
Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser indeferido o peticionado, na medida em que não se mostra conforme com o regime previsto no art.º 10, nº 5 CIRS..”
5- Por despacho de 24 de fevereiro de 2024, foi indeferido o pedido das declarações de parte, nos termos que se dão por reproduzidos, para todos os devidos e legais efeitos. Mais foi dispensada a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. No mesmo despacho foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação deste e indicado o dia 13 de maio de 2024 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
6- As partes apresentaram alegações.
II- SANEADOR
7-O Tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Não se verificam nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
III-1- Matéria de Facto
§1.º Factos dados como provados
Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 24JUN2015 o contribuinte e a sua mulher adquiriram, pelo preço de 1.100.000€, o direito de propriedade do imóvel identificado sob art.º ..., sito em Lisboa, destinando-o a sua HPP (habitação própria e permanente (cfr. Documento n.º 3).
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Nessa sequência, o Requerente inscreveu-se, junto dos serviços competentes da Autoridade Tributária e Aduaneira, como residente fiscal em Portugal, registando o prédio adquirido como sua habitação própria e permanente (cfr. Documento n.º 4).
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Posteriormente, em 25 de maio de 2018, o ora Requerente, através de escritura pública de compra e venda, procedeu à alienação do referido imóvel, pelo preço global de € 2.450.000,00 (dois milhões e quatrocentos e cinquenta mil euros) (cfr. Documento n.º 5).
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Por conseguinte, em 28 de junho de 2019, o ora Requerente (e sua Mulher) apresentou atempadamente – tendo optado pela tributação conjunta – a respetiva declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, tendo preenchido o respetivo anexo G, onde declarou: (i) No quadro 4 (campo 4001), os elementos respeitantes ao valor de realização referente à alienação onerosa da sua habitação própria e permanente (i.e., € 2.450.000,00), o valor de aquisição (€ 1.100.000,00) e o montante relativo às despesas e encargos suportados com a aquisição e com a alienação (i.e., 221.800,00). (ii) No quadro 5: (i) no campo 5005, o valor em dívida do empréstimo à data da alienação, o qual ascendia a € 1.000.000,00; e (ii) no campo 5006, a intenção de reinvestir € 1.450.000,00 do valor de realização, sem recurso ao crédito (cfr. Documento n.º 6).
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Na sequência da submissão da referida declaração, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em 29 de junho de 2019, a liquidação de IRS n.º 2019... (1.º ato de liquidação), a qual apurou um saldo zero (Processo administrativo).
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Em momento posterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira reviu oficiosamente a declaração de IRS de 2018 submetida pelos então reclamantes e, nessa sequência, no dia 8 de novembro de 2019, emitiu o ato de liquidação de IRS n.º 2019... (2.º ato de liquidação), respeitante ao mesmo ano de 2018, na qual apurou um valor a pagar de €295.513,99 (cfr. cit. Documento n.º 1).
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Da revisão oficiosa da declaração de IRS de 2018 resultou, em particular, a desconsideração da intenção expressada pelo ora requerente, no mencionado campo 5006, de reinvestir €1.450.000,00 do valor de realização.
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Tal originou, aparentemente, o apuramento de uma mais-valia imobiliária, a qual foi concretizada no supramencionado ato de liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de €295.513,99 (cfr. cit. Documento n.º 1).
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Não obstante, e conforme suprarreferido, em 16 de dezembro de 2019, cerca de 19 meses após a venda do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., e..., n.º ..., esse valor foi, efetivamente, reinvestido na aquisição de um imóvel sito em ..., freguesia da..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número..., da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... (cfr. Documentos n.ºs 7 e 8).
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Posteriormente, em 12 de março de 2020, i.e., menos de 3 meses após a data do reinvestimento, o Requerente assinou uma proposta, com a sociedade B..., para a realização de um projeto de arquitetura e especialidades de engenharia para adaptação do imóvel de restauração adquirido, sito em ..., ..., para uma moradia individual, i.e., para sua habitação própria e permanente (cfr. Documentos n.ºs 9 e 10).
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De igual modo, o Requerente manifestou a título inicial a sua intenção, junto das autoridades competentes, condomínio e Câmara Municipal de Loulé, de alterar a afetação do imóvel para habitação própria e permanente (cfr. Documento n.º 11).
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Adicionalmente, em 16 de outubro do mesmo ano, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, constando desde então do seu cadastro fiscal que a sua Página 6 residência fiscal é na..., ..., n.º ..., ...-... ..., ..., Loulé.
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Por não se conformarem com a legalidade do mencionado ato de liquidação, os então reclamantes apresentaram uma Reclamação Graciosa, a qual correu os seus temos sob o n.º ...2020..., tendo a mesma sido indeferida pela Autoridade Tributária (cfr. Documento n.º 12).
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Da referida Decisão resultou, em síntese, o seguinte entendimento: · "Analisando o alegado e os documentos juntos pelos reclamantes, pode-se aferir da falta de prova que sustente a alteração da liquidação reclamada. Os documentos juntos não são documentos oficiais que provem o pedido de alteração do imóvel adquirido em 16/12/2019, de comércio para habitação. Não existe nos autos qualquer documento que consubstancie os pedidos de licenças camarárias, as obras efetuadas, por exemplo. Assim, e salientando que o ónus da prova recai sobre quem evoque os factos constitutivos dos direitos, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, somos da opinião que não deve ser dado provimento à pretensão contida nestes autos; · É de evidenciar que na escritura de aquisição deste imóvel, apresentada pelos reclamantes com o exercício de audição prévia, não consta em qualquer momento que se destine à HPP dos reclamantes, nem sequer – em último caso – que se destine à habitação. Inclusive, nas próprias liquidações de IMT apresentadas na escritura figura o destino de comércio; De salientar ainda que, as referidas decisões arbitrais apenas produzem efeitos inter partes e no âmbito dos casos concretos, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos" (cfr. p. 4/5 do cit. Documento n.º 7).
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Por não se conformar com a mencionada decisão, os então reclamantes apresentaram o correspondente Recurso Hierárquico, o qual é objeto imediato do presente Pedido e obteve o mesmo resultado que a Reclamação Graciosa (cfr. cit. Documento n.º 1).
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A Autoridade Tributária manteve o mesmo entendimento, dizendo, em síntese, o seguinte: "No entanto, no caso não se encontra em questão uma distinção entre domicílio fiscal e da sua coincidência tendencial e presumida com o de HPP, antes a realidade indesmentível de que a aquisição do bem imóvel ou até mesmo das diversas obras que terão sido realizadas nesse imóvel, relembrando-se que não se encontram de todo especificadas nos seus valores e relevância, não constituiu numa aquisição cuja natureza é passível de ser afeta a habitação, tal como as obras e os melhoramentos não foram concretizadas em imóvel idêntico destino ao do valor de realização, como exige o regime previsto no n.º 5, do artigo 10.º do CIRS".
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Uma vez que o ora requerente não dispunha à data, nem dispõe, atualmente, de meios financeiros ou bens penhoráveis que lhe permitisse promover o pagamento da alegada dívida de IRS, cujo valor ascende a € 295.513,99, não promoveu o seu pagamento dentro do prazo de pagamento voluntário.
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Na sequência do mencionado incumprimento, foi citado, através de Ofício de citação datado de 9 de fevereiro de 2020, notificados para o processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado para cobrança coerciva da dívida de IRS referente ao ano de 2018, no valor de € 295.513,99, acrescido de Juros Moratórios, no valor de € 1.396,54 e custas, no valor de € 1.065,28, perfazendo um montante total de € 297.975,81, e, bem assim, para prestação de garantia no valor de € 375.549,33 (cfr. Documento n.º 13).
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Por conseguinte, o ora requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças, pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2020..., através da constituição da hipoteca voluntária de um imóvel, tendo a mesma sido aceite e a garantia sido constituída (cfr. Documento n.º 14).
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Por não se conformar com o entendimento subjacente à emissão do aludido ato, por o mesmo ser manifestamente ilegal, como adiante melhor se circunstanciará, o ora requerente apresentou o presente Pedido, para que seja determinada a anulação do mesmo, com as necessárias consequências legais.
§2.º Factos dados como não provados
Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.
§3.º Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e Resposta da Requerida) e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os factos elencados com relevo para a decisão.
III-2-DO DIREITO
A questão essencial que se discute nos autos traduz-se em saber se o imóvel onde o Requerente reinvestiu o montante resultante da alienação da sua habitação própria e permanente pode beneficiar da exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, conforme estabelece o artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS.
Os atos tributários contestados são a liquidação de IRS, com o n.º 2019..., referente ao exercício de 2018 e o subsequente indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021... .
O requerente alega a fundamentar a ilegalidade dos atos tributários os seguintes vícios como causa de pedir:
- Vício de fundamentação a posteriori com a consequente violação do disposto nos artigos 103.º, n.º2 e 268.º, n.º3, da CRP e 77.º da LGT.
- Erro quanto aos pressupostos de facto e de direto na aplicação do artigo 10.º, n.º5, do IRS.
Vejamos.
§1.º Quanto à alegada ilegalidade por fundamentação a posteriori
A este propósito alega o requerente, entre o mais, que a requerida incorre em fundamentação a posteriori uma vez que começou por apresentar, a fundamentar o ato de liquidação ora impugnado, em suma, que: (i) a não apresentação, por parte dos sujeitos passivos, do documento comprovativo do valor em dívida do empréstimo à data de alienação, não permitiu a comprovação dos valores inscritos na declaração de IRS; e (ii) o imóvel alienado – constituído por rés-do-chão, 1.º andar e águas furtadas – não poderia estar totalmente afeto à habitação própria e permanente dos Reclamantes aquando da alienação por “não ser de propriedade total, mas de propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente” tendo, por isso, procedido à emissão do ato de liquidação de IRS objeto do presente Pedido, sublinhe-se, na declaração oficiosa efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no qual esta entidade procedeu à desconsideração total da intenção de reinvestimento manifestada na declaração de IRS anteriormente entregue pelo Requerente e, por conseguinte, tributando a totalidade da mais-valia imobiliária apurada.
Mais tarde, na sequência da apresentação da Reclamação Graciosa, a Autoridade Tributária invocou, entre o mais, que “Os documentos juntos não são documentos oficiais que provem o pedido de alteração do imóvel adquirido em 16/12/2019, de comércio para habitação (…). Não existe nos autos qualquer documento que consubstancie os pedidos de licenças camarárias, as obras efetuadas, por exemplo. Assim, e salientando que o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos constitutivos dos direitos, nos termos do n.º 1 do art. 74.º da LGT, somos da opinião que não deve ser dado provimento à pretensão contida nestes autos. É de evidenciar que na escritura de aquisição deste imóvel, apresentada pelos reclamantes com o exercício da de audição prévia, não consta em qualquer momento que se destine à HPP dos reclamantes, nem sequer – em último caso – que se destine a habitação. Inclusive, nas próprias liquidações de IMT apresentadas na escritura figura o destino de comércio.”
Por sua vez, alega a requerida que de facto os serviços foram adequando a fundamentação em conformidade com os elementos carreados para os autos pelo Sujeito Passivo. Assim, numa primeira fase, “Tendo por base o princípio da presunção de veracidade dos elementos declarados pelos contribuintes e atendendo a que o mesmo manifestou a intenção de reinvestimento do valor de realização do imóvel sito em Lisboa, foi emitida uma primeira liquidação respeitando essa pretensão, que seria sujeita a correção em caso de se vir a verificar que os pressupostos legais exigidos no CIRS, art.º 10 relativamente ao benefício de exclusão aí previsto não eram cumpridos na sua totalidade. É neste quadro que foi emitida a liquidação IRS vigente, que numa apreciação inicial e após notificação dos interessados para apresentação dos elementos comprovativos dos factos inscritos e demais pronúncias que fossem por estes consideradas relevantes no âmbito do procedimento de divergências aberto, que os serviços concluíram não se encontrarem reunidos os pressupostos para o reconhecimento do benefício pretendido. (…)”
Por outro lado, foi sempre assegurado o direito de contestação “com a apresentação de reclamação graciosa, na qual foram tecidos pelo requerente os fundamentos considerados relevantes para o seu posicionamento e os elementos comprovativos; a análise realizada pelos serviços tributários sobre a factualidade e elementos apresentados e demais passiveis de serem oficiosamente conhecidos, bem como a pronuncia do requerente em sede de audição previa sobre o projeto de despacho, levou a concluir no sentido de não assistir razão ao peticionado, tendo sido explicitados os fundamentos que sustentaram essa apreciação e que se encontra relatada no ponto 65 da presente P.I, sendo que a sua concretização traduziu-se na manutenção do ato tributário vigente, i.é, não se encontravam preenchido os diversos e na sua totalidade os pressupostos do regime pretendido. Parece-nos, portanto, que inexiste uma situação como a alegada pelo peticionário, antes uma análise crescente e sucessiva dos argumentos, factos e documentos carreados que confirmavam ou não os diversos aspetos inerentes à situação de facto descrita e ao seu enquadramento legal.”
A seguir e porque o Sujeito Passivo “mantinha a discordância com a decisão final e a respetiva fundamentação, foi interposto recurso hierárquico tendo sido peticionado o direito já antes requerido e renovadas as alegações, ainda que a argumentação apresentada tenha sido situada na matéria única que também é suscitada no presente caad; ponderados uma vez mais os distintos factos, documentos e normativo legal aplicável, concluiu-se novamente que não se mostravam preenchidos os pressupostos legais, desde logo um fundamental e inultrapassável – o destino efetivo do imóvel de partida e de chegada para um eventual reinvestimento e beneficio inerente, concretamente constituir HPP do contribuinte e/ou do seu agregado, sendo que tal não se mostrava concretizado na situação.(…)”.
O artigo 77.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 77.º
Fundamentação e eficácia
1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Como ficou consignado na Decisão arbitral proferida no processo n.º 460/2022-T:
“A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )
Por outro lado, só releva para aferir da suficiência da fundamentação a que é contemporânea do acto impugnado. A fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( [2] ) Por isso, a fundamentação adicional através de remissão para documentos que a contenham tem de integrar-se no próprio acto e ser contemporânea dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto esclarecimentos elaborados posteriormente.
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional, uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.”
Neste contexto e no caso em apreço, verifica-se que a fundamentação da liquidação do ato tributário ora impugnado foi sendo de facto alterada mas, primeiro, em sede do procedimento de reclamação graciosa e, depois, do recurso hierárquico, em função das alegações produzidas na intervenção processual do Sujeito Passivo e documentação junta aos autos. Tendo ficado demonstrado, por conseguinte, que o Sujeito passivo teve oportunidade de contraditar a fundamentação da Requerida antes do processo judicial.
Ora, como vimos, o que se visa impedir com a fundamentação a posteriori é que “na pendência do processo jurisdicional”, ocorra uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os atos impugnados, o que afetaria “o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268,º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.”
O que não foi o caso, porque, reitera-se, a alteração da fundamentação se verificou ainda durante o processo administrativo, tendo sido dado oportunidade ao requerente de a contraditar nessa sede.
Termos em que improcede nesta parte a argumentação do requerente.
Questão diferente é se se verifica falta ou insuficiência de fundamentação.
Na verdade, afigura-se que o ato de liquidação não está suficientemente fundamentado para ilidir a presunção de verdade que gozam as declarações dos contribuintes (nº 1 do artigo 75º da LGT).
Com efeito, apesar de no título aquisitivo do imóvel não ser declarado o seu destino habitacional, o certo é que os Requerentes em 08/07/2015 declararam ser a sua residência, lá recebiam, entre outras, a correspondência fiscal e o facto de ser um prédio de propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, essa suscetibilidade não impede que o mesmo não seja ocupado na sua totalidade por um agregado familiar e a AT não apresentou qualquer facto que comprove a utilização, por outros, além dos Requerentes.
Também em relação à desconsideração do valor do empréstimo a AT também não fez prova que não fosse aquele valor o outro diferente e quanto à desconsideração do valor do reinvestimento que na data da emissão da liquidação oficiosa ainda gozava do prazo previsto na alínea b) do nº 5 do artigo 10º do CIRS e, já se viu, que o facto do prédio alienado ter andares ou divisões suscetíveis de utilização independente a AT não fez prova dessa eventual utilização independente.
Considerando a presunção do nº 1 do artigo 75º da LGT e que a AT não ilidiu tal presunção, considera-se que à data da emissão da liquidação oficiosa a mesma está ferida do vício de falta de fundamentação, pelo que é ilegal e deverá ser anulada.
§2.º Quanto à alegada ilegalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
Nesta sede, alega o Sujeito Passivo, entre o mais, que preenche os requisitos legais, porquanto e desde logo, “atendendo (a) ao valor de realização do imóvel atrás referido (€ 2.450.000,00), (b) ao valor do empréstimo contraído para a sua aquisição (€ 1.000.000,00), e (c) ao valor indicado pelo Requerente como o valor que tencionam reinvestir (€ 1.450.000,00 = € 2.450.000,00 - € 1.000.000,00), resulta que foi devidamente deduzido, ao valor de realização, o valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel.
Por outro lado, dado que o valor da realização data 25 de maio de 2018 e que o reinvestimento na aquisição do imóvel de Vilamoura foi efetuado a 16 de dezembro de 2019, cerca de 19 meses depois, verifica-se preenchido o requisito temporal, que determina que o reinvestimento deve ocorrer até 36 meses a contar da data da realização.
A requerida não tem razão quanto ao facto de se tratar de um imóvel afeto formalmente ao comércio. Em primeiro lugar, o imóvel tinha condições de habitabilidade, tendo o ora requerente alterado a sua residência fiscal e efetiva para o mesmo. E segundo lugar, decorre do elemento literal subjacente ao regime fiscal do reinvestimento, que a lei não exige que no momento do reinvestimento que o Requerente disponha de licença de utilização do imóvel adquirido para fins habitacionais (como é aliás o caso), admitindo que esta venha a ser subsequentemente obtida, desde que dentro do prazo previsto na lei.
Donde a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias provenientes da alienação de imóvel afeto à habitação própria e permanente dos sujeitos passivos e/ou respetivo agregado familiar depende única e exclusivamente dos requisitos previstos no artigo 10.º do CIRS, o que se verifica.
Por sua vez, a Requerida, como vimos, concluiu “(…) assim, que um dos pressupostos fundamentais e inultrapassáveis para eventual ponderação do beneficio de exclusão de tributação dos ganhos imobiliários à luz do disposto no art.º 10, nº 5 CIRS, não se encontra preenchido de todo porquanto não poderia ser destinada a habitação um imóvel cuja afetação não era legalmente admissível, necessariamente exigindo-se que a transformação da sua natureza jurídica teria de ter aprovação/licenciamento por parte dos organismos oficiais e camarários competentes, que atestariam o cumprimentos dos diversos parâmetros para que um imóvel possa assumir a afetação de habitação, sendo certo que tal igualmente teria que encontrar tradução final em sede dos registos tributários patrimoniais, sob pena de violação do principio da legalidade.”
Para efeitos do preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas a) e b), do n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS, temos: (i) O valor de realização do imóvel afeto a habitação própria e permanente deverá ser deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel; (ii) O valor de realização do imóvel afeto a habitação própria e permanente deve ser reinvestido na aquisição da propriedade de um imóvel, igualmente, destinado a habitação própria e permanente; e iii) O reinvestimento deve ser efetuado nos 36 meses posteriores à data da realização.
Decorre deste preceito que o legislador confere uma espécie de dilação temporal (36 meses) durante a qual se suspende a tributação de modo a permitir ao Sujeito Passivo efetivar o reinvestimento. Prazo este que ainda estava em curso quando a autoridade Requerida emitiu o ato tributário ora impugnado. Sendo certo que esta entidade não entrou sequer em linha de conta que o legislador durante o período da Pandemia acrescentou a essa suspensão mais dois anos.
Neste sentido, acompanha-se o entendimento da autora citada pelo Sujeito Passivo quando refere “Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante a simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…) A efectiva exclusão tributária apenas se verifica quando ocorrer o reinvestimento, nos termos acima enunciados e dentro dos prazos estabelecidos (cfr.PAULA ROSADO PEREIRA, in Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, 2018, p.101).
A interpretação seguida pela requerida não cabe nem na letra nem na ratio do preceito, pois seguindo-se esse entendimento o preceito ficará esvaziado de conteúdo, uma vez que não é cumprido o prazo que o legislador entendeu como razoável conceder aos particulares para fazerem os reinvestimentos mais adequados, o que pode passar até pela necessidade de adaptação do imóvel à habitação própria e permanente.
Assim sendo, constituindo, como vimos, jurisprudência reiterada e uniforme que somente é relevante a fundamentação contemporânea das liquidações e aquela para que elas expressamente remetem, a requerida incorre nessa fundamentação em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, com a consequente anulação dos atos impugnados.
III- 3- QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
O requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
O requerente afirma que não efetuou o pagamento da alegada dívida de IRS, cujo valor ascende a € 295.513,99, dentro do prazo de pagamento voluntário.
Consequentemente, como consta dos factos provados, foi instaurado o processo de execução fiscal através de Ofício de citação datado de 9 de fevereiro de 2020, notificados para o processo de execução fiscal n.º ...2020..., instaurado para cobrança coerciva da dívida de IRS referente ao ano de 2018, no valor de € 295.513,99, acrescido de Juros Moratórios, no valor de € 1.396,54 e custas, no valor de € 1.065,28, perfazendo um montante total de € 297.975,81, e, bem assim, para prestação de garantia no valor de € 375.549,33.
O ora requerente apresentou, junto do Serviço de Finanças, pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2020..., através da constituição da hipoteca voluntária de um imóvel, tendo a mesma sido aceite e a garantia sido constituída.
Por entender que, no caso concreto, houve erro imputável aos serviços, o requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
Cumpre apreciar.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Com efeito, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem vindo pacificamente a entender-se nos tribunais tributários que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por o direito a juros indemnizatórios surgir quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, os atos de liquidação ao impugnados padecem, como já vimos, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
Acontece que o art. 53.º, n.º 1, da LGT ao referir-se a “garantia bancária ou equivalente” está a excluir a hipoteca.
Com efeito, nas palavras de JORGE DE SOUSA[2], “Equivalente à garantia bancária”, para efeitos do art. 171.º do CPPT, “serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida”. E o mesmo autor aponta, a seguir, como exemplo, o “seguro- caução”. No mesmo sentido, ver o acórdão do CAAD, de 9 de outubro de 2013, proferido no processo n.º 48/2013-T e, bem assim, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 239/2015-T.
Ora, no caso, como vimos, resulta do probatório que o requerente constituiu uma hipoteca sobre imóvel de que é proprietário para suspender a execução fiscal, o que significa a improcedência do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, sem prejuízo de lhe assistir o direito a ser indemnizada, nos termos gerais. Neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de outubro de 2012, proferido no processo n.º 0528/12, assim sumariado: “I - No caso concreto dos autos, em que a garantia prestada para suspender a execução, foi uma hipoteca, esta garantia real não pode ser entendida como uma garantia equivalente à garantia bancária para efeitos do art. 171.º do CPPT. II - Com efeito, esta hipoteca voluntária, em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Assim, não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária. III - Também não podia ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do art. 53.º, n.º 3, da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos. IV - É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Assim é de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido (este deve especificar os concretos prejuízos) à semelhança do que estipula o art. 53.º, n.º 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução.”
IV – DECISÃO
Termos em que se julga neste tribunal coletivo:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e, nessa sequência, anular o indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021... e a liquidação de IRS, com o n.º 2019..., referente ao exercício de 2018;
b) Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, absolvendo a Requerida do mesmo.
V – Valor da Causa
Fixa-se o valor do processo em €, 295 513,99, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VI - CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 5 202,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de abril de 2024
O Tribunal coletivo,
Fernanda Maçãs ( presidente)
Arlindo Francisco (árbitro)
António Lima Guerreiro (árbitro)