Sumário:
1 – A instalação ex novo, em 2018, de uma unidade fabril para produção de materiais siderúrgicos, que até aí o sujeito passivo não produzia e que adquiria a fornecedores para revenda aos seus clientes, constitui um investimento inicial e um projeto agregador.
2 – A aquisição, em 2019, de equipamentos complementares para apetrechamento dessa unidade fabril inequivocamente ligados à linha de produção deve ser considerada parte investimento inicial e configura uma adição elegível no âmbito do RFAI, à face do disposto no artigo 22.º, n.º 5 do CFI.
3 – Para aceder ao benefício do RFAI, o investimento realizado deve contribuir direta e casualmente para a criação de novos postos de trabalho, mantidos por um período (mínimo) de 3 anos, não exigindo a lei que se verifique a criação “líquida” de postos de trabalho aferida em relação à atividade global da Requerente. Isto, sem prejuízo de, em qualquer caso, e independentemente do critério adotado, a Requerente ter cumprido esse pressuposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (presidente), Prof. Doutor Jónatas Machado e Dra. Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 9 de janeiro de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., Lda., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) tendo em vista a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e juros compensatórios reportados ao período de tributação de 2019, emitida sob o n.º 2023..., de 16 de outubro de 2023, no valor global a pagar de € 76.327,73, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 25 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 9 de janeiro de 2024.
Por requerimento de 16 de janeiro de 2024, a Requerente veio requerer a ampliação do pedido, por forma a abranger a condenação da AT no pagamento da indemnização por prestação indevida de garantia, ao abrigo do disposto no artigo 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
A Requerida apresentou Resposta em 12 de fevereiro de 2024, com defesa por impugnação e juntou o processo administrativo (“PA”). Em relação à ampliação do pedido, considera que não existe prova da efetividade de encargos bancários, devendo tal pedido ser formulado em sede de execução de julgado.
Por despacho de 16 de fevereiro de 2024, o Tribunal Arbitral deferiu a ampliação do pedido (indemnização por prestação de garantia indevida), por se alicerçar nos mesmos factos essenciais do pedido principal, configurando o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo sem introdução de uma nova causa de pedir (v. artigo 265.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). De notar que a ampliação do pedido não equivale à sua procedência, que dependerá do desfecho da causa e da prova a efetuar pela Requerente.
Em 12 de março de 2024, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com declarações de parte e a inquirição das duas testemunhas indicadas pela Requerente. Foi solicitada pelo Tribunal a apresentação do documento 3 em formato Excel e fixada a data de prolação da decisão arbitral até ao fim do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, informando-se a Requerente da necessidade de pagamento da taxa subsequente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
A Requerente procedeu à junção do documento no formato solicitado pelo Tribunal, em 13 de março de 2024, do que foi notificada a AT.
A Requerente apresentou alegações escritas em 25 de março de 2024, reafirmando a posição expressa no articulado inicial. A Requerida apresentou alegações em 5 de abril de 2024, concluindo como na Resposta.
Posição da Requerente
Segundo a Requerente, a fundamentação da decisão da Requerida não teve em conta os meios probatórios novos apresentados no direito de audição (prova documental e requerimento de prova testemunhal), pelo que resulta violado o princípio da participação (v. artigo 60.º, n.º 7 da LGT, 8.º e 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo e 267.º, n.º 5 da Constituição). Neste âmbito, a AT não ponderou, nem sequer justificou, o indeferimento – implícito – do pedido de diligências complementares (audição da testemunha) formulado pela Requerente, sendo-lhe exigível uma tomada de posição expressa sobre essas diligências, “sob pena de inaceitável degradação da faculdade conferida pelo art. 101º, nº 3, do CPA”. Essa omissão consubstancia a violação do conteúdo do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados requererem a realização de diligências complementares.
Acrescenta a Requerente que a posição da Requerida, no sentido de que não foi demonstrado o aumento da capacidade do estabelecimento e de que não se verificou a criação líquida de postos de trabalho, é errónea.
Invoca, a este respeito, que o investimento realizado e considerado elegível no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) em 2019 ainda se refere a investimento inicial, constituindo um investimento adicional, de raiz, distinto e incremental em relação ao já existente, pelo que preenche os pressupostos deste benefício fiscal, e os ativos fixos tangíveis foram adquiridos tendo em vista o aumento da capacidade produtiva. Salienta que, uma vez que a unidade fabril apenas teve licença de utilização em 2018, não se pode considerar um investimento de manutenção. Assinala, ainda, que cumpriu o requisito relativo ao aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento, o qual deve ser aferido em relação aos postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Conclui pelo provimento do pedido arbitral e consequente anulação da liquidação de IRC, com as legais consequências, e pede a condenação da Requerida no pagamento da indemnização prevista no artigo 53.º da LGT.
Posição da Requerida
Em relação à ilegalidade procedimental alegada, de não tomada em consideração do direito de audição, a Requerida invoca que a Requerente exerceu este direito de forma intempestiva, tendo remetido o respetivo documento, por e-mail, já depois de decorrido o prazo legal.
Para tanto, compulsa o disposto no artigo 43.º, n.º 5 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) que determina que a “notificação efetuada para o domicílio fiscal eletrónico ou na área reservada no Portal das Finanças da pessoa a notificar considera-se efetuada no 5.º dia posterior ao registo de disponibilização daquela no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, na caixa postal eletrónica ou na respetiva área reservada do Portal das Finanças”. E, bem assim, o estabelecido no artigo 20.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), segundo o qual os prazos do procedimento tributário se contam nos termos do artigo 279.º do Código Civil, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão e não se incluindo o dia em que ocorreu a notificação. Deste modo, tendo o Projeto de Relatório sido disponibilizado ViaCTT, e também no Portal das Finanças, em 1 de setembro de 2023, a Requerente deve considerar-se notificada no dia 6 de setembro e o prazo para exercício do direito de audição terminou em 21 de setembro de 2023. Razão pela qual o referido documento não foi levado em linha de conta na decisão final da inspeção tributária.
Sobre a não aceitação da dotação do RFAI e da dedução à coleta em 2019, a Requerida defende que a Requerente não reuniu condições legais para usufruir desse benefício, por falta de comprovação dos factos por si alegados, ónus que sobre si recaía, nos termos dos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do Código Civil.
Salienta que o RFAI é condicionado à realização de um investimento inicial que seja, simultaneamente, incremental em relação ao investimento já existente em termos de capacidade instalada e, ainda, em termos de postos de trabalho criados, permitindo uma efetiva e significativa expansão dessa capacidade. O aumento da capacidade da empresa que seja proveniente do normal investimento contínuo em ativos, quer substituindo os obsoletos, quer complementando os que existem, não cabe na definição de investimento inicial (que é o oposto de investimento de manutenção).
De acordo com a Requerida, tem de haver uma separação entre um projeto integrado e agregador que se enquadre numa das tipologias de investimento inicial e os constantes investimentos de substituição, manutenção e atualização exigidos por uma exploração desta natureza e dimensão, ainda que daí resultem ganhos de eficiência, de produtividade ou outros. Estes últimos não têm enquadramento no conceito de investimento inicial.
De igual forma, argui que os investimentos em ativos isolados, não inseridos no âmbito de um projeto agregador enquadrável numa das quatro tipologias da alínea a) do § 49 do artigo 2.º do RGIC, não são passíveis de eleição para efeitos do RFAI. Aduz que as aquisições de bens ou serviços avulsos não são passíveis de proporcionar a criação de postos de trabalho, conforme impõe a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”). Assim, uma mera substituição de equipamentos, ainda que conduza a um aumento da capacidade, pela normal evolução tecnológica, não será suficiente para ser elegível para o benefício em causa.
O investimento relevante foi efetuado na aquisição de equipamentos e configura uma aquisição “isolada de ativos”, não tendo a Requerente demonstrado que integram o conceito de investimento inicial, no âmbito de uma estratégia global de investimento, nem para tal se vislumbra a relevância de apresentação do Alvará de Utilização n.º 28/2018, de 4 de maio de 2018.
Relativamente à condição de criação e manutenção de postos de trabalho (no caso da Requerente, pelo período de três anos[1]), entende a Requerida ter ficado comprovado no procedimento inspetivo, que não houve criação líquida de postos de trabalho em 2019 e muito menos de postos de trabalho associados ao investimento realizado em 2019.
Apenas em sede arbitral veio a Requerente apresentar um ficheiro com informação a que a inspeção tributária não teve acesso até à elaboração do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”). E aí, os três trabalhadores que a Requerente alega terem entrado para a empresa em 2019, já se encontravam ao seu serviço desde 2018, conforme informação constante do ficheiro por aquela disponibilizado. Pelo que os trabalhadores estavam ao serviço da empresa antes de o investimento ser iniciado. Mesmo que se admita que os trabalhadores passaram a efetivos em 2019, tal contribui unicamente para a criação líquida de postos de trabalho na entidade, não ficando demonstrada a relação causal do investimento.
A Requerida opôs-se à produção de prova testemunhal e conclui pela improcedência do pedido, por não provado, e absolvição de todos os pedidos.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de um ato de liquidação (adicional) de IRC e correspondentes juros compensatórios (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contados do termo do prazo para pagamento da liquidação impugnada.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade por quotas, constituída em 1999, com enquadramento no regime normal de IVA e geral de tributação em IRC – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
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A Requerente consta do cadastro da AT com as seguintes atividades e códigos de atividade económica (“CAE”) – cf. RIT:
Código CAE
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Designação
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46732
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Comércio p/ grosso de material de construção e equipamento sanitário
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25110
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Fabricação de estruturas metálicas
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68200
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Arrendamento de bens imobiliários
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24330
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Perfilagem a frio
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25992
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Fabricação de outros produtos metálicos diversos n.e.
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Até 2018, a atividade concreta da Requerente centrava-se no comércio de materiais de construção (comercialização de produto feito), verificando-se uma mudança estrutural dessa atividade com a criação, nesse ano, de uma unidade fabril, onde aquela passou a produzir alguns desses materiais de construção (fabricação de produto e subsequente comercialização) – cf. declarações de parte e depoimento das duas testemunhas.
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Com efeito, em 6 de agosto de 2018, a Requerente comunicou o formulário de licenciamento industrial (pedido de instalação de estabelecimento industrial) relativo à nova unidade fabril na zona ..., ..., na sequência da emissão do alvará de utilização n.º .../2018, emitido em 4 de maio do mesmo ano, pela Câmara Municipal de..., para essas instalações, constituídas por pavilhão de rés-do-chão e entrepiso destinado a indústria com a área bruta de construção de 2.334,60 m2 – cf. Documentos 1 e 2, declarações de parte e depoimento da segunda testemunha.
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Na sequência da entrada em funcionamento da unidade fabril, a Requerente passou a produzir chapa perfurada em diversos materiais (chapa galvanizada, chapa de zinco ou chapa inox) e a executar trabalhos de corte e quinagem (execução de caleiras, rufos de remate, cumeeira, entre outros). Na página internet da Requerente são identificados os seguintes produtos que a mesma produz e comercializa: cobertura em chapa lacada, material siderúrgico, painel de cobertura sandwich e policarbonatos – cf. RIT, declarações de parte e depoimento da segunda testemunha.
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No âmbito do apetrechamento da fábrica nova, em 2019, a Requerente adquiriu os seguintes equipamentos em estado novo, no valor total de € 473.231,98, que afetou à linha de produção da unidade fabril, i.e., ao fabrico e distribuição das chapas e demais bens aí produzidos – cf. RIT e declarações de parte:
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Enrolador STEFA, por € 49.272,52, que corresponde a uma peça/ desbobinador para acoplar a uma máquina preexistente de corte de chapa. Este equipamento veio permitir à Requerente transformar as chapas adquiridas de 10 toneladas em bobines mais pequenas, de 2 toneladas, e plastificá-las, viabilizando a sua comercialização aos clientes que necessitam de quantidades menores de chapa;
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Viradeira Dupla, por € 200.000,00 – trata-se de equipamento que permite fazer remates;
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Ponte Rolante monoviga, por € 22.500,00;
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Punsunadora, por € 124.500,00, para fazer os furos nas chapas para vedações, fachadas ventiladas, entre outros;
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Ganchos bobine, por € 8.543,70;
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Plataforma elevatória, por € 10.200,00;
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Viatura comercial IVECO Daily, no valor de € 30.913,68, carroçaria adaptada de € 2.400,00, e semi-reboque no valor de € 24.902,08, para assegurar o transporte dos bens produzidos e comercializados, com dimensões consideráveis, com destino aos clientes que o solicitam.
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Presentemente, a Requerente tem sede em ..., onde se situa o estabelecimento comercial. As instalações industriais, onde efetua o “corte e quinagem”, são localizadas, como referido, na zona industrial de ... . Possui ainda um centro logístico no Pólo Logístico e Industrial de ...– cf. RIT.
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Na declaração Modelo 22 referente ao período de tributação de 2019, a Requerente efetuou uma dedução à coleta de € 101.850,92 (campo 355), correspondente aos seguintes benefícios – cf. RIT e Documento 4:
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RFAI: € 67.900,62;
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Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”): € 33.950,30.
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A 31 de dezembro de 2018, a Requerente tinha ao seu serviço 21 trabalhadores com contrato de trabalho sem termo e 5 trabalhadores com contrato de trabalho com termo ou estagiários, tendo esse número aumentado no período de tributação de 2019. Com efeito, a 31 de dezembro de 2019, a Requerente tinha ao seu serviço 23 trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (mais 2 do que em 2018) e 7 trabalhadores com contrato de trabalho com termo ou estagiários (também mais 2 do que em 2018) – cf. Documento 3, que compila informação extraída das declarações de remunerações submetidas à Segurança Social, declarações de parte e depoimento da primeira testemunha.
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O investimento de criação da nova fábrica e as adições de equipamento efetuadas pela Requerente para a fábrica, em 2019, suscitaram a contratação de três trabalhadores, a seguir identificados – cf. Documento 3, que compila informação extraída das declarações de remunerações submetidas à Segurança Social, declarações de parte e depoimento da primeira testemunha:
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B...– empregado de armazém, contratado a termo certo em 22 de janeiro de 2018, tendo passado para contrato de trabalho a tempo indeterminado em 22 de julho de 2019;
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C...– técnico em redes e sistemas de computadores, cuja função consiste em operar o software dos equipamentos (viradeira dupla e punsunadora) e efetuar a programação das máquinas (vg. introdução de dados para moldes, medidas de cortes, perfurações, entre outros) – entrou como estagiário em 2018 e foi contratado, sem termo, em 26 de fevereiro de 2019;
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D...– operador de gruas, guindastes e similares, a quem compete operar a ponte rolante, os ganchos bobine e a plataforma elevatória – foi contratado a termo em 15 de junho de 2018, tendo passado para contrato de trabalho a tempo indeterminado em 15 de dezembro de 2019.
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O número de trabalhadores da Requerente tem aumentado progressivamente desde 2018, sendo atualmente superior a 40 – cf. declarações de parte.
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Em maio de 2023, a Requerente foi notificada, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, do início de um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial – IRC, ao exercício de 2019, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2023..., para “controlo dos sujeitos passivos com RFAI-2019”, nomeadamente na análise das declarações de rendimentos, IES e modelo 22 e respetivos anexos – cf. RIT.
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No âmbito deste procedimento inspetivo, não ocorreu qualquer deslocação dos técnicos da inspeção tributária às instalações da Requerente, nomeadamente às instalações fabris criadas em 2018 – cf. declarações de parte e depoimento da segunda testemunha.
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Em resultado deste procedimento de inspeção, foi emitido o projeto de relatório com proposta de correções, que foi disponibilizado no domicílio fiscal Via CTT no dia 1 de setembro de 2023, data em que também foi disponibilizado no Portal das Finanças, na área reservada, para efeitos de exercício do direito de audição no prazo de 15 dias – cf. PA.
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O projeto de relatório convolou-se em Relatório de Inspeção Tributária, no qual se mantiveram as correções propostas, resultantes da desconsideração do benefício fiscal do RFAI em 2019, da dotação do período no montante de € 118.308,00 (mencionada no Campo 714 do Quadro 074 da Declaração Modelo 22 de 2019), e da dedução à coleta n mesmo período de € 67.900,62 (Anexo D da Declaração Modelo 22 e campo 355 do Quadro 10 da mesma), com fundamento na inobservância das condições legalmente impostas pelos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal ao Investimento, conforme despacho da Diretora de Finanças Adjunta, de 29 de setembro de 2023 – cf. RIT.
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As correções em apreço, referentes ao período de tributação de 2019, são resumidas na tabela seguinte extraída do RIT:
“IRC – Dedução indevida de Benefício Fiscal
Tabela 1
Benefício Fiscal - RFAI
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Correção Proposta (€)
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Dotação do período
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118.308,00
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Dedução no período – campo 355
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67.900,62
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Saldo que transita para períodos seguintes
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50.407,38
|
”
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No Relatório de Inspeção Tributária, disponibilizado à Requerente na caixa postal eletrónica, ViaCTT, no dia 30 de setembro de 2023, a AT considerou que o sujeito passivo não exerceu o direito de audição “nos termos do art.ºs 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º [do] Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)”– cf. RIT.
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Em 2 de outubro de 2023, já depois de emitido o Relatório (final) de Inspeção Tributária, a Requerente remeteu, por e-mail, o direito de audição para a Direção de Finanças de ..., tendo junto 2 documentos e requerido a inquirição de uma testemunha. No mesmo dia, a Direção de Finanças de ... informou por e-mail o mandatário da Requerente que o direito de audição remetido tinha sido exercido de forma intempestiva – cf. Documento 1.
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Para fundamentar estas correções, constam do Relatório de Inspeção Tributária, os seguintes argumentos – cf. RIT:
“V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1 IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
No que respeita à determinação do resultado tributável das sociedades, decorre do art. 17.º do CIRC, que o resultado líquido apurado na contabilidade é a base para o apuramento do resultado tributável, sendo introduzidas as correções previstas no CIRC, que são materializadas no quadro 07 (Q07) da declaração Modelo 22, a que alude o n.º 1 do art. 120.º do CIRC. O resultado líquido que serve de ponto de partida à determinação do resultado tributável corresponde ao apurado na demonstração de resultados que integra a IES, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art. 117.º do CIRC.
De modo a permitir o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas naquele Código, assim como, deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes (n.º 3 do art. 17º do CIRC).
A rigorosa exigência documental está patente na lei fiscal no que concerne aos requisitos em geral sobre a organização da escrita das empresas, estabelecendo a alínea a) do n.º 2 do art. 123.º do CIRC que todos os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, devendo a contabilidade permitir o controlo do lucro tributável.
V.1.1 – Benefícios Fiscais – RFAI
No período de tributação em análise (2019) o sujeito passivo deduziu à coleta, para efeitos de apuramento do imposto a pagar, o montante de 67.900,62€ relativo ao benefício fiscal do RFAI, conforme decorre do Anexo D –Benefícios fiscais, apresentado pela A... juntamente com a Modelo 22 […]
Da análise aos valores declarados, constata-se que o sujeito passivo invoca o direito a um benefício de 118.308,00€, do qual apenas foi deduzido no período o montante de 67.900,62€ por insuficiência de coleta. O investimento terá sido realizado em 2019, mas o valor das aplicações relevantes inscrito no campo 758 não está correto, na medida em que o valor de 118.308,00€ corresponde ao do benefício.
V.1.1.1 – Enquadramento legal
Através do Decreto-Lei nº 162/2014, de 31 de outubro, foi aprovado CFI, no qual foi estabelecido o RFAI (Capítulo III do CFI) que, conforme prevê o n.º 2 do art. 1º do CFI, constitui um regime de auxílio com finalidade regional, aprovado nos termos do Regulamento (UE) nº 651/2014 da Comissão, de 16/06/2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107º e 108º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (RGIC).
O RFAI é um benefício fiscal que opera por dedução à coleta, encontrando-se previsto nos artigos 22.º a 26.º do CFI, aprovado pelo, referido, Decreto-Lei 162/2014 e regulamentado pela Portaria 297/2015 de 21/9 (doravante, também designada por Portaria).
Esta Portaria procede à regulamentação do RFAI, definindo ainda os procedimentos especiais de controlo do montante dos auxílios de Estado com finalidade regional a que se refere o n.º 7 do art. 23.º do CFI.
Nos termos da alínea d) do n.º 2 do art. 2º da Portaria os benefícios fiscais previstos no art. 23.º do CFI apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do art. 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Em relação às aplicações relevantes no âmbito deste benefício fiscal, estas consistem, entre outras, em ativos fixos tangíveis (AFT), desde que afetos à exploração da empresa, adquiridos em estado novo, com exceção de (n.º 2 do art. 22.º do CFI):
“i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;”
Por sua vez, o n.º 4 do art. 22.º do CFI impõe um conjunto de requisitos cumulativos às entidades que pretendam beneficiar de tal regime, das quais se salientam:
“(…)
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no art. 31.º-B do Código do IRC;
(…)
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).”
O n.º 3 do art. 2.º da Portaria estipula que o período de três ou cinco anos previsto na alínea c) do n.º 4 do art. 22.º do CFI conta-se a partir da data em que se considera concluído o investimento, tal como definido na alínea d) do n.º 2 do art. 2º da mesma.
Face aos valores declarados pela A... em 2019, a mesma classifica-se como pequena empresa, de acordo com o n.º 2 do art. 2º do Anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6/5, pelo que o período de manutenção dos bens objeto do investimento é de três anos.
E considerado investimento realizado “o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.” (n.º 5 do art. 22º do CFI)
No que respeita aos benefícios fiscais, o art. 23º do CFI determina que:
“1 - Aos sujeitos passivos de IRC previstos no n.º 1 do artigo anterior, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à coleta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, das seguintes importâncias das aplicações relevantes:
1) No caso de investimentos realizados em regiões elegíveis nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º:
i) 25 % das aplicações relevantes, relativamente ao investimento realizado até ao montante de 15 000 000 (euro);
(…)
2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes, com os seguintes limites:
(…)
b) Nos restantes casos, até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação.
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes, até à concorrência da coleta de IRC apurada em cada um dos períodos de tributação, no caso de investimentos abrangidos pela alínea a) do número anterior ou com o limite previsto na alínea b) do mesmo número, nos casos aí previstos.
(…)
5 - Os benefícios fiscais previstos nos números anteriores devem respeitar os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, nos termos do artigo 43.º.
6 - Caso os investimentos beneficiem de outros auxílios de Estado, o cálculo dos limites referidos no número anterior deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento em questão, proveniente de todas as fontes.
(…)”
O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exercem uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do art. 2.º do CFI, tendo em conta os códigos de atividade definidos na Portaria n.º 282/2014, de 30/12. No caso em apreço, o setor de atividade em concreto encontra-se previsto na alínea b) do art. 2.º da Portaria citada, ou seja, Indústrias transformadoras – divisões 10 a 33, setor em relação ao qual a A... (CAE's 24330, 25110 e 25992) se encontra enquadrada.
Nos termos do n.º 1 do art. 43º do CFI, o limite máximo é de 25% para os investimentos efetuados na região Centro (na qual se inclui a A...). Este limite é majorado em 10 pontos percentuais para as médias empresas e em 20 pontos percentuais para as micro e pequenas empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361 ICE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, exceto quanto a projetos de investimento cujas aplicações relevantes excedam 50.000.000,00€.
Sendo a A... uma pequena empresa, nos termos do n.º 2 do art. 2.º do Anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6/5, o limite máximo dos auxílios estatais aplicável, para o mesmo investimento, é de 45%.
Da análise aos normativos fiscais acima referidos resulta claro que o RFAI não se aplica a investimentos de substituição ou correntes, normais ao desenvolvimento habitual das atividades exercidas, mas sim a investimentos em ativos em estado novo enquadrados em investimentos iniciais conducentes:
-
à criação de um novo estabelecimento;
-
à diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento;
-
ou a uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente;
De acordo com o n.º 1 e n.º 2 do art. 25.º do CFI, a dedução à coleta deste benefício fiscal deve ser justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal, previsto no art. 130.º do CIRC (vulgarmente designado de dossier fiscal), que identifique discriminadamente as aplicações relevantes, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes. Deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal, bem como documentos comprovativos das condições de elegibilidade previstas no art. 22.º e acima evidenciadas.
O art. 7º da Portaria determina que, para efeitos do disposto nos n.os 1 e 2 do art. 25º do CFI, os sujeitos passivos devem incluir naquele processo de documentação fiscal, entre outros elementos, a descrição do investimento inicial, indicando designadamente:
- Os objetivos,
- As áreas de intervenção,
- Os principais investimentos, e
- Enquadramento numa das tipologias previstas.
Nos termos do art. 8.º do CFI, tais elementos devem ser reunidos até à data da entrega da declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 117.º do CIRC referente ao ano a que os benefícios fiscais respeitam ou até ao termo do prazo legal para a respetiva entrega, consoante o que ocorra primeiro, devendo proceder à entrega daqueles elementos à Autoridade Tributária e Aduaneira sempre que notificados para o efeito.
Atente-se que, sendo o RFAI um benefício fiscal automático (não dependente de reconhecimento), é despoletado pela declaração da A... em que invoca o seu direito ao mesmo, pelo que o ónus de provar o direito a usufruir deste benefício fiscal é da A... (n.º 1 do art. 74.º da LGT) e, passa pelo cumprimento das obrigações previstas no RFAI e na prestação dos esclarecimentos que os serviços de inspeção venham a considerar necessários face à análise.
Assim, o cumprimento das obrigações acessórias assume especial relevância, pois dele depende o controlo eficaz da verificação dos respetivos pressupostos e da observância das condições impostas aos titulares desse direito (conforme dispõe o art. 7.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, doravante designado por EBF). Acresce que, nos termos do n.º 2 do art. 14.º do EBF, os benefícios fiscais extinguem-se pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário.
V.1.1.2 – Factos
A A... apurou uma dotação do período de RFAI no valor de 118.308,00€, sendo que, uma parcela do valor desta dotação foi utilizada no próprio ano (67.900,62€) e o valor restante (50.407,38€) transitou para o período seguinte, por insuficiência de coleta, tendo sido deduzido à coleta do período de 2020, para efeitos de determinação do imposto a pagar deste período.
Através de notificação de pedido de elementos/documentos efetuada por notificação eletrónica, Caixa Postal Eletrónica – Via CTT em 25/05/2023 (T121091), tendo o sujeito passivo sido considerado notificado no dia 31/05/2023, solicitou-se a remessa, no prazo de 10 dias:
1 – Dossier Fiscal do RFAI de acordo com o art. 25º do CFI, identificando os investimentos realizados e que estes respeitam às condições referidas, podendo desde já enviar cópias de algumas das faturas de aquisição dos ativos;
2 – Postos de trabalhos criados, identificados com o NIF, nome e tipo de vínculo;
3 –Anexos A - Quadro do Pessoal e Anexos B – Fluxo de entradas e saídas dos relatórios únicos de 2016 a 2022;
4 – Balancete analítico a 31/12/2019;
5 – Cópias dos Mapas de Depreciações referentes aos períodos de 2017,2018 e 2019;
6 – Extratos das contas da classe 4.
O sujeito passivo não remeteu os elementos no prazo estipulado pelo que, em cumprimento do dever da descoberta da verdade material a que a inspeção tributária está subjugada (art. 58.º da LGT e art. 6.º do RCPITA) foi contactado o CC da sociedade a alertar para a notificação efetuada, à qual veio a ser dada resposta apenas em 05/07/2023 através da submissão, via portal das finanças, dos seguintes elementos:
1 – Documento designado "Dossier benefícios fiscais (RFAI) 2019” – anexo 1 (4 fls.);
De salientar que, tal documento, que deve fazer parte do dossier fiscal de 2019, deve conter, entre outros elementos, uma descrição do investimento inicial realizado, identificando os principais investimentos e respetivos objetivos, as áreas de intervenção e o seu enquadramento numa das tipologias previstas na Portaria. Tais elementos deveriam ter sido reunidos até 03/08/2020 (prazo de entrega da declaração Modelo 22 de 2019, de acordo com o Despacho 296/2020/XXII, de 31 de julho, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais).
Tal como já referido, o sujeito passivo deu resposta à notificação em 05/07/2023, quase um mês depois do prazo para o qual se encontrava notificado e, relativamente a este ponto, remeteu um documento com quatro páginas onde fez constar informação de anos posteriores a 2019, tal como a seguir se exemplifica, situação que sugere que o mesmo foi preparado após solicitação da inspeção tributária.
Postos de trabalho ao longo dos anos
Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo.
2017 25 postos de trabalho
2018 27 postos de trabalho
2019 32 postos de trabalho
2020 35 postos de trabalho
2021 38 postos de trabalho
2022 42 postos de trabalho
Cálculo e identificação dos Benefícios Fiscais
BENEFÍCIOS FISCAIS
|
Cálculo
|
UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO FISCAL (até 50% da Colecta)
|
RFAI – 2019
|
SNC
|
ELEGÍVEL
|
CRÉD FISCAL
|
2019
|
2020
|
2021
|
2022
|
Saldo
|
INVESTIMENTO ELEGÍVEL
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Enrolador STEFA
|
433
|
49 272,52
|
12 318,13
|
|
|
|
|
|
Viradeira Dupla
|
433
|
200 000,00
|
50 000,00
|
|
|
|
|
|
Ponte Rolante monoviga
|
433
|
22 500,00
|
5 625,00
|
|
|
|
|
|
Punsunadora (...)
|
433
|
124 500,00
|
31 125,00
|
|
|
|
|
|
Ganchos Bobine
|
433
|
8 543,70
|
2 135,93
|
|
|
|
|
|
Plataforma Elevatória
|
433
|
10 200,00
|
2 550,00
|
|
|
|
|
|
...
IVECO Daily
|
434
|
30 913,68
|
7 728,42
|
|
|
|
|
|
... Carroçaria
|
434
|
2 400,00
|
600,00
|
|
|
|
|
|
Semi-Reboque
|
434
|
24 902,08
|
6 225,52
|
|
|
|
|
|
|
|
473 231,98
|
118 308,00
|
67 900,62
|
50 407,38
|
|
|
50 407,38
|
Relativamente a este ponto foram remetidas 7 faturas de aquisição dos equipamentos. Para o equipamento “Enrolador STEFA”, não foi enviado qualquer fatura ou documento. No que respeita a “Viradeira Dupla”, não foi enviada fatura, contudo foi enviado o plano de rendas por aquisição em locação financeira.
2 – Não enviou quaisquer elementos.
Tal como evidencia a figura que se fez constar no ponto anterior, no documento indicado em (1) o sujeito passivo inscreveu os “Postos de trabalho ao longo dos anos” desde 2017 a 2022, tendo declarado que, “Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo”.
3 – Anexo A – Quadro do Pessoal, referentes aos períodos de 2017 a 2022; não enviou o Anexo B – Fluxo de Entradas e Saídas; Juntam-se em anexo 2 (12 fls.) os relativos a 2018, 2019 e 2020.
4 – Balancete analítico referente a 31/12/2019 – anexo 3 (8 fls.);
5 – Cópias dos Mapas de Depreciações referentes ao período de 2019 – anexo 4 (8 fls.);
6 – Extratos das contas da classe 43 (433 e 434) referentes a 2019 e respetivos documentos comprovativos da sua aquisição- anexo 5 (15 fls.);
Os referidos elementos/documentos vão ser objeto de análise e retiradas as devidas conclusões no ponto seguinte.
V.1.1.3 – Análise do RFAI
Pelos elementos remetidos pelo sujeito passivo, antes elencados, o investimento foi realizado entre março e dezembro de 2019, mais concretamente, três aquisições em março, duas em abril, uma em maio (relacionada com viatura adquirida em março), duas em julho e uma em dezembro, conforme resumido na tabela seguinte:
Tabela 3
Descrição
|
Valor (€)
|
Mês reconhecimento contabilístico
|
Enrolador STEFA
|
49.272,52
|
março
|
Viradeira Dupla
|
200.000,00
|
março
|
Ponte Rolante monoviga
|
22.500,00
|
abril
|
Punsunadora (...)
|
124.500,00
|
julho
|
Ganchos Bobine
|
8.543,70
|
julho
|
Plataforma Elevatória
|
10.200,00
|
dezembro
|
... IVECO Daily
|
30.913,68
|
março
|
... Carroçaria
|
2.400,00
|
maio
|
Semi-Reboque IVECO
|
24.902,08
|
abril
|
TOTAL
|
473.231,98
|
|
Quanto à aquisição dos equipamentos identificados, no montante global de €473.231,98, que gerou uma dotação do período de RFAI de € 118.308,00 (€473.231,98 x 25%) foi declarado pela A..., no documento em anexo 1, na “Caracterização do investimento em 2019 (Portaria nº 297/2015) que “os investimentos do período de 2019 caracterizam-se pelo aumento contínuo da capacidade de produção da empresa, diversificando a produção com o acréscimo de produtos novos”. Para isso, tem “vindo a apostar na instalação e aumento gradual da capacidade produtiva relativamente a produtos que até então apenas comercializava, procurando ganhos de produtividade e melhoria da qualidade dos produtos relativamente aos adquiridos, com a instalação de equipamentos de tecnologia avançada”. Donde conclui que o investimento se enquadra “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente” e “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente, constante da alínea d) do nº2 do art 2º da Portaria 297/2015.”
No mesmo documento, o sujeito passivo descreve e caracteriza os diversos equipamentos, conforme a seguir apresentado:
É um equipamento enrolador de chapa em bobine nas medidas adequadas para acoplagem em máquina, aumentando a capacidade de produção da máquina e diminuindo o tempo de preparação do processo produtivo.
Pontualmente e de acordo com encomendas muito específicas, enrola chapa em bobines com dimensões a pedido para venda.
É um equipamento que fabrica chapa e remates de chapa para telhado, em medidas especiais conforme encomenda, satisfazendo o cliente no que diz respeito às medidas pretendidas, evitando desperdícios maiores tanto para o cliente como para a A... .
É um equipamento de ponta que permite uma oferta nova ao mercado pela A... . Perfura chapa de formas diferentes de acordo com as ferramentas utilizadas, conforme o fim a que se destina.
Os produtos fabricados vão desde tabuleiros perfurados para diversas utilizações, filtros, vedações em locais ventosos, etc.
É um processo quase autónomo, uma vez que a intervenção de mão de obra apenas se consubstancia na colocação da matéria-prima (chapa) na alimentadora da punsunadora e no final do processo (armazenamento).
É um equipamento que permite um melhor manuseamento das bobines de chapa, aumentando a capacidade de movimentação das mesmas com muito maior segurança. Anteriormente eram manuseadas com cintas, com alto risco de acidente de trabalho.
-
PONTE ROLANTE MONOVIA PLATAFORMA ELEVATÓRIA
São dois equipamentos complementares que se destinam à movimentação de bobines em armazém até à máquina e posterior armazenamento do produto acabado. Equipamento fundamental, tendo em conta o peso muito elevado das matérias-primas manuseadas.
-
VIATURA ... com semi-reboque
Destinada à colocação do produto no cliente, equipada com dispositivos (grua) que permitem o fácil manuseamento em função do seu peso e comprimento.”
Os ativos em causa correspondem a ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado novo, que entraram em funcionamento em 2019, tendo sido reconhecidos nas contas SNC 433 – AFT – Equipamento básico e 434 – AFT – Equipamento de transporte (extrato e cópias das faturas de aquisição no anexo 5), bem como as datas de entrada em funcionamento (e respetivo início de depreciação), de acordo com os mapas de depreciação (anexo 4).
Refira-se que para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de “investimento inicial”, e não apenas “investimento”, não se considerando como aplicação relevante a “aquisição isolada” de ativos que não integrem tal conceito e, ainda, não sendo elegível como aplicação relevante o investimento na “aquisição de equipamentos de substituição”. E, tem sido entendimento, que a referida norma [alínea d) do n.º 2 do art. 2.º da Portaria n.º 297/2015] pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, realidade que não se compagina com a aquisição isolada de qualquer bem do ativo. No caso em apreço, o sujeito passivo diz tratar-se de investimentos que se caracterizam “pelo aumento contínuo da capacidade de produção da empresa, diversificando a produção com o acréscimo de produtos novos”, contudo, a A... não apresentou elementos probatórios que sustentem o enquadramento do investimento realizado em 2019 numa das tipologias previstas na alínea d) do n. 2 do art. 2º da Portaria 297/2015, investimentos iniciais conducentes ao aumento da capacidade de um estabelecimento.
De facto, não obstante os investimentos em causa terem como objetivo comum o aumento da produtividade, entre outros, não se inseriram numa estratégia global de investimento com a finalidade de atingir o fim subjacente às tipologias do investimento indicadas: “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente” ou “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento”, atenta a atividade desenvolvida pela entidade, pelo que o referido investimento em bens de equipamento não é considerado aplicação relevante nos termos do art. 3º da citada portaria, concluindo-se estar em causa a “aquisição isolada” de ativos.
-
Criação de postos de trabalho
A alínea f) do n.º 4 do art. 22.º do CFI exige “a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”, que já se verificou ser de três anos. Relativamente à criação de postos de trabalho, para que os sujeitos passivos possam beneficiar do RFAI, há duas condições que devem ser asseguradas:
-
A criação de postos de trabalho diretamente conexos com o investimento em causa, os quais têm que ser mantidos durante o período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI;
-
Um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, a “criação líquida” de postos de trabalho.
Esta posição foi recentemente reiterada pela Administração Tributária, através do Ofício Circulado n.º 20259 do Gabinete do Sub-DG (GT - área de Imposto sobre o Rendimento) de 28/06/2023, disponível no Portal das Finanças, e no qual pode ler-se:
“5. Assim, por um lado, para que os sujeitos passivos possam beneficiar do RFAI, tem de se verificar a criação de postos de trabalho diretamente conexos com o investimento em causa, tendo esses mesmos postos de trabalho de ser mantidos durante o período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, dando assim cumprimento à norma que se encontra prevista nesse diploma e que é de aplicação específica quando esteja em causa o benefício fiscal (RFAI).
7. Para atingir esse objetivo, terá então de se verificar, a par dos postos de trabalho criados estritamente em razão do investimento relevante para efeitos de RFAI, os quais devem ser mantidos pelo período já referido, um aumento efetivo do número de postos de trabalho do estabelecimento, ou seja, que se verifique, em termos líquidos, uma efetiva “criação de emprego”.”
Quanto à primeira condição, a A... não identificou quais foram os postos de trabalho criados diretamente conexos com os investimentos em causa, nos termos da alínea f) do n.º 4 do art. 22.º do CFI, conforme lhe era imposto, limitando-se a prestar a informação plasmada na imagem seguinte e a enviar o Anexo A – Quadro do Pessoal, dos períodos de 2017 a 2022.
Postos de trabalho ao longo dos anos
Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo.
2017 25 postos de trabalho
2018 27 postos de trabalho
2019 32 postos de trabalho
2020 35 postos de trabalho
2021 38 postos de trabalho
2022 42 postos de trabalho
Apesar da A... não ter demonstrado o nexo de causalidade que se lhe exigia para beneficiar do RFAI, o que por si só seria determinante para desconsiderar a dotação e dedução do RFAI, procurou-se, ainda assim, comprovar a invocada criação, de carácter genérico, de postos de trabalho (e não comprovadamente relacionado com o investimento considerado relevante), ou seja, se, efetivamente, se verificou a “criação de emprego”, correspondente aos cinco postos de trabalho indicados (32 em 2019 – 27 em 2018) nos termos em que este conceito é definido pelo RGIC.
Não existindo uma definição de “criação de postos de trabalho” no CFI, importa obter o seu significado a partir do regulamento comunitário, enquanto quadro concetual a que o RFAI está subordinado. Sendo o RFAI um auxílio com finalidade regional que prevê dotações anuais, a aferição da criação de postos de trabalho deve ser efetuada por referência a 31 de dezembro (o período de tributação do sujeito passivo coincide com o ano civil) em “comparação com a média dos 12 meses anteriores”, conforme comparativo previsto no § 32 do art. 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho (RGIC):
“Aumento líquido do número de trabalhadores - o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo (…)”
Esta definição contempla a comparação com a média, mas não define o período de tempo dessa média. No entanto, é perfeitamente lógico que a média respeite a um período de doze meses, uma vez que as dotações do RFAI são apuradas por períodos de tributação anuais. Por outro lado, apesar do n.º 9 art. 14.º do RGIC (subsidia gastos salariais) não se aplicar aos auxílios regionais com a natureza do RFAI (subsidia investimento em ativos), a sua alínea c) contempla uma forma de comparação, ao dispor que determina: “O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período”.
No mesmo sentido, nas próprias “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020” (OARs) que estabelecem a definição de “criação de emprego” na alínea k) do § 20 do ponto 1.2 (JOUE2013/C 209/01), pode ler-se:
“Criação de emprego, um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados”.
O período de “12 meses anteriores” a considerar deverá ser, tal como esclarecido no Ofício Circulado n.º 20259 do Gabinete do Sub-DG (GT - área de Imposto sobre o Rendimento) de 28/06/2023, a que já se aludiu, os 12 meses anteriores ao início do investimento.
Quanto à definição de “posto de trabalho”, ainda que a legislação fiscal não contenha uma, recorre-se, nos termos do art. 11.º da LGT, ao significado que lhe é atribuído por outros ramos do direito, designadamente pelo Direito do Trabalho, do qual é possível concluir que o trabalhador com “contrato a termo” não é considerado como trabalhador permanente da empresa. Consequentemente, não poderá ser considerado como “posto de trabalho”. De facto, enquanto que o trabalhador permanente, como decorre da própria designação, preencherá um posto de trabalho que corresponde a uma necessidade permanente (sustentável/duradoura) da empresa, tal não sucederá com o trabalhador “contratado a termo”. Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 140.º do Código do Trabalho, “o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”, ou seja, em situações excecionais e apenas nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
No mesmo sentido vão as orientações do RGIC que, no seu considerando 31 refere que “Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável”, donde, a criação líquida de postos de trabalho respeita a trabalhadores com contratos de trabalho sem termo ou por termo indeterminado.
A A... invocou que “Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo”, situação que carece de comprovação.
Tendo por base os elementos do Anexo A – Quadro de Pessoal (únicos documentos relativos aos trabalhadores remetidos pelo sujeito passivo) dos períodos de 2018 e 2019 (anexo 2), apresenta-se nas tabelas seguintes um resumo dos trabalhadores da empresa para estes períodos, destacando o “Tipo de Contrato” identificado na coluna 9 do Anexo A, tendo presente que o código 10 respeita a “Contrato de trabalho sem termo” (único com relevância para efeitos de criação de postos de trabalho) e o código 20 a “Contrato de trabalho com termo certo”.
Tabela 4- Anexo A_Quadro do Pessoal/2018
Nº
ordem
|
2018
|
data de entrada
|
tipo de contrato
|
NIF
|
NISS
|
1
|
E...
|
2007-01
|
10
|
[…]
|
[…]
|
2
|
F...
|
2001-03
|
10
|
[…]
|
[…]
|
3
|
G...
|
2009-01
|
10
|
[…]
|
[…]
|
4
|
H...
|
1999-05
|
10
|
[…]
|
[…]
|
5
|
I...
|
2006-12
|
10
|
[…]
|
[…]
|
6
|
J...
|
2001-05
|
10
|
[…]
|
[…]
|
7
|
K...
|
2016-05
|
20
|
[…]
|
[…]
|
8
|
L...
|
2009-11
|
10
|
[…]
|
[…]
|
9
|
M...
|
2010-07
|
10
|
[…]
|
[…]
|
10
|
N...
|
2010-11
|
10
|
[…]
|
[…]
|
11
|
O...
|
2012-11
|
10
|
[…]
|
[…]
|
12
|
P...
|
2014-07
|
10
|
[…]
|
[…]
|
13
|
Q...
|
2014-07
|
10
|
[…]
|
[…]
|
14
|
R...
|
2014-03
|
10
|
[…]
|
[…]
|
15
|
S...
|
2014-11
|
20
|
[…]
|
[…]
|
16
|
T...
|
2014-02
|
10
|
[…]
|
[…]
|
17
|
U...
|
2016-09
|
20
|
[…]
|
[…]
|
18
|
V...
|
2016-05
|
20
|
[…]
|
[…]
|
19
|
W...
|
2016-03
|
20
|
[…]
|
[…]
|
20
|
X...
|
2016-11
|
20
|
[…]
|
[…]
|
21
|
Y...
|
2017-01
|
20
|
[…]
|
[…]
|
22
|
Z...
|
2017-01
|
20
|
[…]
|
[…]
|
23
|
AA...
|
2017-09
|
10
|
[…]
|
[…]
|
24
|
BB...
|
2017-10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
25
|
B...
|
2018-01
|
20
|
[…]
|
[…]
|
26
|
C...
|
2018-05
|
20
|
[…]
|
[…]
|
27
|
D...
|
2018-06
|
20
|
[…]
|
[…]
|
Verifica-se, para o período de 2018, que num total de 27 trabalhadores, contam-se 16 com contrato de trabalho sem termo (código 10) e 11 com contrato com termo certo (código 20).
Na tabela seguinte, relativa aos trabalhadores identificados anexo A de 2019, acrescenta-se a coluna respeitante ao tipo de contrato de trabalho em 2018, para facilitar a comparação entre os dois períodos.
de trabalho com termo certo”.
Tabela 5- Anexo A_Quadro do Pessoal/2019
Nº
ordem
|
2019
|
data de entrada
|
tipo de contrato
|
NIF
|
NISS
|
2018
|
2019
|
|
|
1
|
E...
|
2007-01
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
2
|
F...
|
2001-03
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
3
|
G...
|
2009-01
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
4
|
H...
|
1999-05
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
5
|
I...
|
2006-12
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
6
|
J...
|
2001-05
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
7
|
K...
|
2016-05
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
8
|
L...
|
2009-11
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
9
|
M...
|
2010-07
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
10
|
M...
|
2010-11
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
11
|
O...
|
2012-11
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
12
|
P...
|
2014-07
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
13
|
Q...
|
2014-07
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
14
|
R...
|
2014-03
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
15
|
T...
|
2014-02
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
16
|
V...
|
2016-05
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
17
|
X...
|
2016-11
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
18
|
Y...
|
2017-01
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
19
|
Z...
|
2017-01
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
20
|
AA...
|
2017-09
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
21
|
BB...
|
2017-10
|
10
|
10
|
[…]
|
[…]
|
22
|
B...
|
2018-01
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
23
|
D...
|
2018-06
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
24
|
CC...
|
2018-11
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
25
|
DD...
|
2018-12
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
26
|
EE...
|
2019-01
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
27
|
FF...
|
2019-02
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
28
|
GG...
|
2019-02
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
29
|
S...
|
2019-02
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
30
|
C...
|
2019-02
|
20
|
20
|
[…]
|
[…]
|
31
|
HH...
|
2019-07
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
32
|
II...
|
2019-08
|
-
|
20
|
[…]
|
[…]
|
De referir que, o número de trabalhadores que constam do Anexo A de 2018 (27) e 2019 (32) coincide com os indicados pelo sujeito passivo no “dossier” que enviou. Contudo, é preciso ter em conta que o Anexo A se reporta ao mês de outubro do ano de referência do Relatório Único e, como se pode constatar pelo Anexo A de 2019 ocorreram duas entradas em 2018, uma em novembro e outra em novembro (números 24 e 25), donde, tudo indica que o número de trabalhadores a 31/12/2018 era 29 e não 27.
Da análise comparativa entre o Anexo A de 2018 e 2019 há a salientar:
- O trabalhador U... aparece no “Nº ordem” 17 em 2018 com contrato de trabalho com termo certo e não consta no Anexo A de 2019, pressupondo-se que só esteve ao serviço da empresa em janeiro de 2019, que é o último período em que consta na Declaração Mensal de Remunerações (DMR);
- O trabalhador W... aparece no “Nº ordem” 19 em 2018 com contrato de trabalho com termo certo e não consta no Anexo A de 2019, pressupondo-se que só esteve ao serviço da empresa até junho de 2019, que é o último período em que consta na DMR;
- O trabalhador S... (N.º 29 em 2019) já constava em 2018 (N.º 15) com data de entrada de 2014-11, contudo em 2019 consta como tendo entrado em fevereiro deste ano;
- O trabalhador C... (N.º 30 em 2019) já constava em 2018 (N.º 26) com data de entrada de 2018-05, contudo em 2019 consta como tendo entrado em fevereiro deste ano;
- De acordo, com o tipo de contrato indicado, as contratações de 2019 foram efetuadas mediante “Contrato de trabalho com termo certo” (código 20), e para nenhum dos trabalhadores com este tipo de contrato em 2018 ocorreu alteração do mesmo em 2019, o que não corrobora o declarado pelo sujeito passivo que todas as contratações são mediante contrato de trabalho sem termo.
Mencionar ainda que se verificou o Anexo A dos períodos de 2020 (não consta nenhuma entrada em novembro e dezembro de 2019) a 2022, nos quais o número de trabalhadores vai aumentando, contudo, de acordo com o tipo de contrato indicado, as contratações são efetuadas mediante “Contrato de trabalho com termo certo” (código 20), o que contradiz, mais uma vez, o invocado pelo sujeito passivo de que “Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo”.
Face ao anteriormente exposto, facilmente se conclui que não houve criação líquida de postos de trabalho associados ao período do investimento, que decorreu entre março e dezembro de 2019. E assim é porque:
- Nenhum trabalhador com contrato sem termo até 2019-02 passou à situação de efetivo no período de março a dezembro de 2019; e
- As duas contratações que ocorreram no período do investimento (HH... em 2019-07 e II..., em 2019-08) foram através de contrato de trabalho com termo certo;
Donde, o número de trabalhadores com contrato sem termo se mantém em 16, que era precisamente a média dos 12 meses anteriores (março de 2018 a fevereiro de 2019: 16 x 12/16 =16).
V.2 – Conclusões
Da análise efetuada aos elementos e documentos comprovativos solicitados no que respeita ao RFAI, verifica-se, no que concerne às aplicações relevantes, que a A... invoca que:
- Os investimentos realizados se caracterizam “pelo aumento contínuo da capacidade de produção da empresa, diversificando a produção com o acréscimo de produtos novos”, na medida em que a empresa “tem vindo a apostar na instalação e aumento gradual de capacidade produtiva relativamente a produtos que até então apenas comercializava, procurando ganhos de produtividade e melhoria da qualidade dos produtos relativamente aos adquiridos, com a instalação de equipamentos de tecnologia avançada”;
- O investimento se enquadra na tipologia “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente” e “diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente”, constante da alínea d) do nº2 do art 2º da Portaria 297/2015”,
- O aumento da capacidade produtiva é conseguido pelo investimento em ativos fixos tangíveis, dos quais, o “Enrolador Stefa” diminui o tempo de preparação do processo de produção, a “Viradeira dupla” evita desperdícios para o cliente e para a A..., a “Punsunadora” introduz um processo quase autónomo e permite uma nova oferta ao mercado, os “Ganchos Bobine” permitem um melhor manuseamento das bobines de chapa com maior segurança, a “Ponte rolante monovia” e “Plataforma Elevatória” são fundamentais à movimentação de bobines, dado o peso muito elevado que comportam e a “Viatura ... com semi-reboque”, equipada com grua, permite o fácil manuseamento do produto.
Face ao invocado e tendo presente as quatro tipologias previstas na alínea a) do n.º 49 do art. 2.º do RGIC, considera-se que o enquadramento feito pela A... visou a tipologia investimento inicial conducente ao aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, contudo, este pressuposto fundamental de acesso ao benefício fiscal, não foi demonstrado. Senão vejamos:
- Desde logo, a subsunção do investimento numa destas tipologias é essencial, para que os incentivos em causa sejam considerados compatíveis com o mercado interno e conformes ao direito, devendo estar satisfeitas todas as condições previstas no capítulo I do RGIC, assim como as condições específicas para a categoria pertinente de auxílio estabelecidas no Regulamento (artigo 3.º do RGIC);
- Como é sabido, o RFAI constitui uma medida ativa de apoio ao investimento produtivo e à criação de emprego, de base comunitária, com finalidade regional e âmbito sectorial, ou seja, é um auxílio limitado a certas regiões mais desfavorecidas, quer no contexto Europeu quer em Portugal, e somente é aplicável a determinadas atividades e condicionado à realização de um investimento inicial gerador de novos postos de trabalho. Note-se que, não é utilizada apenas a palavra “investimento”, mas sim “investimento inicial”. A A... declarou que tem vindo a apostar na instalação e aumento gradual de capacidade produtiva, com a instalação de equipamentos de tecnologia avançada;
- Em sede de Benefícios Fiscais, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente refere-se ao aumento da capacidade instalada em relação ao ano pré-projeto. Nesta tipologia, a A... deveria ter demonstrado, claramente, como foi conseguido o aumento da sua capacidade produtiva de bens e/ou serviços já produzidos e de novos bens e/ou serviços que decorreram do investimento;
Donde, apenas se pode concluir que:
- Os investimentos em análise, realizados e utilizados pela A... em sede de RFAI, configuram um investimento continuo em ativos que decorre das necessidades da empresa tendo a mesma aproveitado o quadro europeu de incentivos financeiros ao adicionar, indevidamente, este benefício fiscal (atente-se que, o sujeito passivo refere que “tem vindo a apostar na instalação e aumento gradual de capacidade produtiva);
- Ou seja, o eventual aumento da capacidade da empresa que também provém do “normal” investimento contínuo em ativos, não pode caber na definição de investimento inicial, porque os apoios que daí poderiam advir seriam claramente incompatíveis com o Tratado sobre o Funcionamento da União da Europeia (TFUE);
- Impõe-se a identificação de um projeto/investimento integrado e agregador, com objetivos e área de intervenção concretamente definidos, de forma a que seja justificado, entre outros, o seu enquadramento numa das quatro tipologias constantes da alínea a) do § 49 do artigo 2.º do RGIC e dos postos de trabalho proporcionados diretamente pelo investimento realizado (conforme impõe a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI);
- Tem que haver separação entre o dito projeto integrado e agregador e os constantes investimentos de substituição, manutenção e atualização exigidos, ainda que daí resultem ganhos de eficiência, de produtividade ou outros;
- De facto, enquanto que o investimento de manutenção se destina a reparar, conservar, substituir, atualizar, tornar mais eficiente e aumentar a produtividade dos ativos existentes, sob pena de eliminação do mercado, um investimento inicial é um investimento adicional, de raiz, necessariamente distinto e incremental em relação ao já existente, exigindo um conjunto suficiente de ativos que, de forma funcionalmente integrada e interrelacionada, que permita uma efetiva e significativa expansão da capacidade;
- Ora, em qualquer empresa enquadrada no CAE da indústria transformadora (da qual a A... faz parte), o investimento na manutenção da instalação industrial é uma constante, na medida em que, não é possível manter uma instalação industrial desta natureza em funcionamento, sujeita ao desgaste e à obsolescência tecnológica, sem efetuar investimentos constantes e por montantes significativos na sua manutenção, para além de outros, relacionados com a eficiência dos processos de produção existentes, por exemplo, através da introdução de novas tecnologias com o objetivo específico de melhoria da produtividade do trabalho ou da redução dos custos industriais, investimentos para economizar matérias-primas, energia ou mão-de-obra, investimentos que se destinem à melhoria das condições de trabalho e proteção do ambiente, muitas vezes impostos pela legislação em vigor, entre outros. Todavia, estes investimentos não têm enquadramento no conceito de investimento inicial.
-
Criação de postos de trabalho
Relativamente à criação de postos de trabalho a A... apenas indicou o, suposto, número de trabalhadores existentes nos anos de 2017 a 2022 e invocou, sem demonstrar, que “Todas as entradas anuais de postos de trabalho são outorgadas através de contrato de trabalho sem termo”, elementos insuficientes para comprovar “a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”, conforme exigido pela alínea f) do n.º 4 do art. 22.º do CFI.
Apesar da A... não ter demonstrado o nexo de causalidade que se lhe exigia para beneficiar do RFAI, o que por si só seria determinante para desconsiderar a dotação e dedução do valor do benefício declarado, ficou demonstrado, pela análise levada a cabo pelos serviços de inspeção, que não se verificou criação líquida de postos de trabalho, na medida em que não se assistiu a um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos 12 meses precedentes, no estabelecimento, de modo a garantir a criação de emprego num contexto sustentável e o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, tal como é exigido.
A inobservância das condições legalmente impostas para beneficiar do RFAI implicam a extinção deste benefício fiscal, pelo que o sujeito passivo não pode beneficiar da dotação de 118.308,00€, nem da dedução efetuada no campo 355 do Quadro 10, de 67.900,62€, donde o valor a inscrever neste campo deve ser apenas de 33.950,30€.
[…]
X. Direito de Audição
Em 01/09/2023, foi enviada notificação eletrónica, para no prazo de 15 dias, a partir de 06/09, exercer o direito de audição, nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
Decorrido o prazo da notificação, o sujeito passivo não veio a exercer o direito de audição.
[…]”.
-
Na sequência do procedimento inspetivo acima mencionado, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... e as liquidações de juros compensatórios correspondentes, n.ºs 2023 ... e 2023..., todas datadas de 18 de outubro de 2023, no valor global a pagar de € 76.327,73, com data limite de pagamento fixada em 5 de dezembro de 2023 – cf. demonstração de acerto de contas n.º 2023... junta aos autos.
-
Em 12 de janeiro de 2024, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ... e ... emitiu garantia bancária a favor da Requerida, pelo valor de € 96.918,78, referente à dívida de IRC e juros compensatórios da Requerente com origem nas antecedentes liquidações adicionais – cf. Documento “Garantia Bancária” junto pela Requerente com o requerimento de ampliação do pedido.
-
Inconformada com as liquidações de IRC e de juros compensatórios supra identificadas, a Requerente apresentou no CAAD, em 24 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes, atenta as posições por estas assumidas em relação aos factos, e na prova produzida por declarações de parte e pelo depoimento das duas testemunhas inquiridas.
Ficou demonstrado, quer pelos documentos relativos ao procedimento de licenciamento industrial e alvará da Câmara Municipal de ..., quer por todos os depoimentos prestados, que a Requerente construiu efetivamente uma nova fábrica em 2018 (o processo de licenciamento reporta-se a agosto de 2018) e que até aí não dispunha de instalações industriais, sendo apenas comercializador de materiais de construção. Esta mudança qualitativa só foi possível com a edificação e entrada em laboração da nova fábrica, na qual se passaram a produzir os materiais antes comprados a fornecedores.
As declarações de parte foram objetivas e esclarecedoras do contexto da atividade da Requerente e dos objetivos visados com a nova fábrica, bem como da natureza e função dos equipamentos adquiridos em 2019 para essa fábrica.
De igual modo, também a prova testemunhal corroborou a criação da fábrica em ... e o destino dos equipamentos. De referir que a primeira testemunha, JJ..., contabilista certificado da Requerente a partir de 1 de janeiro de 2024, apesar de não ter contacto com a Requerente em 2018 e 2019, foi quem analisou e preparou a documentação de resposta à AT relativa à ação inspetiva em apreço, tendo sido quem, com base na informação recolhida junto da Segurança Social, preparou o mapa de colaboradores que permite concluir pelo aumento e manutenção de postos de trabalho conexos com o investimento (nova fábrica e as adições relevantes em 2019).
Esta informação recolhida junto da Segurança Social (“alimentada” pelo cumprimento da obrigação de entrega da Declaração Mensal de Remunerações) não é inacessível para a Requerida que dispõe de meios para a sua validação.
Em relação à segunda testemunha, KK..., contabilista certificado da Requerente até 2014, o mesmo manifestou conhecer de forma direta e continuada a atividade da Requerente e o investimento feito na unidade fabril em .... Em relação ao tema dos trabalhadores, confirmou que os trabalhadores estavam mal classificados no relatório único, pelo que solicitou a assistência da primeira testemunha para compilar e demonstrar a informação relevante. Quanto a este tema, evidenciou alguma confusão/desconhecimento em relação aos trabalhadores, com e sem termo.
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
-
Do Direito
Considerando a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença neste processo, importa apreciar, em primeiro lugar, as ilegalidades materiais invocadas em relação à (in)elegibilidade dos investimentos para efeitos do RFAI e, após, na medida em que não resultem prejudicados, os vícios praticados no procedimento, em concreto os respeitantes à não tomada em consideração do direito de audição que a Requerente entende ter exercido em prazo (v. artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
-
Erro nos Pressupostos – Elegibilidade para efeitos do RFAI
-
Regime Legal
Na sua génese, a disciplina do RFAI foi criada pelo Orçamento Suplementar para 2009[2] com invocação expressa do Regulamento (CE) n.º 800/2008 (que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum, entretanto revogado e substituído pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014), assumindo-se como um “instrumento de política fiscal anticíclica que, por via da promoção do investimento empresarial em determinadas regiões e da criação de emprego, pretendia contribuir para a revitalização da economia nacional (cfr. Rodrigo Rebeca Domingos, O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, in Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, nº.56, Janeiro/Março de 2012, pág.45 e seg.).”, nos moldes assinalados pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de junho de 2021, processo n.º 0907/14.8BEVIS.
O atual Regulamento Geral de Isenção por Categoria (“RGIC”), instituído pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), no primeiro capítulo, sob a epígrafe “Disposições comuns”, versa sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto”[3], incorporando as diretrizes sobre os elementos que estes auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (v. artigo 6.º do RGIC).
Assim, o RGIC, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente reitera o artigo 59.º do RGIC.
O RFAI consubstancia um benefício fiscal regulado no CFI[4], que opera por dedução à coleta[5] e está enquadrado, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 2 do CFI, como um regime de auxílio com finalidade regional, com remissão expressa para o RGIC[6].
De acordo com o RGIC, os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável, prevendo o seu Considerando 31 que “podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.”
No recorte das definições aplicáveis aos auxílios com finalidade regional, e com relevância para o caso em análise, o artigo 2.º, n.º 49, alínea a) do RGIC considera como “investimento inicial”:
“Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com a criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade de um estabelecimento existente, diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento”.
Quer o referido Considerando 31, quer a definição da categoria “investimento inicial” mencionam quatro tipologias de situações passíveis de elegibilidade no âmbito dos auxílios com finalidade regional e, portanto, do RFAI. O investimento tem de se materializar em ativos corpóreos e incorpóreos e estar relacionado com as seguintes condições não cumulativas, conforme também reproduzido no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/15, de 21 de setembro:
-
A criação de um novo estabelecimento;
-
O aumento da capacidade de um estabelecimento existente;
-
A diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento; ou
-
A mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento.
A subsunção do investimento numa destas tipologias é essencial para que os incentivos em causa sejam considerados compatíveis com o mercado interno e conformes ao direito, devendo estar satisfeitas todas as condições previstas no capítulo I do RGIC, assim como as condições específicas para a categoria pertinente de auxílio estabelecidas no Regulamento (v. artigo 3.º do RGIC).
Na lei interna, o âmbito de aplicação e os requisitos de acesso ao RFAI constam dos artigos 22.º a 26.º do CFI sendo as correções efetuadas pela AT fundadas, em concreto, no artigo 22.º do CFI e no disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) e no artigo 3.º, ambos da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, de que se transcrevem os segmentos com relevo para a matéria em discussão nos presentes autos, na redação vigente à data dos factos:
“Artigo 22.º [do CFI]
Âmbito de aplicação e definições
1. O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
2. Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
v) Equipamentos sociais;
vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;
[…]
4. Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
[…]
c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;
[…]
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)[7].
5. Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.
[…]”
No que se refere à Portaria n.º 297/2015, o respetivo artigo 2.º, n.º 2, alínea d) regula o âmbito de aplicação do RFAI e estabelece que “para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento:
[…]
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Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
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Afetação de equipamentos em estado novo à unidade fabril de ...
Atento o quadro legal exposto, podem sistematizar-se, como requisitos do regime do RFAI, com relevância decisiva para a situação sub iudice, os seguintes:
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Que os ativos tangíveis adquiridos em estado de novo, no período de tributação de 2019, se enquadrem num investimento inicial relacionado com o aumento de capacidade de um estabelecimento já existente e/ou com a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente;
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Que esse investimento proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, no caso de três anos (a analisar na secção seguinte).
De notar que não é questionado pela AT que os ativos em apreço tenham sido adquiridos em estado de novo e afetos à atividade da Requerente, sendo a questão controvertida a de aquilatar se tais aquisições se enquadram num investimento novo agregador (i.e., não consubstanciado em meras aquisições isoladas de equipamentos), passível de reconhecimento como “investimento inicial” na aceção do RGIC e da Portaria n.º 297/2015. Ónus que, como invoca a Requerida, impende sobre a Requerente, face ao disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Interessa recordar que, como ficou demonstrado nos autos, até 2018, a Requerente não dispunha de capacidade de produção de materiais de construção e dedicava-se essencialmente à respetiva comercialização. Em 2018, a Requerente criou, de raiz, uma fábrica, para passar a produzir alguns dos materiais que, até então, apenas comercializava, tendo efetuado a comunicação relativa ao processo de licenciamento em agosto de 2018, ou seja, já no final desse ano.
É inegável que a instalação da unidade industrial veio permitir o fabrico de (novos) produtos, como também ficou provado que foi complementada, no ano seguinte, 2019, pela aquisição de um conjunto de equipamentos, em estado novo, todos relacionados com a linha de produção/processo produtivo das chapas metálicas e perfis, tais como:
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O enrolador STEFA, que desdobra bobines de 10 toneladas em bobines mais pequenas de 2 toneladas, incluindo a sua plastificação, permitindo a sua comercialização a clientes que necessitem de quantidades menores;
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A viradeira, que efetua remates;
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A punsunadora para furações nas chapas destinadas, nomeadamente, a vedações e fachadas ventiladas;
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Os ganchos bobine, a ponte rolante monoviga e a plataforma elevatória, todos relacionados com o manuseamento e movimentação em segurança das bobines de chapa, uma vez que se trata de produtos com peso considerável (10 toneladas);
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Isto, além de uma viatura comercial adaptada ao transporte das “chapas” com destino aos clientes da Requerente.
Para a Requerida, estamos perante aquisições ad hoc de equipamentos, sem ligação a um projeto integrado e agregador, tratando-se de investimentos de substituição, manutenção e atualização normais nas unidades produtivas, ainda que dos mesmos resultem ganhos de eficiência, de produtividade ou outros, concluindo que não se trata de um investimento inicial (adicional, de raiz).
Não pode, porém, este Tribunal concordar com tal raciocínio. Desde logo, porque destinando-se os equipamentos a uma fábrica nova, acabada de licenciar há poucos meses, não faz sentido falar em equipamento de substituição ou de manutenção, inaplicáveis numa unidade recém criada e que iniciou a laboração ex novo. Estamos, de facto, perante um evidente investimento complementar conexo com a criação da unidade fabril. E também não oferece dúvidas a este Tribunal Arbitral que essa fábrica constitui um projeto inicial agregador, enquadrável nas tipologias previstas no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria 297/2015 e na alínea a) do parágrafo 49 do art. 2.º do RGIC acima citados.
Em síntese, resulta dos autos estarmos perante equipamentos cuja aquisição se interliga à implementação da unidade fabril recém instalada, enquadrando-se na produção de novos produtos, pelo que fazem parte integrante do investimento inicial [da fábrica] e constituem uma aplicação relevante (ativos fixos tangíveis adquiridos em estado de novo), afetos à exploração da empresa. Devem, assim, ser enquadrados como uma adição, para efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 5 do CFI[8], sendo ilegal, por violação do artigo 22.º, n.ºs 2 a 5 do deste diploma, a desconsideração (pela AT) do valor do investimento no âmbito do RFAI, com este fundamento.
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Criação de Postos de Trabalho
Em relação ao requisito de criação de postos de trabalho e da sua manutenção, reclamado pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI, a Requerente rejeita a posição preconizada pela AT de não estar preenchido o requisito legal – previsto no artigo 22.º, n.º 4, alínea f) do CFI. Em concreto, considera que foi efetuado investimento relevante que proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, in casu, três anos.
Convém sublinhar que a citada alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI apenas exige que o investimento realizado contribua direta e casualmente para a criação de novos postos de trabalho, independentemente de, no mesmo período, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores. Assim, de acordo com a melhor interpretação, não se exige que se verifique a criação “líquida” de postos de trabalho aferida em relação à atividade global da Requerente, tão-só que o investimento em causa seja gerador de novos postos de trabalho e, na situação vertente, que estes sejam mantidos pelo período referido de 3 anos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais 488/2019-T e 307/2019-T).
Como declarado na decisão arbitral 307/2019-T:
“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social».
No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. als. d) e e) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei 10/2009).
No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.
Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, que radica na al. f) do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei 10/2009.
Neste contexto, a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.
Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego.
Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal.
Assim, e tendo presente igualmente as finalidades de modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, dever-se-á concluir que o regime em questão visa promover o investimento modernizador, que aumente a competividade do país, e fomente a actualização, ou a aquisição de novas, competências pelos trabalhadores.
Posto isto, sustenta a AT que, na leitura da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, se deverá lançar mão do enquadramento europeu em matéria de auxílios de Estado com finalidade regional no qual se inscreve o RFAI, constituído, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do CFI, pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 , que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.°e 108.° do Tratado.
Sendo, evidentemente, um elemento relevante, crê-se que, antes de mais, se deve recorrer ao Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009, que, como se viu, está na génese do RFAI integrado no CFI.
[…]
Aqui chegados será possível, crê-se, verificar que o Regulamento em questão distingue efectivamente, entre dois tipos distintos de apoios às PME, que são os apoios quantificados:
a) com base nos custos do investimento; e
b) nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento.
E é para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito, e exigido o aumento líquido de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.
O Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, segue, no que para o caso importa, a mesma lógica, referindo no preâmbulo que «A fim de não favorecer o investimento em capital em relação ao investimento nos custos da mão de obra, deve prever-se a possibilidade de quantificar os auxílios regionais ao investimento com base quer nos custos do investimento quer nos custos salariais do emprego diretamente criado por um projeto de investimento.», e dispondo no art.º 17.º que:
«2. Os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos:
a) Os custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Os custos salariais estimados do emprego diretamente criado pelo projeto de investimento, calculados para um período de dois anos.».
No art.º 14.º também se dispõe que:
«4. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:
a) Custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;
b) Custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos; ou
c) Uma combinação das alíneas a) e b), que não exceda o montante de a) ou b), consoante o que for mais elevado.».
É neste contexto que o n.º 9 do mesmo art.º 14.º, citado pela AT, dispõe que:
«9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições:
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O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período;
b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e
c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME.».
Ora, como se viu já, o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.
Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFAI.
De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.
Considerando-se, então, que a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido art.º 19.º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.
Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.
Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.
Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.
Assim, e por exemplo, se uma determinada empresa adquirir um veículo pesado de mercadorias e contratar um motorista habilitado à sua condução, para o conduzir, verificar-se-á o pressuposto da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.
Mas uma empresa que adquira um veículo pesado de mercadorias, e já dispusesse nos seus quadros de um motorista habilitado à sua condução (que estivesse, por exemplo, afecto à condução de um veículo ligeiro de mercadorias), e contrate um colaborador para a limpeza das suas instalações, que também faça a lavagem e limpeza do veículo adquirido, não preencherá o referido pressuposto de criação de postos de trabalho, já que, embora o referido colaborador possa executar alguns serviços relacionados com o bem adquirido, não se poderá, em princípio, concluir que a sua contratação se relacione de forma causalmente adequada àquela aquisição.
Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.”
Adere-se a esta última a interpretação pelo mérito dos seus argumentos, que, na ausência de maior explicitação por parte do legislador, devem ser adotados.
Em qualquer caso, independentemente da posição que se adote – criação líquida de postos de trabalho por referência à atividade global da Requerente, ou criação de postos de trabalho por relação causal direta com o investimento relevante – e qualquer que seja o critério aplicado, constata-se que a Requerente incrementou o número de colaboradores em 2019, em comparação com o ano precedente, 2018, crescimento que tem sido sustentado até hoje.
Com efeito, na perspetiva de “criação líquida” de postos de trabalho, a Requerente passou de 21 trabalhadores sem termo a 31 de dezembro de 2018 para 23 trabalhadores, também sem termo, a 31 de dezembro de 2019. Em relação aos trabalhadores com contrato de trabalho a termo, o número era de 5 em 2018 e passou a 7 em 2019.
Por outro lado, relativamente ao investimento nos equipamentos na nova unidade industrial de ..., foram identificados 3 trabalhadores (ponto J da matéria de facto) com funções bem delimitadas e, pelo menos 2 deles, especificamente atribuíveis à aquisição de equipamentos para a fábrica: um técnico em redes e sistemas informáticos, para programação e operação dos softwares dos equipamentos, e um operador de gruas, guindastes e similares, para operar os equipamentos de manuseamento das bobines (a ponte rolante, os ganchos bobine e a plataforma elevatória).
Afigura-se irrelevante, para este efeito, que tenham ingressado – um como estagiário e outro como contratado a termo – ainda no decurso de 2018, pois o investimento inicial (a instalação da unidade fabril nova) iniciou-se em 2018, e a lei não postula que a contratação tenha de ter cronologia posterior à aquisição do equipamento, em especial se este equipamento é uma adição ao investimento inicial. É, aliás, normal que sejam contratados e formados colaboradores antes da fábrica começar a operar (ou os equipamentos). Ponto é que se constate uma relação direta e causal entre o investimento agregador e a criação (e posterior manutenção) dos postos de trabalho. Condição que se verifica estar preenchida na situação em análise.
À face do exposto, é inválida a liquidação adicional e IRC impugnada nos autos, porque contrária ao disposto no artigo 22.º do CFI, nos moldes supra explanados, pelo que a mesma vai anulada, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, bem, como as liquidações de juros compensatórias correlativas, por inexistir prestação tributária em dívida (v. artigo 35.º da LGT).
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Ilegalidades Procedimentais – Não consideração do Direito de Audição
Atenta a procedência da invocada ilegalidade material, por erro nos pressupostos de facto e de direito, das liquidações de IRC e juros compensatórios, resulta prejudicada, por ser inútil, a apreciação do vício procedimental arguido pela Requerente (v. artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Indemnização por prestação de garantia indevida
A Requerente, peticiona, como decorrência da anulabilidade dos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a indemnização por prestação de garantia bancária indevida.
O pedido de condenação ao pagamento de garantia indevida encontra-se previsto no artigo 171.º do CPPT e deve ser efetuado, segundo o seu n.º 2, em “reclamação, impugnação ou recurso”.
Configurando o processo arbitral um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como referido de forma expressa na autorização legislativa habilitante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o RJAT, os poderes de pronúncia deste Tribunal abrangem aqueles que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, nos quais pontuam a condenação em indemnização por prestação de garantia indevida, nos moldes em que tal obrigação é recortada pelo artigo 53.º da LGT, infra transcrito:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
Esta indemnização inscreve-se no dever de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário anulado não tivesse sido praticado, alicerça-se no princípio constitucional da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e consta da previsão do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT.
Na situação em apreço, os atos tributários de liquidação são anulados por vício substantivo, de erro sobre os pressupostos, pelo que se suscita a obrigação indemnizatória.
Erro-vício que não pode deixar de ser atribuído à AT, dado que as correções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que os erros fossem praticados, razão pela qual é procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida, cujo valor será determinado em sede de execução de sentença.
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Decisão
Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente a ação arbitral, com a consequente anulação dos atos tributários de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios supra identificados, relativos ao período de tributação de 2019, que resultaram no valor total a pagar de € 76.327,73;
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Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização à Requerente por prestação de garantia indevida, a liquidar em execução da presente decisão, pelas despesas suportadas com a prestação de garantia bancária, até ao respetivo cancelamento, com o limite do quantum indemnizatório estatuído no artigo 53.º, n.º 3, da LGT,
tudo com as legais consequências.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 76.327,73, indicado pela Requerente, respeitante às liquidações de IRC e juros compensatórios cuja anulação pretende, e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Custas
Custas no montante de € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo da Requerida por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de abril de 2024
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, Relatora
Jónatas Machado
Sónia Martins Reis
[1] Na medida em que é uma pequena empresa nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Anexo à Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio.
[2] V. artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março – RFAI 2009 – tendo sido sucessivamente prorrogado pelos Orçamentos do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) e para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, antes da sua consagração no CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (artigos 22.º e seguintes).
[3] V. João Nogueira de Almeida, “Os princípios gerais de avaliação da compatibilidade dos auxílios consagrados no Regulamento Geral de Isenção por Categoria (Regulamento n.º 651/2014)”, Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Volume LVII, Tomo I, 2014, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 72-77.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro. Como acima referido, o RFAI originário foi criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013.
[5] Nos termos do disposto no artigo 23.º do CFI.
[6] É, pois, no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro. V. neste sentido as decisões dos processos arbitrais 545/2018-T e 427/2020-T.
[7] Segundo a alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, com relevância para o caso em análise, esse período mínimo é de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003.
[8] Dispõe a citada norma o seguinte: “Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.”