SUMÁRIO
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
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As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
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A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A., contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., doravante Requerente ou A..., SA, apresentou, em 08-11-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 17-04-2023, bem como a declaração de ilegalidade parcial das liquidações que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos referentes ao período decorrido entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022 e a consequente anulação parcial, com o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-11-2023.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 02-01-2024 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 22-01-2024.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. A Requerida apresentou resposta em 23-02-2024, defendendo-se por excepção e impugnação.
3.6. A Requerente foi notificada, por despacho de 26-02-2024, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas na resposta, o que fez.
3.7. Por despacho 14-03-2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), e notificadas as partes para apresentarem alegações, o que fizeram, reiterando as suas posições.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende então a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada em 17-04-2023, bem como a declaração de ilegalidade parcial das liquidações que incluem ISP, CSR e outros tributos, referentes ao período decorrido entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, e a consequente anulação, também parcial.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- Para o exercício da sua actividade, adquiriu combustível (gasolina, gasóleo rodoviário e gás de petróleo liquefeito - GPL), a fornecedoras de combustíveis (por ex. B..., S.A., C..., SA, D..., SA) que repercutiram nas respectivas facturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo suportado integralmente esse imposto.
- Apresentou, em 17-04-2023, reclamação graciosa contra as liquidações de CSR, referentes ao período decorrido entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, a qual não foi objeto de decisão no prazo legalmente previsto, pelo que se presume o seu indeferimento tácito, nos termos do disposto o artigo 57º, nos 1 e 5 da LGT.
- O âmbito de incidência subjetiva da CSR, tal como consta do artigo 5º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, abrange os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, mas é sobre o consumidor de combustíveis, como é o caso da Requerente, que recai o encargo daquele tributo.
- A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16-12-2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita a dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.
- De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, o que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afecta a despesas susceptíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
- As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objectivo de política ambiental, energética ou social.
- Daí que a CSR deva considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.
- Impunha-se à AT determinar, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a anulação dos actos tributários em causa e, não o tendo feito, são os mesmos ilegais e devem ser objecto de anulação contenciosa.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:
- Suscita as excepções da incompetência material do tribunal, da ineptidão do pedido arbitral, da caducidade do direito de acção da ilegitimidade processual e substantiva e da falta de interesse em agir da Requerente, e, para o caso de se entender que a Requerente dispõe de legitimidade activa, requer a intervenção provocada das fornecedoras de combustíveis E..., Lda, F..., SA, G..., D... SA, B... SA, H... e I... (titulares de estatuto fiscal em sede de sujeitos ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos - ISP), e da C... (titular de estatuto fiscal até 07.10.2020), na medida em que estas são os sujeitos passivos do tributo. E, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa, a sua não aceitação como interveniente principal conduz à impossibilidade do prosseguimento do processo. Invoca ainda a não exigibilidade de juros indemnizatórios
- Relativamente à CSR, existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
- Relativamente ao pedido de reembolso das importâncias pagas a título de CSR, alega que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e nas suas atribuições não se incluem competências no âmbito da execução de sentenças, não podendo pronunciar-se sobre a restituição de montantes em consequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação.
- Conclui, pois, no sentido de se deverem manter os actos em causa.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida que se apreciarão à frente.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
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Factos provados
Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente, adquiriu, entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, gasolina e gasóleo, como se discrimina nos documentos 5 a 16 e 18 a 29, juntos com o pedido arbitral, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
b) No contexto dessa actividade e com base nas declarações de introdução no consumo submetidas por tais empresas fornecedoras, a AT procedeu aos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR.
c) As referidas empresas fornecedoras repercutiram nas facturas de venda de combustíveis a CSR correspondente a cada um desses consumos, com o que a Requerente suportou integralmente a quantia global de € 5.414.104,30.
– em 2021, € 2.676.082,64 (docs 5 a 16);
– em 2022, € 2.738.021,66 (docs 18 a 29.)
d) Do montante peticionado, a Requerente reconheceu ter já recebido a quantia da € 2 009 317,81, a título de CSR (art. 6º da resposta às excepções).
e) A Requerente apresentou em 08-11-2023, junto do Serviço de Finanças de ..., pedido de reclamação graciosa, a que foi atribuído o nº ...2023..., com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas fornecedoras referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos, no referido período. (doc. 1 junto com o pedido arbitral)
f) A AT não emitiu decisão quanto ao pedido reclamação graciosa no prazo legalmente cominado para o efeito, designadamente até à data de apresentação do pedido arbitral.
g) O presente pedido arbitral foi apresentado em 08-11-2023.
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Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
C) Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
- Matéria de Direito
I. EXCEPÇÕES
A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções.
Apreciando as excepções suscitadas:
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INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
Alega a Requerida que a CSR objecto do presente pedido arbitral é qualificada, não como um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
A este propósito já decidiu o acórdão do CAAD proferido no processo nº 298/2023-T, a que aderimos, com as necessárias adaptações:
«Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).
Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).
Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.
Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:
- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:
«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.
Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».
Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.
8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.
No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:
«[…]
É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
(…)
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
[…]»
Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:
«[…]
No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).
(…)
«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.
Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).
Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional - tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.
A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1).
É devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento (artigo 5º, n.º 1).
O produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).
Como qualificar então, a CSR?
Temos presente o entendimento plasmado na decisão arbitral 31/2023 em que se considerou que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária”.
Com o qual não podemos concordar. Afigura-se-nos, aliás, que tal decisão arbitral não apreciou, sequer, o regime jurídico da CSR enquanto tributo, partindo do princípio de que a nomenclatura adoptada pela lei - como “contribuição” – seria adequada e suficiente para a desqualificar como imposto, desse modo afastando a competência dos tribunais arbitrais para apreciação da ilegalidade dos seus actos de liquidação.
Entendemos, pelo contrário, subscrevendo o decidido, entre outros, no já citado Acórdão 304/2002-T que:
- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
(…)
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.
Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto
É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:
- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(…)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.
Decorre do que se vem de referir que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.
Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei 55/2007.
Cremos que sem razão.
Com o pedido arbitral pretende a Requerente, na sequência da presunção de indeferimento tácito [do pedido de reclamação graciosa - apresentado junto do Serviço de Finanças de ...] - contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
É, pois, inequívoco que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito comunitário.
Quer dizer, a Requerente pretende que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.»
Improcede, pois, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.
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ILEGITMIDADE E FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Alega a Requerida que, sendo a Requerente mera adquirente de parte dos combustíveis aos identificados sujeitos passivos, não diz se foi o consumidor final dos produtos ou, porventura, se os revendeu, nomeadamente a outras empresas, repercutindo, assim, a jusante, até ao consumidor final, a CSR que alega ter suportado.
Salientando que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respectivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
Ora, conforme já referiu, e foi decidido no já referido acórdão do CAAD, «resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.
De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.»
A propósito da questão suscitada pela Requerida que, após a introdução no consumo dos combustíveis e a liquidação do imposto devido, poderão existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento comercial até ao consumidor final, alega que duas das fornecedoras da Requerente (E... Unipessoal, Lda e F..., SA) têm vindo elas próprias, enquanto sujeitos passivos de ISP/CSR, a requerer o reembolso da CSR no âmbito de pedidos de revisão oficiosa e/ou impugnação. Tal seria fundamento para concluir que a AT poderá vir a suportar o pagamento/reembolso repetido da quantia liquidada a título de CSR, quer aos sujeitos passivos do imposto, quer às entidades que suportam o encargo tributário por efeito da repercussão.
Como resposta a esta questão, como se refere no mesmo acórdão, «remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
Entendemos, à semelhança do que se decidiu nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções processuais instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva do imposto nos utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar o reembolso do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.»
Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade e da falta de interesse em agir.
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INTERVENÇÃO PROVOCADA
Suscita a Requerida, em qualquer circunstância, para a hipótese de se considerar que a Requerente goza de legitimidade processual, o incidente de intervenção principal provocada das fornecedoras identificadas no pedido – E..., Lda, F..., SA, G..., D..., SA, B... SA, H..., I...e da C..., a coberto do artigo 57º do CPTA.
Acontece que, como também já foi anteriormente decidido, «de acordo com a aplicação conjugada do disposto nos artigos 33º e 316º, n.º 1, do CPC, a não aceitação do chamamento à demanda, em incidente de intervenção provocada, por parte de quem tem legitimidade para intervir na causa, apenas pode constituir motivo de ilegitimidade em caso de preterição de litisconsórcio necessário.
E, como preceitua o referido artigo 33º do CPC, o litisconsórcio é necessário quando seja imposto por lei ou imposto pelas partes de um negócio jurídico (n.º 1) ou quando a intervenção de todos os interessados seja necessária, pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, ou seja, quando sem a intervenção de todos os interessados não seja possível a composição definitiva dos interesses em causa (n.º 2).
Ora, como já se deixou dito, a empresa fornecedora de produtos petrolíferos e que procede à sua introdução no consumo, enquanto sujeito passivo do imposto, dispõe de legitimidade para impugnar os actos de liquidação, ao passo que a entidade sobre a qual é possível repercutir o imposto, não sendo sujeito passivo do tributo, mantém o direito de impugnar o encargo tributário que suporta por efeito da repercussão.
Desse modo, as entidades repercutentes e repercutidas têm diferentes interesses em demandar e quanto a elas não se verifica qualquer dos critérios legais que justificam o litisconsórcio necessário. O que equivale por dizer que não se torna obrigatória a intervenção provocada das fornecedoras de combustíveis, nem a falta de intervenção implica a preterição de litisconsórcio necessário ou constitui motivo de ilegitimidade.»
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Ineptidão dO peDIDO ARBITRAL
Alega também a Requerida que o pedido arbitral padece de ineptidão por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os actos tributários impugnados, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os actos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as facturas de compra elencadas pela Requerente.
Do pedido arbitral resulta que a Requerente vem requerer a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e gasóleo rodoviário adquirido no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022, remetendo para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título.
A Requerida invoca que “apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem reclamar/pedir revisão/reembolso das liquidações de CSR junto da alfândega competente, e reúnem as condições para poderem identificar os actos de liquidação”.
Há que recordar, a este propósito, o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando dispõe que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Como daí se depreende, e continuando a seguir de perto o decidido no processo nº 298/2023-T, com as necessárias adaptações, «o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, sendo certo que esses actos se encontram identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.
No caso em apreço, os serviços da AT, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no Proc. n.º 467/2020-T).»
Pelo que improcede a excepção de ineptidão do pedido arbitral.
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CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
A AT invoca, também, que “ainda que a Requerente tivesse legitimidade para apresentar reclamação graciosa (…), já teria decorrido o prazo de 120 dias (…)”. Reclamação essa que foi indeferida tacitamente.
O presente pedido arbitral tem o seu fundamento no artigo 10º, nº 1, al. a) do RJAT que remete para o artigo 102º do CPPT, no caso nº 1 al. d) - formação de presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa. Esta, porém, teria de ter sido apresentada pela Requerente no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no nº 1 do artigo 102º do mesmo diploma – conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos, ou seja a partir da data em que lhe foram emitidas facturas em que lhe foi repercutida a CSR (artigo 70º, nº 1 do CPPT).
A reclamação graciosa deu entrada no Serviço de Finanças de ... a 17-04-2023. Reportando-se a facturas relativas ao período de 01-01-2021 a 31-12-2022, verifica-se que o prazo de 120 dias há muito teria decorrido para a quase totalidade dos actos de repercussão da CSR em crise, com excepção dos emitidos em data posterior a 19-12-2022.
Parece-nos, no entanto, que, a reclamação graciosa deveria ser convolada em pedido de revisão oficiosa, a que é aplicável o prazo de 4 anos, previsto no art. 78.º, n.º 1, da LGT, quando estão em causa casos de erro imputável aos serviços.
Efectivamente, já decidiu o STA, por acórdão de 17.01.2018, proferido no proc. 01377/14, que, “[n]ão obstante essa intempestividade [da reclamação graciosa], constitui um poder/dever para a Administração Tributária convolar o procedimento de reclamação em procedimento de revisão oficiosa previsto no art.º 78º da LGT caso na data em que aquela foi apresentada ainda não estivesse esgotado o prazo dentro do qual esta revisão podia ser pedida e ordenada.” E o TCA Norte, no proc. 00055/14.0BEPNF, em 26.10.2023, que “[c]onstitui um poder/dever da AT, que decorre do respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redacção então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de estarmos perante formas processuais distintas, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa”.
Vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência do STA, que constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada (entre muitos outros, os acórdãos do STA de 12-12-2001, processo 26233, de 22-03-2011, processo n.º 1009/10, de 05-11-2014, processo n.º 1474/12e de 12-04-2023, processo n.º 3428/15.8BEBRG.
O erro imputável aos serviços (artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT), concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito (TCA Norte, proc. 00055/14.0BEPNF, em 26.10.2023).
A Recorrente invocou em sede de reclamação graciosa vícios de violação de lei que considera serem de imputar às liquidação de CSR e posteriores actos de repercussão da mesma. Tem então de se concluir que os vícios imputados aos actos tributários em crise integram, de forma evidente, o conceito de erro imputável aos serviços e constituem, [enquanto tal ou seja, para efeitos única e exclusivamente de aferição dos pressupostos da convolação], fundamento válido de pedido de revisão dos actos tributários.
Chama-se aqui à colação o Acórdão do STA de 17.01.2018, proferido no processo n.º 1377/14, que vai mais além, ao determinar oficiosamente a convolação da Reclamação Graciosa tida por intempestiva em Revisão do acto tributário, nos seguintes termos: «Não obstante, é legalmente possível e viável convolar esse procedimento de reclamação em procedimento de revisão previsto no art.º 78º da LGT, segundo o qual a liquidação pode ser objecto de revisão oficiosa no prazo de quatro anos (se o tributo tiver sido pago, como é o caso) com fundamento em erro imputável aos serviços. Com efeito, constitui jurisprudência pacífica e reiterada desta secção do STA que a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado - cfr. acórdãos de 6/10/2005, no proc. nº 0653/05, de 7/10/2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02/11/2011, no proc. nº 0329/11, e de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11. No mesmo sentido se pronuncia JORGE LOPES DE SOUSA ("Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª ed. vol. I, p. 463.), salientando que em face do princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, de onde emerge, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais, “será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental - com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa (e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim, por exemplo, se o contribuinte apresenta contra um acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70º, nº 1, do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no art.º 78º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa”. Perante a violação de um tal poder vinculado para a administração tributária, impõe-se anular o acto que constitui o objecto imediato desta impugnação (acto de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação), o qual deve ser substituído, no procedimento, por acto que proceda à convolação em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada.”»
Assim sendo, quando os Serviços tomam conhecimento da existência de um erro que lhes seja imputável, têm a obrigação de proceder à sua correcção, no prazo de caducidade da liquidação se o imposto foi já pago, ou a todo o tempo se assim não aconteceu, tal como resulta do disposto n.º 1, in fine, do art. 78.º da LGT (TCA Norte, ac. 15-04-2021, proc. 02010/12.6BEPRT).
É, aliás, o princípio da legalidade que se encontra subjacente à própria existência da possibilidade de revisão oficiosa dos actos tributários, prevista no art. 78.º da LGT.
Pelo exposto, e atendendo a que a AT se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes, assim como aos princípios da celeridade e eficiência, não está legitimada a escudar-se, como faz na sua defesa, na caducidade do direito de acção, improcedendo também esta excepção.
Cumpre, então, decidir sobre o mérito da causa.
II – VIOLAÇÃO DE LEI
- CONFORMIDADE COM A DIRECTIVA 2008/118 CE
Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.
Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.
Mais uma vez nos mantemos fiéis ao fixado no supra citado acórdão do CAAD:
«Ora, tal directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:
- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.
A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:
- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.
- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.
- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).
- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.
- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.
Para concluir que:
- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.»
Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido nos processos arbitrais 304/2022-T e 298/2023-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.»
II - REEMBOLSO DA CONTRIBUIÇÃO
Outra questão controversa no presente pedido, que foi igualmente debatida no processo nº 298/2023-T, reside no facto de saber se a obrigação de reembolso da CSR indevidamente liquidada, corolário do princípio da obrigatória restituição dos impostos indevidamente pagos, não existirá na medida em que o mesmo causaria na esfera da Requerente um enriquecimento sem causa, uma vez que o encargo do imposto não foi efectivamente suportado pela Requerente, tendo esta repercutido o imposto nos consumidores adquirentes dos combustíveis sobre os quais incidiu o imposto.
Tal como naquele aresto, que aqui parafraseamos:
«Fazendo apelo ao já citado Proc. C-460/21 do TJUE:
- “Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12 e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).
- A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma excepção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a protecção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.º 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 33).
- Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.
- Em condições como as que foram mencionadas no n. 39 do presente despacho, o ónus do imposto indevidamente cobrado não é suportado pelo operador que a ele está sujeito, mas pelo comprador sobre o qual foi repercutido. Assim, reembolsar ao operador o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento susceptível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n. 22, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 34).
- Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 13; de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n. 27 e 28; e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 94).
- Constituindo esta excepção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjectivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 95, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º35).
- Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indirectos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efectivamente repercutido. A repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indirecto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
- Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 25 e 26.
- O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.° 42).
- Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 29 a 32, e de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o C‑398/09, EU:C:2011:540, n.º 21)”.
Concluindo-se que “o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo”.
Resulta do acima exposto que, para que seja afastada a obrigação de reembolso, terá de existir prova evidente de uma efectiva repercussão do imposto que, desse modo, traduza uma situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.
Acresce que mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas. Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
De qualquer modo, a obrigação legal de incorporação do imposto no preço do custo do produto não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido.
Seria ainda necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o sujeito passivo teria beneficiado, ainda que parcialmente, do efeito da repercussão do imposto nos consumidores.
Com efeito, “tal como também foi assinalado pelo Tribunal de Justiça, a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas” (Acórdão 113/2023-T).
Acresce que relativamente ao enriquecimento sem causa, que não resulta necessariamente da repercussão do imposto, nenhuma prova é efectuada.»
Carece, pois, a Requerida de fundamento para se opor ao pedido formulado.
No entanto, a Requerente, no articulado que apresentou para exercício do contraditório em relação às excepções deduzidas pela Requerida, reconheceu já ter sido ressarcida do montante total de € 2 409 317,81, pelo que apenas poderá obter reembolso da quantia remanescente, ou seja, do montante de € 3 004 786,49.
IV – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Opõe-se a Requerida a tal pedido, invocando que “as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido”.
O que não se compreende.
De facto, «se é verdade que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria colectável e de fixação de valores patrimoniais (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT), o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).
O que decorre também do artigo 100º, n.º 1 da LGT quando estabelece que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal.
Tal não obsta a que se entenda ter ocorrido erro imputável aos serviços, na esteira do que decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19-11-2014, no processo 0886/14 que “.. tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”.»
Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago, relativo às facturas consideradas na presente decisão.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal;
-
Julgar improcedente as excepções de ilegitimidade e de falta de interesse em agir da Requerente;
-
Indeferir o incidente de intervenção provocada;
-
Julgar improcedente a excepção de ineptidão do pedido arbitral;
-
Julgar improcedente a excepção caducidade do direito de acção;
-
Julgar procedente o pedido de anulação, por ilegalidade, do ato de indeferimento tácito da sobredita reclamação graciosa apresentada em 17-4-2023;
-
Declarar, nos termos expostos supra, a ilegalidade parcial dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, com a consequente anulação parcial dos correspondentes actos de repercussão;
-
Condenar a Requerida na restituição do montante de € 3.004.786,49, indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e
-
Condenar Requerente e Requerida nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimento, ou seja, 55,50% para a Requerida e 44,50% para a Requerente.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 5.414.104,30 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em EUR 67.932,00 de harmonia com a Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 26-04-2024
Os Árbitros,
José Poças Falcão
(Presidente)
Cristina Aragão Seia
(Relatora)
Marisa Almeida Araújo
(Vogal)
(Com Declaração de voto de vencido)
Declaração de voto de vencido
Votei de vencido, no essencial, pelas razões que exponho nesta declaração.
Para mim, desde logo, o presente Tribunal arbitral não tem competência para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão.
Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa[1] – na sindicância dos actos de liquidação.
Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier[2], distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”.
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa[3], entre o terceiro repercutido
“e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”.
Sendo isso assim, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT:
“A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.
Quer dizer que, entendo que devia ser procedente a exceção invocada pela Requerida quanto à competência deste tribunal e, em conformidade, declarar-se incompetente para apreciar o pedido da Requerente.
Face ao exposto, julgando verificada a exceção de incompetência que obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas, bem como a questão de fundo, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos art.ºs 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, al. a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, al. e) do CPTA, ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT.
Marisa Almeida Araújo
[1] Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do RJAT, os tribunais arbitrais constituídos no CAAD também são competentes para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”.
[2] Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, s/ed., Lisboa, 1981, p. 409.
[3] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed, encontro da escrita, Lisboa, 2012, p. 187, Tenha-se em conta que, embora os AA. admitissem que essa “primeira impressão” desse lugar a “uma nova noção de sujeito passivo” (p. 188), acabavam por concluir (p. 189) que “A repercussão efectua-se fora do âmbito da obrigação tributária.” e (p. 190), que “a repercussão é estranha à relação jurídico tributária”.
No mesmo sentido – ainda que aparentemente por referência ao IVA, Nina Aguiar, in Códigos Anotados e Comentados - Justiça Tributária - LGT.CPPT.RGIT.RCPITA.RAT.LPFA, Lexit, 2018, p. 45: “aquele que suporta o imposto”, “Não é (…) sujeito de qualquer relação jurídica tributária.”