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Sumário
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O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre o contribuinte que os invoque.
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Os serviços de nutrição prestados por profissional qualificado a uma entidade focada na prática desportiva de alta competição podem ser isentos nos termos do artº. 9º, al. 1) do CIVA, porém essa isenção só ocorre se os mesmos não tiverem como fim principal um acompanhamento nutricional que visa o alto rendimento ou a melhoria da performance desportiva mas sim a assistência para diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou problemas de saúde.
Decisão Arbitral
A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14.11.2023, decide o seguinte:
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Relatório
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A..., doravante designada por “Requerente”, número de identificação fiscal..., com morada em Rua ..., ..., ...-... Lisboa, tendo sido notificada do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2022..., de 19.04.2023, que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações oficiosas de IVA com os números 2020 ..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020..., e respetivas liquidações de juros compensatórios, relativas ao quatro trimestres dos exercícios de 2017, de 2018 e de 2019 e ao primeiro trimestre do exercício de 2020, apresentou, em 01.09.2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), 10.º e 2.º n.º 1 alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações oficiosas em referência e, em consequência, demais consequências legais, i.e. anulação do ato de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2022... e indeferimento da respetiva reclamação graciosa. A Requerente pede ainda o reembolso das quantias pagas, acrescido de juros indemnizatórios.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 04.09.2023.
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Em 24.10.2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação da Árbitra, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
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Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14.11.2023.
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A Requerida apresentou Resposta e juntou “Processo Administrativo” (“PA”) nos dias 20.12.2023 e 21.12.2023 respetivamente.
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Foi realizada a Reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT com inquirição da 1ª testemunha arrolada pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) no dia 04.03.2024.
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Nessa reunião foi acordado continuar a inquirição no dia 04.04.2023 às 10h30m da manhã, na medida em que a 2ª testemunha arrolada pela Requerente no PPA não esteve presente por motivos de cirurgia médica urgente.
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No dia 15.03.2024 a Requerente solicitou a alteração do rol de testemunhas, na medida em que a recuperação da 2ª testemunha se revelou mais demorada do que o inicialmente expectável. Indicou que a nova testemunha identificada estaria ausente do país no dia 04.04.2024 mas estaria disponível para ser inquirida a partir de dia 11.04.2024.
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No dia 18.03.2023 foi notificada a Requerida para se pronunciar sobre o pedido da Requerente, designando-se desde logo a data de 15.04.2023, segunda-feira, às 14h30, nas instalações do CAAD em Lisboa, para continuação da inquirição de testemunhas.
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No dia 04.04.2023 a Requerente solicitou que a testemunha identificada na alteração do rol de testemunhas fosse ouvida por vídeoconferência, na medida em que no dia 15.04.2023 estaria a acompanhar atletas em missão nacional para o B.., no exercício da respetiva atividade profissional.
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A Requerida foi notificada no dia 08.04.2023 para: (i) se pronunciar sobre a oposição ou não à inquirição via videoconferência (ii) em caso de oposição, pronunciar-se sobre o reagendamento da inquirição para data posterior.
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A Requerida respondeu por requerimento de dia 09.04.2024 apresentando oposição à alteração do rol de testemunhas e à inquirição por videoconferência, opondo-se, em consequência a novo adiamento da inquirição da testemunha.
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Considerando o Requerimento da Requerida de 09.04.2024 contendo oposição expressa à inquirição via videoconferência (cfr. artigo 502.º do CPC) e novo adiamento da inquirição de testemunhas, o disposto no artigo 509.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, que apenas permite o 2º adiamento da inquirição de testemunhas em caso de acordo das Partes, e que, compulsados os autos, afigura-se suficiente a prova documental não impugnada em conjugação com a posição de cada uma das partes assumida nos respetivos articulados e prova testemunhal já apresentada foi determinado não realizar a diligência de continuação de inquirição de testemunha, conferindo-se às partes a possibilidade de apresentar alegações sucessivas.
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A Requerente apresentou alegações escritas em 29.04.2024 reiterando o invocado no PPA e a confirmação da factualidade aí invocada pela produção de prova testemunhal. A Requerida apresentou Alegações a 14.05.2024 reiterando o invocado em sede de resposta e indicando que a prova produzida pela Requerente, testemunhal e documental, é manifestamente insuficiente para contraditar a legalidade dos atos tributários impugnados.
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Saneamento
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
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Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente encontra-se inscrita na Ordem dos Nutricionistas, sob o n.º de cédula profissional ... .
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A Requerente exerce a sua atividade profissional de nutricionista desde 26.02.2008.
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A declaração de início de atividade foi submetida a 26.02.2008.
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Aquando do início de atividade:
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a respetiva declaração continha a indicação da atividade principal como professora e a atividade secundária como nutricionista;
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a Requerente ficou enquadrada no regime de isenção de IVA previsto no artigo 53.º do Código do IVA.
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A Requerente emitiu em 2016 recibos verdes no valor de € 13.615,85, dos quais:
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€ 12.925,56 resultaram do exercício da atividade de nutricionista (sendo que € 10.570,56 correspondem a rendimentos obtidos pela prestação de consultas de nutrição e € 2.355,00 correspondem a rendimentos obtidos pela participação em formações e conferências);
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€ 690,28 resultaram do exercício da atividade de professora.
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Em 01.11.2017, a Requerente celebrou um contrato com o B... com o seguinte teor (cfr. doc.20 do PPA):
“CONTRATO DE PRESTACAO DE SERVICOS
Considerando que:
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O B... é uma pessoa coletiva de natureza associativa, sem fins lucrativos, a quem é reconhecido o estatuto de instituição de utilidade pública, que se rege pelas suas normas estatutárias e regulamentares, conformes com os princípios da ..., e, supletivamente, pelas normas do Código Civil aplicáveis às associações;
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Ao B... incumbe estatutariamente, entre o mais, divulgar, desenvolver e defender o Movimento Olímpico e o desporto em geral, em conformidade com a ...;
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O B... necessita de apoio externo na área dos serviços especializados de nutrição, com destaque para a nutrição desportiva, e que a Professora A..., titular da cédula profissional n.º..., tem formação especializada em nutricionismo, mostrando-se disponivel e interessada em prestar tal apoio extemo, mediante contrato de prestação de serviços,
Entre
B..., adiante designado Primeiro Contraente, pessoa coletiva e contribuinte n.º..., com sede na..., n.º ..., ...-... Lisboa, neste ato representado por D..., Presidente da Comissão Executiva, e por E..., Secretário-Geral,
e,
A..., adiante designada Segunda Contraente, residente na Rua ...- ..., ...-... Lisboa, titular do Cartão de Cidadão n.º..., contribuinte n.º...,
Ambos os Contraentes adiante também designados Partes,
É celebrado, ao abrigo dos artigos 1154.º e 1156.º do Código Civil, livre e conscientemente, o presente Contrato de Prestação de Serviços, na área da nutrição, que se rege pelas Cláusulas seguintes, mútua e plenamente aceites pelas Partes, que as cumprirão segundo os ditames da boa fé e que estão plenamente cientes de que esta relação contratada é insuscetível de considerar-se relação laboral:
Cláusula Primeira
(Objeto)
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- Pelo presente Contrato a Segunda Contraente obriga-se a prestar ao Primeiro Contraente serviços especializados no âmbito da nutrição geral e desportiva, para os quais assegura estar plenamente habilitada e que serão efetiva e exclusivamente prestados por si mesma.
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- A prestação efetiva e exclusiva dos serviços contratados pela Segunda Contraente constitui condição essencial para a celebração do presente Contrato por parte do Primeiro Contraente, razão por que não podem os serviços contratados ser prestados por qualquer outra pessoa, independentemente da sua qualificação e competência profissionais, sem o prévio acordo escrito do Primeiro Contraente.
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- A Segunda Contraente assegura a prestação dos serviços ora contratados no âmbito da Direção de Medicina Desportiva do Primeiro Contraente, integrada na equipa de saúde deste, no respeito pelo respetivo Regulamento da Direção Clínica, competindo lhe, entre o mais, assegurar o funcionamento da área de nutrição no seio dessa equipa de saúde, bem como colaborar nas ações de formação promovidas pela Direção de Medicina Desportiva.
(…)
Cláusula Segunda
(Execução)
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- Para os efeitos do artigo anterior, o Primeiro Contraente disponibiliza à Segunda Contraente os meios disponíveis na sua Direção de Medicina Desportiva.
(…)
Cláusula Terceira
(Preço)
O preço dos serviços da Segunda Contraente objeto do presente Contrato é pago em regime de avença mensal, no valor de € 1000,00 (mil euros), mediante fatura emitida no
último dia de cada mês e através de transferência bancaria para a conta com o IBAN PT50... .
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No site do B..., na parte relativa a estrutura orgânica, a Requerente aparece, na presente data, interelacionada com a Direção ... e Direção de ...:
(Imagem da estrutura orgânica)
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Nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente faturou, respetivamente, os seguintes valores: € 13.615,84; € 16.052,10; € 28.801,31; € 29.989,63; € 34.642,54.
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A Requerente foi notificada pelo SF de Lisboa-..., por Ofício n.º..., de 09.12.2019, de que «(…) se deixaram de verificar as condições de aplicação do Regime de Isenção art.º 53º. do CIVA (…)», deveria «(…) regularizar a situação, procedendo à entrega, no prazo de 15 dias (…) da declaração de alterações, para enquadramento no regime normal de tributação do IVA (…)» e «(…) proceder ao envio, via portal das Finanças, de todas as declarações periódicas do IVA em falta, respeitantes aos períodos desde o 1.º ao 4.º Trimestres de 2017 e Informação seguintes».
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Em 23.12.2019:
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a Requerente apresentou uma declaração de alterações de atividade, na qual solicitou o enquadramento da atividade por si exercida no artigo 9.º 1) do CIVA com efeitos retroativos à data de início de atividade, i.e. 26.02.2008.
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Substituiu as faturas-recibo emitidas ao artigo 53.º do CIVA (anulação) por faturas com menção ao artigo 9.º do CIVA.
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Foi elaborado a, 04.02.2020 Boletim de Alteração Oficioso pelo Serviço de Finanças de Lisboa ... a reenquadrar a Requerente no regime normal de periodicidade trimestral à data de 01.02.2017. Essa alteração foi informada à Requerente, em troca de comunicações com o Serviço de Finanças de Lisboa 6, a 20.08.2020.
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A 03.09.2020 a Requerente foi notificada das liquidações oficiosas de IVA objeto do PPA.
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A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações a 23.10.2020.
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A Requerente pagou as liquidações, no total de € 5.776.44 em 30.12.2020.
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A Reclamação Graciosa foi objeto de indeferimento a 18.11.2022.
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Foi interposto recurso hierárquico a 19.12.2022, indeferido por despacho de 18.04.2023, notificado mediante carta registada com data de registo de 20.04.2023.
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Factos não provados
Não foi provado que a Requerente tenha prestado os serviços de nutrição com fins terapêuticos.
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Fundamentação da decisão da matéria de facto
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Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
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Nesta sede importa salientar que os elementos presentes nos autos apontam para uma prestação cuja componente principal é a prática de uma nutrição desportiva planeamento e prescrição nutricional especializada e personalizada para o sucesso na prática desportiva) e não uma nutrição clínica (tratamento de patologias nutriciais). Neste sentido o contrato celebrado entre a Requerente e o B... não refere que a prestação contratada tem por finalidade fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de doenças e regeneração de saúde mas sim, nos seus considerandos, que o B... precisa de apoio em sede de “nutrição desportiva” e, no seu objeto, que estão a ser contratados “serviços especializados no âmbito da nutrição geral e desportiva”. As faturas emitidas pela Requerente ao B... refletem no descritivo “serviços de nutrição geral e desportiva” e não “nutrição clínica”. Decorreu ainda da prova testemunhal – testemunha C...– Diretor Geral do B...– que as prestações visavam, em grande parte, o alto rendimento dos atletas.
4. Matéria de direito
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O tema central em discussão é saber se os serviços prestados pela Requerente podem beneficiar da isenção de IVA do artigo 9.º alínea 1) do CIVA, sendo esta questão preliminar a todas as demais do presente processo.
Posição das partes
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No entender da Requerente, o exercício da atividade de nutricionista subsume-se no conceito de profissão paramédica relevante para a alínea 1) do artigo 9.º do CIVA por se verificar, cumulativamente, que i) o serviço prestado consubstancia a «aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares», que ii) compreende «a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação» (nas palavras da Autoridade Tributária e Aduaneira, que se trate de nutrição em sentido clínico) e, ainda, iii) que o prestador de tais serviços de nutrição se encontra devidamente habilitado a prestá-lo através da titularidade de um curso reconhecido pelo Ministério da Saúde (quanto a este último requisito, a Autoridade Tributária e Aduaneira vai mais longe e exige que os prestadores destes serviços sejam «credenciados pela Ordem dos Nutricionistas» — cf. Informação Vinculativa proferida no processo n.º 16277, com despacho concordante da Diretora de Serviços do IVA de 2019-12-20).
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No entender da Requerida o que assume relevância é o fim terapêutico que subjaz aos serviços de nutrição e, cumulativamente, a sua prestação por profissionais devidamente habilitados e credenciados para o seu exercício. No caso em apreço, indica a Requerida, não se retira das descrições das faturas que: (i) as prestações de serviços foram exclusivamente efetuadas no âmbito do exercício da atividade de dietética, enquanto profissão paramédica de acordo com os decretos-lei acima mencionados; e, que (ii) as prestações de serviços tenham visado o objetivo terapêutico, como tal definido pela jurisprudência comunitária.
A isenção de IVA nos serviços paramédicos e a sua razão de ser
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O artigo 9.º alínea 1) do CIVA, na redação em vigor à data dos facto determinava que:
“Estão isentas do imposto: 1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
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Atualmente, com a redação introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, o referido artigo estabelece:
“Estão isentas do imposto: 1) As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.
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No Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, diploma que regula o exercício das atividades profissionais de saúde, designadas por atividades paramédicas, entre as atividades listadas (no ponto 5 da lista anexa) consta a atividade de «dietética», a qual se consubstancia na «aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar, quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.».
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Por sua vez, no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, diploma que regulamenta as profissões técnicas de diagnóstico e terapêutica, a profissão de “Dietista” consta do artigo 2.º, como uma das profissões abrangidas pelo diploma, e cujo acesso ao exercício da profissão se encontra regulamentado nos artigos 4.º e seguintes.
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Conclui-se assim do acima exposto que a atividade de nutrição consta da lista de atividades paramédicas a nível nacional.
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Sem prejuízo de a atividade de nutrição constar da lista de atividades paramédicas a nível nacional, tal não basta, só por si, para determinar que esta atividade é isenta de IVA nos termos do artigo 9.º alínea 1) do CIVA.
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É que o artigo 9,º alínea 1) do CIVA resulta da transposição do artigo 132.º n.º 1 alínea c) da Diretiva IVA que determina a isenção de imposto para:
“ c) [as] prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.”.
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E, nesta medida, os serviços de nutrição apenas podem ser isentos de IVA se, à luz da ratio legis e interpretação comunitária, preencherem o conceito de “prestações de serviços de assistência”.
Nesta sede, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) – órgão que determina a nível comunitário, a interpretação do sistema do IVA e cujos critérios de interpretação, atendendo ao primado do direito comunitário, devem ser seguidos pelos tribunais A isenção de IVA nos serviços paramédicos e a sua razão de ser
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nacionais na aplicação da lei interna – pronunciou-se já sobre o conceito de de “prestações de serviços de assistência” e precisamente num caso referido de Portugal relativo a prestação de serviços de nutrição em ginásios, o caso C-581/19, Frenetikexito.
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Na decisão relativa a este caso, o TJUE forneceu os seguintes critérios de interpretação (pontos 23 e segs):
- o conceito de “prestações de serviços de assistência” visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de sáude (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C‑86/09, EU:C:2010:334, n.os 37 e 38, e de 18 de setembro de 2019, Peters C‑700/17, EU:C:2019:753, n.° 20 e jurisprudência referida).
- em consequência, as «prestações de serviços de assistência», na aceção desta disposição, devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA;
[v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, X (Isenção de IVA para as consultas telefónicas), C‑48/19, EU:C:2020:169, n.o 27 e jurisprudência referida], ainda que daí não decorra necessariamente que esta finalidade deva ser compreendida numa aceção particularmente restrita (Acórdãos de 10 de junho de 2010, Future Health Technologies, C‑86/09, EU:C:2010:334, n.º 40 e jurisprudência referida, e de 21 de março de 2013, PFC Clinic, C‑91/12, EU:C:2013:198, n.º 26).
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O TJUE conclui assim que a isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVApressupõe, portanto, que estejam preenchidos dois requisitos:
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O primeiro, relativo à finalidade da prestação em causa – terapêutica
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O segundo, relativo ao facto da prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado‑Membro em causa
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Aplicação da isenção de IVA nos serviços paramédicos ao caso concreto
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No caso concreto, não existem dúvidas que o 2º requisito para aplicação da isenção de IVA aqui em causa se encontra verificado: tendo em conta que a Requerente possui as qualificações legais de nutricionista, as prestações que realiza são efetuadas no âmbito de uma profissão paramédica.
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Já quanto ao 1º requisito, para verificar o seu cumprimento, há que atender à finalidade da prestação como a que está em causa no processo principal.
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Nesta sede, o TJUE dá-nos critérios de navegação precisos sobre o que se deve verificar para que uma prestação seja considerada como tendo finalidade terapêutica:
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Uma atividade não pode ser isenta em derrogação ao princípio geral de tributação em IVA se não cumprir a finalidade de interesse geral (par. 29 do caso C-581/19).
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Um serviço de acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade. Todavia, o mesmo se aplica à própria prática desportiva, cujo papel é reconhecido, a título de exemplo, para limitar a ocorrência de doenças cardiovasculares. Tal serviço apresenta, portanto, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica (par. 30 do caso C-581/19).
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Na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (par. 31 do caso C-581/19).
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Qualquer outra interpretação teria como consequência alargar o âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA para além da ratio legis que traduzem a redação desta disposição, bem como a epígrafe do capítulo 2 do título IX desta diretiva. Com efeito, qualquer serviço efetuado no âmbito do exercício de uma profissão médica ou paramédica, que tenha por efeito, mesmo de forma muito indireta ou longínqua, prevenir certas patologias, estaria abrangido pela isenção prevista nessa disposição, o que não corresponderia à intenção do legislador da União e à exigência de interpretação estrita dessa isenção. Uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente a este respeito (par. 33 do caso C-581/19).
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Por fim, o TJUE indica que os serviços de acompanhamento nutricional prestados com uma finalidade terapêutica e serviços de acompanhamento nutricional desprovidos de tal finalidade não podem ser considerados iguais ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e não satisfazem as mesmas necessidades deste último pelo que a interpetação acima não viola o princípio da neutralidade fiscal (par. 32 do caso C-581/19).
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Ora aplicando os critérios enumerados acima ao presente caso, este Tribunal considera que:
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estamos perante uma prestação de serviços única prestada pela Requerente, para a qual existe uma remuneração mensal fixa (avença) e contrato único, que não distingue os diversos elementos da prestação e que, como tal, não deve ser decomposta artificialmente;
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sendo esta prestação única, não foi provado que a mesma tivesse uma finalidade terapêutica. Neste sentido, apesar de partes da prestação poderem visar diagnosticar, tratar e curar doenças ou anomalias de sáude, o contrato aqui em causa não refere que a prestação contratada tem por finalidade fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de doenças e regeneração de saúde mas sim, nos seus considerandos, que o B... precisa de apoio em sede de nutrição desportiva e, no seu objeto, que estão a ser contratados serviços especializados no âmbito da nutrição geral e desportiva. As faturas emitidas pela Requerente ao B... refletem no descritivo “serviços de nutrição geral e desportiva” e não “nutrição clínica”. Decorreu ainda da prova testemunhal que as prestações visavam, em grande parte, o alto rendimento dos atletas. Ou seja, não resultou da prova realizada em Tribunal que os serviços em causa tivessem como carácter ou componente principal a finalidade terapêutica, mas sim a finalidade de um melhor desempenho físico em melhoria das condições de saúde em geral, ou seja uma finalidade sanitária;
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assim, tendo em conta a jurisprudência do TJUE que determina uma interpretação restritiva da isenção em causa, aplicável às prestações de serviços que visem diagnosticar, tratar e curar doenças ou anomalias de sáude, e que não ficou demonstrado que os serviços realizados pela Requerente tiveram uma finalidade terapêutica, os serviços em causa não devem beneficiar da isenção em causa mas sim ser sujeitos à regra geral de tributação em IVA.
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No mesmo sentido está ao acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2022 publicado no Diário da República n.º 14/2022, Série I de 2022-01-20, páginas 43 – 62.
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Assim, uma vez que a Requerente, sobre quem, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, recaía o ónus da prova, não demonstrou a finalidade terapêutica dos serviços prestados, tem o presente pedido de pronúncia arbitral de improceder, pois eram impugnadas as liquidações adicionais de IVA porque não consideraram aplicável a isenção constante do artigo 9.º alínea 1) do CIVA.
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Esta questão é preliminar sobre as demais invocadas no PPA pelo que prejudica o conhecimento das demais, sendo certo que o Tribunal Arbitral não tem competência, nos termos do RJAT para se pronunciar sobre erros declarativos ou administrativos - a sua competência é limitada à anulação de atos de liquidação adicional de imposto, por ilegalidade.
5. Decisão
Em face do exposto este Tribunal julga totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a Requerida do pedido, com as legais consequências.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de € 5.776,44.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 14.05.2024
A Árbitra singular
(Catarina Belim)
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