SUMÁRIO:
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Para efeitos da determinação do prazo máximo de um ano das operações financeiras abrangidas pela isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo, o que releva é a duração das efectivas utilizações do crédito efectuadas ao abrigo do contrato de cash pooling, determinada pelo intervalo compreendido entre a concessão do crédito e o respectivo reembolso.
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A não aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea h), do Código do Imposto do Selo às situações em que o devedor não tem sede ou direcção efectiva em Portugal mas sim noutro Estado-Membro da União Europeia, constitui uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais tutelada pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Cristina Aragão Seia e Francisco Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) por referência aos períodos entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022, no montante total de € 71.356,35, que foram dele objecto.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 31 de Agosto de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 20 de Outubro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 8 de Novembro de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
5. Em 12 de Dezembro de 2023, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, defendendo-se por impugnação e requerendo a sua absolvição de todos os pedidos.
6. Em 2 de Janeiro de 2024, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações finais, direito que ambas exerceram em 22 de Janeiro de 2024, onde reafirmaram as posições já anteriormente expressas.
II. SANEAMENTO
7. O Tribunal Arbitral colectivo é materialmente competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos dos artigos 2.º, 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
8. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade de direito português, residente para efeitos fiscais em Portugal;
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A B... (“B...”) é uma sociedade de direito italiano, residente para efeitos fiscais na Itália, titular do número de identificação fiscal português ...;
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Em 31 de Outubro de 2008, a Requerente, ainda sob a designação C..., S.A., celebrou com a B... um contrato de gestão centralizada de tesouraria (“cash pooling”), nos termos do qual ficou obrigada a transferir diariamente os excedentes de tesouraria apurados na conta bancária local para um conta de pool gerida por esta última enquanto entidade centralizadora (“pool leader”) do Grupo D...;
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Dada a quantidade de movimentos realizados numa base diária na sua conta bancária, de forma a efectuar a análise dos fluxos financeiros gerados no âmbito do cash pooling a Requerente promove uma análise mensal dos movimentos totais a débito e a crédito reconhecidos contabilisticamente na conta de cash pooling;
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Entre Janeiro de 2020 e Agosto de 2022, a Requerente concedeu os seguintes empréstimos no âmbito do contrato de cash pooling:
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Janeiro de 2020: € 3.974.839,65
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Fevereiro de 2020: € 2.337.300,60
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Março de 2020: € 1.575.603,52
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Abril de 2020: € 1.128.082,42
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Maio de 2020: € 1.902.092,44
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Junho de 2020: € 2.436.824,67
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Julho de 2020: € 3.870.335,12
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Agosto de 2020: € 1.521.063,09
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Setembro de 2020: € 3.947.109,54
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Outubro de 2020: € 2.750.905,69
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Novembro de 2020: € 2.239.574,55
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Dezembro de 2020: € 4.261.943,20
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Janeiro de 2021: € 2.638.861,74
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Fevereiro de 2021: € 560.764,35
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Março de 2021: € 1.669.263,00
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Abril de 2021: € 2.348.183,43
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Maio de 2021: € 3.514.481,24
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Junho de 2021: € 2.439.325,89
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Julho de 2021: € 2.973.086,88
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Agosto de 2021: € 3.123.880,26
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Setembro de 2021: € 2.880.452,67
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Outubro de 2021: € 1.318.459,36
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Novembro de 2021: € 3.395.083,58
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Dezembro de 2021: € 2.722.511,50
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Janeiro de 2022: € 3.582.844,28
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Fevereiro de 2022: € 2.978.129,22
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Março de 2022: € 2.941.787,80
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Abril de 2022: € 2.730.366,86
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Maio de 2022: € 2.250.297,46
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Junho de 2022: € 2.240,437,96
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Julho de 2022: € 3.027.602,76
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Agosto de 2022: € 2.547.767,07;
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Em 31 de Dezembro de 2019, a conta de cash pooling da Requerente apresentava um saldo devedor no balancete (activo) no valor de € 11.556.026,62;
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Entre Janeiro de 2020 e Agosto de 2022, a B... procedeu aos seguintes reembolsos à Requerente no âmbito do contrato de cash pooling:
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Janeiro de 2020: € 4.239.086,87
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Fevereiro de 2020: € 2.756.954,12
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Março de 2020: € 3.372.014,46
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Abril de 2020: € 2.503.720,25
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Maio de 2020: € 3.185.709,89
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Junho de 2020: € 3.098.814,91
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Julho de 2020: € 2.070.252,08
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Agosto de 2020: € 1.869.896,19
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Setembro de 2020: € 1.557.186,48
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Outubro de 2020: € 3.497.109,01
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Novembro de 2020: € 4.183.695,43
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Dezembro de 2020: € 2.819.745,80
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Janeiro de 2021: € 3.148.644,03
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Fevereiro de 2021: € 3.154.342,84
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Março de 2021: € 1.259.882,60
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Abril de 2021: € 2.590.800,89
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Maio de 2021: € 1.978.637,95
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Junho de 2021: € 3.426.043,02
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Julho de 2021: € 3.062.199,25
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Agosto de 2021: € 2.347.777,87
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Setembro de 2021: € 1.168.933,03
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Outubro de 2021: € 2.547.339,39
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Novembro de 2021: € 3.477.967,07
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Dezembro de 2021: € 2.525.445,69
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Janeiro de 2022: € 3.340.329,99
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Fevereiro de 2022: € 3.623.518,07
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Março de 2022: € 2.277.197,12
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Abril de 2022: € 2.518.389,39
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Maio de 2022: € 3.479.543,98
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Junho de 2022: € 2.805.618,04
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Julho de 2022: € 3.440.668,60
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Agosto de 2022: € 2.526.218,06;
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Entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022 o capital social da Requerente foi detido, directa ou indirectamente, em mais de 75%, pela sociedade italiana E..., que em 31 de Dezembro de 2021 foi fundida por incorporação na B...;
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A Requerente procedeu às liquidações de Imposto do Selo com os n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., correspondentes ao período de Setembro de 2020 a Agosto de 2022, no montante total de € 71.356,35, que foi integralmente pago;
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Em 13 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra aquelas liquidações, que foi tramitada sob o n.º ...2022...;
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A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição relativamente à proposta de indeferimento da reclamação graciosa com a seguinte fundamentação:
“V - ANÁLISE DO PEDIDO
A questão em apreço prende-se com o enquadramento das operações de gestão centralizada de tesouraria, vulgo cash-pooling.
Assim, sendo como tal qualificadas, nos termos do CIS e respetiva TGIS, estas operações de tesouraria, constituem operações financeiras dado que a relação jurídica estabelecida entre as sociedades credoras e devedoras do capital e juros e a sociedade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo.
Tal como refere a própria Reclamante, as transferências dos saldos excedentários da sua conta bancária para a conta bancária da sociedade centralizadora constituem uma concessão e utilização de crédito e as transferências em sentido inverso, isto é, da conta bancária da sociedade centralizadora para a sua conta bancária, consubstanciam obtenção e utilização de crédito.
Pelo que, constituindo operações financeiras que se consubstanciam na utilização de crédito em virtude da sua concessão, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do Imposto do Selo, por força do n.º 1 do art.º 1.º do CIS e da verba 17.1 da TGIS.
No entanto, nos termos da al. h) d nº 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31-03, são isentos de imposto “Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.
Ora, o reconhecimento e concessão da isenção está condicionado ao seguinte:
Por um lado, o nº 8 do mesmo preceito legal dispõe que “(…) para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.”
Por outro lado, dispõe o nº 2 do mesmo preceito legal, na redação vigente à data dos factos, que “O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.”
Pelo que, tendo em conta as referidas normas, conclui-se que o benefício da isenção depende cumulativamente do preenchimento dos seguintes pressupostos:
a) Da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento;
b) Do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso que não deve ultrapassar um ano;
c) Da relação societária existente entre as sociedades participantes no contrato de gestão centralizada de tesouraria – relação de domínio ou de grupo;
d) Da verificação das limitações impostas pelos n.º 2 e nº 3 do mesmo artigo.
Assim, cumpre aferir se os referidos requisitos se verificam no caso concreto:
a) DA EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE GESTÃO CENTRALIZADA DE TESOURARIA
Este pressuposto encontra-se verificado dado que foi celebrado Contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria ao qual a ora Reclamante aderiu em 31-10-2008.
b) DO PRAZO DA OPERAÇÃO FINANCEIRA
Relativamente a este pressuposto, a Requerente afirme que os empréstimos são efetuados por períodos mínimos de 3 meses, e, como se pode verificar no documento anexo 3 da reclamação graciosa, intitulado “Empréstimo de gestão centralizada de Tesouraria entre A... SA e B... S.p.A”, verificamos que os empréstimos concedidos foram reembolsados num prazo inferior a um ano.
No entanto, não basta afirmar que os fluxos financeiros, de e para a Reclamante, não terão um prazo de reembolso superior a um ano para poder beneficiar da isenção.
Com efeito, para que a isenção funcione há que apurar relativamente a cada empréstimo, a cada fluxo financeiro, tanto a data da utilização do crédito em virtude da sua concessão como a data do respetivo reembolso. O prazo de utilização não superior a um ano corresponde ao prazo de utilização efetivo, pelo que, só após a restituição dos créditos concedidos se poderá confirmar o preenchimento deste pressuposto da isenção.
Assim, recairá sobre a ora Reclamante o ónus da prova, nos termos do art.º 74.º da LGT, devendo apresentar, para além dos elementos contabilísticos, os extratos bancários que devem conter de forma detalhada os movimentos das contas das sociedades participantes, de e para a conta centralizadora, documentos comprovativos dos fluxos financeiros.
c) DA RELAÇÃO SOCIETÁRIA EXISTENTE ENTRE AS SOCIEDADES PARTICIPANTES NO CONTRATO DE GESTÃO CENTRALIZADA DE TESOURARIA
No que diz respeito ao requisito da relação de domínio ou grupo, tal como definida no nº 8 do art.º 7.º do CIS, existe quando uma sociedade dominante detenha, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
Realça-se que esta norma aponta apenas para as relações “verticais”, diretas ou indiretas, estabelecidas entre “sociedades-mães” ou “dominantes” e “sociedades-filhas” ou “dominadas”, deixando de fora as relações “horizontais” estabelecidas entre “sociedades-irmãs”, ainda que sob domínio e controlo comuns.
No entanto, constitui entendimento da AT que, para efeitos da isenção prevista na al. h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, o conceito de “relação de grupo”, constante do n.º 8 daquele artigo, deverá ser interpretado no sentido de abranger também as relações “horizontais”, isto é, as relações estabelecidas entre “sociedades-irmãs” sob domínio e controlo comuns relativamente às quais se verifique, direta ou indiretamente, o nível de participação e controlo previsto na norma – ou seja, pelo menos 75% do capital e mais de 50% dos direitos de voto, se mantidos por mais de um ano –, não se limitando essa “relação de grupo” às relações “verticais” estabelecidas entre “sociedades-mães” e “sociedades-filhas”, já compreendidas no conceito de “relação de domínio”.
Ora, no caso em apreço, não se encontra comprovada esta relação de domínio ou de grupo, devendo a reclamante se assim o entender, apresentar o Contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria cumprindo assim o disposto no art.74º da LGT de que “o ónus da prova recai sobre quem o invoque”.
d) LIMITAÇÕES À APLICAÇÃO DA ISENÇÃO DA ALÍNEA H) DO N.º 1 DO ARTIGO 7.º DO CIS IMPOSTAS PELO N.º 2 E Nº 3 DO MESMO PRECEITO LEGAL
Alega a ora Reclamante que o afastamento da isenção nas situações em que o devedor tenha sede ou direção efetiva num Estado-Membro constitui, inequivocamente, uma restrição a liberdade de movimentos de capitais no sentido do nº 1 do art.º 63.º do TFUE.
Ora, cumpre informar que embora, na primeira parte do n.º 2 do art.º 7.º do CIS, o Legislador pareça ter pretendido circunscrever o âmbito da isenção da al. g) do n.º 1 às operações financeiras efetuadas com intervenção de sociedades residentes, ao afastar as operações financeiras em que qualquer dos intervenientes – participante ou participada – não tenha a sede ou direção efetiva em território português, verificou-se que essa intenção acabou por não se concretizar integralmente, acabando por abrir a possibilidade de a isenção subsistir quando o credor tenha a sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia.
Mais se informa que o direito à isenção apenas não subsiste caso o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.
Salienta-se que o facto tributário é a concessão do crédito, pressuposto da posterior utilização, e que são as entidades concedentes de crédito que têm a obrigação de promover a liquidação do imposto e respetivo pagamento, nos termos da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º do CIS, sendo estes os sujeitos passivos de imposto. Com efeito, nos contratos de cash pooling, o IS recai diretamente sobre os credores e não sobre os devedores.
Cumpre ainda referir que a transferência de fluxos financeiros operados por credor / mutuante residente, para devedor / mutuário não residente, no âmbito do acordo de “cash pooling”, não beneficiava da isenção de imposto do Selo, face ao disposto o n.º 2 do artigo 7.º do CIS, na redação em vigor na data das liquidações.
Com efeito, e em cumprimento do Princípio da Primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional e do Princípio da Livre Circulação de Capitais, garantido pelo art.º 63.º do TFUE, apenas com a redação atual do nº 2 do art.º 7.º do CIS dada pela Lei nº 12/2022, de 27 de junho, passou a estar abrangido quer o credor, quer o devedor, que tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal.
Mais se informa que o disposto na al. h) do nº 1 do art.º 7.º do CIS também não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, nos termos do nº 3 do art.º 7.º do CIS.
Não obstante o referido, e independentemente da residência fiscal dos intervenientes, quer credor, quer devedor, a existência de um sistema de cash-pooling através de um contrato que o consagre, o qual constitui uma mera forma jurídica, não demonstra, per si, que se encontram preenchidos os referidos pressupostos, pelo que, não sendo feita a demonstração efetiva dos requisitos, tal impede a operacionalidade da isenção.
Assim, poderá a ora Reclamante, querendo, juntar todos os documentos comprovativos do alegado e da verificação dos requisitos acima enunciados, em sede de exercício do direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º da LGT.
Juros indemnizatórios
Mais se informa que, por não se verificaram os requisitos previstos no art.º 43.º da LGT, não assiste à ora reclamante, direito a juros indemnizatórios.
VI – CONCLUSÃO
Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se o INDEFERIMENTO da reclamação, de acordo com a presente informação.”;
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Em 4 de Abril de 2023, a Requerente exerceu o direito de audição prévia e disponibilizou à AT extractos bancários por referência ao período compreendido entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022, declarações do registo central do beneficiário efectivo (“RCBE”) de 2019 e 2022, bem como o comprovativo da fusão por incorporação da E... SPA na B... SPA;
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A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, por ofício da Direcção de Finanças de Lisboa recepcionado em 2 de Junho de 2023, no qual consta a seguinte fundamentação:
III – ANÁLISE E PARECER
A questão em apreço prende-se com o enquadramento das operações de gestão centralizada de tesouraria, vulgo cash-pooling.
Como já referido em sede de reclamação graciosa, tendo em conta o disposto na alínea h) do nº1 do art.7º do CIS, conclui-se que o benefício da isenção depende cumulativamente do preenchimento dos seguintes pressupostos:
a) Da existência de um contrato de gestão centralizada de tesouraria que regule o seu modo e condições de funcionamento.
Este pressuposto encontra-se verificado dado que foi celebrado Contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria ao qual a ora Reclamante aderiu em 31-10-2002.
b) Do prazo da operação financeira, isto é, o prazo que medeia a transferência dos fundos e o seu reembolso que não deve ultrapassar um ano.
A reclamante apresentou extratos bancários por forma a comprovar que relativamente a cada empréstimo, cada fluxo financeiro tem um prazo de utilização não superior a um ano desde a data da utilização do crédito até à data do respetivo reembolso.
No entanto, após análise dos extratos não nos é possível aferir com exatidão quais os movimentos que refletem as operações de cash pooling nem relativamente a essas operações quais as datas da utilização de crédito e respetivo reembolso.
Pelo que, não podemos considerar como validado este requisito.
c) Da relação societária existente entre as sociedades participantes no contrato de gestão centralizada de tesouraria – relação de domínio ou de grupo
No que diz respeito ao requisito da relação de domínio ou grupo, tal como definida no nº 8 do art.º 7.º do CIS, existe quando uma sociedade dominante detenha, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
Para comprovar este requisito, a reclamante apresenta a declaração de registo central do beneficiário efetivo entregue no período de 2019 que comprova que a reclamante era diretamente detida pela E... S.p.A. e indiretamente detida pela B... S.p.A e que no período de 2022 a reclamante passou a ser detida diretamente, em mais de 75% pela B... S.p.A. uma vez que a 22-11-2021 foi efetuada uma operação de fusão da E... S.p.A. na B... S.p.A.
No entanto, após análise dos documentos apresentados, verifica-se que está descrito uma percentagem no capital social de 12% que não permite validar este requisito e aceitar a pretensão da reclamante nesta parte (cf. Páginas 5568 a 5573 do D.A.).
d) Da verificação das limitações impostas pelos n.º 2 e nº 3 do mesmo artigo.
Relativamente a este ponto, independentemente da residência fiscal dos intervenientes, quer credor, quer devedor, a existência de um sistema de cash-pooling através de um contrato que o consagre, o qual constitui uma mera forma jurídica, não demonstra per si que se encontram preenchidos os referidos pressupostos, pelo que, não sendo feita a demonstração efetiva dos requisitos, tal impede a operacionalidade da isenção.
No que diz respeito ao pedido efetuado pela ora Reclamante no sentido de ser notificado para apresentar a documentação adicional que for considerada pertinente e relevante para a boa aplicação do Direito, ao abrigo do Princípio da Colaboração, previsto no art.º 59.º da LGT, informa-se que, sempre que a Reclamante invoque a aplicação da isenção por considerar que estão reunidos os respetivos pressupostos, deve estar em condições de o demonstrar à AT, de acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 14.º e no n.º 1 do art.º 74.º, ambos da LGT.
Ora, analisados os documentos enviados pela reclamante em sede de direito de audição para validação dos requisitos necessários à aplicação da isenção prevista no art.7º do CIS, verificamos que estes não se mostram suficientes para aplicação da referida isenção, pelo que afigura-se-nos ser de manter as liquidações reclamadas.
Também não se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 43º da LGT, pelo que, não assiste direito a juros indemnizatórios.
Refere-se ainda, que consultado nesta data o sistema SICJUT, não se verifica a interposição de qualquer impugnação judicial.
VI – CONCLUSÃO
Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se o INDEFERIMENTO da reclamação, de acordo com a presente informação.”;
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Em 31 de Agosto de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
§2 – Factos não provados
9. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham consideram provados.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
10. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
12. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA e respectiva prova junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
13. No que concerne à matéria relacionada com os empréstimos concedidos e prazo dos respectivos reembolsos, elencada nas alíneas d) a f) da factualidade provada, considerou o Tribunal Arbitral que a mesma se encontrava devidamente alicerçada nos extractos bancários disponibilizados pela Requerente como documento n.º 3, aquando do exercício do direito de audição prévia, que constam das páginas 140-1422 do PA1 e das páginas 1-3770 do PA2, bem como do quadro-resumo disponibilizado pela Requerente como documento n.º 3, entregue em conjunto com o pedido de reclamação graciosa, que consta das páginas 81-85 do PA1.
14. Além disso, a AT não colocou em causa o contrato de cash pooling nem os movimentos financeiros que dele resultam, elencados nas alíneas b) e d) a f) dos factos provados, que inclusive representam os montantes sujeitos a Imposto do Selo. Isto sem contar que a AT não produziu qualquer prova que directamente ou conjugada com outra permitisse a formulação de um juízo negativo sobre a veracidade dos factos alegados pela Requerente que foram suportados pela prova documental produzida.
15. Já no que respeita à matéria referente à relação societária existente entre a Requerente e a B... SPA, elencada na alínea g) da factualidade provada, considerou o Tribunal Arbitral que a percentagem e o modo de detenção estão suportados pelas declarações do RCBE de 2019 e 2022 e pelo comprovativo da fusão por incorporação da E... SPA na B... SPA, juntos como documentos n.ºs 4 a 6, no âmbito do exercício do direito de audição prévia, que constam das páginas 3771-3782 do PA2 e das páginas 1-4 do PA3, bem como pelo registo de valores mobiliários da Requerente junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral como documento n.º 2.
16. Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
17. No presente processo discute-se a aplicabilidade da isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do Código de Imposto do Selo (“CIS”) às operações de concessão e utilização de crédito realizadas, entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022, no âmbito do contrato de cash pooling descrito na alínea b) da matéria de facto provada, que foram previamente sujeitas a tributação por aplicação da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”).
18. Enquanto ponto de partida, e para o que aqui importa, fixa-se o regime jurídico vigente à data dos factos:
Código do Imposto do Selo
“Artigo 7.º
Outras isenções
1 - São também isentos do imposto:
(…)
h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;
(…)
2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direcção efectiva no território nacional, com excepção das situações em que o credor tenha sede ou direcção efectiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.
3 - O disposto nas alíneas g), h) e i) do n.º 1 não se aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
(…)
8 - Sem prejuízo do estabelecido nos n.ºs 2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do n.º 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
Tabela Geral do Imposto do Selo
“17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 0,04%”
19. Das normas acabadas de citar resulta que as operações de crédito praticadas no âmbito de contratos de cash pooling sujeitas a tributação pela verba 17.1.4 da TGIS, apenas ficam abrangidas pela isenção de tributação prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS se cumprirem os seguintes pressupostos de verificação cumulativa:
-
Existência de um contrato de cash pooling ao abrigo do qual são concedidos empréstimos;
-
Reembolso dos empréstimos antes do decurso de um ano sobre a data da respectiva concessão;
-
Existência de relação de domínio ou grupo entre as sociedades visadas, expressa pela detenção directa ou indirecta, há mais de uma ano, de 75% do capital social da sociedade dominada pela dominante, que confira mais de 50% dos direitos de voto;
-
Sede ou direcção efectiva dos intervenientes no território nacional ou, em alternativa, sede do devedor no território nacional e sede do credor em Estado-Membro da União Europeia ou noutro Estado que tenha celebrado com Portugal um acordo para evitar a dupla tributação e que não conste da Portaria que estabelece os territórios sujeitos a regime fiscal privilegiado.
20. Da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima transcrita resulta que, no entender da AT, a Requerente apenas logrou provar a existência de um contrato de cash pooling, não tendo demonstrado a verificação dos demais pressupostos de que depende a aplicação da isenção. Cumpre então analisar cada um deles individualmente.
21. Relativamente ao prazo de reembolso dos créditos concedidos ao abrigo do contrato de cash pooling entendeu a AT que os extractos bancários juntos pela Requerente não permitiam identificar e distinguir quais os movimentos de cash pooling praticados, por um lado, nem quais as concretas datas de utilização e reembolso dos créditos, por outro lado.
22. Relativamente ao primeiro argumento, verifica-se que nos extractos bancários juntos aos autos é possível identificar e individualizar quais os movimentos bancários referentes às operações de crédito realizadas com a B... SPA enquanto pool leader, já que dos referidos movimentos consta a descrição “TR CASHPOOL”, que permite a sua distinção face aos demais movimentos efectuados, pelo que não assiste quanto a este ponto razão à AT.
23. Quanto ao segundo argumento, revela-se antes de mais necessário ter em consideração que as características inerentes aos contratos de cash pooling como o aqui visado, não permitem que se realize uma pré-determinação dos prazos de utilização do crédito, sendo de resto esta a circunstância que justifica a aplicação da verba 17.1.4 da TGIS. Esta indeterminabilidade antecipada do prazo de cada uma das utilizações do crédito não significa, porém, uma impossibilidade da realização deste exercício a posteriori. Caso contrário, nunca seria possível aplicar às operações de crédito realizadas ao abrigo deste tipo contratual o regime de isenção previsto na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS.
24. Conforme elucidou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 27 de Dezembro de 2023, no âmbito do processo n.º 285/2023-T, num caso que não é exactamente coincidente ao do presente processo mas cuja ratio decidendi pode ser aqui aplicada:
“No caso das aberturas de crédito em conta corrente e, bem assim, nos descobertos, o prazo de utilização do crédito assiste ao creditado o direito de reutilização do crédito, repristinando o direito de saque sobre o crédito concedido, mediante as entregas que entenda efetuar durante o contrato. Pode a qualquer momento pôr termo à utilização do crédito, sem que o facto, no entanto, extinga o contrato. Do fim de cada utilização do crédito, quando ocorra durante a vigência do contrato resulta apenas a reconstituição do direito do creditado a nova utilização do crédito, com respeito do limite inicialmente acordado.
Na abertura de crédito em conta corrente, tal, aliás, como no descoberto, inexiste, assim, qualquer prefixação da duração de cada utilização do crédito individualmente considerada. Essa é a razão de ser da inaplicabilidade à abertura de crédito em conta corrente ou figuras afins como os descobertos e acordos “stand by”, em que os beneficiários do crédito têm a faculdade de sacar até determinado tecto, na data que lhes convenha e durante um período fixado com antecedência, do regime geral de tributação do crédito previsto na verba 17.1. da TGIS, prevalecendo o regime especial da verba 17.1.4. da mesma Tabela, que abrange genericamente o crédito renovável ou rotativo(“revolvingcredit”).
Reconheceria, na verdade, o legislador da TGIS a não determinação, ou, pelo menos, a indeterminabilidade antecipada do prazo de cada uma das utilizações do crédito resultante dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, descoberto bancário ou instrumentos negociais de idêntica natureza. Esse prazo, por força da própria natureza das operações em causa, é, na verdade, insuscetível de predeterminação entre as partes, independentemente de estas pertencerem, ou não, ao mesmo grupo económico, já que a duração de cada utilização da vontade do beneficiário da operação, o creditado, titular do direito potestativo de levantamento das importâncias disponibilizadas pelo creditante não é passível de controlo por este, pelo que é insuscetível de aplicação a esse tipo de operações financeiras o critério geral de tributação em função do prazo previsto na verba 17.1. da TGIS.
A verba 17.1.4. da TGIS, na verdade, determina que, em caso de crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer forma em que o prazo de utilização do crédito não seja determinado ou determinável, o Imposto do Selo recai à taxa de 0,04 por cento sobre a soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. O legislador entenderia, assim, para as aberturas de crédito em conta corrente, descobertos e formas equivalentes da utilização do crédito, prescindir da tributação em função do prazo do contrato. Por uma questão de simplicidade ou eficácia, em lugar da tributação em função do prazo, optaria por um tipo de tributação dirigido a atingir uma realidade diferente, a média dos saldos devedores apurados durante o mês dividida por 30, independentemente do prazo de duração de cada efectiva utilização do crédito.
É claro, assim, que, no caso das aberturas de crédito em conta corrente, releva para efeitos da determinação do prazo máximo de um ano das operações financeiras abrangidas pela isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea g) da TGIS, não o prazo do contrato de abertura de crédito em conta corrente, que abrange todo o período em que o creditante mantenha o crédito à disposição do creditado, independentemente de o crédito ser utilizado ou não, mas a duração das efetivas utilizações do crédito efetuadas ao abrigo de tal contrato, que o devedor está obrigado a reembolsar, obrigação a que acrescem o pagamento de juros sobre essa parte utilizada, bem como das comissões devidas pela abertura de crédito ou eventualmente relacionadas com a operação.
(…)
Inexiste qualquer obstáculo inultrapassável ao apuramento nesses termos do prazo de cada concreta utilização do crédito, sendo suficiente um mero exame da contabilidade do sujeito passivo do Imposto do Selo.
Não pode é concluir-se dogmaticamente a partir da opção das partes submeterem o financiamento em causa ao regime de abertura de conta corrente e de esse contrato, de execução necessariamente duradoura, ter prazo superior a um ano, que as utilizações do crédito abrangidas individualmente consideradas não estão abrangidas na isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS.
Estes vícios de análise inquinam a fundamentação da AT, que encontra um prazo não determinado nem determinável numa situação na qual todos os empréstimos têm um prazo determinável e inferior a um ano.
Ilustrando a situação dos autos com um exemplo simples, caso entre duas empresas, A e B, integrantes de um grupo, exista uma relação creditícia em conta corrente (sendo A credora) para apoio à tesouraria de B, então se num certo ano os movimentos na conta corrente são:
Janeiro: saldo 0
Março: A empresta 100
Junho: A empresta 200
Agosto: A empresa 50
Outubro: B reembolsa 350
Só se poderia então concluir que nenhum dos três empréstimos vigorou por mais de um ano.”.
25. Ora, aplicando esta lógica ao presente caso, é possível fixar, através da análise dos fluxos financeiros a débito e a crédito entre a Requerente e a B... SPA, quais as datas do início de cada utilização de crédito e quais os respectivos reembolsos, apurados numa base mensal, determinando-se assim o período de utilização, correspondente ao período que medeia a concessão e a compensação/regularização do crédito.
26. Conforme resulta da matéria de facto provada, a conta de cash pooling da Requerente, em 31 de Dezembro de 2019, apresentava um saldo devedor no balancete (activo) no valor de € 11.556.026,62. Apesar de não se explicitar quando este saldo se formou nem que prazo teriam os créditos da Requerente que o formavam, provou-se que aquele montante foi integralmente reembolsado entre os meses de Janeiro a Abril de 2020, ficando assim “regularizado”. Quanto ao período de Janeiro de 2020, a conta de cash pooling apresentava um saldo devedor de € 3.974.839,65, tendo os financiamentos concedidos sido restituídos na totalidade entre Abril e Maio de 2020. Seguindo este raciocínio de confronto entre a soma dos movimentos mensais a débito (financiamentos) e a crédito (reembolsos) na conta de cash pooling da Requerente, descritos nas alíneas d) a f) da matéria de facto provada, resulta que nos meses compreendidos entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022, inclusive, o período de utilização dos créditos atingiu, no máximo, um intervalo de 4 meses.
27. Por conseguinte, conclui-se que nenhum dos créditos concedidos teve um prazo de utilização efectiva superior a um ano, pelo que estava verificado o pressuposto temporal de que dependia a aplicação da isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS.
28. Quanto à existência de uma relação de domínio ou grupo entre as sociedades intervenientes no cash pooling, resulta da alínea g) da matéria de facto provada o cumprimento deste pressuposto.
29. Na verdade, foi a própria AT que reconheceu na decisão de indeferimento da reclamação graciosa que “a reclamante apresenta a declaração de registo central do beneficiário efetivo entregue no período de 2019 que comprova que a reclamante era diretamente detida pela E... S.p.A. e indiretamente detida pela B... S.p.A e que no período de 2022 a reclamante passou a ser detida diretamente, em mais de 75% pela B... S.p.A. uma vez que a 22-11-2021 foi efetuada uma operação de fusão da E... S.p.A. na B... S.p.A.”.
30. Apesar de reconhecer que o capital social da Requerente é detido directa ou indirectamente em mais de 75% pela pool leader B... SPA e apesar de não contestar a prova produzida pela Requerente, a AT entendeu ainda assim não ser possível certificar o cumprimento deste requisito. Isto porque, no entender da AT, a detenção de uma percentagem de 12% no capital social da B... SPA pelos respectivos beneficiários efectivos descritos no RCBE não permitia validar qual o capital detido por esta última na Requerente.
31. Ora, tal conclusão não só é contraditória face à fundamentação da própria AT, como carece de qualquer sentido. A relação societária a que se reporta a norma de isenção é a que se estabelece entre os intervenientes no contrato de cash pooling – a Requerente enquanto sociedade dominada e a B... SPA enquanto sociedade dominante –, não se confundindo esta com a ligação estabelecida entre a Requerente e os respectivos beneficiários efectivos, que assim eram qualificados e identificados no RCBE porque detinham, cada um, uma participação de 12% no capital social da sociedade dominante B... SPA.
32. Por conseguinte, conclui-se que existia a relação de domínio ou grupo tal qual definida no n.º 8 do artigo 7.º do CIS, razão pela qual também estava verificado o pressuposto de detenção do capital previsto na isenção da alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º daquele mesmo código.
33. Por fim, relativamente ao critério de territorialidade, era necessário que a Requerente e a B... SPA tivessem sede ou direcção efectiva em Portugal ou que, em alternativa, a sede da B... SPA fosse em Portugal e a sede da Requerente fosse noutro Estado-Membro da União Europeia ou noutro Estado que tenha celebrado com Portugal um acordo para evitar a dupla tributação e que não conste da Portaria que estabelece os territórios sujeitos a regime fiscal privilegiado.
34. Da matéria de facto provada nos presentes autos resulta o incumprimento deste requisito, porquanto a sociedade B... SPA, que assume a posição de devedora, é residente fiscal em Itália.
35. Quanto a este incumprimento, alegou a Requerente que a não aplicabilidade da norma de isenção aos casos em que o devedor tem sede ou direcção efectiva noutro Estado‑Membro da União Europeia é desconforme com o Direito Europeu na medida em que viola a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). Pelo contrário, defendeu a Requerida que para além de não existir qualquer violação da liberdade de circulação de capitais, a Requerente não tinha logrado provar que o Imposto do Selo devido em Portugal pela obtenção do crédito não podia ser neutralizado pela B... SPA, ao abrigo da legislação italiana, ainda que tal argumento não tivesse sido invocado na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consistindo, portanto, em fundamentação a posteriori não admissível e valorável em sede arbitral.
36. Esta mesma questão foi já objecto de ampla apreciação pelos Tribunais Arbitrais, designadamente nos acórdãos proferidos em 6 de Outubro de 2020, no âmbito do processo n.º 277/2020-T, em 28 de Fevereiro de 2021, no âmbito do no processo n.º 749/2019-T, em 18 de Abril de 2021, no âmbito do processo n.º 171/2020-T, em 6 de Outubro de 2021, no âmbito do processo n.º 57/2021-T, em 18 de Maio de 2022, no âmbito do processo n.º 818/2021-T ou em 30 de Outubro de 2022, no âmbito do processo n.º 59/2022-T. Por todos, entendeu-se neste último processo o seguinte:
“4. Questão da incompatibilidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS com o Direito da União Europeia
O artigo 8.º, n.º 4, da CRP, estabelece que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
É, pois, pacificamente reconhecido que desta norma decorre a primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, quando não estão em causa os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Por sua vez, os artigos 63.º e 65.º do TJUE, na parte aplicável, estabelecem o seguinte:
Artigo 63.º
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 65.º
1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.
A propósito da aplicação dos preceitos transcritos, a decisão arbitral proferida no Processo 277/2020-T, em que também foi apreciada a compatibilidade do n.º 2 do artigo 7.º do CIS com o direito comunitário, invoca o acórdão do TJUE de 14-10-1999, proferido no processo n.º C-439/97 (Sandoz GmbH), onde, em resumo, se consignou o seguinte (com atualização dos números dos artigos aí citados):
1) A proibição do artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anteriores artigo 73.º-B, n.º 1, e 56.º do Tratado CE) abrange quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros (n.º 18);
2) Uma legislação que priva os residentes num Estado-Membro da possibilidade de beneficiarem de uma eventual não tributação dos mútuos contraídos fora do território nacional, é uma medida de molde a dissuadi-los de contraírem mútuos com pessoas estabelecidas noutros Estados-Membros (n.º 19 daquele acórdão, citando o acórdão de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C-484/93, Colect., p. I-3955, n.º 10). 3) Tal legislação constitui por isso uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE (anteriores artigos 73.º-B, e 56.º) (n.º 20).
Assim, considerando que os empréstimos de curto prazo são movimentos de capitais, como resulta da Directiva n.º 88/361/CEE, do Conselho, de 24-06-1988, o que não é objeto de controvérsia, e acompanhando a referida decisão arbitral, há que concluir que a restrição imposta no n.º 2 do artigo 7.º do CIS impede os residentes de um Estado-Membro (França, neste caso) da possibilidade de beneficiarem de uma não tributação dos mútuos contraídos fora do seu território nacional.
Por outro lado, o facto de o sujeito passivo do imposto ser o credor (ora Requerente) e não o devedor, não afasta esta conclusão.
Na verdade, embora não se esteja perante uma situação de substituição tributária em sentido próprio (que se efectua através de retenção na fonte do imposto liquidado pelo substituto, nos termos do artigo 20.º da LGT), está-se perante situação em que se admite (e legalmente se pretende) a repercussão económica do imposto em relação ao titular do interesse económico, que é o utilizador do crédito, que deve suportar o encargo do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 3 alínea f) do artigo 3.º do CIS. Aliás, no caso de não pagamento do imposto pelo sujeito passivo (credor), o imposto até poderá ser exigido directamente ao titular do interesse económico, designadamente nos casos de operações de cash pooling, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 2244/12.3BEPRT 0898/17.
É certo que o artigo 65.º do TFUE admite algumas restrições ao disposto no citado artigo 63.º. Com efeito, na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 65.º permite-se que os Estados-Membros apliquem normas de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
A propósito desta norma, o TJUE entendeu o seguinte, no acórdão de 22-11-2018, proferido no processo n.º C-575/17 (Sofina SA):
“Esta disposição, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita.
Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais será automaticamente compatível com o Tratado. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, é ela própria limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]».
Assim, há que distinguir as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), das discriminações proibidas pelo artigo 65.º n.3 do TFUE. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento que daí resulta respeite a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por uma razão imperativa de interesse geral (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Miljoen).
Vejamos se estas condições se verificam no caso subjudice.
Como se consignou na decisão arbitral proferida no processo 277/2020-T, que se vem acompanhando, “no caso em apreço, está-se perante um imposto de obrigação única, devido relativamente a cada acto de concessão de crédito, e os intervenientes num contrato de cash pooling encontram-se em situações idênticas, independentemente do local da sua residência ou do local onde o capital é investido, havendo mesmo possibilidade de frequentes inversões das posições de credor e devedor no âmbito do mesmo contrato, em função das disponibilidades e necessidades de tesouraria de cada um dos intervenientes.
Assim, tem de se concluir pela comparabilidade das situações entre residentes e não residentes, para efeitos da isenção em causa, em contratos do tipo do dos autos.
Neste contexto, a atribuição de uma vantagem fiscal aos devedores residentes em Portugal que é recusada aos devedores não residentes constitui, como defende a Requerente, uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de contribuintes, que é de qualificar como discriminação, na acepção do Tratado, por não existir qualquer diferença objetiva de situação susceptível de justificar tratamento diferenciado.
Assim, a alínea a) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 65.º do TFUE não permitem o regime consubstanciado nas referidas normas do CIS, pois a diferença de tratamento não é justificada por uma diferença de situação objetiva.
Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral observa-se o seguinte.
A alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE admite que os Estrados Membros tomem «todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública».
Como se vê pelo n.º 46 do citado acórdão proferido no processo n.º C-575/17, o TJUE entende que, relativamente a situações comparáveis, a diferença de tratamento só pode ser justificada «por uma razão imperativa de interesse geral».
No caso em apreço, afigura-se ser manifesto que não existe qualquer razão de interesse geral que possa justificar a referida discriminação.
Assim, como se conclui no Acórdão arbitral proferido no processo 277/2020-T, não se vislumbra qualquer outra razão de interesse público que possa justificar o tratamento discriminatório referido, designadamente uma hipotética intenção legislativa de evitar fraudes e abusos no âmbito das operações de tesouraria de curto prazo entre empresas do mesmo grupo, pois a intenção geral que está ínsita na atribuição dos benefícios fiscais previstos nas alíneas g) a i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, não pode ser a de «impedir comportamentos que consistam em criar expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo objetivo é beneficiar indevidamente de uma vantagem fiscal», que podem justificar restrições à livre circulação de capitais (Acórdãos do TJUE de 05-07-2012, SIAT, processo C-318/16, EU:C:2017:415, n.º 40; de 07-09-2017, Eqiom e Enka, processo C6/16, EU:C:2017:641, n.º 30; e de 20-09-2018, EV, processo C-685/16, n.º 95), mas, será, pelo contrário, de admitir ou mesmo incentivar esses comportamentos, concedendo benefícios fiscais.
5. Conclusão
Face ao exposto e acompanhando a jurisprudência arbitral dominante, há que concluir que a restrição do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, que se previa no n.º 2 do mesmo artigo na redação vigente nos anos de 2020 e 2021, nas situações em que o devedor que suportou o imposto é residente em França e o credor é residente em Portugal, constitui uma restrição injustificada à livre de circulação de capitais garantida pelo artigo 63.º do TFUE, conforme interpretação da jurisprudência do TJUE, pelo que tal restrição não pode ser aplicada no ordenamento tributário nacional.”.
37. Aplicando o entendimento acabado de citar ao presente caso, ao qual este Tribunal Arbitral adere em cumprimento do desiderato previsto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, e cujas considerações aqui não se repetem por razões de economia processual, conclui-se que a exclusão de aplicação da norma de isenção prevista na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS com fundamento no facto de a B... SPA, enquanto pool leader e devedora, não ser residente fiscal em Portugal mas sim noutro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.
38. Consequentemente, é ilegal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como as liquidações de Imposto do Selo que dela foram objecto, por violação do Direito Europeu, em conformidade com o disposto no n.º 4, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
39. Da ilegalidade do indeferimento do pedido de reclamação graciosa apresentado pelo Requerente e, consequentemente, da ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, resulta para a AT a obrigação de restabelecer a situação que existiria se os actos não tivessem sidos praticados. De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo‑lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
40. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, para além do reembolso do imposto indevidamente pago “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
41. Quanto à aplicação desta norma, é entendimento do STA, expresso no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18 de Janeiro de 2017, que “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”.
42. Por conseguinte, por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação dos actos de liquidação, há assim lugar ao reembolso do Imposto do Selo indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa legal supletiva, desde a data do indeferimento da reclamação graciosa, isto é, 26 de Maio de 2023, até integral e efectivo reembolso, nos termos conjugados do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 e 35.º, n.º 10 e 100.º da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contestada, bem como os actos de liquidação de Imposto do Selo que dela foram objecto;
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Condenar a Requerida no reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 71.356,35.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de Maio de 2024
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora)
Cristina Aragão Seia
Francisco Melo