Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 617/2023-T
Data da decisão: 2024-05-04  Selo  
Valor do pedido: € 320.580,82
Tema: Imposto de selo – Artigo 7º-1/e), do CIS e verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo Isenção – Instituições financeiras – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência e Acórdão do TJUE em sede de reenvio prejudicial.
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Sumário: As SGPS não beneficiam da isenção de imposto do selo prevista em 17.3.4, da Tabela Geral do Imposto do Selo porquanto não são considerados “Instituições Financeiras”, conforme acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STA no processo nº 0118/20.3BALSB, na sequência e em consequência de decisão do TJUE em sede de reenvio prejudicial.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Jorge Bacelar Gouveia e Vítor Braz (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de novembro de 2023, acordam no seguinte:

 

 

I - Relatório

  1. A..., SGPS, S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., ..., ...-...,  ..., (doravante designada “Requerente”), tendo sido notificada do despacho do Diretor de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, domiciliada na Rua Terreiro do Trigo, n.º 1, 1149-060 Lisboa , no sentido do indeferimento do procedimento de reclamação graciosa autuado sob o n.º ...2023... (Cfr. documento n.º 1) e incidente sobre as liquidações de Imposto de Selo relativas ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2021 (cfr. tabela que ora se junta como documento n.º 2 - veio, contra tais liquidações e decisão, apresentar a presente impugnação arbitral nos termos do disposto nos artigos 102.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aqui aplicáveis por remissão do disposto no artigo 49.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”) e artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT)
  2. Invoca, a fundamentar o pedido, no essencial e em síntese:
  • está em causa a (i)legalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por aplicação da Verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) a diversas operações de crédito realizadas no período compreendido entre Janeiro de 2021 e Dezembro de 2021, os quais ascendem a um montante total de € 320.580,82 (cfr. documento n.º 2);
  • as liquidações de Imposto do Selo em apreço são ilegais porquanto assentam na aplicação ilegal da Verba 17 da TGIS sobre operações de concessão de crédito às Requerentes, ignorando a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS;
  • A Requerente era, à data relevante dos factos, sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”) nos termos do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro – o qual estabeleceu o regime jurídico das SGPS;
  • Em consonância com o aludido regime legal, a Requerente tem como objeto “a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, sendo a mesma residente, para efeitos fiscais, em Portugal, conforme se comprova através dos respetivos estatutos (documento n.º 5).
  • Com efeito, a Requerente tem o papel de intermediário no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento das suas participadas.
  • Na prossecução de tal objeto societário, e no âmbito da atividade que desenvolvia, no decurso do ano de 2021 a Requerente recorreu a financiamento junto de diversas instituições de crédito, ou colocado por instituições de crédito junto de investidores (papel comercial), sendo que, para o que importa nos presentes autos, são relevantes os contratos descritos na tabela que se junta como documento n.º 2 e, bem assim, a cópia dos contratos relevantes juntos como documento n.º 6; e, para melhor análise, vide tabela identificativa dos contratos de crédito, como documento n.º 7).
  • Sobre as referidas operações de crédito, nomeadamente sobre a sua utilização e sobre as respetivas comissões e juros, incidiu Imposto do Selo, nos termos da Verba 17 da TGIS no montante total de € 320.580,82 (cfr. documento n.º 2)...;
  • ... o qual incidiu sobre operações de crédito concedidas pelas seguintes instituições : Bank of China (Europe) S.A. Lisbon Branch – Sucursal em Portugal (“Bank of China)”), Caixa Geral de Depósitos S.A. (“CGD”), Caixa - Banco de Investimento, S.A. (“Caixa BI”), Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A. (“Montepio Geral”), Montepio Investimento, S.A. (“Montepio Investimento”), Novo Banco, S.A. (“Novo Banco”), Banco Santander Totta, S.A. (“Santander”), Banco Comercial Português, S.A. (“BCP”), e Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL (“CCAM”) (cfr. certidões permanentes dos bancos envolvidos, que se juntam como documento n.º 8);
  • as referidas instituições de crédito (identificadas na tabela – documento n.º 2) – na qualidade de sujeitos passivos(1)– liquidaram e entregaram nos cofres do Estado o Imposto do Selo, com referência àqueles financiamentos, por referência ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2021, nos termos da Verba 17 da TGIS – procedimento efetuado através das correspondentes declarações mensais de liquidação que originaram os atos tributários aqui em causa  (cfr. declarações emitidas pelas próprias instituições de crédito, a informar dessa sujeição a Imposto do Selo, que se juntam como documento n.º 9).
  • Nos termos previstos na lei, as sobreditas entidades financeiras repercutiram o encargo do referido Imposto do Selo na esfera da Requerente – enquanto utilizadora dos créditos em causa, na qualidade de entidade mutuária e responsável pelo encargo do imposto – a qual, que, como “Contribuinte de facto”, suportou integralmente este imposto(2) – cfr. cópia da documentação de facturação e cobrança emitida pelas entidades bancárias supra identificadas, que se junta como documento n.º 10.
  • Neste contexto, e tal como será desenvolvido infra em maior detalhe, entende a Requerente que as referidas liquidações de Imposto do Selo não se encontram conformes com a legislação aplicável – pelo que devem ser anuladas;
  • É plena e firme convicção da Requerente que as operações de financiamento subjacentes aos atos tributários sub judice beneficiam da norma de isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS – conforme, aliás, veio a ser reconhecido pela própria AT no âmbito de um pedido de informação vinculativa, e como tem vindo a ser igualmente entendido por Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em situações similares;
  • Na medida em que tem a plena convicção de que os atos tributários em causa são ilegais, a Requerente apresentou contra os mesmos a competente reclamação graciosa (cfr. documento n.º 3).
  • Todavia, tal procedimento veio a ser expressamente indeferido por parte da AT (cfr. documento n.º 1).
  • É firme convicção da Requerente que a decisão e liquidações em causa padecem de ilegalidade, por violadoras dos princípios fundamentais, internos e comunitários – pelo que não podem manter-se no ordenamento jurídico, devendo ser anuladas com todos os legais efeitos.
  • De resto, a questão jurídico-tributária material suscitada nos presentes autos foi reiteradamente objecto de pronúncia em sede arbitral tributária no sentido da ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo[1]3 .
  • Todos os documentos – reclamação graciosa, projecto de decisão, etc. – estarão incorporados no processo administrativo interno que a AT organizará nos termos e para os efeitos previstos no artigo 111.º do CPPT, especialmente nos seus n.ºs 1 e 2 – aqui aplicáveis por remissão do artigo 29.º n.º 1 a) do RJAT.

 

Resposta da AT

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da regulamentar notificação para o efeito, apresentou Resposta em que, no essencial e em síntese, alegou:
  • O Regulamento (UE) n.º 575/2013 indica quais as entidades que devem cumprir requisitos prudenciais nos termos desse regulamento e estão sujeitas a supervisão prudencial nos termos da Diretiva 2013/13/EU, não podendo, por essa razão, interpretar-se literalmente a expressão “empresa (…) cuja atividade principal é a aquisição de participações”, isolada do regime instituído pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013 e pela Diretiva 2013/13/UE.
  • Seria um absurdo aceitar-se tal interpretação, implicaria que se considerasse como “instituição financeira” as SGPS cujo objeto é a gestão de participações em sociedades não sujeitas a requisitos ou supervisão prudenciais.
  • Na situação em apreço, a Requerente não detém quaisquer participações sociais em filiais ou participadas qualificadas como instituições de crédito ou empresas de investimento que a obrigue a ficar igualmente sujeita ao supervisor financeiro destas.
  • A Requerente atua fora do sistema financeiro e apenas gere participações em empresas que exercem atividades não reguladas pela Diretiva 2013/36/UE e pelo Regulamento (UE) n.º 575/2013, bem como fora do setor dos seguros, não sendo, nem podendo ser, por isso, considerada como uma “instituição financeira.”
  • Invoca a seu favor as decisões do CAAD proferidas, designadamente, nos processos do CAAD nºs 565/2020-T [em que foi Requerente o mesmo sujeito passivo] e 611/2023-T.1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos e tempo regulamentares.
  1. À luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  2. As Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  3. Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 11 de novembro de 2023.
  4.  A AT juntou cópia do processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.
  5.  Apesar de notificadas para o fazer, nenhuma das partes apresentou alegações finais escritas.

 

Saneamento

 

  1.  As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  2. O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado.
  3. Este tribunal é materialmente competente.
  4. Não ocorrem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

II - Fundamentação – Os Factos

 

Factos provados

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, consideram-se assentes ou provados os seguintes factos:

 

  • A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), estando sujeita ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, (RJSGPS), tendo por objeto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
  • Na prossecução do seu objeto social, e no âmbito da atividade que desenvolve, a Requerente tem vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito (cfr. Doc. 2 do ppa).
  • Sobre as referidas operações financeiras, nomeadamente sobre a utilização de crédito em virtude da sua concessão e sobre as respetivas comissões e juros, incidiu Imposto do Selo, nos termos da Verba 17 da TGIS.
  • Neste contexto, as instituições de crédito, na qualidade de sujeitos passivos, liquidaram à Requerente e entregaram o Imposto do Selo respeitante àquelas operações de financiamento, conforme quadro-síntese que segue:

 

A..., SGPS, S.A.

Instituição de crédito

Período

Guia da Declaração Mensal de Imposto do Selo (n.º)

Natureza do Gasto

Valor de Imposto (€)

Bank of China

jan/21

...

Juros

1 037,50

fev/21

...

Juros

956,67

mar/21

...

Juros

1 080,00

abr/21

...

Juros

1 033,33

mai/21

...

Juros

921,67

jun/21

...

Juros

1 072,50

jul/21

...

Juros

962,50

ago/21

...

Juros

899,86

set/21

...

Juros

888,02

out/21

...

Juros

819,65

nov/21

...

Juros

892,22

dez/21

...

Juros

825,00

Subtotal Bank of China

11 388,92

CCAM

fev/21

...

Comissão

762,50

ago/21

...

Comissão

758,33

Subtotal CCAM

1 520,83

CGD

ago/21

...

Juros/Comissão

10 023,41

ago/21

...

Juros/Comissão

10 017,22

dez/21

...

Comissão

2 592,17

mar/21

...

Utilização de crédito

137 250,00

jun/21

...

Juros/Comissão

10 248,17

dez/21

...

Juros/Comissão

19 128,75

Subtotal CGD

189 259,72

Caixa BI

jan/21

...

Comissão

200,00

jul/21

...

Comissão

200,00

Subtotal Caixa BI

400,00

Montepio Geral

nov/21

...

Comissão

1 400,00

jan/21

...

Comissão

3 323,81

Subtotal Montepio Geral

4 723,81

Montepio Investimento

jan/21

...

Comissão

6 008,00

Subtotal Montepio Investimento

6 008,00

Novo Banco

mar/21

...

Juros

2 000,00

dez/21

...

Utilização de crédito / Comissão

104 000,00

Subtotal Novo Banco

106 000,00

Santander

jan/21

...

Comissão

330,75

abr/21

...

Comissão

302,58

jul/21

...

Comissão

276,00

out/21

...

Comissão

249,10

Subtotal Satander

1 158,43

Millenium BCP

abr/21

...

Comissão

22,50

mai/21

...

Comissão

15,55

jul/21

...

Comissão

22,50

nov/21

...

Comissão

22,50

fev/21

...

Comissão

38,06

Subtotal Millenium BCP

121,11

Total

320 580,82

 

 

 

  • A Requerente, entendendo que se enquadra no conceito de “instituição financeira”, apresentou reclamação graciosa em 20-1-2023 com vista a que lhe fosse reconhecido o direito à isenção de imposto do selo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, al. e) do CIS, com a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados.
  • Indeferida a sobredita reclamação, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 31-8-2023

 

Factos não provados

  1. Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

Motivação

  1. Relativamente à matéria de facto assinale-se, lembrando, que o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o(s) pedido(s) formulado(s) pelo autor [(cfr. artigos 596.º, nº 1 e 607.º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123.º, nº 2 do CPPT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC); somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 
  3. Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nomeadamente o assinalado supra e que  não foi impugnado, incluindo-se aí a cópia do PA junta pela AT,  bem como nas posições assumidas pelas partes neste litígio cujo objeto fundamental é, como melhor se verá infra, essencialmente de direito: trata-se da  a questão de saber se a Requerente está ou estava à datas dos atos tributários em causa, abrangida pelo regime de isenção de imposto de selo previsto no artigo 7º-1/e), do Código do Imposto do Selo [ “(...)isenção de imposto nos juros e comissões cobrados e utilização de crédito concedido por  instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras  a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária(...)]”.

 

Fundamentação (cont): O Direito

  1. A questão essencial que constitui o thema decidendum reconduz-se, como já se deixou assinalado, em saber se a Requerente reúne os requisitos legais necessários, previstos no artigo 7º-1/e), do Código do Imposto do Selo, caso em que seriam ilegais as liquidações a que aludem os autos e o ato de indeferimento da reclamação graciosa.
  2. Em causa, por conseguinte, a interpretação e aplicação da isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.

Vejamos:

  1. A redação pertinente, que se encontrava em vigor à data dos factos, foi introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro. Aí se dispõe:  “1 - São também isentos do imposto:  […] e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças; […]”
  2. Atente-se em que a norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS tem subjacente um elemento de natureza objetiva, atinente às operações abrangidas pela isenção, e um elemento de natureza subjetiva, que se subdivide em três requisitos referentes às entidades que intervêm nessas operações.
  3. No que concretamente respeita ao presente caso, encontra-se preenchido o âmbito objetivo da norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, na medida em que as liquidações de IS em crise incidiram sobre operações de financiamento e respetivos juros, comissões e garantias associadas.
  4. Relativamente ao elemento subjetivo da referida isenção, as operações a que respeita o IS cuja liquidação é objeto dos presentes autos têm como intervenientes entidades fiscalmente residentes em Estados Membro da União Europeia e não num território com regime fiscal privilegiado.
  5. No que diz respeito ao requisito subjetivo relativo às entidades que concederam os créditos, note-se que as entidades que no caso em apreço concederam crédito e cobraram juros e comissões são instituições de crédito[2]4.
  6. Assim, na medida em que, no presente caso, os créditos foram concedidos por bancos ou entidades financeiras, previstos no artigo 3.º, alíneas a) e c), do RGICSF, não restam dúvidas de que se qualificam como instituições de crédito para efeitos do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, encontrando-se, portanto, verificado o requisito subjetivo da isenção relativo às entidades que concederam os créditos.

 

  1. Finalmente haverá que verificar o requisito subjetivo referente à entidade destinatária do crédito
  2. Será então que a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS - que abrange operações que tenham como destinatárias sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objeito preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária -, inclui a Requerente, equiparando-a a uma instituição financeira, como pretende a Requerente?
  3. Vejamos os factos provados:

        A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), estando sujeita ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, (RJSGPS), tendo por objeto a gestão de participações sociais em outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

        Na prossecução do seu objeto social, e no âmbito da atividade que desenvolve, a Requerente tem vindo a recorrer a financiamento junto de diversas instituições de crédito (cfr. doc 2 do ppa).

         Sobre as referidas operações financeiras, nomeadamente sobre a utilização de crédito em virtude da sua concessão e sobre as respetivas comissões e juros, incidiu Imposto do Selo, nos termos da Verba 17 da TGIS.

  1. Terá então enquadramento legal, designadamente para efeitos de beneficiar da sobredita isenção em IS, a equiparação da Requerente, com este perfil, a uma instituição financeira?
  2. Vejamos, aderindo no essencial, às considerações tecidas nos acórdãos5 proferidos nos Procs. CAAD nºs 37/2020-T,  559/2020-T,565/2020-T, 611/2023-T, 348/2016-T, 633/2016-T, n.º 667/2016-T, de 20 de junho de 2017 , 9/2017-T, de 30 de agosto e/2017-T, todos publicados em www.caad.org.pt. e, sobretudo à recente jurisprudência uniformizadora do STA na sequência e em consequência de acórdão do TJUE em sede de reenvio prejudicial e a que se fará mais desenvolvida referência infra.
  3. Assim, será de assinalar, desde logo, que na  Lei portuguesa não se encontra, que conheçamos,  uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o citado  Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3º), “Empresas de investimento” (artigo 4º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6º), e, no artigo 6º, nº1, alínea b) refere que são instituições financeiras as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”
  4. Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito Europeu.
  5. Assim é que, nos termos e para os efeitos do Regulamento (EU) nº 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, entende-se por “Instituição Financeira”: “uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU3, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamentos na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13  de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamentos no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.o, n.o1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE.”
  6. No ponto 27) do artigo 4º do  Regulamento (UE) n.o 575/2013, uma “Entidade do setor financeiro” compreende: a)  Uma instituição; b)  Uma instituição financeira; c)  Uma empresa de serviços auxiliares incluída na situação financeira consolidada de uma instituição; d)  Uma empresa de seguros; e)  Uma empresa de seguros de um país terceiro; f)  Uma empresa de resseguros; g)  Uma empresa de resseguros de um país terceiro; h)  Uma sociedade gestora de participações do setor dos seguros; i)  (...)”.
  7. Do legislador da União retira-se que uma instituição financeira é uma empresa que não seja uma “instituição” (ou seja, uma instituição de crédito ou empresa de investimento – artigo 4º, nº1, 3), e cuja atividade principal seja a gestão de participações sociais em empresas que desenvolvam atividades no setor bancário e financeiro (as atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/UE).4
  8. Elemento não menos importante reside no facto de tais entidades ficarem sujeitas ao regime jurídico desta Diretiva e do Regulamento (UE) nº 575/2013
  9. As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são, por sua vez, reguladas pelo disposto no Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro. Este DL define o regime jurídico das SGPS’s, que devem conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objeto social.
  10. As sociedades gestoras de participações sociais têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.
  11. Não se identifica no regime jurídico das SGPS’s, que as mesmas tenham uma atividade económica direta. Tal, aliás, como, no caso sub juditio, ficou demonstrado.
  12. Quanto à forma de constituição das SGPS’s, refira-se que não há dependência de qualquer autorização prévia, embora se estabeleça o dever de comunicação, enquanto a forma de fiscalização fica limitada à verificação da manutenção dos requisitos que a lei exige para a definição do seu tipo e para a atribuição dos benefícios de natureza fiscal, sendo a Inspeção-Geral de Finanças, a entidade a quem compete a supervisão das SGPS’s, nos termos dos artigos 9.° e 10.° do Regime Jurídico das SGPS.
  13. Deste modo, a criação de SGPS’s não obedece às mesmas regras que obedecem a constituição de instituições financeiras, pois é, na sequência do Direito Europeu mencionado, que o RGICSF estabelece, em Portugal, as condições de acesso e de exercício de atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, bem como o exercício da supervisão destas entidades, respetivos poderes e instrumentos.
  14. Com se viu, o exercício da atividade financeira em Portugal encontra-se reservado às entidades para tal autorizadas ou habilitadas pelo Banco de Portugal, no quadro do regime do Mecanismo Único de Supervisão (cfr. Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito e Regulamento (UE) n.o 468/2014 do Banco Central Europeu de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (MUS).
  15. Finalmente, como aliás se pode ler na decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T6, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF) (...)”
  16. Tal como nas decisões proferidas nos citados processos CAAD nºs 37/2020-T e 559/2020-T, também podemos concluir neste processo que “(...)  que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF (...)”.
  17. Ou seja: “(...) não é possível extrair regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".
  18. “A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.
  19. Daí que não ocorra, in casu, a  violação de lei invocada pela Requerente  (i) não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento, (ii) mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

O acórdão proferido pelo “Pleno” do STA, no processo nº 0118/20.3BALSB e Acórdão do TJUE de 26-10-2023 – Procs. nºs C-207/22, C-267/22 e 290/22

 

  1. Na medida em que foi confrontado com conceitos de direito da UE  - no caso, dúvidas sobre a interpretação do conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013 -  o STA, no processo nº 0118/20.3BALSB que tinha como objeto a apreciação de recurso de acórdão arbitral proferido no processo CAAD nº 856/2019-T, suscitou a interpretação do TJUE através do mecanismo do reenvio prejudicial.
  2. A decisão do TJUE foi proferida em 26-10-2023 e, na sequência e em consequência da mesma, o STA proferiu, no sobredito processo nº 0118/20.3BALSB,  acórdão uniformizador de jurisprudência considerando, em síntese, conforme sumário dessa decisão, com sublinhado nosso,  que “(...)(i)  os artigos 3.°, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 e 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta Diretiva e deste Regulamento; (ii) Uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, que tem como único objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem atividade no setor financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artigo 7.º, n.º 1 al. e) do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjetivamente, no conceito de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013 (...)”.
  3. Tal como assinala o STA no mencionado acórdão, (...) tendo presente o teor do acórdão proferido no processo C-290/22, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia há que reconhecer que a Recorrente não detém, para efeitos do preceituado no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013, a qualidade de instituição financeira. Efectivamente, no mencionado acórdão, veio o TJUE esclarecer que:

«54 Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.55 O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende-se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

56 Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

57 A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C-290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.58 Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

59 Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

60 Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.61 Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa-mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro,

62 Afigura-se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

63 Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

64 No entanto, como a advogada-geral salientou no n.°41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

65 Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

66 Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado-Membro.

67 Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado-Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

68 Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

69 Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

70 Mais precisamente resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira-mãe ou da companhia financeira mista-mãe.

71 Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

72 Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

73 Ora, resulta do artigo 36.°, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

74 As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa,

75 Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

76 Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

77 Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

78 Do mesmo modo, o artigo 117,°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados-Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

79 Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

80 Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.».

 

  1. Em suma, o TJUE entende que:
  1. da letra da lei (artigos 3.º, n.º 1, ponto 22 da Diretiva e 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento) resulta que o legislador da União Europeia não quis que o exercício direto de uma das atividades previstas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36, fosse o critério de definição do conceito de instituição financeira na aceção do Regulamento n.º 575/2013 (pontos 54. a 64.);
  2. o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União Europeia definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do sector financeiro (pontos 65. a 78.);
  3. resulta do artigo 1.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento que estes atos têm por objetivo definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento;
  4. também decorre do considerando 5 da Diretiva e do considerando 14 do Regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no sector das instituições de crédito (ponto 79.).

 

  1. Destes elementos interpretativos há que concluir que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o sector financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013 (ponto 80).
  2. Ora quer o dever de aderir às decisões do TJUE em matéria de interpretação do direito de génese europeia quer, por outro lado, o dever especial dos Tribunais seguirem a jurisprudência uniforme fixada, no caso, pelo STA, não pode deixar de seguir ou aderir a essa jurisprudência.
  3. Concluindo-se assim pela total improcedência do pedido pela não consideração da Requerente – uma SGPS - como instituição financeira para efeitos da isenção prevista no artigo 7º

 

III – Decisão

 

Em face de tudo o quanto antecede, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações de Imposto do Selo e do ato de indeferimento da reclamação graciosa supra identificados e
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo atento o seu total decaimento.

 

Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em EUR 320.580,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em EUR 5.508,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, conforme condenação supra, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

  • Registe e notifique-se, incluindo o Ministério Público.

Lisboa, 4 de maio de 2024.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

(Árbitro-Presidente)

 

 

Vítor Braz

(Árbitro Adjunto)

 

 

Jorge Bacelar Gouveia

(Árbitro Adjunto)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

 



1 Vide n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 23.º, ambos do CIS.

 

2 Vide alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS: “considera-se titular do interesse económico (…) na concessão do crédito, o utilizador do crédito”.

 

3 Cfr. acórdãos arbitrais proferidos no âmbito dos processos n.º 911/2019-T, de 05/09/2020; 819/2019-T, de 06/11/2020; 836/2019-T, de 04/11/2020; 110/2020-T, de 18/11/2020; 819/2019-T, de 06/11/2020, 3/2020-T, de 20/01/2021; 502/2020-T, de 04/06/2021; 542/2020-T, de 14/07/2021; 72/2021-T, de 15/11/2021; 81/2021-T, de 09/09/2021; 443/2021-T, de 21/02/2022; e 598/2021-T, de 22/02/2022.

 

4 Nos termos dos artigos 2.º-A, alínea w), e 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”):

  • Artigo 2.º-A, alínea w), do RGICSF:

«”Instituição de crédito”, a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria».

  • Artigo 3.º do RGICSF:

«São instituições de crédito:

a) Os bancos;

b) As caixas económicas;

c) A Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo;

d) As instituições financeiras de crédito;

e) As instituições de crédito hipotecário;

[…]

k) Outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei».

 

5 É abundantíssima a Jurisprudência sobre esta matéria.

6 Estas e as demais decisões arbitrais citadas encontram-se publicadas em www.caad.org.pt