Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 997/2023-T
Data da decisão: 2024-04-16  IRC  
Valor do pedido: € 296.164,00
Tema: IRC. Retenção na fonte. Organismo de investimento colectivo. Violação do Direito da União Europeia. Juros indemnizatórios.
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Augusto Vieira e Dr. Paulo Ferreira Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-02-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

            A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários constituído e a operar em Espanha, com sede na..., ... Bilbao, residente, para efeitos fiscais, em Espanha e aí registado com o número de identificação fiscal ES...,  com o número de identificação fiscal português..., (cfr. Docs. n.ºs 1 a 3(1)) doravante designado por “A...” ou “REQUERENTE”, de que é sociedade gestora o B..., SGIIC, S.A., doravante designada por “B...” ou “sociedade gestora”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte, relativas aos períodos de 2019, 2020 e 2021.

O Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera indevidamente retidas, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 20-12-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 09-02-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27-02-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 12-04-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários ("OICVM"), nos termos da Directiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento e do Conselho, de 13-07-2009, que tinha sede e direção efectiva em Espanha, nos anos de 2019, 2020 e 2021 (documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O Requerente é administrado pelo B..., SGIIC, S.A. (documento n.º 3);
  3. Em 2019, 2020 e 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 1.974.426,63 (€ 785.026,20 relativos ao período de 2019, € 619.060,97 relativos ao período de 2020 e € 570.339,46 relativos ao período de 2021), que foram sujeitos a retenção na fonte de IRC, à taxa de 15%, nos seguintes termos (valores em euros):

ENTIDADE

DATA

DIVIDENDO BRUTO

RETENÇÃO NA FONTE

GUIA

DATA DA ENTREGA

C... SGPS SA

24-05-2019

785.026,20

117.753,93 

...

21-06-2019

D... PORTUGAL SA

14-05-2020

155.083,70

23.262,56

...

22-06-2020

C... SGPS SA

07-07-2020

463.977,27

69.596,59

...

20-08-2020

D... PORTUGAL SA

26-04-2021

106.362,19

15.954,33

...

19-05-2021

C... SGPS SA

06-05-2021

463.977,27

69.596,59

...

21-06-2021

TOTAIS:

 

1.974.426,63

296.164,00

 

 

 

(documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. No dia 18-05-2023, o Requerente apresentou, através de email  dirigido à Direcção de Finanças de Lisboa o pedido de revisão oficiosa dos referidos actos de retenção na fonte (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Não foi proferida decisão sobre o pedido de revisão oficiosa até 18-12-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não são impugnados. 

Na verdade, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira aluda a falta de prova dos factos alegados, não impugna os documentos apresentados pelo Requerente e a transcrição de um voto de vencido, que diz ter sido proferido numa decisão arbitral, não tem qualquer relação com o caso dos autos, baseando-se em dúvidas suscitadas relativamente a outros documentos, respeitantes a outras entidades.

Por outro lado, as dúvidas suscitadas no referido voto de vencido sobre a identidade do beneficiário dos rendimentos não têm qualquer pertinência no caso dos autos, em que é claro pelas declarações que constam do documento n.º 5 que é o Requerente, identificado com a sua designação, sede e número fiscal.

 

3. Matéria de direito

 

O Requerente é um fundo de investimento (Organismo de Investimento Colectivo) com sede em Espanha e não constituído ao abrigo da lei portuguesa.

Em 2019, 2020 e 2021, o Requerente recebeu dividendos, pagos em Portugal por sociedades de direito português, relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte à taxa de 15%.

Em 18-05-2023, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa respeitante às referidas retenções na fonte, que não foi decidida até 18-12-2023, pelo que se formou indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2019, 2020 e 2021, estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, pelo qual se procedeu, ademais, à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento colectivo (OIC), «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».       

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

O Requerente não é constituído ao abrigo da lei portuguesa e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.

O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 

 

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, de harmonia com a citada jurisprudência do TJUE, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros.

Consequentemente, tem de se concluir que os actos de retenção na fonte, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, que manteve os actos de retenção impugnados, enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

 

4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios       

 

A Requerente pede reembolso da quantia de € 296.164,00 retida na fonte, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

4.1. Reembolso

 

Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

No total dos actos de retenção na fonte € 296.164,00, pelo que é esta a quantia a que o Requerente tem direito.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

          O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

          O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

 

O prazo da reclamação graciosa de actos de retenção na fonte em sede de IRC é de «dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior» (artigo 137.º, n.º 3, do CIRC).

Quando o pedido de revisão oficiosa é apresentando no prazo da reclamação graciosa é equiparável a esta, como vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo ( [1] ), pelo que o direito a juros indemnizatórios é regulado pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

            Nos casos em que é apresentada pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

 

            4.2.1. Actos de retenção na fonte relativos aos anos 2019 e 2020

 

            No que concerne aos actos de retenção na fonte relativos aos anos de 2019 e 2020 é manifesto que decorreram mais de dois anos entre o termo dos prazos para entrega, que decorreram até Agosto de 2020, e a data em que foi apresentado pedido de revisão oficiosa, em 18-05-2023.

            Por isso, é aplicável aos juros indemnizatórios a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Assim, aplicando a referida jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar referentes aos anos de 2019 e 2020.

 

 4.2.2. Actos de retenção na fonte relativos ao ano 2021

 

          Relativamente ao ano de 2021, a colocação dos rendimentos à disposição do Requerente ocorreu em 26-04-2021 e 06-05-2021 e as entregas em 19-05-2021 e 21-06-2021 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 18-05-2023.

          Tendo em conta, designadamente, que na contagem do prazo de dois anos se tem de atender às suspensões determinadas pelo n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a interpretação autêntica efectuada pelo artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (86 dias) e pelo artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (74 dias), é manifesto que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado no prazo da reclamação graciosa.

          Assim, o pedido de revisão oficiosa é equivalente a uma reclamação graciosa.

          O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

 

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.

 

          Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

          O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 18-05-2023, pelo que o indeferimento tácito se formou em 18-09-2023, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

          Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, relativa ao ano 2021, que é € 85.550,92 (€ 15.954,33 + 69.596,59).

          Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 85.550,92, desde a data em que se formou indeferimento tácito (18-09-2023), até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.


 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos e anular esses actos quanto aos seguintes valores, incluídos nas respectivas guias:

 

 

ENTIDADE

DATA

DIVIDENDO BRUTO

RETENÇÃO NA FONTE

GUIA

DATA DA ENTREGA

C... SGPS SA

24-05-2019

785.026,20

117.753,93 

...

21-06-2019

D... PORTUGAL SA

14-05-2020

155.083,70

23.262,56

...

22-06-2020

C... SGPS SA

07-07-2020

463.977,27

69.596,59

...

20-08-2020

D... PORTUGAL SA

26-04-2021

106.362,19

15.954,33

...

19-05-2021

C... SGPS SA

06-05-2021

463.977,27

69.596,59

...

21-06-2021

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 296.164,00 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, quanto aos actos de retenção na fonte relativos ao ano de 2021, nos termos referidos no ponto 4.2.2. deste acórdão e condenar a Administração Tributária a pagá-los ao Requerente;
  4. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios relativo aos actos de retenção na fonte relativos aos anos de 2019 e 2020, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 296.164,00, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 16-04-2024

 

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

(Augusto Vieira)

 

 

 

(Paulo Ferreira Alves)



[1]  Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 0402/06; de 14-11-2007, processo n.º 0565/07; de 18-11-2015, processo n.º 01509/13; do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14.