Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 229/2023-T
Data da decisão: 2024-04-04  IRC  
Valor do pedido: € 7.447,66
Tema: IRC. Derrama estadual. Derrama regional. RETGS
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SUMÁRIO:

  1. Em sede de IRC, a derrama estadual é calculada e apurada individualmente, sendo indiferente que o sujeito passivo se situe ou não dentro do perímetro de um Grupo sujeito ao RETGS.
  2. Relativamente a uma sociedade que exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que apresenta lucro tributável superior a € 1.500.000,00, sujeito e não isento de IRC, que é residente na Região Autónoma dos Açores e que integra o perímetro de Grupo de empresas ao abrigo do RETGS, são aplicáveis as taxas de derrama regional, constantes do artigo 2.º do Decreto-Legislativo Regional, n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro, não obstante as demais sociedades do Grupo não serem residentes naquela Região Autónoma.

 

DECISÃO ARBITRAL

RELATÓRIO

1. A..., SA, pessoa coletiva nº..., com sede social na ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de atual sociedade dominante designada, nos termos do nº 3 do artigo 69.º-A do Código do IRC, para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do

Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) e, de forma subsidiária, B..., SA, pessoa coletiva nº..., com sede social na Rua ..., nº ..., ...-... ..., apresentaram, no dia 31 de março de 2023, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

No pedido de pronúncia arbitral, as Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o signatário como árbitro, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

No dia 19 de maio de 2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído no dia 6 de junho de 2023.

No dia 13 de junho de 2023, foi efetuada a notificação da Autoridade Tributária para apresentar, querendo, a respetiva resposta, o que veio a suceder no dia 1 de setembro de 2023.

Na Resposta, a Autoridade Tributária manifestou o respetivo entendimento no sentido de que a liquidação impugnada corresponde a uma correta aplicação do Direito aos factos devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.

No dia 6 de dezembro de 2023, o tribunal proferiu um despacho, no qual deu conta de que as partes não arrolaram testemunhas nem suscitaram quaisquer exceções, razão pela qual foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações. Finalmente, por entender que a questão é complexa, prorrogou por dois meses o prazo para a decisão final.

Mais tarde, no dia 6 de fevereiro de 2024, o tribunal prorrogou novamente o prazo por mais 2 meses, por não ser possível concluir a decisão dentro do prazo inicialmente estipulado.

A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2022..., entretanto apresentada e dirigida à apreciação da legalidade da autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas nº 2021..., de 5 de agosto de 2021, na parte relativa ao montante devido a título de derrama estadual e, em consequência, da ilegalidade referida a restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de € 7 447,66 e ainda o pagamento dos juros indemnizatórios correspondentes, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objeto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre assim apreciar e decidir.

 

POSIÇÃO DAS REQUERENTES

As Requerentes sustentam que a liquidação objeto da reclamação graciosa é ilegal, entendendo que não pode a AT, por via da equiparação da Derrama Regional à Derrama Estadual e desta última ao IRC inviabilizar a aplicação do regime previsto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional número 21/2016-A, de 17 de Outubro, à B..., SA, socorrendo-se da aplicação do requisito relativo à sujeição à “taxa normal (de IRC) mais elevada”, para assim concluir pela impossibilidade de liquidação de Derrama Regional, no caso de uma sociedade que faz parte integrante do RETGS.

Entendem, ainda, as Requerentes que, para que se faça correta interpretação do artigo 69.º do Código do IRC, acerca da necessidade de aplicação do regime geral de IRC à taxa normal mais elevada, deverá ser analisada a ratio legis do preceito em causa.

Nesta perspetiva, se se compreende a comunicação imediata  de prejuízos fiscais e lucros tributáveis das sociedades que integram  o RETGS, com vista à  coerência para evitar que entidades com diferentes taxas de IRC contribuam com os seus lucros tributáveis e prejuízos fiscais para um lucro tributável apurado pelo grupo em que não existia uma única taxa de IRC aplicável, a questão não se verifica na derrama estadual/regional, na medida em que a derrama apurada no grupo resulta do somatório das derramas individuais.

Por fim, sustentam que o legislador insular, não só não se esqueceu das sociedades com sede na Região Autónoma dos Açores que integram um RETGS, como se dedicou inclusivamente a compaginá-las com a aplicação da derrama regional a sociedades que integram o perímetro de um grupo fiscal. Concluem requerendo o reembolso da quantia correspondente à diferença entre o montante inicialmente pago a título de derrama estadual e o montante que, em seu entender, deveria ter sido pago, em virtude da aplicação do regime previsto para a derrama regional, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

POSIÇÃO DA REQUERIDA

Notificada para apresentar Resposta, a Autoridade Tributária veio sustentar que a derrama regional, com a redução de taxas, apenas se aplica a residentes na Região Autónoma dos Açores e a não residentes com estabelecimento estável nessa mesma Região Autónoma.

A opção pela aplicação do RETGS somente pode ser formulada quando se verifique um conjunto de requisitos, nomeadamente que a totalidade dos rendimentos de todas as sociedades pertencentes ao grupo, com sede ou direção efetiva em território português, esteja sujeita ao regime geral de IRC à taxa normal mais elevada, em conformidade com o disposto no artigo 69.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRC.

Assim, não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, estejam sujeitas a uma taxa inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação. No âmbito do RETGS, nos casos em que a sociedade dominante tenha sede social no território continental e o grupo integre sociedades dominadas com sede social nas Regiões Autónomas, a totalidade dos rendimentos das sociedades do grupo encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, nos termos do artigo 69.º, n.º 3, alínea a), do CIRC.

Deste modo, uma vez que as derramas estadual e regional têm a natureza de IRC, para que possam ser integradas no perímetro do grupo tributado pelo RETGS, as sociedades dominadas localizadas na Região Autónoma dos Açores estão sujeitas a derrama estadual, nos termos do artigo 87.º- A do CIRC. Tudo visto, conclui a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados

A A..., SA é uma sociedade anónima que se dedica à prestação de serviços de operação e manutenção de infraestruturas rodoviárias e ao exercício de atividades conexas.

A B..., SA é uma sociedade anónima que tem por objeto social o exercício de atividade pública concessionada de conceção, projeto, construção, alteração de vias, reabilitação ou reformulação, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT) de vários lanços de autoestrada.

Para efeitos fiscais, ambas as sociedades foram tributadas no âmbito do RETGS, através da opção prevista no artigo 69º.-Aº do Código do IRC, que tinha no período de tributação de 2020 a A..., SA como sociedade designada, nos termos do número 3 do referido artigo, para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do RETGS.

Neste âmbito, e por referência ao período de tributação de 2020, o perímetro do RETGS do Grupo C... era composto por 4 sociedades, entre as quais se incluem a A..., SA e a B..., SA.

Por referência ao período de tributação de 2020 e, em cumprimento das obrigações declarativas previstas na alínea b) do número 1 do artigo 117.º e do número 1 do artigo 120.º do Código do IRC, a B..., SA procedeu à entrega da declaração modelo 22 de IRC no dia 16 de junho de 2021, a qual foi identificada com o código ...-...-... .

Na qualidade de sociedade designada, nos termos do número 3 do artigo 69.º- A do Código do IRC, para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante do Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do RETGS e, em cumprimento do disposto na alínea a) do número 6 do artigo 120.º do Código do IRC, a A..., SA procedeu à entrega da declaração modelo 22 de IRC do Grupo no dia 19 de julho de 2021, a qual foi identificada com o código ...-...-....

Em resultado da entrega da aludida declaração modelo 22 de IRC foi emitida a nota de liquidação número 2021..., de 5 de agosto de 2021.

A B..., SA declarou no campo 373 do Quadro 10, relativo à Derrama Estadual, o montante de € 37 238,29.

Em resultado da declaração modelo 22 de IRC, entregue ao nível do Grupo, foi apurado um montante de Derrama Estadual a pagar no montante de € 85 249,44.

Na sequência da resposta da AT a um pedido de esclarecimento, através do serviço e-balcão, a B..., SA por referência ao período de tributação de 2020 e em cumprimento do ali referido, submeteu a declaração modelo 22 de IRC individual, inscrevendo no campo 373 o montante de € 37 238,29, devido a título de Derrama Estadual, ao invés do montante de € 29.790,63 de Derrama Regional, que entendia ser o correto.

A liquidação impugnada foi integralmente paga, tendo sido objeto da reclamação graciosa nº ...2022... .

A decisão final do procedimento de reclamação graciosa foi notificada através do ofício nº ...DJT/2022, de 27 de dezembro de 2022.

 

Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Motivação quanto à matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Com efeito, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa ou causas de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor, conforme dispõem os artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4 do Código do Processo Civil.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação à prova produzida, na sua convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (Artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Por outro lado, nos termos do artigo 16.º, alínea e) do RJAT, vigora no processo arbitral tributário o princípio da livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros.

A matéria de facto dada como provada refere-se aos documentos juntos pela Requerente, bem como aos constantes do processo administrativo oportunamente junto pela Requerida, que não foram impugnados e os quais, analisados de forma crítica, constituíram a base da convicção do Tribunal, quanto à realidade dos factos descrita supra.

A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes; o acervo probatório carreado para os autos foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

 

Matéria de direito

Questões a decidir

A principal questão a decidir prende-se com a necessidade de saber se, em relação a uma sociedade comercial, que exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que apresenta lucro tributável superior a € 1.500.000,00, sujeito e não isento de IRC, que é residente na Região Autónoma dos Açores e que integra o perímetro de Grupo de empresas ao abrigo do RETGS, não sendo, contudo, as demais sociedades do Grupo residentes naquela Região Autónoma, devem ser aplicáveis as taxas de derrama estadual constantes do artigo 87.º-A, do Código do IRC ou as taxas de derrama regional, constantes do artigo 2.º do Decreto-Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro.

Por outro lado, deve ainda verificar-se se, em caso de procedência do PPA, deve a Autoridade Tributária ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

A denominada derrama estadual foi criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho que, nesse âmbito, aditou três novos artigos ao Código do IRC, que são o artigo 87.º-A, que instituiu a derrama estadual, o artigo 104.º-A, que consagrou as regras de pagamento da derrama estadual, e o artigo 105.º-A, que previu a obrigação de se efetuarem três pagamentos adicionais por conta da derrama estadual considerada devida, por referência ao exercício relativo ao momento em que são feitos.

Assim, a derrama estadual, com âmbito geográfico nacional, é devida pelas entidades residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e pelas entidades não-residentes com estabelecimento estável em território português, sempre que apurem um lucro tributável sujeito a IRC e dele não isento, superior a € 1.500.000, sendo a respetiva (auto)liquidação efetuada na declaração modelo 22 do IRC.

Através do Decreto-Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro, e do Decreto-Legislativo Regional n.º 14/2010-M, de 5 de Agosto, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, deram, respetivamente, à derrama estadual a forma de derrama regional.

No preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro pode ler-se o seguinte: 

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores dota a Assembleia Legislativa Regional da faculdade de legislar em matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Estes princípios materializam-se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de [das] Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efetuado nos termos do presente decreto legislativo regional. Por via da adaptação referida, estabelece-se uma redução de 20 % nas taxas da derrama regional face às atualmente aplicadas em sede da derrama estadual, tendo por fundamento a identidade entre aquelas derramas e o IRC, bem como a redução deste último na Região Autónoma dos Açores ao abrigo do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de janeiro, na sua redação atual.

E o artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro estatui que: 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza  comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da  tabela seguinte:

[…]

  1. - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (nosso sublinhado), as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo (nosso sublinhado), incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
  2. - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.

A questão em discussão releva de qual a interpretação a conferir ao artigo 2.º, n.º 4 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro, em confronto com o que determina o artigo 87A.º, n.º 3, do Código do IRC.

Na verdade, a primeira daquelas normas impõe que os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, enquanto a segunda daquelas normas dispõe que, no caso de aplicação do RETGS, as taxas incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante. As Requerentes defendem que, no caso de aplicação do RETGS, as taxas de derrama são apuradas sobre o lucro tributável determinado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, pelo que, sendo alguma delas residente na Região Autónoma dos Açores, como é o caso da B..., SA, é aplicável o artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Legislativo Regional n.º 21/2016A, de 17 de Outubro, com exclusão do artigo 87-A, do Código do IRC.

Já a Requerida entende que são aplicáveis as taxas de derrama que se encontram previstas no artigo 87.º-A, do Código do IRC, na medida em que a alínea d), do n.º 4 do artigo 69.º do mesmo diploma, dispõe que não podem, para esses efeitos, fazer parte do grupo de sociedades, no início ou durante a aplicação do regime, aquelas sociedades que estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação, sendo que, atendendo à sua natureza jurídico- fiscal, deve concluir-se que a derrama se encontra incluída na coleta de IRC tendo, por essa razão, natureza de IRC.

No desenvolvimento que se segue, o Tribunal irá seguir muito de perto a argumentação que, em situação idêntica, foi expendida nas Decisões arbitrais referentes aos processos 836/2021T e 221/2023-

T.

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro. consagrou um inovador regime de tributação dos grupos de sociedades, no qual se desconsideraram as regras de consolidação das contas e se consagrou um modelo que agrega as contas das sociedades para o apuramento do lucro tributável do grupo, que corresponde à soma algébrica dos resultados fiscais apurados por cada uma das sociedades incluídas no grupo fiscal, nos termos das declarações de rendimentos individuais.

Assim, sociedades juridicamente independentes optam por ser tributadas como se de uma única entidade se tratasse, podendo fazer diluir os lucros tributáveis de umas nos prejuízos fiscais de outras, todas integrantes do grupo de sociedades.

Ou, dito de outro modo, pretendeu-se tributar a realidade económica de um determinado grupo de sociedades, através da definição de critérios que evidenciem a existência de uma integração económica ou unidade, e.g., detenção de uma participação social e de direitos de voto.[1]

Por outro lado, a opção pelo RETGS requer de forma específica que a totalidade dos rendimentos das sociedades que fazem parte do grupo esteja sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa geral mais elevada (Artigo 69.º, n.º 3, alínea a) do Código do IRC).

E no artigo 69.º, n.º 4 do mesmo diploma legal são enumeradas diversas situações que, a ocorrerem, resultam na exclusão das sociedades do âmbito do RETGS.

Estas situações incluem, nomeadamente, não estarem as sociedades integrantes do Grupo sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada ou, caso estejam, abdicarem da isenção. Em síntese, no RETGS o elemento crucial é o resultado fiscal do grupo, determinado pela sociedade dominante através da apresentação de uma declaração de rendimentos do grupo, envolvendo a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações de rendimentos individuais de cada uma das sociedades que compõem o perímetro do grupo.

Posto isto, coloca-se a questão de saber se, em relação à derrama, a unidade do grupo referida se mantém nos mesmos termos.

A Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, inovadoramente, instituiu a derrama estadual, passando a sujeitar as sociedades a esta em função do lucro tributável obtido.

Assim, ao IRC devido por pessoas coletivas que exercem, a título principal, atividades comerciais, industriais ou agrícolas, acresce a derrama estadual, sendo esta calculada com base no montante do lucro tributável.

No contexto de grupos societários, o legislador adotou uma abordagem semelhante à derrama municipal, calculando-a com base no lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada sociedade do grupo, incluindo a sociedade dominante, conforme o artigo 87.º-A, n.º 3 do Código do IRC.

Desta forma, a derrama estadual considera o lucro tributável apurado nas declarações periódicas individuais das sociedades do grupo, incluindo a dominante, sendo esta última a responsável por incluir, na declaração do grupo, o mero somatório das derramas estaduais calculadas individualmente e efetuar o respetivo pagamento.

A determinação do montante individual da derrama estadual é assim realizada de forma independente quanto a cada sociedade integrante do Grupo, não tendo aqui como base do apuramento a unidade económica do grupo.

Entende o Tribunal que IRC e derrama são impostos distintos, apesar da natureza acessória desta última.

A doutrina aborda a distinção entre impostos principais e acessórios e observa que os impostos principais têm autonomia e existem independentemente de qualquer relação tributária anterior. E que os impostos acessórios são adicionados aos impostos principais, dependendo da existência prévia dessa relação tributária.[2]

Também a jurisprudência entende que a derrama estadual, embora definida como adicional, funciona como um adicionamento, pois incide sobre a matéria coletável do IRC e não sobre a sua coleta.[3]

E assim, enquanto a taxa de IRC incide sobre a totalidade do lucro tributável do sujeito passivo em determinado exercício, a derrama estadual incide apenas sobre uma parte desse lucro tributável, que é aquela que ultrapassa € 1.500.000,00, parcela já tributada em IRC.

E a derrama estadual incide sobre o lucro tributável de IRC, não considerando os prejuízos fiscais das empresas.

Isto é, a determinação da derrama estadual efetua-se na esfera jurídica individual de cada sociedade participante do grupo, como se esta não participasse de qualquer grupo.

Com efeito, determinou o legislador, aliás, desde o início de vigência da denominada derrama estadual (Artigo 87.º-A, do Código do IRC) que, no caso dos sujeitos passivos aos quais seja aplicável o RETGS, a taxa de derrama estadual incide não sobre o lucro tributável apurado ao nível do Grupo, mas antes sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo.

Esta regra é ainda sublinhada no artigo 105.º-A, n.º 4 do Código do IRC, que, relativamente ao “pagamento adicional por conta”, estatui que, quando seja aplicável o RETGS, é devido pagamento adicional por conta por cada uma das sociedades do grupo.

De tudo isto decorre que, em matéria de derrama estadual, a tributação afasta-se decididamente da lógica própria do RETGS - aqui o apuramento do lucro tributável ao nível da soma algébrica dos lucros tributáveis (e prejuízos) do Grupo, ali o apuramento da derrama individualmente por cada sujeito passivo, como se não existisse RETGS.

E é reconhecido que, no que toca à derrama estadual, a solução legislativa do apuramento por cada sociedade, individualmente, visou colocar todos os sujeitos passivos no mesmo patamar.

Ou seja, a derrama é calculada e apurada em termos individuais, sendo indiferente para esses cálculo e apuramento a circunstância de uma sociedade pertencer ou não a um grupo de sociedades. De tudo isto decorre que a um sujeito passivo, pessoa coletiva, que seja residente na Região Autónoma dos Açores e que exerça, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, é aplicável a derrama regional, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro, e as taxas constantes da tabela do n.º 1 do artigo 2.º deste diploma, independentemente de esse sujeito passivo integrar ou não um grupo de sociedades para efeitos do RETGS.

E, em consequência, a B..., SA, não obstante integrar um grupo de sociedades ao qual se aplica o RETGS, está sujeita à derrama regional, calculada nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016-A, de 17 de Outubro,

Nos termos que se deixaram expostos, haverá que que concluir pela ilegalidade da liquidação impugnada e julgar procedente o pedido de anulação parcial desta, nos termos que constarão da parte dispositiva da presente decisão arbitral.

Posto isto, importa então verificar se deve a Autoridade Tributária ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

O imposto encontra-se integralmente pago, não existindo dúvidas que, da prática do ato impugnado, resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

É verdade que o montante do imposto em causa decorreu da declaração modelo 22 do IRC, apresentada pela aqui Requerente e que tal montante foi apurado e pago nos termos de uma autoliquidação, pelo que, em princípio, inexiste erro imputável aos serviços da Requerida, já que o excesso de imposto decorreu da conduta das Requerentes.

Porém, importa, no concreto caso destes autos, relevar que, tal como se deu por provado, na sequência da resposta da AT a um pedido de esclarecimento, através do serviço e-balcão, a B..., SA, por referência ao período de tributação de 2020 e em cumprimento do ali referido, submeteu a declaração modelo 22 de IRC individual, inscrevendo, no campo 373, o montante de € 37 238,29, devido a título de Derrama Estadual, ao invés do montante de € 29.790,63 de Derrama Regional, que entendia ser o correto.

Daqui decorre que a mencionada conduta da Requerente, no apuramento da derrama, foi determinada pelos serviços da Requerida, sendo, pois, imputável a esta.

A ocorrência de «erro imputável aos serviços» constitui pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios.

No caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação, ainda que parcial, da liquidação impugnada, fundam-se em erro nos pressupostos de direito, erro esse imputável aos serviços da AT.

Têm assim as Requerentes direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante já pago, mas apenas na medida do valor que vier a ser anulado.

 

DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de IRC nº 2021..., de 5 de agosto de 2021, na parte relativa ao montante devido a título de derrama estadual e, em consequência, da ilegalidade referida, a restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de € 7 447,66.

O Tribunal Arbitral mais decide julgar procedente o pedido de condenação da Requerida Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, os quais incidirão sobre o valor do imposto agora anulado.

 

VALOR DA CAUSA

As Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 7 447,66, correspondente à parte do imposto resultante da liquidação que entendem dever ser anulado.

O valor indicado pelas Requerentes não foi impugnado pela Requerida e considera o Tribunal não existir fundamento bastante para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 7 447,66.

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a suportar pela Autoridade Tributária.

 

Centro de Arbitragem Administrativa, 04 de abril de 2024

 

O Árbitro

 

Paulo Lourenço

 

 



[1] LUÍS MIGUEL BELO/PAULO ALVES RODRIGUES/ZITA MARGARIDA ALMEIDA, A tributação dos grupos de sociedades: um regime em evolução, Revista Eletrónica de Fiscalidade da Associação Fiscal Portuguesa, Ano 1, N.º 1, 2019, pág. 5-33. 

[2] Ver, por todos, NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, Volume I, 12.ª edição, Editora Rei dos Livros, 2003, pág.135-136. 

[3] Cfr. CAAD - Decisões arbitrais n.º 784/2019-T, de 30-04-2021 e n.º 187/2020-T, de 15-10-2021.