Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 928/2023-T
Data da decisão: 2024-04-29  IRC  
Valor do pedido: € 210.645,77
Tema: IRC. Retenção na fonte. Organismo de investimento colectivo. Violação do Direito da União Europeia.
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Decisão Arbitral

 

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira e Dra. Rita Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-02-2024, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito luxemburguês, com o número de contribuinte português ... com sede em ..., ... Luxemburgo, (doravante designado de “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a apreciação da legalidade e anulação dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos auferidos nos anos de 2019 e 2020, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito.

O Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera indevidamente retidas, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-12-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14-02-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção de incompetência material do tribunal arbitral e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 11-04-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de o Requerente responder à excepção.

O Requerente pronunciou-se sobre a excepção.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão da incompetência (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal luxemburguês, uma entidade jurídica de direito luxemburguês, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal no Luxemburgo, constituída sob a forma contratual e não societária;
  2. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais luxemburguesas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Nos anos de 2019 e 2020 o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

 

  1. O Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu, nos anos de 2019 e 2020, dividendos que foram sujeitos a tributação em Portugal, através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%.
  2. O Requerente efectuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista na Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo para Evitar as Duplas Tributações e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, assinada em Bruxelas em 25 de Maio de 1999 (“CDT”), correspondente a 10%, através da entrega do formulário Modelo 21 RFI (artigo 7.º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor não é questionado)
  3. Os dividendos, datas de pagamento, importâncias retidas, guias referentes à entrega destas a Autoridade Tributária e Aduaneira e os reembolsos ao abrigo do ADT o são os que constam do quadro que segue:

 

 

(documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. As guias n.ºs ..., ... e ... foram entregues à Autoridade Tributária e Aduaneira com as importâncias respectivas em 19-06-2019, 18-10-2019 e 22-06-2020, respectivamente (documento n.º 3);
  2. No dia 04-09-2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações por retenção na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. Não foi notificada ao Requerente qualquer decisão do procedimento de revisão oficiosa até 04-12-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não são impugnados. 

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Questão da incompetência material do tribunal arbitral

 

A questão da incompetência suscitada apela Autoridade Tributária e Aduaneira reporta-se apenas às liquidações por retenção na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020, que foram objecto de prévio pedido de revisão oficiosa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o tribunal arbitral é incompetente, por dois motivos, em suma:

– a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, de onde decorre a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitral, exclui do âmbito desta vinculação, conforme alínea a) do seu artigo 2º, as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 132.º, do CPPT, e quanto às retenções na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020 não foi deduzida reclamação graciosa mas, antes, pedido de revisão oficiosa; e a sua interpretação sobre e o âmbito da vinculação impõe-se «por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT», «sendo constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].”»

– o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral, pelo que consubstancia indeferimento por extemporaneidade e o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. 

 

3.1. Questão da inclusão dos actos  de retenção na fonte precedidos de pedido de revisão oficiosa no âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;

 

A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.

Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».

É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, sem qualquer restrição.

No artigo 4.º do RJAT estabeleceu-se, na redacção inicial, que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», norma esta ao abrigo da qual foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que se incluiu a norma invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através da qual se exceptuam da competência dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Já depois de a Portaria n.º 112-A/2011 ter sido emitida, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

            Na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

Neste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se faz qualquer referência expressa aos actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os actos de indeferimento total ou parcial de «pedidos de revisão de actos tributários».

            No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.

É unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação (a que são equiparáveis os actos de retenção na fonte) na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa ( [1] ).

Como se diz no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul  de 27-04-2017, processo n.º 8599/15 (reproduzindo a decisão arbitral proferida no processo n.º 630/2014-T):

 

Conforme resulta do art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta [alínea a)] e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais [alínea b)].

Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária (AT) à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT. Com efeito, o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Nos termos da alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011 ficam excluídas do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Considerando aqueles preceitos legais a decisão arbitral concluiu pela viabilidade de apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, julgando não verificada a excepção de incompetência suscitada. Concordamos na íntegra com todo o discurso fundamentador da decisão arbitral, cuja fundamentação aqui transcrevermos apenas em parte:

 “A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

(...)

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [2] )

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

(…)

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”

 

No que concerne às questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de a Autoridade Tributária e Aduaneira não ter explicitado de que que forma os princípios constitucionais invocados podem ser violados, deve ter-se em conta que a questão da constitucionalidade desta interpretação sobre o âmbito da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD já foi objecto de apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu «não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD». ( [4] )

Nestes termos, aderindo à referida jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul e do Tribunal Constitucional, julga-se improcedente a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto ao âmbito da sua vinculação.

 

3.2. Questão da incompetência do tribunal arbitral para apreciar o indeferimento tácito que entende dever ficcionar-se baseado em extemporaneidade

 

A tese da Autoridade Tributária e Aduaneira, embora confusamente explicitada, será a de que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competência para apreciar a legalidade de actos de segundo grau que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação e, no caso, o indeferimento tácito «teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade».

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Há restrições à competência dos tribunais arbitrais  derivadas das excepções que constam da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, operada pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, mas não têm aplicação no caso em apreço, em que está em causa a apreciação da legalidade de actos de retenção na fonte que foram objecto de pedido de revisão oficiosa.

Refere-se no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo ou de acção administrativa, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial, mas para que e adequada a acção administrativa.

Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [5] )

É este o único critério de distinção dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, não havendo suporte legal para sustentar que, relativamente a impugnação de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação se possa utilizar a acção administrativa, designadamente para apreciar questões relativas à verificação dos pressupostos de pedido de revisão oficiosa. ( [6] )

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação (neste caso, através de retenção na fonte), mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa utilizado (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais. ( [7] )

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de retenção na fonte, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade desses actos e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa, nos tribunais estaduais, é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo ao processo arbitral.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».

 

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e, consequentemente, também o meio alternativo que é o processo arbitral.

Quanto à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão reunidos os pressupostos de aplicação do «mecanismo de revisão oficiosa», não é claro a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, num caso em que está em causa um indeferimento tácito, não está em causa a aplicação de qualquer «mecanismo», mas sim a mera inércia da administração.

De qualquer modo, assente que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar a legalidade do acto de retenção na fonte, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, «é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa» [artigo 91.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Aliás, como se referiu, é unânime a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul sobre a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, o que naturalmente tem implícita a possibilidade de apreciação de qualquer «mecanismo» previsto no artigo 78.º da LGT que possa ter sido aplicado ( [8] ).

 

 

4. Matéria de direito

 

O Requerente é um fundo de investimento (Organismo de Investimento Colectivo) constituído ao abrigo da lei luxemburguesa

Em 2019 e 2020, o Requerente recebeu dividendos, pagos em Portugal por sociedades de direito português, relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte à taxa de 25%, obtendo, depois, reembolso de 10% ao abrigo da Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo para Evitar as Duplas Tributações e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, assinada em Bruxelas em 25 de Maio de 1999, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2000, publicada no Diário da República, I Série, de 30-06-2000, em que se prevê a taxa máxima de 15% para tributação dos dividendos (artigo 10.º, n.º 2).

Em 04-09-2023, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa das retenções na fonte relativas aos anos de 2019 e 2020, que não foi decidida até 04-12-2023, pelo que se formou indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2019 e 2020, estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, pelo qual se procedeu, ademais,  à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento colectivo (OIC), «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».       

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

O Requerente é constituído ao abrigo da lei francesa e não da lei nacional e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.

O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros.

Consequentemente, tem de se concluir que os actos de retenção na fonte, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios       

 

A Requerente pede reembolso das quantias retidas na fonte indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

 

5.1. Reembolso

 

Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, em excesso, o que é consequência da anulação.

Como o Requerente foi reembolsado parcialmente, ao abrigo da CDT, do imposto retido, está em causa apenas a restituição da quantia total de € 210.645,77, como decorre do quadro incluído na alínea F) da matéria de facto fixada.

Por isso, o Requerente tem direito à restituição da quantia de € 210.645,77.

 

5.2. Juros indemnizatórios

 

          O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

          O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

 

 

          Como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da existência de um acto ilegal, cuja ilegalidade não é imputável ao contribuinte:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ( [9] );

   

    – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art. 43.º da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

           Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [10] );

 

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ( [11] );

 

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43.º da LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [12] ).

         

          À luz desta jurisprudência, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira.

O facto de se tratar de actos de retenção na fonte não praticados directamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não afasta essa imputabilidade, pois, ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços» ( [13] ), devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto ( [14] ).

No regime de revisão dos actos tributários, que consta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, prevêem-se duas situações essenciais em que é admitida a revisão:

– por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, 1.ª parte);

– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte).

 

Quando o pedido de revisão oficiosa é apresentando no prazo da reclamação graciosa é equiparável a esta, como vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo ( [15] ).

 

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa, apresentado em 04-09-2023, foi-o dentro do prazo de quatro anos após qualquer das liquidações, previsto na parte final do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, considerando que as liquidações mais antigas datam de 09-05-2019 e ao prazo de quatro anos há que acrescer os seguintes períodos de suspensão:

– entre 09-03-2020 e 03-06-2020, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com produção de efeitos 9 de Março de 2020, nos termos do artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril, até à revogação daquela norma pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor em 03-06-2020, nos termos do seu artigo 10.º (87 dias);

– entre 22-01-2021 e 6 de Abril de 2021, nos termos do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, com produção de efeitos a 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021,  e até à revogação daquele artigo 6.º-B, pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril,  com entrada em vigor em 06-04-2021 (75 dias).

 

            Mas, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo da reclamação graciosa de actos de retenção na fonte é de dois anos a contar do termo do ano do pagamento indevido (artigo 132.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT).

            Nos casos em que é apresentada pedido de revisão oficiosa é apresentado no referido prazo de quadro anos, mas fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

            Assim, aplicando esta jurisprudência, não tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar.

 

 

 

 

            6. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações de IRC, por actos de retenção na fonte, e anular esses actos quanto aos seguintes valores, incluídos nas respectivas guias:

– a guia n.º...,  quanto ao valor de € 22.681,48;

– a guia n.º ..., quanto ao valor de € 14.231,25;

– a guia n.º..., quanto ao valor de € 173.733,04;

  1. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de € 210.645,77 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
  2. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 210.645,77, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Lisboa, 29-04-2024

 

  Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

 

(Rita Guerra Alves)

 

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)

com declaração de voto

 

 

Declaração de voto

Voto vencido quanto à questão da competência que, a meu ver, não pode ser dissociada da questão da impugnabilidade contenciosa dos atos de primeiro grau impugnados nesta arbitragem.

Com efeito, o contencioso tributário, à semelhança de resto do que sucede no contencioso de atos administrativos, não é um processo de tutela da legalidade objetiva, mas antes um processo dirigido à tutela de posições jurídicas subjetivas: não basta, assim, a verificação de uma qualquer ilegalidade para determinar a anulação de um ato tributário. No caso em espécie, cuida-se da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo proferidos por entidades bancárias. Trata-se de atos tributários que não são proferidos pelos serviços da administração fiscal e que, como revelam as regras da experiência, são habitualmente praticados sem que a AT tenha conhecimento do seu teor exato ou sequer da sua fundamentação (é-lhe remetida apenas uma guia de pagamento), inviabilizando de todo que esta possa, nessa fase de primeiro grau de decisão administrativa, escrutinar a legalidade ou validade de tais atos de substituição tributária ou, mesmo, agir sponte sua contra eventuais irregularidades cometidas pelo substituto tributário.

Ciente dessa realidade o legislador gizou um mecanismo procedimental — a reclamação graciosa em termos, aliás, bastante generosos (o prazo é de 2 anos) — que permite ao sujeito passivo suscitar a intervenção da administração fiscal para que esta possa reparar eventuais ilegalidades que não foram por si cometidas, mas sim por terceiros agindo no seu interesse e por sua conta.

É absolutamente consensual que a reclamação administrativa prevista para os atos de substituição tributária tem natureza necessária e que a falta da sua interposição tempestiva torna o ato de primeiro grau contenciosamente inimpugnável.

A questão, pois, é a de saber se essa inimpugnabilidade pode, por um mero bizantino formalismo ritual, ser sanada se, depois de decorrido o prazo perentório de 2 anos, o contribuinte em vez de deduzir uma reclamação graciosa vier apresentar pedido de instauração oficiosa de um procedimento de revisão. Aceitar que assim possa ser significaria fazer tábua rasa do requisito de prévia reclamação graciosa necessária legislativamente erigido como critério de impugnabilidade contenciosa, tornando-o num requisito legal completamente excrescente, inútil e ineficaz, já que o efeito claramente visado e desejado pelo legislador (: estabelecer a inimpugnabilidade contenciosa de atos que não sejam objeto de reclamação administrativa no prazo de 2 anos) seria completamente frustrado se o contribuinte, numa soi-disant ‘burla de etiquetas’, alterasse a denominação por si atribuída ao procedimento administrativo cujo desencadeamento se apresentava a suscitar. Ora, não é razoável, nem compreensível, que a efetividade de requisitos de impugnabilidade contenciosa de atos tributários — que são, note-se bem, erigidos em ordem à prossecução de finalidades de ordem pública ligadas aos interesses da segurança e da certeza jurídicas — ficassem inteiramente na disponibilidade da vontade dos particulares e subordinados aos caprichos do critério que seguissem na denominação atribuída aos requerimentos procedimentais por si apresentados.

Conforme é entendimento dominante na jurisprudência, o pedido de revisão oficiosa deduzido dentro do prazo para a interposição de reclamação graciosa pode fazer as vezes desta e produzir os mesmos efeitos que teriam resultado da interposição deste meio procedimental. A meu ver, o que já não se afigura possível será reconhecer-se à dedução de pedido de revisão oficiosa a aptidão de suprir a omissão de tempestiva interposição da reclamação graciosa que o legislador qualificou de necessária e erigiu em requisito de impugnabilidade contenciosa: admiti-lo implicaria que a reclamação graciosa, afinal de contas, não seria nunca nem necessária nem condição de procedi­bi­li­dade do subsequente processo jurisdicional. A natureza reconhecidamente complementar do procedimento de revisão oficiosa face aos demais meios de impugnação administrativa não pode ter um alcance tão vasto e tão extenso a ponto de derrogar in totum qualquer efeito útil ou eficácia ao regime procedimental (e às suas projeções processuais) que resulta do art. 132.º, n.º 4, do CPPT.

Só não será assim — e a reclamação graciosa não terá então natureza necessária e, portanto, o pedido de revisão poderá livremente ser deduzido no seu prazo normal de 4 anos — se estiver exclusi­va­mente em causa matéria de direito e o ato de liquidação por retenção na fonte tiver sido efetuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (arts. 131.º, n.º 3, e 132.º, n.º 6, do CPPT). Salvo melhor opinião, o ónus da prova da existência de tais orientações genéricas recai sobre o impugnante e não me parece que, nesta arbitragem, tenha sido satisfeito.

O que acima fica dito vale, mutatis mutandis, para a questão da competência do CAAD para conhecer da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo. Nos termos do art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação, a AT excetuou da sua vinculação à jurisdição arbitral do CAAD a impugnação de atos tributários que não tenha sido precedida do recurso às vias administrativas previstas nos arts. 131.º a 133.º do CPPT. Pese embora seja de se reconhecer, para efeitos do preenchimento deste requisito estabelecido pela Portaria de Vinculação, uma equiparação entre as reclamações graciosas e os pedidos de instauração oficiosa de procedimento de revisão (quando apresentados dentro do prazo de 2 anos referido naqueles dois preceitos do CPPT) não creio que a dedução de pedido de desencadeamento de revisão oficiosa, depois de ultrapassado o prazo de 2 anos em referência, possa neste contexto fazer as vezes da reclamação graciosa. Assim, a meu ver, no caso desta arbitragem está preenchida a previsão da cláusula negativa da declaração de adesão([16]) da AT à jurisdição arbitral voluntária do CAAD, obstando assim a que esta entidade jurisdicional possa conhecer do objeto da causa. Não ignoro os acórdãos citados na Decisão Arbitral acerca dessa mesma questão, mas creio que, na sua esmagadora maioria se não mesmo todos, tais arestos assentam a sua ratio decidendi em situações fácticas distintas daquela que se verifica na presente arbitragem, na medida em que dizem respeito a processos em que as instâncias concluíram que a omitida reclamação graciosa não tinha natureza necessária por estar em causa a aplicação exclusiva de matéria de direito de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.

Teria, portanto, julgado a exceção procedente e, em consequência, absolvido a requerida da presente instância arbitral.

 

 

CAAD, 29/04/2024

 

O Árbitro,

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 

 



[1] Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, processo 147/17.4BCLSB; de 13-12-2019, processo n.º 111/18.6BCLSB; de 11-03-2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB; de 26-o05-2022, processo n.º 97/16.6BCLS; de 12-05-2022, processo n.º 96/17.6BCLSB.

[2] Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11-05-2018, processo n.º 636/17.

( [5] )        No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [6] )        Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo tem apreciado sempre a questão da tempestividade de pedidos de revisão oficiosa quando é colocada  em recursos interpostos em processos de impugnação judicial como pode ver-se, entre muitos, pelos acórdãos de 05-11-2014, processo n.º 01474/12, de 04-05-2016, processo n.º 0407/15, e de 08-03-2017, processo n.º 01019/14.

( [7] )        Essencialmente neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-2005, processo n.º 01171/04; de 8-7-2009, processo n.º 0306/09; de 23-9-2009, processo n.º 0420/09; e de 12-11-2009, recurso n.º 0681/09.

[8] Entre outros, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, processo 147/17.4BCLSB; e de 13-12-2019, processo n.º 111/18.6BCLSB.

[9] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197.

[10] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593.

[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765.

[12] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.

[13] Os «serviços» são, na LGT, um conceito que não se restringe aos actos praticados pela Administração Tributária, como se depreende do n.º 2 do artigo 43.º e do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

De resto, há actos tributários que tanto podem ser praticados por entidades públicas como privadas, como sucede, por exemplo, com os emolumentos notariais e impostos cobrados por notários, que podem ser entidades públicas ou privadas.

[14] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256: «muito embora tanto em termos legais como em termos doutrinais a substituição tributária seja definida exclusivamente com referência ao contribuinte, o certo é que a figura da substituição não deixa, a seu modo, de se reportar também à Administração Fiscal. Efectivamente, no quadro actual da “privatização” da administração ou gestão dos impostos, o substituto tributário acaba, de algum do, por “substituir” também a Administração Fiscal na liquidação e cobrança dos impostos. O que, de algum modo, não deixa de ser denunciado pela inserção sistemática dos deveres de retenção na fonte os quais aparecem integrados no Código do IRS no capítulo do pagamento e no Código do IRC no capítulo relativo à liquidação».

ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão): «Os deveres de retenção e entrega do tributo significam a delegação do exercício de uma atividade que em princípio deveria caber ao fisco, mas entende-se que o exercício destas funções no interesse público, não restringe desproporcionalmente o direito ao exercício de atividades privadas e por isso não é inconstitucional».

[15] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 0402/06. de 14-11-2007, processo n.º 0565/07. de 18-11-2015, processo n.º 01509/13. do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14.

[16] Acrescente-se que, quanto a mim, a Portaria de Vinculação não tem natureza normativa nem as suas cláusulas podem ser qualificadas de normas administrativas ou regulamentares. Para além de, de modo evidente, carecer das características da generalidade e abstração próprias da normatividade jurídica, a Portaria de Vinculação não é manifestamente um instrumento jurídico secundário dirigido à implementação, densificação e execução subordinada de normas jurídicas primárias. Pelo contrário: trata-se, a meu ver, de um ato administrativo por intermédio do qual um departamento ministerial exerce o poder administrativo discricionário de vincular certos serviços da administração direta do Estado à jurisdição arbitral voluntária de um centro de arbitragem permanente, em termos que muito se assemelham aos de uma declaração negocial de direito privado.