Sumário
I – O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
II – A proibição de restrições aos movimentos de capitais aplica-se não só entre Estados-Membros, mas também entre Estados-Membros e países terceiros.
III – É ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações países terceiros.
IV – A ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim "aos serviços", devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto.
V - Nos casos em que é apresentado pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.
VI – Segundo jurisprudência uniformizada do STA, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo.
Os árbitros Professor Doutor Guilherme W.d’Oliveira Martins (árbitro-presidente), Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (vogal) e Dr. Augusto Vieira (vogal-relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) acordam o seguinte:
I – Relatório
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A..., organismo de investimento colectivo ("OIC") constituído e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, NF português n.º ... e NF francês n.º..., com sede em ..., ... Paris, em França, representado pela entidade gestora B..., com sede em..., ... Paris, em França (doravante "Requerente"), invocando a formação de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado junto da Administração Tributária, veio ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, nºs 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária ("LGT"), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("CIRC"), 10.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT") requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo apresentado pedido de pronúncia arbitral (PPA), “tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas nos anos de 2019, 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português” no montante total de EUR 770.730,48.
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Termina pedindo que se:
“i) Declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte ... por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA;
ii) Ao abrigo do artigo 100.º da LGT, ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 770.730,48;
iii) Com a anulação dos actos tributários em crise referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, objecto da revisão oficiosa n.º ...2023..., determine o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), e 100.º da LGT, a computar sobre o montante de EUR 770.730,48, na medida em que a revisão dos actos tributários em referência se efectuar mais de um ano após o pedido do Requerente;
iv) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.
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É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo (TAC) os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo (TAC) foi constituído em 20 de Fevereiro de 2024, encontrando-se regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A Requerida foi notificada para responder em 23.02.2024 e em 05.04.2024 apresentou resposta, por excepção e por impugnação, mas não juntou o PA.
Por despacho de 08.04.2024 foi a Requerida convidada a juntar o PA e a Requerente a juntar o teor da revisão oficiosa que deduziu.
Mais foram notificadas as partes da dispensa da reunião de partes e da apresentação de alegações.
Em 2024.04.17 o Requerente pronunciou-se sobre as excepções invocadas pela AT e juntou os documentos comprovativos da data da apresentação à AT do pedido de revisão oficiosa a que alude nos artigos 11º a 13º do PPA.
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II – Fundamentação
II-1 - Matéria de facto
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Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
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O Requerente é um OIC constituído sob a forma de fond commun de placement e a operar na República Francesa sob supervisão da Autorité des Marchés Financiers, com sede em ..., ... Paris, em França, ao abrigo da Loi n.º 2010-1249 du 22 octobre 2010, de régulation bancaire et financière, que transpõe para a ordem jurídica francesa a Directiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC - conforme artigo 3º do PPA, Documentos nºs 2 e 3 juntos com o PPA e informação disponível no sítio oficial na internet do Journal Officiel de la République Française, em htps://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT00002294 0663&categorieLien=id.
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O Requerente foi constituído e opera ao abrigo da Directiva 2009/65/CE e cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro – conforme artigo 4º do PPA
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O Requerente é administrado pela sociedade B..., entidade com residência em França, em ..., ... Paris, em França, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e a República Francesa ("CEDT Portugal/França") – conforme artigo 5º do PPA e Documento nº 4 em anexo ao PPA
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Em 2019, o Requerente recebeu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 2.114.889,19, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, a saber:
ENTIDADE
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DATA
|
DIVIDENDO BRUTO
|
RETENÇÃO NA FONTE
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DIVIDENDO LÍQUIDO
|
C...
|
09-05-2019
|
669.374,06
|
167.343,52
|
502.030,54
|
D...
|
09-05-2019
|
894.116,61
|
223.529,16
|
670.587,45
|
E...
|
10-09-2019
|
570.138,35
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142.534,59
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427.603,76
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- conforme artigo 6º do PPA e Documento nº 5 juto com o PPA;
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Em 2020, o Requerente recebeu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 599.583,37, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, a saber:
ENTIDADE
|
DATA
|
DIVIDENDO BRUTO
|
RETENÇÃO NA FONTE
|
DIVIDENDO LÍQUIDO
|
D...
|
15-07-2020
|
368.460,83
|
92.115,21
|
276.345,62
|
D...
|
18-12-2020
|
231.122,54
|
57.780,63
|
173.341,91
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- conforme artigo 7º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA
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Em 2021, o Requerente recebeu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 349.709,47, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, a saber:
ENTIDADE
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DATA
|
DIVIDENDO BRUTO
|
RETENÇÃO NA FONTE
|
DIVIDENDO LÍQUIDO
|
D...
|
06-05-2021
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349.709,47
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87.427,37
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262.282,10
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- conforme artigo 8º e documento 7 em anexo ao PPA
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As retenções na fonte de IRC aqui impugnadas – no montante total de EUR 770.730,48 – foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte (1) ... de 21.06.2019 e ..., de 20.10.2019 (2)..., de 20.08. 2020 e ... de 20.01.2021 e (3) ... de 18.06. 2021, pelo F..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – conforme artigo 9º do PPA e Documentos nºs 5, 6 e 7 em anexo ao PPA
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto do pedido de revisão oficiosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/França, seja ao abrigo da lei interna francesa – conforme artigo 10º do PPA e Documento n.º 8 junto com o PPA.
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Em 09 de Maio de 2023, o Requerente, não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, apresentou junto da AT, um pedido de revisão oficiosa, por carta registada com a/r registo RH...PT, contra as retenções na fonte de IRC acima identificadas, referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, procedimento que se encontra pendente junto da Administração Tributária, correndo os seus termos sob o n.º ...2023... – conforme artigos 11 e 13 do PPA, Documento nº 1 em anexo ao PPA e documentos em anexo ao Requerimento do Requerente de 17.04.2024.
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Decorridos mais de quatro meses sobre a data de apresentação do referido pedido de revisão oficiosa, o Requerente, à data da apresentação no CAAD do PPA, não tinha ainda sido notificado pela Administração Tributária da decisão final em sede do correspondente procedimento – conforme artigo 14º do PPA
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Em 12 de Dezembro de 2023 o Requerente apresentou o presente pedido arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.
Factos não provados
Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA face à ausência de Resposta da AT.
II.2 - Matéria de direito
As disposições legais directamente em causa
Artigo 22.º do EBF
Organismos de Investimento Coletivo
(Epígrafe alterada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)
5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil: (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil; (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. (Redação do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em vigor a partir de 1 de julho de 2015)
Artigo 63º do TFUE
(ex-artigo 56.º TCE)
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
Artigo 65ºTFUE
(ex-artigo 58º TCE)
1. O disposto no artigo 63º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º.
II.3 - A posição das partes
O Requerente refere em resumo o seguinte:
DA DISCRIMINAÇÃO OPERADA PELOS ARTIGOS 4.º, N.º 2, 94.º, N.ºs 1,
ALÍNEA C), 3, ALÍNEA B), E 5, E 87.º, N.º 4, DO CIRC E 22.º, N.ºs 1, 3 E 10, DO EBF
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Desde logo invoca no pedido de revisão oficiosa “que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, nºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”.
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Refere que “apenas os OIC constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa são elegíveis para os benefícios fiscais previstos no artigo 22.º do EBF, não obstante os OIC constituídos e a operar noutros Estados-Membros da União Europeia cumprirem condições equivalentes às previstas na lei nacional, ao abrigo do regime decorrente da Directiva 2009/65/CE”,
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E assim sendo “... nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros são tributados em sede de IRC, mediante retenção na fonte liberatória, a qual poderá ser reduzida ao abrigo de convenções para evitar a dupla tributação celebradas pelo Estado português”.
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Ora, tendo o Requerente a sua residência fiscal em Portugal, está isento de “imposto francês sobre os rendimentos das pessoas colectivas, pelo que não foi possível ... neutralizar a tributação dos referidos dividendos em Portugal através do crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/França”.
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Acrescenta que “o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Directiva 2009/65/CE”, muito embora “revestindo características equivalentes aos OIC residentes em Portugal, em cumprimento das condições previstas na Directiva 2009/65/CE, os OIC não residentes são colocados numa situação de desvantagem comparativamente aos OIC residentes, tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal”.
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Pelo que é de concluir que “o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, nºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao Requerente”
DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 63.º DO TFUE E, CONSEQUENTEMENTE, DO ARTIGO 8.º, N.º 4, DA CRP
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Refere que “de acordo com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o Direito Comunitário é aplicável na ordem interna nos termos do Direito da União, isto é, por força do primado da legislação comunitária sobre o Direito interno, conforme se infere igualmente do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da CRP e do artigo 1.º, n.º 1, da LGT”.
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E conclui que “o efeito prático do princípio do primado será a não aplicação de Direito interno que seja contrário ao Direito da União Europeia”.
DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 63.º DO TFUE PELOS ARTIGOS 4.º, N.º 2, 94.º, N.ºs 1, ALÍNEA C), 3 ALÍNEA B), E 5, 87.º, N.º 4, DO CIRC E 22ºS 1, 3 E 10, DO EBF
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Refere que: “Tendo presente o primado das normas de Direito da União Europeia, caberá analisar a admissibilidade da aplicação exclusiva do regime de isenção de tributação em sede de IRC previsto no artigo 22.º, nºs 1, 3 e 10, do EBF, aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, cumprindo para o efeito verificar:
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Se a situação em análise cai no âmbito de aplicação do TFUE;
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Se os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, nºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao consubstanciarem uma discriminação entre OIC residentes e não residentes em Portugal, constituem uma restrição a uma das liberdades fundamentais previstas no TFUE; e
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Se existe um motivo justificativo para a restrição ao exercício dessa liberdade fundamental e, caso exista, se essa restrição é proporcional ao fim que visa atingir”.
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Ora, “tratando-se in casu de participações no capital de sociedades residentes em Portugal inferiores a 50%, as mesmas não asseguram ao Requerente o controlo sobre estas sociedades nos termos do exercício do direito à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, pelo que a legislação portuguesa em análise será, como tal, potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE”,
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Pelo que “caberá então determinar em que medida é que o tratamento fiscal diferenciado dos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a OIC residentes noutros Estados-Membros, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, vis-à-vis aquele aplicável, nos termos do artigo 22.º, nºs 1, 3 e 10, do EBF, aos OIC residentes em Portugal, constituídos e a operar em condições equivalentes, por força da legislação portuguesa que transpõe a referida Directiva, se traduz numa restrição à livre circulação de capitais”.
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É que “a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC accionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residente em França” porque “em ambos os casos, os dividendos pagos por sociedades portuguesas podem ser objecto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia por mero efeito do exercício da competência tributária do Estado português”.
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Sendo de concluir que “a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal”.
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Acrescenta:
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que não se verifica qualquer razão imperiosa de interesse geral que permita a manutenção desta discriminação porque inexiste “nexo directo entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OIC residentes, pelo que não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português”.
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Nem “tão-pouco poderá ser invocada como justificação a necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros” e
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Não pode justificar-se “em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OIC não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa”.
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Nem pode justificar-se “com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa”.
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Finaliza concluindo que “inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2019, 2020 e 2021, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, nºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP”. Pelo que
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“... as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas enfermam de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respectiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de EUR 770.730,48 ao abrigo do artigo 100.º da LGT”.
A Requerida defende o seguinte:
Por excepção
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Ocorre a “excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.
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Pois que “revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca”.
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Entende a AT que “no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à A.T., servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n° 1 art° 78º. Ou seja, sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa.
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E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação (tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°)”.
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Acrescentando que “no caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral. Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade”.
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Ora “... o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.
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“Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT.
Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT”.
Por impugnação
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Quanto ao pedido de juros – cita o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Processo 0564/18.2BALSB) para concluir que, no caso, nunca poderá a AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios porque não ocorreu erro que lhe seja imputável;
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Quanto à impugnação conclui o seguinte – “AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.
Acrescentamos ainda que admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.
Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01).
É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.
No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida,
Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05.
Por tudo o exposto, salvo melhor opinião, entendemos que devem ser mantidas as retenções na fonte supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA”.
DECIDINDO
Quanto à invocada excepção de incompetência do Tribunal Arbitral
O tema em causa já subiu ao Tribunal Constitucional que por seu acórdão nº 244/2018 P. 636/2017, 1ª Secção decidiu “não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131. 2 a 133. 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2. 2 da Portaria n. 2 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”.
Cumpre referir que a invocação feita pela AT das decisões CAAD P. 382/2019-T e P.51/2012, não acrescentará algo relevante, porque a primeira, conforme página 12, tem a ver com uma redacção do artigo 131º do CPPT que não corresponde à ora vigente e na segunda ocorreu decisão expressa da AT e não um “acto silente” de indeferimento como aqui se verifica.
No presente caso, o “acto silente” indeferiu tudo o que foi pedido pelo Requerente, mormente a ilegalidade das retenções na fonte, a saber “tendo em vista a declaração de ilegalidade ... das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") por retenção na fonte”.
Quanto ao primeiro argumento da AT de que o pedido de revisão oficiosa, a pedido do contribuinte, só pode ser apresentado no prazo de 2 anos e não 4 anos, tal não corresponde à Jurisprudência do STA (acórdão de 14/03/2012, 2 SECÇÃO, P. 01007/11, Relator Dulce Neto) “a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro”.
Quanto ao segundo argumento da AT de que se trata de acto silente que no caso “teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade”, cumpre referir que em face do critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de retenção na fonte apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de retenção na fonte não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa especial. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A competência dos tribunais arbitrais, sabendo-se que a mesma se restringe aos processos de impugnação judicial, não oferece dúvidas que essa competência abarcará os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de retenções na fonte de IRC se e quando comportarem a apreciação da legalidade destes.
Dito de outra forma, será o conteúdo do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que ditará a competência deste tribunal arbitral para apreciar o mérito do pedido. O que sucederá no caso da decisão de indeferimento comportar, ainda que reflexamente, a apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte.
Não pode de forma alguma considerar-se que a hipotética decisão da AT que não adoptou, face ao concreto pedido de revisão oficiosa que lhe foi formulado, não comportasse qualquer análise ou consideração sobre a legalidade dos actos de retenção na fonte do IRC, até porque, como se referiu, o prazo para deduzir a revisão é de 4 anos e não de 2 anos.
Improcede, pois, a excepção aduzida.
Quanto à questão de fundo
De entre as várias decisões CAAD que já apreciaram a questão de fundo aqui a dirimir salientamos as decisões colegiais CAAD P. 194/2109-T e P. 11/2020-T, que trataram de casos idênticos ao deste processo.
Este TAC adere ao que aí foi decidido, mormente no Processo CAAD nº 11/2020-T onde se escreveu (alterando as expressões que visam as particularidades deste processo):
“3.2.2. Interpretação do artigo 22º, nº 1, do EBF
O artigo 22.º do EBF estabelece um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu nº 3, «para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no nº1» e isenção de derramas estadual e municipal (nº 6).
O nº 1 do artigo 22º do EBF estabelece que «são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional», pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.
3.2.3. Violação do Direito da União
De harmonia com o disposto no artigo 8º, nº 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
A Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo nº 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo nº 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo nº 0464/15, em que se entendeu que «nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado" na esteira de Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4ª Edição, página 26.
(Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 24-04-2002, proferido no processo nº 0159/02. de 10-07-2002, proferido no processo nº 160/02. de 05-02-2009, proferido no processo nº 491/08. Embora haja divergências doutrinais e jurisprudenciais, a primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno tem sido maioritariamente reconhecida, como se refere, entre muitos, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 242/2009, de 12-05-2009, proferido no processo nº 250/09)
O Requerente defende que a norma do artigo 22º, nº 1, do EBF é incompatível com a «proibição de discriminações injustificadas materializada no tratado sobre o funcionamento da União Europeia - liberdade de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento».
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do TFUE (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).
Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão da ao TJUE através de reenvio prejudicial.
No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, nº 14).
3.2.3.1. A tributação agravada dos OIC's não residentes comparativamente aos residentes
É manifesto que dos nºs 1 e 3 do artigo 22º do EBF e do nº 4 do artigo 87º e da alínea c) do nº 1 do artigo 94º do CIRC, os OIC's residentes em Portugal e os OIC's residentes noutro Estado Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto, pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC's não residentes estão sujeitos a IRC através de retenção na fonte.
A Administração Tributária defende que a não tributação dos OIC's residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos OIC's residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no nº 1 1 do artigo 88º do CIRC.
No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando «os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional» (artigo 4º, nº 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC's não residentes.
Mas, esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC's residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre.
E manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, nesta segunda hipótese, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OICS 's, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação dos dividendos em IRC à taxa de 15%, 300 vezes superior.
(Aplicável no caso dos autos, nos termos de alínea c) do nº 1, alínea c) do n.º 3, ambos do artigo 94º e do nº 4 do artigo 87º, ambos do CIRC, e artigo 10º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e a França.
A título de exemplo, com alguma imprecisão, mas suficientemente elucidativo das diferenças de grandezas que estão em causa, poderá ter-se em conta que o dividend yield médio em Portugal andará por volta dos 5% (https://www.big.pt/pdf/An%C3%Allises%20BiG/Imprensa/ECODividendos%20PSI-20_05.03.18.pdf) e que, em, 2019, terá sido de menos de 10% o dividend yield mais elevado pago pelas empresas cotadas (https://www.iornaldenegocios.pt/mercados/bolsajdividendos/detalhe/os-cinco-melhores-dividendos-da-bolsa-portuguesa).
À face deste dividend yield máximo de 10%, a um valor de acções de € 1 000 000, corresponderão € 100.000 de dividendos com tributação em IRC para os OIC's não residentes de € 15.000, aplicando a taxa de 15% prevista em CDT.
Os OIC's residentes que detenham o valor líquido global de e € 1.000.000 e obtenham o valor de € 100.000 dividendos serão tributados em Imposto do Selo à taxa anual acumulada de 0,05% sobre aquele valor líquido, o que corresponde ao valor anual de € 500).
Por outro lado, a tributação autónoma prevista no nº 11 do artigo 23º do CIRC, invocada pela Administração Tributária como compensatória da não tributação os dividendos, aplica-se, à taxa de 23 %, aos lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
No entanto, desde logo, a aplicação desta tributação autónoma tem lugar apenas quando ocorra de detenção de partes sociais por período inferior a um ano, pelo que, não se aplicando em todas as situações, sempre se terá de concluir que não tem potencialidade para assegurar sempre a eliminação da situação de desvantagem dos fundos não residentes.
Por outro lado, esta tributação autónoma nem sequer se aplica aos OIC's residentes, quanto aos dividendos, pois não se trata de entidades isentas de IRC, mas apenas isentas quanto a derrama estadual e municipal, por força do nº 6 do artigo 22º do EBF. Na verdade, as isenções a que se refere o nº 11 do artigo 88º do CIRC são benefícios fiscais (artigo 2º, nº 2, do EBF) e não se consideram benefícios fiscais as situações de não sujeição tributária, designadamente «as medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas da incidência» (artigo 4º, nºs 1 e 2 do EBF). No caso em apreço, a não consideração, para efeitos do apuramento do lucro tributável dos OIC's residentes, dos rendimentos referidos nos artigos 5º 8º e 10º do Código do IRS, constitui uma medida «estruturante do próprio modelo de tributação dos fundos de investimento adotado pelo legislador, retirando da incidência do imposto sobre o rendimento os rendimentos, distribuídos aos fundos constituídos e funcionando segundo a legislação nacional. Não constituí, assim, qualquer beneficio fiscal, mas pertence à tipologia das normas delimitadoras da sujeição» (como se refere no ponto 67 da decisão arbitral proferida no processo nº 96/2019-T).
Como bem se diz na citada decisão arbitral,
«68. Esvaziaria, aliás, o alcance dessa norma - diferir a tributação dos rendimentos dos fundos do momento da sua perceção pelos fundos para o momento da sua distribuição aos participantes — a tributação autónoma dos dividendos distribuídos aos fundos, cumulada com a tributação dos rendimentos distribuídos aos participantes. Assim, o Decreto-Lei nº 7/2015, 13 de janeiro ao contrário do que seria publicitado e resulta do seu preâmbulo, teria, nessa interpretação, acabado por agravar a tributação em IRC dos rendimentos dos fundos de investimento, contrariamente à intenção manifestada pelo legislador».
69. Por outro lado, o referido n.º 11 do artigo 88.º do CIRC é uma norma anti-evasiva, limitando as isenções subjetivas do imposto sobre o rendimento aos rendimentos obtidos no âmbito da atividade estatutária dos titulares, presumindo obtidos fora dessa atividade os dividendos de participações sociais adquiridas menos de um ano antes da distribuição, sem caráter de permanência. Visa, por outro lado, com a consagração de um período mínimo de retenção, evitar a transmissão, anterior à distribuição dos dividendos, das participações sociais de sujeitos passivos sujeitos para os sujeitos passivos isentos, com vista à evitação da retenção na fonte.
70. Esses objetivos, por natureza, não são suscetíveis de se verificarem nos OIC's, patrimónios autónomos que resultam da agregação e aplicação de poupanças de entidades individuais e coletivas em mercados primários elou secundários de valores, não havendo, pois, qualquer desvio da sua atividade estatutária na detenção das participações por período inferior a um ano».
Por isso, é de concluir que do artigo 22º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC's não residentes em relação aos OIC's residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes.
Para além disso, como diz o Requerente, a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os dividendos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos.
32.3.2. Violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63º do TFUE)
Refere-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.0 C-190/12:
38 Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e 0., C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida),
39 A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. 1-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Õsterreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. 1-305, n.º 50; e Santander Asset .Management SGIIC e 0., já referido, n.º 15).
40 No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento.
41 Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação.
42 Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e 0., já referido, nº 17).
43 Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE.
Está ínsito neste acórdão do TJUE que a distribuição de dividendos efectuada por sociedades residentes em Portugal a OIC's não residentes se engloba no conceito de movimento de capital, para efeitos do artigo 63.º do TFUE, o que não é objecto de controvérsia.
Afigura-se ser claro que à situação que se depara nestes autos se aplica esta jurisprudência do TJUE, pois, à face do artigo 22.º, nº 1, do EBF, o tratamento privilegiado não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.
Por outro lado, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para «dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro», desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem de situação de vantagem fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização os seus produtos de investimento.
É certo que a alínea a) do nº 1 do artigo 65º do TFUE, permite que os Estados Membros apliquem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o nº 3 do mesmo artigo.
Mas, como se refere no nº 3 deste artigo 65º, «as medidas e procedimentos a que se referem os n. Os I e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63º»
No caso em apreço, sendo tributados em Portugal os OIC's não residentes, a sua situação é comparável à dos OIC's nacionais quanto ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em território nacional, pelo que devem ser objecto de tratamento equivalente ao aplicável aos OIC's residentes.
Como se diz na decisão arbitral proferida no processo n.0 90/2019-T, «embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas».
Para além disso, no que concerne à alínea b) do nº 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode entender que o tratamento desfavorável dos OIC's não residentes possa ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral ou por risco de evasão fiscal, que só é relevante estiverem em causa expedientes artificiais, que tenham como objectivo primacial evitar o pagamento de imposto normalmente devido, e as restrições não podem exceder o necessário ( Acórdão do TJUE de 03-10-2013, processo C-282/12, Itelcar, nº 34: «uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada quando visa especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. 1-2107, nºs 72 e 74, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. 1-8591, nº 89)»”.
Neste contexto, há que ter em conta que a Convenção entre a República Portuguesa e a França para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, Aprovada pelo Decreto-Lei nº 105/71 e publicada no Diário da República I Série, nº 72, de 26/03/1971 e o Protocolo que altera a Convenção, de 25 de agosto de 2016 (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 58/2017, DR I, n.º 66, de 03/04/2017), asseguram a troca de informações entre as administrações fiscais dos dois países, pelo que não se demonstra que o tratamento diferenciado dos OIC's não residentes possa justificar-se por risco de evasão fiscal.
Retomando o que se escreveu no Processo CAAD nº 11/2020-T:
“Para além disso, mesmo que se entenda, em sintonia com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-02-2017, proferido no processo nº 0678/16, que só se está perante um tratamento diferenciado relevante para este efeito quando «aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação», não é essa a situação que se depara nos autos. Neste caso, não há qualquer norma da CDT entre Portugal e Irlanda, que permita neutralizar a maior tributação da Requerente em relação às sociedades constituídas segundo a legislação nacional. Na verdade, o que se prevê no artigo 11º, n. º2, da CDT é apenas a garantia da limitação a 15% da tributação do rendimento bruto dos dividendos, e não a neutralização do que é pago a mais pelos OIC's residentes na Irlanda comparativamente aos OIC's residentes em Portugal, por terem recebido dividendos idênticos.
Pelo exposto, afigura-se ser claro que há precedentes na jurisprudência europeia sobre a interpretação dos artigos 63º e 65º do TFUE, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial sobre esta questão...”.
...
De harmonia com o exposto, declara-se ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.
Assim, tem de se concluir que as retenções na fonte e a decisão presumida formada, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT”
Procede, pois, o PPA, porquanto as liquidações padecem de desconformidade com o artigo 63º do TFUE.
IV – Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios
(aderindo-se ao que foi escrito no Processo CAAD 11/2020-T que na parte que aqui interessa se reproduz)
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Reembolso das quantias pagas
O Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
Sendo efectuadas as retenções na fonte pelo substituto tributário, considera-se pago o imposto pelo substituído, como decorre do nº 1 do artigo 28.º da LGT, em que se estabelece que «em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento».
É indiferente para este efeito, que o imposto retido venha ou não a ser entregue ao Estado pelo substituto, pois esta é uma relação jurídica a que o substituído é alheio.
Este, através da retenção, pagou a quem a lei encarrega de fazer a cobrança, pelo que está extinta a sua responsabilidade pelo pagamento.
E, se a retenção não devia ter sido efectuada, o pagamento em que ela se consubstancia tem de ser considerado indevido.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 29º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o artigo 2.º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61º, nº 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o nº 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o nº 5 do art. 24º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da decisão presumida do pedido de revisão oficiosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força dos referidos artigos 24º, nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
Nota: Segundo a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011.
Os erros que afectam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43º da LGT.
No entanto, o mesmo não sucede com falta de decisão da revisão oficiosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão do Requerente no prazo do artigo 57º nº 1 da LGT, e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Segundo a Jurisprudência do STA (acórdão de 14/03/2012, 2 SECÇÃO, P. 01007/11, Relator Dulce Neto) “a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro”.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no nº 1 do artigo 43º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.º edição, página 528: «A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».
Segundo v.g. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 116/14.6BEALM, Secção: CT de 11/01/2024, Relator TÂNIA MEIRELES DA CUNHA:
“I- O direito a juros indemnizatórios, na sequência de pedido de revisão apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT, existe apenas depois de decorrido um ano sobre a apresentação de tal pedido, quando feito após o decurso do prazo da reclamação administrativa ou impugnação judicial.
II- Tal opção do legislador visa tratar de forma específica a situação que reflete um desinteresse temporário do contribuinte, que não lançou mão previamente da reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
III- No caso de autoliquidações feitas de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT, não obstante a reclamação graciosa não ser necessária, o prazo para a mesma é o de 2 anos, previsto no n.º 1 do art.º 131.º do CPPT.
IV- Tendo a Impugnante apresentado requerimento, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, relativamente a duas autoliquidações, sendo que, no caso de uma delas, o fez ainda dentro do prazo previsto no art.º 131.º, n.º 1, do CPPT, não se verifica o desinteresse mencionado em II”.
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Actos de retenção na fonte relativos aos anos 2019 e 2020
No que concerne aos actos de retenção na fonte relativos aos anos de 2019 e 2020 é manifesto que decorreram mais de dois anos entre o termo dos prazos para entrega, que decorreram até Dezembro de 2020 e a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, em 09-05-2023.
Por isso, é aplicável aos juros indemnizatórios a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Assim, aplicando a referida jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar referentes aos anos de 2019 e 2020.
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Actos de retenção na fonte relativos ao ano 2021
Relativamente ao ano de 2021, a colocação dos rendimentos à disposição do Requerente ocorreu:
(1) em 16-12-2020 e a entrega em 20-01-2021 (guia ... de € 57 780,64) e
(2) em 06-0-2021 e a entrega em 18-06-2021 (guia ... de € 87 427,37); e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 09-05-2023.
Tendo em conta, designadamente, que na contagem do prazo de dois anos se tem de atender às suspensões determinadas pelo n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a interpretação autêntica efectuada pelo artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (86 dias) e pelo artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (74 dias), é manifesto que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado no prazo da reclamação graciosa.
Assim, o pedido de revisão oficiosa é equivalente a uma reclamação graciosa.
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T”.
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 09-05-2023, pelo que o indeferimento tácito se formou em 09-09-2023, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, relativa ao ano 2021, que é de € 57 780,64 + € 87.427,37 = € 145 208,01.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 145 208,01, desde a data em que se formou indeferimento tácito (09-09-2023), até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V - DECISÃO
De harmonia com o exposto, este TAC decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência anular as retenções na fonte de IRC aqui impugnadas – no montante total de EUR 770.730,48 – que foram efectuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das seguintes guias:
(1) ... de 21.06.2019 e ..., de 20.10.2019;
(2) ... de 20.08.2020 e ... de 20.01.2021; e
(3) ... de 18.06.2021,
Pelo F..., pessoa colectiva com o número de identificação fiscal em Portugal 980 279 402 e bem assim o acto de indeferimento presumido relativo à revisão oficiosa apresentada em 09-05-2023 à AT, procedimento com o n.º ...2023...;
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Reconhecer o direito do Requerente ao reembolso das quantias indevidamente retidas no montante total de EUR 770.730,48 e bem assim o direito a juros indemnizatórios contados desde 09-09-2023 e até à data do processamento da respectiva nota de crédito quanto às guias de entrega ... de 20.01.2021 e ... de 18.06.2021.
Valor da causa
O Requerente indicou como valor económico, € 770.730,48, o que não foi contestado pela Requerida, sendo este o valor relevante nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT que aqui se fixa à causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11 016,00, ficando a cargo da Requerida em função do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 19 de Abril de 2024
Tribunal Arbitral Colectivo,
__________________________________________
Professor Doutor Guilherme W.d’Oliveira Martins
(presidente)
___________________________________________
Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira
(vogal)
_____________________________________________
Dr. Augusto Vieira
(vogal-relator)