SUMÁRIO:
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No caso de uma liquidação adicional de IRC, por a AT entender que o sujeito passivo não pode beneficiar do RFAI, sendo o período de tributação da Requerente coincidente com o ano civil, relativamente ao IRC do período de tributação de 2018, o facto tributário verificou-se no dia 31.12.2018, pelo que o direito de liquidação de imposto pela AT caduca no dia 31.12.2022.
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Tendo a liquidação impugnada por base um relatório da Inspeção Tributária elaborado no âmbito de uma Inspeção interna, não há lugar à aplicação da suspensão prevista no artº. 46º., nº. 1 da LGT.
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Não prejudica a conclusão do número anterior, o facto de a inspeção realizada ter sido qualificada como externa pela AT, mas sem que no decurso da mesma tenham sido efetuadas quaisquer diligências externas, quer em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários ou até de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tributária tenha acesso.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro presidente), Henrique Fernando Rodrigues e José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 19 de setembro de 2023, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
A A..., S.A., NIF..., com sede em ..., ...-... ... (adiante designada por «Requerente»), veio, em 11 de julho de 2013, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro («RJAT»), em conjugação com o disposto na alínea a) do artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), aplicável por força do consignado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de Pronúncia Arbitral, no qual é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada «Requerida» ou «AT»), não tendo usado da faculdade de proceder à nomeação de árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 12 de julho de 2023 e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de agosto, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os árbitros acima identificados, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº. 1 do artº. 11º. do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 19 de setembro de 2023.
Por despacho de 7-2-2024, foi marcada a reunião prevista no artº. 18º. do RJAT, que foi realizada em 8-232024, na qual foi produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguisse com alegações.
A Requerente apresentou as suas alegações.
A. Objeto do pedido:
O pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente tem por objeto a
I. declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») do exercício de 2018 e das respetivas liquidações de juros compensatórios e, ainda, da correspondente demonstração de acerto de contas que se lhe encontra subjacente, devendo ser ordenada a sua integral anulação;
II. anulação do processo de execução fiscal instaurado em resultado do não pagamento da dívida tributária; e, ainda
III. a condenação da AT a indemnizar a Requerente das despesas por esta suportadas, bem como as que vier a suportar, com a garantia prestada na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva das quantias liquidadas, nos termos do disposto no artigo 53º. da LGT, tudo com as demais consequências legais.
B. Síntese da posição das partes
a. Da Requerente
A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:
1. A Requerente é uma sociedade anónima de Direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, que exerce, a título principal, a atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo a sociedade dominante do consolidado fiscal do grupo de sociedades do qual faz parte (doravante «GRUPO»), ao qual é aplicável o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades («RETGS»).
2. No período de tributação de 2018, a Requerente era (continuando a ser atualmente) a sociedade dominante do perímetro do grupo sujeito ao RETGS, o qual, incluía diversas sociedades dominadas.
3. Por referência ao período de tributação de 2018, em cumprimento das suas obrigações fiscais, a Requerente procedeu, a 28 de junho de 2019, à submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo.
4. Entre as várias entidades que compõem o RETGS da A... inclui-se a B..., S.A., com o NIF ... com sede em ..., ...-... ..., uma sociedade anónima com vasta experiência no campo CAE principal “10395 – Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos” e “10893 – Fabricação de outros produtos alimentares diversos, não especializado”.
5. A B... dedica-se essencialmente à transformação em moldes industriais de tomate, submetendo-o a várias operações de base física e química de modo a produzir produtos alimentares destinados ao consumo, dispondo de dois estabelecimentos produtivos em Portugal, sitos na ... e em ... (sede social), ambos pertencentes à C... e D... .
6. Em 2010, a B... deu início ao seu processo de expansão internacional com a aquisição de uma fábrica em Espanha (Sevilha), duplicando a capacidade de produção da empresa.
7. Posteriormente, em 2012, foram adquiridas mais duas unidades produtivas, no Chile, visando garantir mais uma colheita por ano, conseguindo assegurar a produção de produtos à base de tomate durante todo o ano.
8. No decorrer do ano de 2020, os Serviços de Inspeção Tributária («SIT») deram início a um procedimento de inspeção tributária interna (ao abrigo da ordem de serviço OI2020...) que teve por objeto a validação dos requisitos subjacentes aos benefícios fiscais de Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial («SIFIDE») e Regime Fiscal de Apoio ao Investimento («RFAI») de que a B... beneficiou no período de tributação de 2018.
9. A inspeção tributária foi conduzida essencialmente à distância, dada a sua natureza interna, não tendo a AT visitado as instalações fabris em ... e na ..., de forma a compreender de forma mais clara o seu funcionamento e a importância das aplicações efetuadas para efeitos de RFAI.
10. No seguimento da inspeção, e volvidos cerca de 2 anos desde o seu início, a B... L foi notificada do projeto de correções do relatório de inspeção pelo ofício nº. ... de 11/03/2022.
11. AT propôs a desconsideração do montante total de RFAI de que a Requerente beneficiou em 2018, o qual se cifrou em 749.906,61 €, tendo a Requerente tempestivamente exercido o seu direito de audição prévia.
12. Todavia, a AT, viria a manter todas as correções no âmbito de relatório final de inspeção dirigido à B... em maio de 2022.
13. A 10 de outubro de 2022, a AT iniciou um novo procedimento de inspeção, desta feita dirigido à Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS em que se integra a B..., o qual se encerrou a 17 de janeiro de 2023, tendo este procedimento sido classificado como externo, apesar de não ter envolvido qualquer diligência nas instalações da Requerente.
14. As correções foram posteriormente concretizadas, já em 2023, através da emissão de um ato de liquidação adicional de imposto, liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, dirigidos à Requerente enquanto sociedade dominante do grupo via CTT a 24 de fevereiro de 2023.
15. Os montantes que a AT se propôs a cobrar através destes atos tributários foram devidamente garantidos pela Requerente.
16. Não se conformando com o ato de liquidação em causa a Requerente decidiu avançar com o presente PPA.
17. Considera que a AT suporta a sua atuação em duas linhas de argumentação a saber: i) alegada não elegibilidade da atividade da B... para o âmbito de aplicação do RFAI; e ii) suposta não elegibilidade dos investimentos que, em concreto, foram realizados para os benefícios do RFAI.
18. Refere que este entendimento da AT está em expressa oposição com o entendimento que esta mesma entidade já havia assumido anteriormente no âmbito de uma inspeção tributária ao RFAI de que a B... beneficiou no exercício de 2015, na qual a elegibilidade desta entidade para beneficiar do RFAI foi expressamente reconhecida pela AT, conforme doc. nº. 11 anexo ao pedido.
19. No âmbito da segunda linha de argumentação, a AT procura, descaraterizar a elegibilidade dos investimentos realizados para efeitos de RFAI, alegando, nomeadamente, que os mesmos não contribuíram para o aumento da capacidade produtiva ou correspondem a meras substituições de ativos, alegando ainda que dois dos investimentos não foram efetuados em ativos adquiridos em estado “novo”…
20. O tema aqui em causa não é novo, tendo a AT, com uma atuação levada a cabo com os mesmos fundamentos e padecendo das mesmas ilegalidades, procurando desconsiderar o RFAI de que a B... beneficiou no exercício de 2016, tendo o ato de liquidação daí decorrente sido objeto de expressa e integral anulação no âmbito do processo arbitral nº. 447/2022-T.
Da atividade da B...
a. A B... produz e transforma nas suas instalações fabris uma grande variedade de produtos, desde concentrados de tomate até produtos pré-cozinhados (e.g., molho de tomate com legumes, ketchup, molho francesinha, entre outros).
b. A atividade económica consiste na produção e transformação industrial de produtos agroalimentares à base de tomate para posterior venda a segmento de retalho ou a segmento industrial, cujas etapas a empresa explica detalhadamente, mostrando que a matéria-prima de base agrícola, tomate, é sujeita a transformação em moldes industriais.
c. Deste modo terá de ser reconhecida a natureza industrial da atividade da B..., ou, pelo menos, que a mesma se encontra incluída no âmbito de aplicação do RFAI, tal como tem vindo a ser reconhecido noutras situações análogas à presente.
d. Tanto que parte dos produtos produzidos pela B..., designadamente o Ketchup e demais molhos e concentrados de tomate se encontram inscritos no capítulo 21 da nomenclatura pautal combinada, mais concretamente, na posição 213.20.00.
e. A AT, no âmbito do relatório de inspeção dirigido à B..., reconhece expressamente a elegibilidade destes produtos para o RFAI, sem que daí extraia as devidas consequências legais.
f. Acrescente-se novamente que a Requerente já tinha sido objeto de inspeção tributária ao RFAI de 2015, tendo, nessa sede, a AT validado a elegibilidade da sua atividade para efeitos de RFAI, não tendo efetuado qualquer correção relativa a este tema.
g. Ademais, como já supra referido, no processo arbitral nº. 447/2022-T, foi declarada a ilegalidade e ordenada a consequente anulação de um ato de liquidação adicional de IRC que a AT dirigiu à Requerente com referência ao RFAI de que esta última beneficiou em 2016.
h. Fica assim evidenciada a ilegalidade da posição agora assumida pela AT, a qual, além de violar as regras que delimitam o âmbito de aplicação objetiva e subjetiva do RFAI, representam também uma súbita e surpreendente mudança de posição em manifesta contradição com a sua atuação no passado.
Dos investimentos realizados pela B...
i. Os investimentos de modernização são relevantes para permitir ganhos de eficiência no processo produtivo e de transformação das matérias-primas. Por outro lado, os investimentos de expansão são absolutamente relevantes para que a B... consiga aumentar a sua capacidade instalada.
j. Após serem devidamente identificados os investimentos a efetuar, os mesmos são anualmente aprovados pelo Conselho de Administração da B..., sendo o responsável máximo por este dossier o CEO do Grupo B..., o Eng. E... .
k. Os investimentos realizados em 2018 pela B..., em conformidade com o seu plano de expansão anual, tiveram essencialmente por propósito adquirir um conjunto de equipamentos produtivos que permitiram dotar as suas unidades industriais com tecnologias mais avançadas, com uma maior capacidade de processamento e transformação da matéria-prima, dos produtos industriais à base de tomate, bem como de adequar a estrutura de embalamento, rotulagem e armazenamento a este aumento da capacidade de produção instalada.
l. A B... efetuou os seguintes investimentos nas diversas fases do seu processo produtivo, os quais contribuíram – e continuam a contribuir – para o aumento da sua capacidade produtiva instalada, a saber: A. Investimento em “Capsuladora para a linha de vidro”; B. Investimentos na melhoria de processo da fábrica de...; C. Investimentos na melhoria de processo da fábrica da ...; D. Investimento no “projeto 10/2018 – Envolvedora Estirável”; e E. Investimento no “projeto 31/2018 – Equipamento Tetra Recart”.
Da caducidade dos atos tributários
1. Como determina o artigo 45.º, n.º 1 da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
2. Como decorre do n.º 4 do mesmo artigo, “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.
3. A inspeção realizada à B... dispôs de natureza interna, não se tendo verificado assim qualquer causa suspensiva do prazo de caducidade.
4. A Requerente apenas foi notificada do ato tributário aqui em crise a 13 de março de 2023, data em que já se tinha verificado a caducidade do direito de liquidação de imposto.
5. Em virtude do exposto, sempre terá de ser ordenada a integral anulação dos atos tributários aqui em referência, com fundamento na violação das regras de caducidade previstas no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
6. Sendo que, contra este entendimento não poderá ser aventado o procedimento inspetivo posteriormente dirigido à Requerente, não obstante o mesmo ter sido classificado pela AT como “externo” (cf. doc. n.º 9 junto).
7. Tal como foi visto e provado, tal procedimento não envolveu a realização de qualquer diligência nas instalações da Requerente por parte da AT que efetivamente exigisse aí a sua presença, tendo antes consistido num procedimento interno, o qual visou essencialmente concretizar ao nível da Requerente, enquanto entidade dominante do grupo RETGS, a correção relativa ao RFAI de 2018 que havia sido efetuada à B... no âmbito de um procedimento inspetivo interno.
8. Ou seja, não obstante a AT ter classificado o procedimento de inspeção à Requerente como externo, o que se verifica é que AT, no âmbito do mesmo, se limitou a consultar documentação que já lhe havia sido previamente disponibilizada e/ou remetida, bem como a proceder à sua análise crítica.
9. Ora, como decorre do artigo 13.º, alínea a) do RCPITA, o procedimento inspetivo deve classificar-se como interno sempre que “(…) os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento”.
10. Sendo que, tal como é pacificamente afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores “A qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo” (cf., neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), datado de 16 de fevereiro de 2023 e proferido no processo n.º 1367/09.0BESNT).
11. No mesmo sentido, veja-se, a título de exemplo, a decisão arbitral datada de 7 de julho de 2022, relativa ao processo n.º 551/2021-T, onde inequivocamente se concluiu que: “Decorre da atual redação da al. a) do artigo 13.º do RCPIT que os atos de inspeção interna consistem na análise formal e de coerência dos documentos efetuada exclusivamente nos serviços da administração tributária, ainda que, para o efeito, tenham sido solicitados documentos para respetiva análise. A classificação formal do procedimento não tem eficácia vinculativa, na situação prática em que os atos de inspeção demonstrem que o procedimento inspetivo teve, materialmente, uma natureza diferente da sua classificação”.
12. Assim, o procedimento inspetivo aqui em causa consistiu em meras diligências internas da parte da AT, não tendo envolvido quaisquer diligências nas instalações da Requerente ou de terceiros com efetivo valor acrescentado para o procedimento inspetivo, termos em que sempre terá de se classificar como interno, não passando a sua qualificação como “externo” por parte da AT de um mero expediente ilusório tendo em vista defraudar as regras de caducidade aplicáveis.
13. Termos em que não restam quaisquer dúvidas de que os atos tributários aqui em crise se assumem como ilegais com fundamento na violação das regras de caducidade previstas no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
Falta de Fundamentação
1. A AT, tendo em vista a fundamentação dos atos aqui em causa, limitou-se a tecer algumas conclusões no sentido de negar à entidade dominada pela ora Requerente o benefício do RFAI, nunca concretizando nem esclarecendo devidamente as razões pelas quais entende não ser o mesmo aplicável nem nunca tendo esclarecido, como lhe competia, com que tipo de elementos e documentação adicional pretendia ser provida, de forma a clarificar as suas questões.
2. Em virtude disso, não foi, e continua a não ser, sequer possível à ora Requerente apreender devidamente qual o íter cognoscitivo que foi seguido pela AT, tendo assim sido irremediavelmente prejudicado o seu direito de defesa, na medida em que a AT se limitou a conferir à sua atuação uma aparência vaga e difusa de fundamentação, mediante a qual se limitou a repetir “ad nauseam” não estarem reunidos o requisitos de que depende a aplicação do RFAI sem fazer qualquer esforço para identificar quais eram, afinal, os argumentos e os elementos que, supostamente, suportariam esta conclusão.
3. De acordo com o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP: «[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados […] e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos» (cit.).
4. Fundamentação que é exigida e garantida por lei ordinária, nomeadamente pelo artigo 77.º n.º 1 da LGT que prescreve que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada».
5. Ora, decorre de todo exposto que no caso concreto e em rigor, a AT se alheou dos citados imperativos constitucionais e legais ao fundamentar os seus atos de forma incongruente, obscura nos critérios utilizados, absolutamente contraditória com os factos em que se baseia, e meramente conclusiva, não clarificando porque decidiu como decidiu, o que a jurisprudência tem entendido como equivalente a falta da fundamentação.
6. Na verdade, «é também pacificamente aceite que é equivalente à falta de fundamentação, a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam, concretamente, a motivação do ato por forma a permitir ao seu destinatário a apreensão do íter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticá-lo com o sentido decisório que lhe conferiu» – como desde há muito vem afirmando o STA (cf. a da vasta jurisprudência sobre o tema o acórdão do 19 de Março de 2009, proferido no processo n.º 890/09).
7. Ora o Relatório de Inspeção na base dos atos sub judice corresponde a um conjunto de considerações gerais e abstratas que em momento algum são devidamente adaptadas e transpostas para o caso concreto.
8. O exposto, na medida em que a AT se limita a afirmar vagamente não preencherem os investimentos aqui em causa os requisitos de elegibilidade para o RFAI mas sem nunca identificar as razões concretas pelas quais cada um destes investimentos não preenche, supostamente, os pressupostos deste benefício.
9. O que constitui motivo bastante para se concluir que os atos sub judice padecem, na íntegra, de vício de falta de fundamentação – e suficiente para que devam ser expurgados da ordem jurídica, devendo em consequência ser integralmente anulados.
10. De facto, a AT não cumpriu o dever de justificar por que razão considera não serem os investimentos aqui em causa elegíveis para efeitos de RFAI, acabando por estabelecer uma aparente presunção, infundada e ilegal, assente meramente nas suas convicções e ao completo arrepio da lei, para dar uma aparência de fundamentação à sua atuação, mas sempre sem explicar quais são, em concreto, as razões de facto e de direito para assim decidir – permitindo à Requerente conhecer tais razões e atacá-las, sendo esse o caso, segundo a mais elementar das garantias de defesa, legal e constitucionalmente protegidas.
11. Sendo assim, os atos de liquidação contestados não estão devidamente fundamentados, devendo ser anulados por vício de forma, com todas as consequências legais.
b. Da Requerida
Notificada por despacho arbitral de 19 de setembro de 2023, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu aos autos o processo administrativo e apresentou Resposta, na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação adicional de IRC relativos ao exercício de 2018, identificado pelo n.º 2023..., bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios com o n.º 2023..., e, ainda, da demonstração de acerto de contas identificada pelo n.º 2023..., todas associadas à compensação n.º 2023... no valor total de 301.728,10 €, objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:
Na sua resposta, para além de impugnar os fundamentos de fundo invocados pela Requerente, reafirma o que consta do Relatório da Inspeção Fiscal, ou seja, que os produtos fabricados pela B... estão maioritariamente contemplados no “Capítulo 20”, enquanto produtos preparados apenas de “tomate”, sem adição de outros condimentos, constando esse capítulo no ANEXO I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»), e por isso, estão esses produtos excluídos de usufruir do benefício fiscal RFAI, no que respeita aos investimentos a eles inerentes.
Além disso, a B... também produz e comercializa (aproximadamente 18% do volume de negócios – conforme veremos mais adiante), alguns produtos (“ketchup” e “outros molhos de tomate com adição de ervas aromáticas”, “molhos para pizzas”; “molhos para bolonhesas”, etc.), que ao se enquadrarem no “Capítulo 21” (PREPARAÇÕES ALIMENTÍCIAS DIVERSAS), da Nomenclatura Combinada, não constam do ANEXO I do TFUE, e como tal, não estarão, supostamente, excluídos da possibilidade de usufruir do benefício fiscal RFAI, no que respeita aos investimentos específicos a eles inerentes.
Por outro lado, no seguimento da detalhada análise efetuada no relatório de inspeção, concluíram os serviços de inspeção que não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da rentabilidade da empresa, o aumento da produtividade, redução do desperdício e modernização da empresa, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de Investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas: “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento”, ou “alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento já existente” atenta a atividade desenvolvida pela Requerente.
Por isso, não é a atividade da B... elegível para efeitos de RFAI e além disso não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais, os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos sectores (entre outros) da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado.
Pronuncia-se a requerida também de forma expressa sobre a caducidade alegada pela Requerente e sobre o imputado vício de falta de fundamentação.
Da (alegada) caducidade do ato tributário sub judice
1. Refere a Requerente que foi notificada do ato tributário de liquidação aqui em crise em 13 de março de 2023, data em que, na sua opinião, já se tinha verificado a caducidade do direito de liquidação do imposto referente a 2018.
2. Acrescentando que, no caso, o procedimento de inspeção à B... através da ordem de serviço nº OI2020.. foi de natureza interna, pelo que não se verificou qualquer causa suspensiva do prazo de caducidade.
3. Recordemos que a Requerente “A... SGPS, SA” é a sociedade dominante de um Grupo de sociedades tributado pelo RETGS, do qual a B..., sociedade na qual foram efetuadas as correções, faz parte no período de 2018.
4. Assim, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 70º, o lucro tributável do Grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao Grupo.
5. Nesse sentido, para efeito de repercutir as correções apuradas no procedimento de inspeção efetuado ao abrigo da ordem de serviço interna nº OI2020... na esfera individual da B..., no lucro tributável do Grupo, foi aberta a ordem de serviço externa com nº OI2022... em que o sujeito passivo é a A... .
6. E, o ato de liquidação em crise efetuado à A... é o resultado desta última ordem de serviço de natureza externa (acrescente-se que no RETGS só a declaração da sociedade dominante é liquidada, mantendo-se as declarações das sociedades dominadas na situação de “não liquidável”).
7. Ora, conforme informação disponível nas aplicações informáticas que equipam a Autoridade Tributária e Aduaneira (aplicação SIIIT), e cópia da ordem de serviço nº OI2022... devidamente assinada pela Requerente em 18-10-2022 (ver documento 3 que integra o ficheiro OI2022... referente ao processo administrativo relativo ao procedimento inspetivo efetuado à Requerente), o procedimento inspetivo efetuado à A... teve início em 18.10.2022 com a assinatura pelo sujeito passivo da ordem de serviço nº OI2022... (em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 51º do RCPITA).
8. De referir que, nos termos do nº 1 do artigo 45º da LGT, a Autoridade Tributária encontra‑se adstrita ao prazo de quatro anos para proceder à liquidação e notificação de tributos aos sujeitos passivos (prazo geral da caducidade do direito à liquidação), pelo que no presente caso, estando em causa o IRC referente ao período de tributação de 2018, o direito a liquidar o tributo caducava em 31.12.2022.
9. Porém, o n.º 1 do artigo 46.º da LGT prevê que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço da ação de inspeção externa.
10. Assim, o procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação do tributo, o que se confirma no caso em apreço.
11. Devendo esse procedimento ser concluído no prazo de seis meses atento o disposto no n.º 2 do artigo 36.º do RCPIT, pois se tal não acontecer cessa a suspensão do prazo, contando‑se este desde o início.
12. Quanto a esta matéria, é a jurisprudência produzida unânime, no sentido de que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte do início da ação de inspeção externa, e se esta se concluir antes de decorridos os seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspetivo, o que acontece com a notificação do relatório final de inspeção (em conformidade com o nº 2 do artigo 62º do RCPITA).
13. Em suma, a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, corresponde ao período de duração da ação de inspeção externa, que se inicia com a assinatura da ordem de serviço e termina com a notificação do relatório final ao contribuinte.
14. Portanto, no presente caso, a agora Requerente foi, nos termos do n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, considerada notificada do relatório final da ação de inspeção, para a caixa postal eletrónica do Via CTT, em 05 de fevereiro de 2023 (conforme informação disponível na aplicação Sistema Eletrónico de Citações e Notificações SECINNE das aplicações informáticas que equipam a Autoridade Tributária e Aduaneira e print junto ao processo administrativo).
15. Finda a ação de inspeção externa, dentro do prazo de seis meses, retoma-se a contagem do prazo de caducidade no ponto em que estava na data da suspensão.
16. Significa isto que a Administração Tributária dispõe apenas, para efetuar a liquidação e a sua notificação ao sujeito passivo, dos dias que faltavam para a caducidade na data em que a suspensão se iniciou, no caso, 74 dias (13 dias de outubro + 30 dias de novembro + 31 dias de dezembro).
17. Assim sendo, em sede do presente procedimento, resulta que: a ação inspetiva teve o seu início em 18.10.2022.
18. O prazo de caducidade do direito de liquidação suspendeu-se nessa data. O termo do prazo normal de caducidade ocorreu em 31.12.2022.
19. O período decorrido entre o início do procedimento inspetivo e o termo do prazo normal de caducidade foi de 74 dias.
20. Em 05.02.2023, a Requerente foi considerada notificada do relatório final de inspeção tributária.
21. O termo do efeito suspensivo ocorreu nessa data. Verifica-se, pois, que, a Administração Tributária dispunha de 74 dias após o fim do efeito suspensivo para liquidar o imposto.
22. Ou seja, a notificação da liquidação adicional n.º 2023 ... de 20.02.2023, relativa ao período de tributação de 2018 poderia ter ocorrido até ao dia 20 de abril de 2023 (23 dias em fevereiro + 31 dias em março + 20 dias em abril = 74 dias).
23. Uma vez que a liquidação controvertida foi notificada à Requerente por transmissão eletrónica de dados no dia 14.03.2023 (conforme informação disponível na aplicação SECIN das aplicações informáticas que equipam a Autoridade Tributária e Aduaneira e print junto ao processo administrativo), verifica-se, portanto, que a sua notificação ocorreu dentro do prazo de caducidade.
Da alegada falta de fundamentação
1. Foram efetuados diversos pedidos de elementos e troca de informação, nomeadamente através de emails com o objetivo de apreciar o benefício fiscal aqui identificado, aos quais a Requerente respondeu de forma que permitiu, aos serviços da inspeção tributária, concluir que a entidade B... teve perfeito entendimento do conteúdo da matéria solicitada.
2. Note-se que, foi dado a conhecer à B... pelos serviços de inspeção tributária, ao longo das 59 páginas que compõem o Relatório, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela AT que a levou a efetuar as correções à base tributável declarada, permitindo-lhe apreender de forma clara, suficiente e congruente a motivação por que tal ato tributário de liquidação teve lugar.
3. Com efeito, encontram-se explicados no relatório de inspeção tributária, os factos tributários que lhe estão subjacentes, bem como as normas legais em que se funda a tributação, observando, desse modo, as exigências inerentes ao dever de fundamentação constantes do artigo 153º do Código de Procedimento Administrativo e no nº 1 do artigo 77º da Lei Geral Tributária.
4. Tem sido entendimento unânime da Jurisprudência que “O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respetivo ato e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática”.
II – SANEAMENTO:
O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artº. 4º. e 10º., nº. 2, do mesmo diploma e artº. 1º. da Portaria nº. 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
A Requerente peticionou nos autos que fosse “ordenada a anulação do processo de execução fiscal instaurado em resultado do não pagamento da dívida tributária”, contudo, não dispõe o presente tribunal de competência para apreciar tal pedido. Com efeito, o âmbito de competência material dos tribunais arbitrais encontra-se limitado nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT à apreciação da legalidade “de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. Por conseguinte, declara-se este tribunal materialmente incompetente para apreciar o pedido de extinção de processos de execução fiscal que se encontrem eventualmente pendentes contra a Requerente, absolvendo-se a Requerida de tais pedidos. Sem prejuízo, o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar os pedidos de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC contestados pela Requerente.
O processo não enferma de nulidades ou revela a existência de outras questões de conhecimento
II – MATÉRIA DE FACTO
Considerando os articulados das partes, os documentos juntos, o processo administrativo, junto pela AT e a prova produzida em reunião do artº. 18º. do RJAT, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.
II.1 - Factos dados como provados
a) A Requerente é uma sociedade anónima de Direito português, com sede e direção efetiva em território nacional, que exerce, a título principal, a atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo a sociedade dominante do consolidado fiscal do grupo de sociedades do qual faz parte (doravante «GRUPO»), ao qual é aplicável o RETGS – (provado pelo relatório da Inspeção tributária junto sob o nº. 9 com o PPA).
b) No período de tributação de 2018, a Requerente era e continua a ser, a sociedade dominante do perímetro do grupo sujeito ao RETGS, o qual, incluía diversas sociedades dominadas – (provado pelo relatório da Inspeção tributária junto sob o nº. 9 com o PPA).
c) Por referência ao período de tributação de 2018, em cumprimento das suas obrigações fiscais, a Requerente procedeu, a 28 de junho de 2019, à submissão da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do Grupo – (provado pelo doc. 4 junto com o PPA).
d) Entre as várias entidades que compõem o RETGS da A... inclui-se a B..., S.A., com o NIF ... com sede em ..., ...-... ..., uma sociedade anónima com vasta experiência no campo CAE principal “10395 – Preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos” e “10893 – Fabricação de outros produtos alimentares diversos, não especializado” – (provado pelo doc. 5 junto com o PPA).
e) A B... dedica-se essencialmente à transformação em moldes industriais de tomate, submetendo-o a várias operações de base física e química de modo a produzir produtos alimentares destinados ao consumo, desde concentrados de tomate até produtos pré‑cozinhados (e.g., molho de tomate com legumes, ketchup, molho de francesinha, entre outros), para posterior venda a segmento de retalho ou a segmento industrial, dispondo de dois estabelecimentos produtivos em Portugal, sitos na ... e em ... (sede social), ambos pertencentes à C... e D...– (provado pelo doc. 4 junto com o PPA e pelo relatório da Inspeção tributária junto sob o nº. 9 com o PPA).
f) No período de tributação de 2018, a Requerente era a sociedade dominante do perímetro do grupo do qual fazia parte, com interesse para os presentes autos, a sociedade dominada “B..., S.A., com o NIF...– (provado pelo relatório da Inspeção tributária junto sob o nº. 9 com o PPA).
g) Em 2018, a B... efetuou os seguintes investimentos nas diversas fases do seu processo produtivo, a saber:
A. Investimento em “Capsuladora para a linha de vidro”;
B. Investimentos na melhoria de processo da fábrica de ...;
C. Investimentos na melhoria de processo da fábrica de ...;
D. Investimento no “projeto 10/2018 – Envolvedora Estirável”; e
E. Investimento no “projeto 31/2018 – Equipamento Tetra Recart” – (provado pelos depoimentos de E..., F... e G...).
h) A B... foi objeto de uma ação de inspeção interna levada a cabo pela Direção de Finanças de Santarém, ao abrigo da OI nº OI2020... e da referida ação de inspeção resultaram, em sede de IRC, correções às deduções à coleta referentes ao benefício fiscal deduzido a título de RFAI, no valor de 704.492,95 € - (provado pelo doc. 6 junto com o PPA).
i) A inspeção tributária foi conduzida à distância, dada a sua natureza interna, não tendo a AT visitado as instalações fabris em ... e na ..., de forma a compreender de forma mais clara o seu funcionamento e a importância das aplicações efetuadas para efeitos de RFAI – (provado pelos depoimentos de E..., F... e G... e documento nº. 6 junto com o PPA).
j) No seguimento da inspeção, foi notificada à B... o projeto de correções do relatório de inspeção pelo ofício nº. ... de 11/03/2022 – (provado pelo doc. 6 junto com o PPA).
k) A AT propôs nesse relatório a desconsideração do montante total de RFAI de que a Requerente beneficiou em 2018, o qual se cifrou em 749.906,61 €, tendo a referida sociedade B... tempestivamente exercido o seu direito de audição prévia – (provado ainda pelo doc. 8 junto com o PPA).
l) A AT manteve todas as correções no âmbito de relatório final de inspeção dirigido à B... em maio de 2022 – (provado ainda pelo doc. 8 junto com o PPA).
m) A 18 de outubro de 2022, a AT iniciou um novo procedimento de inspeção, desta feita dirigido à Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS em que se integra a B..., para aplicar no RETGS as correções na esfera da B..., o qual se encerrou a 17 de janeiro de 2023, com a notificação do Relatório Final de Inspeção, tendo este procedimento sido classificado como externo (OI2022...) – (provado pelo doc. 9 junto com o PPA e pela Ordem de Serviço constante do PA junto pela AT).
n) Esta inspeção designada como “externa” não envolveu a realização pela AT de qualquer diligência nas instalações da Requerente ou de terceiros, mas apenas diligências puramente internas da AT – (provado pelo doc. n.º 9 junto ao PPA, bem como o testemunho de H...).
o) As correções foram posteriormente concretizadas, por relatório datado de 30/1/2023, através da emissão de um ato de liquidação adicional de imposto, liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, dirigidos à Requerente enquanto sociedade dominante do grupo, notificado via CTT a 24 de fevereiro de 2023, visando a incorporação das correções feitas ao RFAI da B... no RETGS do Grupo A... – (provado pelos docs. 1,2 e 3 juntos com o PPA).
p) A B... foi objeto de inspeção tributária com referência ao RFAI do exercício de 2015, tendo a AT reconhecido nesse âmbito que “após análise aos elementos recebidos e respeitantes ao benefício fiscal RFAI parecem-nos estar cumpridas as condições para o sujeito passivo poder beneficiar da dedução à coleta, no ano 2015, não nos oferecendo também dúvidas quanto aos cálculos efetuados relativos a essa mesma dedução” – (provado pelo relatório final de inspeção ao exercício de 2015 junto com o PPA. como doc. n.º 11).
q) De modo diverso, a AT desconsiderou o RFAI de que a B... beneficiou em 2016, tendo esse ato de liquidação adicional de imposto relativo a 2016 sido objeto de integral anulação em sede de arbitragem tributária, mais concretamente no processo n.º 447/2022-T, o qual, entretanto, já transitou em julgado – (provado pelo doc. 12 junto com o PPA).
r) No decurso do ano de 2021, a AT deu início a um procedimento de inspeção tributária interna à B... (ao abrigo da ordem de serviço OI2020...) que teve por objeto a validação dos requisitos subjacentes aos benefícios fiscais de SIFIDE e RFAI de que esta entidade beneficiou no período de tributação de 2017 – (provado pelo Acórdão junto em 29-4-2024).
s) A AT propôs a desconsideração do montante total de RFAI de que a Requerente beneficiou em 2017, o qual se cifrou em € 234.984,13, tendo mantido a sua posição no relatório final de inspeção, desconsiderando por completo a audição prévia entretanto exercida pela B... – (provado pelos documentos 7 e 9 juntos com o PPA e pelo Acórdão junto em 29-4-2024)
t) A ora Requerente foi notificada de novo projeto de correções, destinado a incorporar a correção feita ao RFAI da B... no RETGS do Grupo A... – (provado pelo doc. 12 junto com o PPA).
u) Tendo a ora Requerente impugnado perante o CAAD a liquidação que teve por base essas correções, veio essa impugnação a ser objeto do processo 203/2023-T, onde foi decidido “declarar ilegal e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa, bem como do ato tributário de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2017, da respetiva liquidação de juros compensatórios e da correspondente demonstração de acerto de contas” – (provado pelo Acórdão junto em 29-4-2024).
v) A atividade económica que é levada a cabo pela B... consiste, portanto, na produção e transformação industrial de produtos agroalimentares à base de tomate para posterior venda a retalho / restauração – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
x) Esta atividade pode ser resumida em quatro etapas, a saber: i) a etapa de receção, avaliação e tratamento primário da matéria-prima; ii) a etapa de processamento e transformação para venda; iii) a etapa do enchimento, embalamento e rotulagem; e iv) a etapa de armazenagem – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
y) No âmbito da primeira etapa, a matéria-prima é sujeita a uma linha de processamento de produção de tomate industrial, no âmbito do qual o mesmo é objeto de receção, classificação e validação de qualidade – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
z) Posteriormente, a matéria-prima é sujeita a um tratamento primário de lavagem, trituração, aquecimento e refinação para obtenção de sumo de tomate – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
aa) De seguida, o tomate é submetido a um processo de evaporação (ou corte e pelagem), para a obtenção do extrato de tomate – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
bb) Por último, o tomate é submetido a processos de pasteurização e enchimento asséptico dos sacos – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
cc) Desta primeira etapa resultam três tipos de produto: i) concentrado de tomate (“hot-break” e “cold-break”); ii) molho de pizza; e iii) tomate em cubos; sendo os mesmos sujeitos a novos momentos de transformação na segunda etapa de produção – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
dd) Seguidamente, no âmbito da segunda etapa, a matéria-prima é encaminhada para uma linha de processamento de transformação para retalho e food service onde é misturado e cozido o tomate industrial com outros ingredientes, dando-se nova pasteurização – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... e G...).
ee) Os produtos obtidos no final desta segunda etapa correspondem essencialmente a: i) polpas e concentrados; ii) molhos e ketchup; e iii) tomate pelado e em pedaços. Posteriormente, os produtos produzidos passam para as suprarreferidas etapas de embalamento, rotulagem e armazenamento em paletes – (provado pelos docs. 13 a 23 juntos com o PPA e pelos depoimentos de E..., F... G...).
ff) A atividade desenvolvida pela B... não beneficia de qualquer auxílio de Estado em que: (i) o montante do auxílio seja fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa, ou (ii) auxílios subordinados à condição de ser total ou parcialmente repercutidos nos produtores primários – (provado pelo depoimento de G...).
gg) Em 24.02.2023 a Requerente é notificada do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativo ao exercício de 2018, identificada pelo n.º 2023..., bem como da respetiva liquidação de juros compensatórios com o n.º 2023..., e, ainda, da demonstração de acerto de contas identificada pelo n.º 2023..., todas associadas à compensação n.º 2023..., com o valor final de € 301.728,10 e com data limite de pagamento em 12-4-2023 – (provado pelos docs. 1, 2 e 3 juntos com o PPA)
hh) Foi instaurado um processo de execução fiscal com o nº. ...2023..., para cobrança da quantia referida na alínea anterior, onde para obter a respetiva suspensão, a Requerente, enquanto executada nesse processo de execução fiscal prestou garantia, em 9/6/2023, por meio da garantia bancária do Banco Santander Totta, SA, no valor de € 383.299,74 conforme lhe foi exigido e aceite pela AT – (provado ainda pelo doc. 10 junto com o PPA).
ii) Em 29.04.2024 é apresentado requerimento dando conhecimento do resultado do Processo nº. 203/2023-T, favorável à Requerente em matéria idêntica à do presente processo, relativo ao ano de 2017 – (provado pelo Acórdão junto em 29-4-2024).
j) O presente pedido de pronúncia arbitral foi apesentado em 11-7-2023.
II.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no que consta do processo administrativo, em que o mesmo é junto de forma parcelar, mas que consta na sua totalidade do documento junto pela Requerente e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta que lhe sucedeu, bem como da prova testemunhal produzida em sede de inquirição.
III. Matéria de direito
III.1 - Questões a resolver:
Como questões a resolver, temos as seguintes:
- da alegada caducidade do direito de liquidação;
- da alegada falta de fundamentação do ato de liquidação;
- da elegibilidade da atividade da Requerente para o âmbito de aplicação do RFAI;
- da elegibilidade dos investimentos que, em concreto, foram realizados para os benefícios do RFAI;
- da eventual indemnização pelas despesas com a garantia bancária.
No âmbito da apreciação da questão da alegada caducidade do direito de liquidação, apreciar‑se-á a qualificação da inspeção realizada à ora Requerente e referida nas alíneas n) e m) dos factos provados, no sentido de averiguar se, apesar de ser qualificada como externa a mesma assumiu realmente essa natureza.
III.2 – Da eventual caducidade do direito de liquidação:
1. Começamos pela eventual caducidade do direito de liquidação por parte da AT, pois que, de entre os vícios invocados, a eventual procedência dessa caducidade do direito de liquidação adicional é a decisão que conduz a uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente alegadamente ofendidos pela AT – cfr, artº. 125º., nº. 2, al. a) do CPPT.
Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT, “[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
Sendo que nos termos do n.º 4 daquele mesmo artigo se prevê que “[o] prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.
Já no artigo 8.º, n.º 9 do CIRC determina-se que “[o] facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”.
Estabelecendo-se no artigo 101.º do CIRC que “A liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efetuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.”, pelo que se aplica o prazo geral de caducidade de 4 anos.
É este o entendimento defendido na jurisprudência arbitral, citando-se a mero título de exemplo, o acórdão arbitral proferido em 13 de Outubro de 2023, no âmbito do processo n.º 746/2022-T, que tem o seguinte sumário:
“Nos impostos periódicos, como o IRC, o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT começa a contar a partir do termo do ano fiscal, ou seja, do último dia do período de tributação relevante, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo. O conceito de “termo do ano” neste preceito refere-se ao termo do ano fiscal, e não ao termo do ano civil.”.
2. No presente caso, resulta do RIT que o período de tributação da Requerente coincide com o ano civil, o que significa que relativamente ao IRC do período de tributação de 2018, o facto tributário verificou-se no dia 31.12.2018. Por conseguinte, o direito de liquidação de imposto pela AT caduca no dia 31.12.2022.
Não é controvertido nos autos que os atos de liquidação de IRC apenas foram emitidos em 20 e 23 de Fevereiro de 2023, tendo sido notificados à Requerente em 24 de Fevereiro de 2023 – cfr. factos provados na alínea gg) dos factos provados.
3. O que é controvertido nos autos é a qualificação da inspeção tributária quanto ao lugar da sua realização, bem como os efeitos que lhe estão associados.
Por um lado, defende a Requerida que foi realizada uma ação inspetiva externa, que por não ter ultrapassado o período de seis meses, suspendeu a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação pelo período em que a mesma se verificou.
O que a Requerida defende com base no disposto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, que determina que “[o] prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.”
De acordo com a Requerida, a ação inspetiva teve o seu início em 18.10.2022, tendo-se suspendido nessa data o prazo de caducidade até ao dia 05.02.2023, data em que a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção tributária. Neste sentido, defendeu a Requerida que a notificação da liquidação adicional de IRC relativa ao período de tributação de 2018, poderia ter ocorrido até ao dia 20.04.2023, razão pela qual não se verificou a caducidade do direito à liquidação.
Já a Requerente defendeu que não pode ser aplicado o regime da suspensão previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, porque a ação inspetiva foi indevidamente qualificada como externa.
De acordo com a Requerente, a inspeção tributária não realizou quaisquer diligências nas suas instalações nem nas instalações da sua subsidiária B..., o que se explica pelo facto de o procedimento tributário na esfera da Requerente ter tão só visado concretizar na sua esfera jurídica, enquanto entidade dominante do grupo RETGS, a correção relativa ao RFAI de 2018 que havia sido efetuada à B... no âmbito de um procedimento inspetivo interno.
Assim, concluiu a Requerente que foi realizado um procedimento inspetivo interno, de tal modo que os atos de liquidação foram notificados após a verificação do prazo de caducidade do direito à liquidação.
A resposta a esta questão reside, portanto, na qualificação que deve ser atribuída ao procedimento inspetivo do qual resultaram as correções tributárias e o ato de liquidação de IRC na esfera da Requerente.
Vejamos.
4. A qualificação atribuída pela AT ao procedimento inspetivo quanto ao lugar da sua realização não tem um carácter vinculativo, sendo suscetível de posterior sindicância administrativa e judicial. O que quer dizer que a própria AT ou os Tribunais podem divergir da qualificação dada ao procedimento inspetivo pelos SIT com base na análise dos concretos atos praticados no decurso do mesmo.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 27.01.2022, no âmbito do processo n.º 290/08.0BEFUN, no qual se referiu que “[a] qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo se vier a revelar-se que o conteúdo dos atos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos atos que a Administração praticar”.
O procedimento será interno “quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento”, conforme previsto na alínea a) do artigo 13.º do RCPITA.
Se a atuação da inspeção tributária for desenvolvida “total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”, já estaremos perante uma inspeção tributária externa nos termos da alínea b) do artigo 13.º do RCPITA.
Ora, não resulta dos autos, designadamente do RIT relativo à Requerente, que a AT tenha realizado quaisquer atos fora das suas instalações para levar a cabo o procedimento inspetivo. Nem tais diligências foram invocadas pela Requerida na sua resposta, que não refutou os factos elencados pela Requerente a este respeito.
Acresce que, no presente caso, não é possível aplicar a doutrina segundo a qual “um procedimento inspetivo que se reconduza à análise interna de elementos colhidos em diligências inspetivas externas de outros procedimentos é também um procedimento externo”, tal qual resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 17.12.2019, no âmbito do processo n.º 072/13.8BEMDL.
Isto na medida em que o procedimento inspetivo realizado à B... foi interno, não se tendo deslocado os SIT às instalações daquela sociedade, nem mesmo para efeitos de controlo dos investimentos efetuados ao abrigo do RFAI.
Dito isto, conclui-se que o procedimento inspetivo realizado na esfera da Requerente qualifica-se como interno nos termos do disposto no artigo 13.º, alínea a) do RCPITA.
5. Consequentemente, não se verificou qualquer suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação ao abrigo do regime previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT.
Em face do exposto, verifica-se que no caso sub judice a notificação à Requerente da liquidação adicional de IRC aqui contestada ocorreu após o decurso do prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, razão pela qual se julga procedente a ilegalidade invocada pela Requerente, impondo-se a anulação dos atos impugnados, com fundamento na caducidade do direito de liquidação à data em que a Requerente foi notificada da liquidação adicional.
6. Deste modo, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados pela ora Requerente e que seriam objeto das demais questões de direito enunciadas.
IV. Indemnização pela prestação de garantia indevida
A Requerente vem pedir ao abrigo do disposto no artigo 53. ° da LGT, que a AT seja condenada numa indemnização à Requerente dos encargos por ela suportados com a garantia bancária prestada no processo de execução fiscal, tendo em vista a suspensão do mesmo.
Dispõe o citado artº. 53º. da LGT relativamente à garantia em caso de prestação indevida, o seguinte:
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Face ao texto legal, tem aqui aplicação este artigo, sem a limitação temporal fixada em 1., desde que se prove que houve erro imputável aos serviços.
E, no caso dos presentes autos, esse erro é manifesto, pois que foi a AT que qualificou indevidamente o procedimento inspetivo como externo e foi a AT que notificou a Requerente dos atos de liquidação contestados no presente processo após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Por isso, entendemos que as ilegalidades apontadas pela Requerente à liquidação adicional ora posta em crise e anulada por esta decisão resulta de forma clara e inequívoca de erro imputável aos serviços tributários.
Por isso, na indemnização que é devida à Requerente pela AT não há que considerar o prazo do nº. 1 do artº. 53º. da LGT, mas aplicar o nº. 2 desta norma legal.
Como, porém, a Requerente não indicou os montantes despendidos com essa garantia, quer na sua constituição, quer em eventuais prestações regulares ou outras que, por força da sua concessão, tenha pago, nem no seu requerimento inicial, nem em sede de alegações, não tem este tribunal elementos que lhe permitam a fixação da indemnização que é devida à Requerente pela garantia bancária prestada, pelo que, nos termos permitidos pelo artº. 609º., nº. 2 do Cod. Proc. Civil, aplicável subsidiariamente, a condenação da AT no pagamento da indemnização será genérica e a liquidar em execução da presente decisão, no montante que vier a ser fixado, dentro dos limites fixados no nº. 3 ainda do citado artº. 53º. da LGT.
V. Decisão
Nestes termos, decide o tribunal arbitral
a) Declarar-se materialmente incompetente para conhecer do pedido de anulação do processo de execução instaurado contra a Requerente, absolvendo-se parcialmente a Requerida da instância.
b) Anular a liquidação adicional de IRC, juros compensatórios e acerto de contas e que constam das notas de liquidação acima identificadas.
c) Julgar procedente o pedido de condenação da requerida no pagamento da indemnização pelas despesas suportadas pela Requerente com a prestação de garantia, a liquidar nos termos do artº. 53º., nºs. 3 e 4 da Lei Geral Tributária, em execução da presente decisão.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 301.728,10, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Lisboa,16 de maio de 2024
Árbitra Presidente
(Carla Castelo Trindade)
Árbitro Vogal
(Henrique Fernando Rodrigues)
Árbitro Vogal
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)