Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 616/2023-T
Data da decisão: 2024-04-30  Selo  
Valor do pedido: € 60.405,25
Tema: Imposto do Selo – Sociedade de Capital de Risco - Comissões de Gestão de Fundo de Capital de Risco - Verba 17.3.4 da TGIS - Tempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral.
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SUMÁRIO:

  1. O prazo para a entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, regido pelas regras do artigo 279.º do Código Civil, por aplicação subsidiária do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, donde, se terminar em férias judiciais, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte a estas.
  2. As comissões de gestão cobradas pelas Sociedades de Capital de Risco (SCR) a Fundos de Capital de Risco (FCR), por si geridos, nos termos do regime jurídico aplicável, estão sujeitas a IS por aplicação da norma de incidência objetiva e subjetiva consagrada na verba n.º 17.3.4 da TGIS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em
08-11-2023, Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), A. Sérgio de Matos e Sílvia Oliveira, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., SCR, S.A., sociedade comercial registada sob o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Porto (doravante “A...” ou “Requerente”), vem, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023..., notificado através do Ofício n.º ...-DJT/2023, em 23-05-2023 (documento n.º 1), reclamação graciosa essa deduzida contra um ato tributário de liquidação de Imposto do Selo (“IS”), resultante da declaração n.º..., no montante de € 60.405,25 (sessenta mil, quatrocentos e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), infra melhor identificado (documentos n.º 2 e 3).

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

A Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa imediatamente impugnado, bem como do ato de liquidação de IS mediatamente contestado e ser reembolsada da quantia que entende ter sido por si indevidamente suportada, no valor de € 60.405,25 (sessenta mil, quatrocentos e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida dos respetivos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto, com todas as consequências legais.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 01-09-2023 e automaticamente notificado à AT.

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 20-10-2023, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 08-11-2023.

Em 18-12-2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação e juntou o processo administrativo (“PA”).

Não havendo lugar à produção de prova constituenda, nem tendo sido suscitada matéria de exceção, por despacho de 19-12-2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e notificaram-se as partes para produzirem alegações escritas, pagarem a taxa de arbitragem subsequente e remeterem as peças processuais em formato Word, tudo ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, promoção da celeridade, simplificação, informalidade e colaboração, conforme disposto nos arts. 16.º, als. c), e) e f), 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT.

Apenas a Requerente apresentou alegações, em 19-01-2024, nas quais manteve, ora resumindo, ora expandindo, o entendimento expresso no seu requerimento inicial (PPA).

 

  1. QUESTÃO PRÉVIA

 

  1. Tempestividade do Pedido de Pronúncia Arbitral

Preliminarmente, tendo-se suscitado ao Tribunal dúvidas sobre a tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral - exceção dilatória, de conhecimento oficioso que obsta ao conhecimento do mérito e que impõe a absolvição da instância -, por despacho de 28 de janeiro de 2024, ordenou-se a notificação das Partes para exercerem contraditório, querendo, no prazo de dez dias.

Sobre esta questão, em 01-02-2024, a Requerente veio, em síntese, expor o seguinte:

- Por discordar da referida liquidação, a Requerente apresentou a competente reclamação graciosa no dia 22-03-2023, cuja cópia carimbada a 23-03-2023 se junta como documento n.º 1.

- A AT, por sua vez, decidiu no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Requerente sido notificada desta decisão através do Ofício n.º ...-DJT/2023, via CTT em 23-05-2023 – cfr. decisão já junta à p.i como documento n.º 1, cujo comprovativo do CTT por facilidade se reproduz infra: (...).

- Terminando o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT em período de férias judiciais, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil subsequente a estas.

- A Requerente apresentou o competente pedido de constituição deste tribunal arbitral em 31-08-2023, cumprindo, assim, o prazo legal estipulado para esse efeito.

- O n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, para o qual remete a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, estabelece que “[o]s prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte”.

- Neste sentido, veja-se JORGE LOPES DE SOUSA: “[n]o que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3º-A, mas sim, o regime do artigo 279º do Código Civil por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT” - “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, em Guia da Arbitragem Tributária, coordenação de Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, Coimbra, 2013, p. 95-240, p. 174.

- Assim, nos presentes autos, o prazo de 90 dias conta-se a partir da perfeição da notificação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada, sendo que, por aplicação do artigo 279.º do Código Civil, o mesmo é dizer que se o prazo terminar em domingo, sábado, feriado ou dia em que correm férias judiciais, este transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

- No caso dos presentes autos, tal prazo de 90 dias, contado desde a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, terminaria a 21-08-2023, i.e., em período de férias judiciais transferindo-se, como tal, para o primeiro dia útil seguinte (01-09-2023).

- Este entendimento de que o prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é um prazo substantivo é, hoje, posição pacífica tanto na jurisprudência dos tribunais superiores, como na jurisprudência arbitral, de que podem ver-se, a título de exemplo, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 17/2014-T, 792/2014-T, 361/2017-T, 165/2020-T.

- Foi precisamente neste sentido que apontou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo n.º 0677/10, de 09-07-2011, que determinou que “o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e peremptório e conta-se nos termos do art. 279º do CCivil (transcrito nº 1 do art. 20º do CPPT) e se terminar em período de férias, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil subsequente a estas (cfr. entre outros, os acs. de 3/5/00, rec. nº 24.562; de 23/5/01, rec. nº 25.778; de 30/5/01, rec. nº 26.138; de 13/3/02, rec. nº 28/02; e de 14/3/2007, rec. nº 0831/06)”.

No mesmo sentido, veja-se ainda Acórdãos do STA proferidos nos processos n.ºs 01534/13, de 15-01-2014, 1646/13.2BESNT, de 31-01-2019, e 70/17.2BESNT, de 13-05-2021.

- (...) conclui-se que, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral conta-se da mesma forma que o prazo para a impugnação judicial, uma vez que não deve o intérprete distinguir o que a lei não distingue.

- Tem sido este o entendimento da doutrina que se tem pronunciado sobre esta temática, veja-se CARLA CASTELO TRINDADE, em “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, Almedina, Lisboa, 2015, p. 170 : “[a] propósito das normas de contagem de prazos patentes no artigo 279.º do CC, e da entrega de petições iniciais/pedidos de constituição de tribunal arbitral, a Doutrina e a jurisprudência têm entendido que à prática daqueles actos será também aplicável o disposto na parte final da alínea e) daqueles preceitos, nos termos da qual “[o] prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”. Note-se que tal não significa que o prazo para entrega do pedido de constituição do tribunal arbitral se suspende durante as férias judiciais. Significa apenas que terminado o prazo em período de férias judiciais, porque se considera tratar-se de acto que tenha de ser praticado em juízo, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte” (destaque nosso).

- (...) apenas se poderá concluir que o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral tem, tal como o da impugnação judicial, natureza procedimental, pelo que o regime aplicável é necessariamente o do artigo 279.º do Código Civil ex vi artigo 20.º do CPPT ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT; aliás, qualquer outra interpretação seria inconstitucional, desde logo, por violação do princípio do acesso à justiça e do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 20.º, n.º1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

No exercício do direito ao contraditório, a AT pronunciou-se, em 14-02-2024, estribando-se em duas Decisões de Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, das quais se extraem, como mais significativos, os trechos ora transcritos.

No Proc. 530/2021-T, em 20-06-2022:

- “Crê-se que não há posições divergentes quanto à forma de contar o prazo de caducidade para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral, porque a remissão do termo inicial para as normas do 102.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT deixa implícito que esse é o regime que se pretende que se aplique para esse efeito. Estando em causa a contagem de um prazo previsto no CPPT é o seu regime de contagem que deve prevalecer, e este é o que o artigo 279.º do Código Civil consagra, ex-vi artigo 20.º, n.º 1 do CPPT. É o passo seguinte que constitui a verdadeira vexata quaestio. Se o pedido de constituição do tribunal arbitral inicia o procedimento arbitral, então não restarão dúvidas que há que recorrer ao artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

Lopes de Sousa [8] sustenta que o pedido de constituição do tribunal arbitral não faz parte do procedimento arbitral, mas este Tribunal não partilha desse entendimento, porque a interpretação das normas do artigo 10.º, n.º 1 do RJAT não conduz a essa solução. O pedido de constituição dos tribunais arbitrais, na sistemática do RJAT, é o primeiríssimo ato do procedimento e não lhe é prévio.

 Também Carla Trindade [9] considera que ao pedido de constituição do tribunal arbitral não é aplicável a norma do artigo 3.º-A, n.º 1 do RJAT porque a própria norma não faz referência expressa à sua aplicação ao pedido de constituição. Lopes de Sousa [10] parece comungar desta opinião. Não se pode concordar com essa interpretação pois ela esvaziaria de conteúdo esta norma, que como não enumera em que situações é aplicada, acabaria por nunca se aplicar a situação nenhuma e essa interpretação não é possível, pois o legislador não cria normas inúteis (9.º-3 do CC); a interpretação das normas tem de ser sempre harmonizada com este princípio. Se a norma existe no sistema, não é possível interpretá-la de forma em que se exclua a sua aplicação a qualquer situação. (...) O artigo 3.º-A do RJAT regula no sentido de no procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, quer dizer, todos os atos do procedimento têm os seus prazos regulados nos termos do CPA, obviamente se norma especial não regular em sentido diferente. Técnica legislativa semelhante é utilizada no mesmo regime jurídico para a prática de atos no processo arbitral [que] contam-se nos termos do CPC (artigo 3.º- A, n.º 2), que estipula uma regra geral de dez dias, que não determina exatamente a que atos se aplica (artigo 149.º-1 do CPC) e seria fastidioso enumerar aqui as dezenas de atos processuais com prazos diferentes fixados no CPC e que não obstante este Código conter a regra geral da continuidade dos prazos (138.º-1), sem identificar a que atos se aplica, não deixa por isso de regular situações especiais em que os prazos são contados em dias úteis[11] (v.g. artigo 139.º-5). A mesma metodologia é seguida no Código Civil, que contendo o regime geral (279.º), que estipula como regra a contagem do prazo sem suspensões (ou “em dias seguidos” como é uso dizer-se), sem identificar a que atos concretos se aplica, não deixa por isso de regular todos os atos previstos no Código, não obstante conter, por vezes, disciplina que, em situações especiais, segue regra diferente [12]. E esta técnica legislativa não é apenas usada nos regimes que o artigo 3.º-A do RJAT referencia, mas em toda a legislação subsidiária a este regime [13]. A técnica de indicar um regime de fixação ou contagem de prazos, para um instituto, um procedimento ou determinada espécie de atos é comummente usada no direito português e não suscita dúvidas a sua aplicação geral a todos os atos que se contenham nesse instituto, procedimento ou espécie, sempre sem prejuízo do velho princípio olex specialis derogat legi generali.

É nestes termos e com base nestes argumentos que este Tribunal Arbitral entende que com a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral inicia-se o procedimento arbitral e a contagem dos prazos nele compreendidos é feita de acordo com as regras do artigo 87.º do CPA, cuja alínea f) impõe, que tendo o ato em causa de ser praticado em dia em que o serviço em que deva ser feito não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

É justamente esta a situação dos autos; como o prazo para requerer a constituição do Tribunal Arbitral terminava no dia 29-08-2021, que foi domingo, esse termo final transferiu-se para segunda-feira, dia 30-08-2021. Após esta data o pedido de constituição do tribunal arbitral, enquanto primeiro ato do procedimento, tornou-se intempestivo.

Como vimos e de acordo com o registo no processo, o pedido de pronúncia arbitral da Requerente foi apresentado no dia 31-08-2021, pelas 19:06 horas, quer dizer, depois do termo final para o poder fazer, nos termos da norma do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Também não se ignora a existência de jurisprudência que afirma o deferimento para o primeiro dia útil após férias judiciais, do prazo para propositura de impugnação judicial, cujo direito de interposição caduque no período de férias judiciais.

Não se crê que essa orientação tenha aplicação neste caso. (...) a impugnação judicial e a impugnação nos tribunais arbitrais são processos propositadamente diferentes e até alternativos, como afirma o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que institui o RJAT, sem estabelecer quaisquer paralelismos gerais e sobretudo porque o recurso à via arbitral tem regras próprias, entre elas o procedimento de constituição do tribunal arbitral, que tem um regime privativo, que decorre da necessidade de procedimento prévio para constituir um tribunal específico, para determinada causa e conferir-lhe poderes jurisdicionais. Essa função é anterior ao processo; é mais exatamente um procedimento que está regulado nos artigos 10.º a 13.º do RJAT, cujo regime de prazos está também regulado no artigo 3.º-A, n.º 1 do citado regime. (...).”

No Proc. 570/2019-T, em 07-02-2019:

Os prazos para a propositura de acções são prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida. Visam determinar o período para o exercício de um direito e são peremptórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito.

Antes de a acção dar entrada ainda não há processo. Logo, não há prazos judiciais ou processuais antes de haver processo. (...).

Deste modo, a contagem do prazo para deduzir a acção deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como de resto prevê expressamente o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, no que se refere à impugnação judicial. Por essa razão, a contagem de tal prazo é corrida e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 138.º do CPC (antigo artigo 144.º do CPC), cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais ou adjectivos. (...).

Determina o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no artigo 102.º do CPPT.

Deste modo, sendo o prazo para a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral um prazo contínuo, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção em virtude de férias judiciais, na situação em apreço, o mesmo, terminou em 1 de Agosto de 2019.

Ora, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral apenas foi apresentado em 28 de Agosto de 2019, pelo que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, pois, a excepção de caducidade do direito de acção. (...)”.

 

  1. Factos relevantes para o julgamento da tempestividade do pedido

 

  1. O Pedido de Pronúncia Arbitral foi apresentado imediatamente contra o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023... e mediatamente contra o ato de liquidação do Imposto do Selo (IS) resultante da declaração n.º ..., no montante de € 60.405,25 – Docs. 1 a 3 juntos com o PPA, que se dão por reproduzidos.
  2. A Requerente, enquanto Sociedade de Capital de Risco, liquidou Imposto do Selo (IS) sobre a comissão de gestão cobrada a um Fundo de Capital de Risco, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do IS, em 21-12-2022, conforme fatura n.º FT22/000002 – Doc. n.º 4 junto com o PPA, que se dá por reproduzido.
  3. Em 04-01-2023, entregou a correspondente declaração mensal de IS e, em
    12-01-2023, realizou o correspondente pagamento do imposto – cits. Docs. n,ºs 2 e 3.
  4. Por discordar da referida liquidação, a Requerente apresentou a competente reclamação graciosa no dia 22-03-2023 – Doc n.º 1, junto com o requerimento apresentado por esta, em 01-02-2024, que se dá por reproduzido.
  5. A AT decidiu no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Requerente sido notificada desta decisão através do Ofício n.º ...-DJT/2023, via CTT em 23-05-2023 - cit. Doc n.º 1 junto com o PPA.
  6. A Requerente apresentou o competente pedido de constituição deste tribunal arbitral em 31-08-2023 - Doc n.º 2, junto com o requerimento apresentado por esta, em 01-02-2024, que se dá por reproduzido, e SGP do CAAD.

 

  1. Fundamentação de Facto

 

Os factos provados resultam dos documentos autuados pela Requerente e do Processo Administrativo junto pela Requerida, inexistindo factos não provados com relevo para a decisão sobre a questão prévia da tempestividade.

 

  1. Apreciação de Direito

 

Para o que aqui importa, a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT determina que “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, para o qual remete a alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT (na ausência de disposição específica do RJAT para efeitos de contagem de prazo), estabelece que “Os prazos do procedimento tributário e interposição da impugnação judicial contam-se de modo contínuo e nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte”.

Já agora, a alínea e) do artigo 279.º do Código Civil, preceitua que “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.

Deve ainda mencionar-se que a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, no seu artigo 124.º, determinou o seguinte:

1 - Fica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.

2 - O processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

3 - A arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes. (...)”.

No uso desta autorização legislativa, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), materializado no DL n.º 10/2011, publicado no DR de 20-01-2011, veio introduzir no ordenamento jurídico português e disciplinar a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, conforme ressalta dos respetivos preâmbulo e artigo 1.º

À jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no seio do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa está vinculada a Autoridade Tributária e Aduaneira (resultante da fusão da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), operada através do DL n.º 118/2011, de 15 de dezembro), conforme consta do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Desta concatenação de normas resulta que um acto praticado perante o CAAD constitui, sem discrepância, um “acto praticado em juízo”.

Nessa medida, este Tribunal acompanha a doutrina do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, quando afirma que “no que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10º [do RJAT], sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3º-A [do RJAT], mas sim, o regime do artigo 279º do Código Civil por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT” – vide ob. supra citada.

O entendimento de que o prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é um prazo substantivo, seguindo as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil, constitui posição largamente maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores, como na jurisprudência arbitral.

Assim decidiu o STA, entre muitos outros (já supra referenciados), no acórdão prolatado no P. n.º 01534/13, de 15-01-2014, onde se sumaria que “o prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva e, conforme se estabelece no n.º 1 do art. 20.º do CPPT, conta-se de acordo com o disposto no art. 279.º do CC, pelo que, nos termos da alínea e) deste preceito, se terminar nas férias judiciais, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil subsequente a estas”.

No mesmo sentido vão as decisões arbitrais proferidas nos Procs. n.ºs 17/2014-T, 314/2014-T, 792/2014-T, 361/2017-T e 165/2020-T, nesta última se tendo sumariado: “O prazo para a entrega do pedido de constituição de tribunal arbitral é um prazo substantivo, pelo que segue as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil.

À mesma conclusão também se chega por aplicação subsidiária do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT”.

Outrossim nos merece adesão o pensamento da Profª Carla Castelo Trindade (vide ob. citada) evidenciando-se o segmento, particularmente elucidativo, no qual, referindo as normas aplicáveis à contagem de prazos para efeitos da apresentação de pedidos de constituição de tribunal arbitral, e após citar a al. e) do art. 279.º do Cód. Civil, afirma com notável clarividência: “Note-se que tal não significa que o prazo para entrega do pedido de constituição do tribunal arbitral se suspende durante as férias judiciais. Significa apenas que terminado o prazo em período de férias judiciais, porque se considera tratar-se de acto que tenha de ser praticado em juízo, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.

Dado o reconhecimento constitucional do acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, tutela jurisdicional efetiva consagrada nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º4 da CRP, a todo o administrado está garantido o poder de exercer esses direitos junto dos órgãos jurisdicionais competentes seja pela via da impugnação judicial, seja pela via da pronúncia arbitral, com vista à apreciação da legalidade de atos praticados pela Administração Tributária.

Assim, e na esteira do que tem sido o entendimento maioritário da Doutrina e da Jurisprudência, também nós acolhemos a ideia de que tal direito existe previamente a qualquer tipo de regulação procedimental ou processual, pelo que lhe não é aplicável o disposto no art. 3.º-A do RJAT.

Flui deste entendimento que o prazo para deduzir impugnação judicial ou para apresentar pedido de pronúncia arbitral é um prazo substantivo, de caducidade, regido pelos arts. 279.º do Cód. Civil, 20.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 29.º, n.º 1, e) do RJAT (conjugadamente e por remissão).

Nestes termos, e em função da prova, a notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (acto imediatamente impugnado) consumou-se em 23-05-2023, pelo que os noventa dias de que a Requerente dispunha para reagir, pedindo a constituição de tribunal arbitral (art. 10.º do RJAT), terminariam em 21-08-2023.

Porém, coincidindo esse termo com as férias judiciais[1] e sendo estas equiparadas aos domingos e dias feriados (art. 279.º do Cód. Civil), o mesmo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte.

Neste caso, o primeiro dia útil foi 01-09-2023, pelo que, apresentado em 31-08-2023, o pedido de pronúncia arbitral sub judice é tempestivo, sem dúvida alguma.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IS, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.

O processo não enferma de nulidades e inexistem questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. QUESTÃO DE FUNDO

 

A questão que se impõe apreciar e decidir é a de saber se está sujeita a Imposto do Selo a comissão de gestão cobrada pela Requerente, enquanto Sociedade de Capital de Risco (SCR) a um Fundo de Capital de Risco (FCR) por si gerido, atento o disposto nas verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

  1. Posição da Requerente

 

Em síntese, a Requerente alega que as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos FCR por si geridos não estão sujeitas a Imposto do Selo, por alegadamente não se encontrarem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo de incidência previstos na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) do Código do Imposto do Selo (CIS), uma vez que: i) A atividade de gestão e representação desses fundos, em todos os aspetos da sua atividade económica e jurídica, não constitui a prestação de um serviço financeiro (elemento objetivo de incidência); e ii) As sociedades de capital de risco não são instituições de crédito, sociedades financeiras, nem instituições financeiras, atenta a revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do RGICSF, operada pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, o qual deixou, assim, de qualificar expressamente essas sociedades como "sociedades financeiras" e, consequentemente, como “instituições financeiras” (elemento subjetivo de incidência).

 

  1. Posição da Requerida

 

Em síntese, a AT, no despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, sustentou o entendimento de que “tanto as SCR, como os próprios FCR, devem ser inseridos na categoria de “instituições financeiras” e as comissões cobradas a um FCR por uma SCR, a título de serviços de administração ou gestão, preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da verba 17.3.4 da TGIS”.

No que diz respeito ao pressuposto objetivo, a AT sustenta que o mesmo se encontra preenchido, dado que, nos termos do Regime Jurídico Do Capital De Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, a atividade desenvolvida por SCR, enquanto entidade gestora de FCR, tem natureza materialmente financeira porque “está orientada e estritamente relacionada com o investimento, mais concretamente com o investimento em capital de risco realizado, in casu, através daqueles fundos”.

Já quanto ao pressuposto subjetivo, a AT justifica aquele entendimento no pressuposto de que o RGICSF se destina apenas a circunscrever quais as entidades sujeitas ao regime de supervisão do Banco de Portugal e no alegado facto de a exclusão das SCR do conceito “entidades financeiras”, através do n.º 5 do artigo 6.º, ter efeitos meramente internos.

Na ótica da AT o RGICSF não esgota, nem é o único diploma legal que regula o sistema financeiro português, mas apenas aquele que regula a atividade financeira ao regime de supervisão prudencial do Banco de Portugal.

A norma constante do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF tem por efeito apenas a exclusão das SCR da supervisão do Banco de Portugal e transportá-la para a CMVC, como é reconhecido diretamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro. Essa alteração destinou-se a harmonizar o regime de supervisão aplicável aos próprios OIC, que já anteriormente estavam sujeitos à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

E o do n.º 5 do artigo 6.º do RGICSF constitui uma ficção legal negativa, que tem apenas efeitos internos no RGICSF, não têm efeitos externos na ordem jurídica financeira nem posterga o direito estabelecido nos Regulamentos e Diretivas Europeias que classificam as SCR diretamente como instituições financeiras.

Aduz o argumento de que, pela al. f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários (“CVM”), as SCR integram a enumeração exemplificativa de “outras instituições financeiras”.

Acrescenta que, pelo facto de o n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 375/2007 autorizar a gestão de FCR por sociedades de desenvolvimento regional e por entidades legalmente habilitadas a gerir fundos de investimento mobiliários fechados, bem como a alínea a) do n.º 5 do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 63-A/2013 autorizar o mesmo para as sociedades gestoras de fundos de investimentos mobiliários fechados, todas estas classificadas como “sociedades financeiras”, não parece fazer sentido que o legislador pretendesse excluir da sujeição ao IS as comissões de gestão cobradas por SCR.

Alega também que a Requerente., enquanto entidade gestora de FCR, exerce, a título principal, uma atividade que, à luz do direito europeu, está indiretamente – e até mesmo diretamente – relacionada com o setor financeiro, seja porque está mandata para gerir e representar fundos de investimento que, indubitavelmente, integram e atuam no setor financeiro, seja porque podem estar investidas em unidades de participação dos próprios FCR que administram.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

  1. Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é uma SCR, regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, tendo como atividade principal a gestão de FCR, sendo o seu CAE principal o 66300, que corresponde à atividade de gestão de fundos, focada na gestão de fundos e investimentos de Private Equity.
  2. No âmbito desta atividade, a Requerente gere e representa FCRs em todas as vertentes da sua atividade, nos termos do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado (RJCRESIE ou, abreviadamente, RJCR), previsto na Lei n.º 18/2015, de 4 de março, e cobra semestralmente uma comissão, denominada “Comissão de Administração e Gestão”, sobre a qual tem vindo a liquidar IS, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).
  3. A Requerente liquidou IS sobre uma comissão de gestão cobrada a um FCR por si gerido, no montante global de € 60.405,25 (sessenta mil, quatrocentos e cinco euros e vinte e cinco cêntimos) - Docs. n.ºs 2 a 4 juntos com o PPA, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
  4. Na liquidação aqui em causa a Requerente seguiu as orientações emanadas da Administração fiscal que defendiam a qualificação das SCR como instituições financeiras, nomeadamente para efeitos da aplicação da norma em análise, interpretação essa plasmada no Parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 25/2013, de 26/08/2013 e na Informação Vinculativa n.º 11733 (07/07/2017).
  5. Não obstante ter procedido à liquidação do IS e ao pagamento da guia correspondente, a Requerente discorda da mesma, motivo pelo qual apresentou, no dia 22-03-2023, a competente reclamação graciosa, com fundamento na alegada ilegalidade da liquidação devido a erro nos pressupostos, resultante da falta de subsunção legal nas verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS - Doc. n.º 1 junto com o PPA e Doc. n.º1 junto com o seu requerimento de 01-02-2024, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
  6. A AT decidiu pelo indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Requerente sido notificada desta decisão através do Ofício n.º ...-DJT/2023, via CTT em 23-05-2023, conforme consta do processo administrativo - cit. Doc n.º 1 junto com o PPA, que aqui se dá por reproduzido.
  7. A Requerente apresentou no CAAD, em 31-08-2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – Doc n.º 2 junto com o requerimento apresentado por esta, em 01-02-2024, que se dá por reproduzido.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes em relação à matéria de facto e fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

  1. DO DIREITO

 

  1. Da ilegalidade da liquidação de imposto do Selo impugnada

 

Como ficou dito, a questão que se impõe apreciar e decidir é a de saber se a Requerente, enquanto Sociedade Gestora de Fundos de Capital de Risco (FCR), por si geridos, constitui uma sociedade financeira, uma entidade legalmente equiparada a sociedade financeira, ou a quaisquer outras instituições financeiras, para efeitos do disposto nas verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

A Requerente, aponta, no essencial, como causa de pedir, que não se encontram preenchidos os elementos objetivo e subjetivo de incidência previstos na verba 17.3.4 da TGIS do Código do Imposto do Selo (CIS), porquanto nem a atividade por si exercida constitui a prestação de um serviço financeiro, nem as sociedades de capital de risco (SCR) são instituições de crédito, sociedades financeiras nem instituições financeiras, atenta a revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprovou o RGICSF, pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, com efeitos  a partir de 1 de Janeiro de 2020, o qual deixou de qualificar expressamente essas sociedades como "sociedades financeiras" e, consequentemente, como “instituições financeiras” (elemento subjetivo de incidência).

A apoiar a sua tese a Requerente fundamenta-se na jurisprudência do CAAD.

Para a Requerida, ao contrário do defendido pela Requerente, encontram-se verificados os requisitos objetivo e subjetivo da verba 17.3.4 da TGIS.

Acontece que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese vertida nas decisões arbitrais mencionadas, por a mesma assentar numa interpretação estritamente formalista (revogação da alínea h) do n.º 1 do art.º 6.º do RGICSF), sem atender, em especial:

  • A outros elementos de hermenêutica relevantes de ordem sistemática e coerente do ordenamento jurídico, em especial, do direito da União Europeia (EU), direito fundador do sistema financeiro Europeu, que não sofreu alterações suscetíveis de repercussão na qualificação jurídica destas entidades;
  • À natureza jurídica da atividade material prosseguida por estas entidades;
  • Ao setor de atividade económico financeira onde se inserem.

 

Se não vejamos.

 

§1.º Das SCR gestoras de FCR

 

Como já referido, a Requerente é uma SCR que, no âmbito da sua atividade, gere diversos fundos, entre os quais o FCR acima identificado (ver probatório).

Segundo o artigo 3.º, n.º 1, daquele diploma, à data dos factos, o exercício da atividade de investimento em capital de risco pelas SCR era regulado pelo RJCRESIE (aqui também abreviadamente designado por RJCR), aprovado pela Lei n.º 18/2015, de 4 de março, conforme Anexo ao referido diploma (atualmente, este diploma encontra-se revogado, como melhor será analisado mais adiante).

Nos termos do artigo 1.º do RJCR este regime regula o exercício da atividade de investimento através de designadamente: a) Sociedades de capital de risco; b) Sociedades gestoras de fundos de capital de risco (…).

Segundo o artigo 2.º as sociedades referidas no artigo anterior agem de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes que, sendo fundos constituem patrimónios autónomos desprovidos de personalidade jurídica, “pertencentes ao conjunto dos titulares das respetivas unidades de participação” (artigo 15.º, nº 1, do RJCR).

No artigo 3.º, n.º 1, daquele diploma, “considera-se investimento em capital de risco a aquisição de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respetiva valorização” (cfr. artigo 3.º, n.º 1, RJCR).

Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “as sociedades de investimento em capital de risco e os fundos de capital de risco são organismos de investimento alternativo fechados que em conjunto se designam «organismos de investimento em capital de risco»”.

O artigo 7.º, sob a epígrafe, “Registo e comunicação prévia” dispunha que “a) A constituição de fundos de capital de risco, assim como o início de atividade dos investidores em capital de risco e das sociedades de capital de risco, dependem de registo próprio na CMVM, devendo tal pedido ser instruído com os documentos enumerados no n.º 3 do mesmo preceito”

Para além do mais estão sujeitos a comunicação prévia à CMVM, nos termos do n.º 14.

O artigo 17.º, sob a epígrafe, “Gestão”, dispunha que cada fundo de capital de risco é administrado por uma entidade gestora, que pode ser uma sociedade de capital de risco, sociedades de desenvolvimento regional e por sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo (cfr. n.ºs 1 e 2 do RJCR).

Nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, as sociedades gestoras, no exercício das suas funções, podem realizar as seguintes operações:

a) Promover a constituição do fundo de capital de risco, a subscrição das respetivas unidades de participação e o cumprimento das obrigações de entrada;

b) Elaborar o regulamento de gestão do fundo de capital de risco e eventuais propostas de alteração a este, bem como, quando seja o caso, elaborar o respetivo prospeto de oferta pública;

c) Selecionar os ativos que devem integrar o património do fundo de capital de risco de acordo com a política de investimentos constante do respetivo regulamento de gestão e praticar os atos necessários à boa execução dessa estratégia;

d) Adquirir e alienar os ativos para o fundo de capital de risco, exercer os respetivos direitos e assegurar o pontual cumprimento das suas obrigações;

e) Gerir, alienar ou onerar os bens que integram o património do fundo de capital de risco;

f) Emitir e reembolsar as unidades de participação e fazê-las representar em conformidade com o previsto no regulamento de gestão;

g) Determinar o valor dos ativos e passivos do fundo de capital de risco e o valor das respetivas unidades de participação;

h) Manter em ordem a documentação e contabilidade do fundo de capital de risco;

i) Elaborar o relatório de gestão e as contas do fundo de capital de risco e disponibilizar, aos titulares de unidades de participação, para apreciação, estes documentos, em conjunto com os documentos de revisão de contas; (…)” (negrito nosso).

Ademais, o mesmo diploma estabelecia, como objeto acessório das SCR, um elenco não taxativo de atividades que essas sociedades podiam desenvolver em relação aos FCR que se encontrassem sob sua gestão, desde que as mesmas se revelassem necessárias à prossecução do seu objeto principal, tais como “Prestar serviços de assistência à gestão técnica, financeira, administrativa e comercial das sociedades participadas, incluindo os destinados à obtenção de financiamento por essas sociedades” ou “Prestar serviços de prospeção de interessados na realização de investimentos nessas participações” (cfr. artigo 9.º, n.º 4, RJCR).

Como contrapartida pela prestação desses serviços, o RJCR dispunha que as entidades gestoras auferiam uma remuneração, a qual podia incluir uma comissão de gestão fixa e uma comissão de gestão variável, dependente do desempenho do FCR (cfr. artigo 33.º RJCR), Sendo essa remuneração um encargo dos FCR, tal como, por exemplo, os custos suportados com os investimentos e desinvestimentos nos ativos, incluindo as despesas associadas, e os custos fiscais (cfr. artigo 32.º, alíneas a) e g), RJCR).

Em termos de supervisão, o disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJCR estabelece que a sociedade de capital de risco presta anualmente à CMVM informações sobre as principais posições de risco e as concentrações mais importantes dos fundos de capital de risco ou de carteiras próprias que gere, nos termos previstos no artigo 5.º do Regulamento Delegado (EU) n.º 231/2013, da Comissão Europeia, de 19 de dezembro de 2012.

Finalmente, ainda, nesta sede, importa sublinhar que as sociedades de capital de risco (aí incluídos os investidores em capital de risco) e os fundos de capital de risco estão submetidos à supervisão da CMVM [(ver artigo 67º. do RJCR e 359.º, n.º1, h) do CVM)].

São ainda considerados investidores profissionais ao abrigo do artigo 30.º, n.º1, f), do CVM.

Posto isto, à luz da lei em vigor à data dos factos, as SCR podiam atuar, no âmbito do seu objeto principal, sob duas vestes: a) Como “investidora direta” em capital de risco, realizando investimentos por conta própria, inclusive nos FCR por si geridos (cfr. art.º 9.º, n.ºs 1 e 3, RJCR); b) Como “investidora indireta”, enquanto entidade gestora de determinados fundos de investimento, entre os quais FCR [(art.º 9.º, n.º 2, alínea a), RJCR)], servindo de intermediária entre as empresas e os investidores em FCR.

É, portanto, à luz do quadro legal mencionado e sob a veste de “investidora indireta” que cabe avaliar se os serviços prestados pela Requerente enquanto entidade gestora do fundo que gere, tendo em conta as características e competências acima identificadas, constituem ou não serviços materialmente financeiros.

Neste contexto e do quadro acima traçado sobre o exercício da atividade de gestão de FCR por SCR se infere, sem grande margem para dúvidas, que a atividade desenvolvida pelas entidades gestoras – como é o caso da Requerente, em nome dos FCR acima identificados, emergem: i) Como entidades orientadas para o investimento de risco e gestão de ativos (valores mobiliários); ii) Desenvolvem a sua atuação no contexto do sistema financeiro, mais propriamente no âmbito do sector dos valores mobiliários) e estão sujeitas à supervisão da CMVM.

No sentido de que o capital de risco está associado ao Direito dos valores mobiliários e que “A um tempo as instituições de capital de risco são emitentes de valores mobiliários e investidores institucionais”, cfr. Paulo Câmara, “O novo regime jurídico do capital de risco em Portugal na Lei n.º 56/2018, de 9 de julho, in Revista Española de Capital de Riesgo, n.º 1/2019, p. 41.

Nestes termos, tudo aponta no sentido da verificação do elemento objectivo, ou seja, que as comissões cobradas ao FCR correspondem a contraprestações por serviços financeiros, para efeitos do fixado na Verba 17.º .3. da TGIS mas, não obstante, atente-se na análise que se segue.

 

§2.º Aplicação da verba 17.3.4 da TGIS às SCR gestoras de FCR – da verificação dos elementos subjetivo e objetivo

 

A verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), sujeita a Imposto do Selo, a uma taxa de 4%, as operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, sobre o valor cobrado:

«17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.»

Constitui jurisprudência do CAAD, vazada designadamente nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 68/2022-T e 572/2022-T, que:

“(…), a tributação das várias operações económicas tipificadas nos subpontos da verba 17.3 depende de os serviços em causa serem realizados por ou com intermediação de: i) Instituições de crédito; ii) Sociedades financeiras; iii) Outras entidades a elas legalmente equiparadas; iv) Quaisquer outras instituições financeiras. (…). A questão que cumpre decidir é se a Requerente, não sendo uma instituição de crédito, é uma sociedade financeira ou equiparada ou uma outra instituição financeira” (negrito nosso).

Argumenta a Requerente que a revogação da alínea h) do n.º 1 do artigo 6.º do RGICSF, operada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de Setembro, que qualificava as SGR como sociedades financeiras, teve o efeito de as desqualificar como instituições financeiras.

De facto, dando cumprimento aos normativos comunitários, o RGICSF estatuía, no art. 2º-A, z) que eram consideradas como “instituições financeiras”, com exceção das instituições de crédito e das empresas de investimento, as “iii) As sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário e as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário na aceção, respetivamente, dos pontos 6.º e 7.º do artigo 199.º -A; (…)”.

Ora, esta interpretação não é de aceitar, desde logo, porque um decreto-lei não tem a virtualidade de revogar a legislação comunitária (que afirma o contrário), dado o princípio do primado do Direito da União.

De qualquer modo, bastará ler o preâmbulo do mencionado diploma revogatório para se concluir que o mesmo teve como objetivo atribuir à CMVM a competência para a supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento, retirando-a do Banco de Portugal, como expressamente indica o seu Preâmbulo onde se pode ler o seguinte: “O presente decreto-lei transfere as atribuições e competências de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de titularização de créditos do Banco de Portugal para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). A CMVM já é atualmente responsável pela supervisão dos organismos de investimento coletivo sob gestão daquelas sociedades gestoras, entre outros veículos de investimento coletivo. A concentração das vertentes prudencial e comportamental da supervisão elimina as áreas de sobreposição regulatória e permite à CMVM ter uma visão de conjunto, mais completa e integrada, destas entidades e das atividades desenvolvidas pelas mesmas. Ao concentrar as competências de supervisão possibilita-se uma atuação mais rápida e uma fiscalização mais intensa do supervisor, tendo em vista melhorar a eficácia da supervisão. Em resultado da transferência de competências, os agentes do mercado passam a relacionar-se apenas com um supervisor, o que permite reduzir a necessidade de atos autorizativos e a diminuição dos custos regulatórios em geral”.

No fundo, o legislador retirou da competência das sociedades de capital de risco a função de intermediação financeira, que justificava a supervisão pelo Banco de Portugal, mas tal exclusão não significa nem significou por si só condição de exclusão de tais yentidades do sistema financeiro. Ponto é que se mantenha a competência das mesmas em termos de prestação de serviços financeiros, como acontece no que concerne à gestão de ativos, designadamente através da gestão de fundos de investimento de capital de risco.

Ou seja, a vertente da atividade financeira em sentido amplo manteve-se, como melhor será analisado, o que justificou a sua manutenção no sistema financeiro, embora agora no sector dos valores mobiliários.

Por conseguinte, não é possível, pois, extrapolar hermenêuticamente da ratio legis deste diploma a exclusão das SCR como sociedades financeiras e muito menos que justifique a sua exclusão da incidência subjetiva da verba 17.3. da TGIS.

Na falta de uma definição fiscal de instituição financeira, há que observar o disposto no art.º. 11º, nº 2, da LGT, segundo o qual “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer diretamente da lei”.

Como bem salienta a Requerida, o “outro ramo do direito” que importa considerar é, hoje, essencialmente, originário do Direito da União Europeia, quer pela via de Regulamentos, fonte imediata de direito dos estados-membros, quer pela via da transposição de Diretivas para normas internas.

Estando em causa saber se uma SCR gestora de fundos de investimento é uma instituição financeira, o “outro ramo de direito” a ter em conta é, necessariamente, o conjunto das disposições legais que regulam atividade das entidades autorizadas ou regulamentadas para operar nos mercados financeiros, ou seja, o Direito da EU, que prevalece sobre o direito nacional, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa de 1976 (CRP).

O que bem se compreende, pois, como consignado na Decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 572/2022-T, repetindo o fixado na Decisão arbitral processo n.º 68/2022-T, “a atividade das entidades autorizadas a intervir profissionalmente nos mercados financeiros tem hoje uma dimensão internacional essencial, o que impõe, até para evitar distorções de concorrência, a uniformização/harmonização das normas legais aplicáveis, pelo menos ao nível da UE. Acresce que a atividade legislativa dos órgãos da União conheceu, desde um passado recente, fervor e densidade facilmente explicáveis pelo intuito de prevenir crises dos mercados financeiros como a que, há poucos anos, os abalou profundamente. Compreender-se-á assim que a nossa análise comece pelo Direito da União, até pelo primado desta fonte de direito nos obrigaria a recusar a aplicação de normas nacionais incompatíveis com as de tal origem”.

Para o efeito, sublinhe-se o conceito de “instituição financeira” consagrado no ponto 26 do artigo 4.º do Regulamento (EU) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, de 2013, entretanto alterado pelo Regulamento (EU) n.º 2020/873, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de junho de 2020 (a seguir tão-só designado como Regulamento Comunitário), relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento:

“1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

(…).

3) “Instituição”: uma instituição de crédito autorizada nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2013/36/UE, ou uma empresa a que se refere o artigo 8.º‐A, n.º 3;

(…).

26) “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE; (…)”.

            Por sua vez, o artigo 4 (1) 27b estabelece que “uma instituição financeira” é uma entidade do setor financeiro.

Assim sendo, o legislador europeu atribui às instituições financeiras as seguintes características:

  • São empresas;
  • A sua atividade principal consiste na aquisição de participações ou no exercício de um ou mais atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Diretiva 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013;
  • São entidades do sector financeiro.

Por outro lado, importa ter em conta que o legislador refere expressamente que o conceito engloba designadamente “Sociedades gestoras de ativos”.

O acabado de mencionar justificaria por si só o enquadramento das SCR enquanto entidades gestoras de FCR no conceito comunitário de instituição financeira. Mas, avançando, verifica-se que nos supramencionados pontos 2 a 12 e 15 do anexo I da Diretiva 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, estão identificadas as seguintes atividades:

“(…)

2. Empréstimos, nomeadamente: crédito ao consumo, crédito hipotecário, factoring com ou sem recurso, financiamento de operações comerciais (incluindo o desconto sem recurso).

3. Locação financeira.

4. Serviços de pagamento, na aceção do artigo 4.º, ponto 3, da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho.

5. Emissão e gestão de outros meios de pagamento (por exemplo, cheques de viagem e cartas de crédito) na medida em que a atividade não esteja abrangida pelo ponto 4.

6. Concessão de garantias e outros compromissos.

7. Transações efetuadas por conta própria ou por conta de clientes que tenham por objeto qualquer dos seguintes instrumentos:

a) Instrumentos do mercado monetário (cheques, letras e livranças, certificados de depósito, etc.);

b) Divisas;

c) Futuros financeiros e opções;

d) Instrumentos sobre divisas ou sobre taxas de juro;

e) Valores mobiliários;

8. Participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão;

9. Consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas;

10. Intermediação nos mercados interbancários;

11. Gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras;

12. Custódia e administração de valores mobiliários;

(…);

15. Emissão de moeda eletrónica” (negrito nosso).

Como supra referido, na gestão de um FCR a respetiva entidade gestora é chamada a praticar todos os atos e operações necessárias à boa administração dos mesmos, o que compreende designadamente os acima mencionados, a saber : i) Transação de valores mobiliários [(ponto 7 alínea e)]; ii) Participação  em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão ( ponto 8); iii) Gestão de carteiras ou consultadoria em gestão de carteiras ( ponto 11); e iv) Custódia e administração de valores mobiliários (ponto 12).

A simples comparação dos atos de gestão normais de uma SCR, cujo objeto seja a gestão de fundos de capital e risco com as atividades identificadas nos pontos 2 a 12 e 15 do anexo I daquela Diretiva, em articulação como o denominado Regulamento Comunitário, é também suficiente para nos levar a concluir que neste caso estamos a falar de instituições financeiras.

Continuando a prevalecer o Direito da EU, sobretudo quando vazado em Regulamentos Comunitários, que gozam de aplicação direta, fica claramente demonstrado que a revogação da norma do RGICSF, operada nos termos atrás mencionados, não teve reflexos na qualificação destas entidades como instituições financeiras. 

Transpondo o exposto para o caso dos autos, dúvidas não há, por exemplo, que as unidades de participação são valores mobiliários – cfr. artigo 1.º, alínea d), do CVM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro – que representam o património de um fundo de investimento, sendo, como visto acima, funções de uma SCR gestora de FCR (como é o caso da Requerente, em relação aos fundos por si geridos), designadamente:

a) Promover a constituição do FCR, a subscrição das respetivas unidades de participação e o cumprimento das obrigações de entrada;

b) Emitir e reembolsar as unidades de participação e fazê-las representar em conformidade com o previsto no regulamento de gestão;

c) Determinar o valor das respetivas unidades de participação

Ou seja, repete-se, estamos a falar de funções previstas nos pontos 7, alínea e), 8, e 12 do anexo I da Directiva 2013 /36/EU.

Conforme referenciado pela entidade Requerida, a atividade de gestão de carteiras, prevista no ponto 11 do anexo I da Diretiva 2013/36/UE, também se enquadra no serviço de gestão que é prestado e cobrado, através de comissões de gestão, pela Requerente, aos FCR por si geridos, competindo-lhe, como ficou dito, nomeadamente:

a) Selecionar os ativos que devem integrar o património dos FCR de acordo com a política de investimentos constante do respetivo regulamento de gestão e praticar os atos necessários à boa execução dessa estratégia;

b) Adquirir e alienar os ativos para os FCR, exercer os respetivos direitos e assegurar o pontual cumprimento das suas obrigações;

c) Gerir, alienar ou onerar os bens que integram o património dos FCR;

d) Determinar o valor dos ativos e passivos dos FCR;

e) Manter em ordem a documentação e contabilidade dos FCR;

f) Elaborar o relatório de gestão e as contas dos FCR e disponibilizar, aos titulares de unidades de participação, para apreciação, estes documentos, em conjunto com os documentos de revisão de contas”.

Atento o exposto afigura-se claro que a Requerente, enquanto entidade gestora de FCR, cai no conceito de instituição financeira em termos amplos, na medida em que opera no sistema financeiro, mais concretamente no sector dos valores mobiliários.

Na verdade, o sistema financeiro é a área do sistema económico que trata de alocação de recursos e de riscos dentro desse sistema.

Em causa encontra-se a prestação ao público de serviços de intermediação entre aforradores e investidores, de gestão de riscos e de pagamentos.

Um primeiro entendimento de instituição financeira é o de empresa que intervenha no setor financeiro, de forma direta ou indireta.

Assim, o conceito de “instituição financeira” subdivide-se nos conceitos de “instituição” e de “financeira” [(cfr. João Pedro Castro Mendes, “O conceito de “instituição financeira”, o conceito de “sociedade gestora de participações sociais” e a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo“, in Cadernos  Jurídicos do Banco de Portugal-sítio institucioanal do Banco de Portugal)]:

  • Uma “instituição” é um ente coletivo, público ou privado, que prossegue um determinado objetivo de organização social.
  • Neste caso, tratamos de “instituições financeiras”, ou seja, entes coletivos que prosseguem um determinado objetivo de organização social no contexto do setor financeiro.

As instituições financeiras caracterizam-se, desde logo, por operarem dentro do sistema financeiro em sentido amplo, que compreende os setores bancário, dos valores mobiliários e dos seguros. As entidades que são chamadas a desempenhar atividades nestes sectores, encontram-se sujeitas ao cumprimento de regras apertadas e à supervisão de diferentes entidades, respetivamente o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões.

Este conceito amplo é também defendido pela jurisprudência do TJUE, vertida em recente Acórdão sobre o conceito de “instituição financeira”, previsto no Direito da UE e à interpretação que lhe dá, para efeitos precisamente de determinação da incidência do CIS.

Com efeito, aquele douto Tribunal concluiu que, a interpretação do conceito de  “instituição financeira”, na aceção da Diretiva 2013/36/UE e do Regulamento (UE) n.º 575/2013, vai no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro, não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento(negrito nosso) [cfr. conclusão e pontos 80 e 81 do referido acórdão de 26.10.2023, proferido no âmbito dos processos apensos n.º C‑207/22, C‑267/22 e C‑290/22)].

Também o TJUE realça, como elemento caracterizador principal, a ligação da atividade de determinada empresa ao sector financeiro.

Não assiste, pois, razão à Requerente quando invoca a jurisprudência do acórdão do CAAD proferido no processo n.º 599/2020-T, o qual foi um dos processos arbitrais que esteve precisamente na origem da jurisprudência do TJUE.

O que se discutia nesse acórdão era se uma SGPS, prevista e regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (e alterações subsequentes), que, como tal, exerce uma atividade económica e gestora de participações sociais, que nada tinham a ver com o sistema financeiro, qualquer que fosse o sector, cabia no conceito de “instituição financeira” ao abrigo da legislação europeia, em especial, na definição de instituição financeira constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

Ora, precisamente, atento o objeto prosseguido, concluiu-se que.

Uma SGPS não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade. Não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s; do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (UE) n.° 575/2013, que as SGPS's, como as Requerentes, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de "instituição financeira".

Esta jurisprudência foi corroborada pelo TJUE precisamente no acórdão supra mencionado.

Mas também não assiste razão à Requerente por outra razão.

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Por sua vez, o n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito” (cfr. acórdão do CAAD nº 599/2020-T).

Ora, no caso da verba 17.3. da TGIS, o legislador limita-se a falar em “(…) Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” (negrito nosso).

 

 

Ou seja, no caso dos autos, além de o legislador apontar para um conceito de instituição financeira mais amplo (admitindo tratar-se de quaisquer outras instituições financeiras), as comissões resultam da atividade exercida pela Requerente na gestão de FCR, sob o regime e contexto supra explanados, que nos remete, como ficou demonstrado, para atividades que caiem na órbitra do sistema financeiro, mais precisamente, no sector dos valores mobiliários.

Neste âmbito, socorrendo-nos do teor do acórdão do STA n.º 6/2024, de 23 de fevereiro (com as necessárias adaptações porquanto o mesmo é relativo a SGPS's), nele se refere que tendo em consideração o teor do acórdão proferido no processo C-290/22 pelo TJUE (que cita), uma entidade não detém, para efeitos do preceituado no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento EU nº 575/2013, a qualidade de instituição financeira, com base no seguinte raciocínio:

"3.2.8 - Em suma, o TJUE entende que: - da letra da lei (artigos 3.º, n.º 1, ponto 22 da Directiva e 4.º, n.º 1, ponto 26 do Regulamento) resulta que o legislador da União Europeia não quis que o exercício directo de uma das actividades previstas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15 da Directiva 2013/36, fosse o critério de definição do conceito de instituição financeira na acepção do Regulamento n.º 575/2013 (pontos 54. a 64.); - o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Directiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União Europeia definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas actividades do sector financeiro (pontos 65. a 78.); - resulta do artigo 1.º da Directiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento que estes actos têm por objectivo definir as regras relativas ao acesso à actividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 da Directiva e do considerando 14 do Regulamento que os referidos actos têm, nomeadamente, por objectivo contribuir para a realização do mercado interno no sector das instituições de crédito (ponto 79.).

3.2.9 - E que, diz o TJUE, da consideração destes elementos interpretativos há que concluir que uma empresa cuja actividade principal não esteja relacionada com o sector financeiro, por não exercer, nem directamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das actividades enumeradas no anexo I da Directiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na acepção da Directiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013 (ponto 80)".

No caso em concreto, repete-se, tendo em consideração as atividades elencadas no Anexo I da referida Diretiva e as praticadas pela Requerente enquanto SCR gestora de FCR’S, acompanhando as conclusões do TJUE acima sucintamente citadas, entendemos que a Requerente, enquanto SCR qualificará como instituição financeira, na aceção do Direito da União.

Finalmente, uma palavra para o argumento retirado das Decisão Arbitrais sobre a eventual natureza não financeira das sociedades de capital de risco (Decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 68/2022-T e 572/2022-T).

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 68/2022-T, no final, em resposta a argumentação da Requerente quanto à natureza não financeira das sociedades de capital de risco, escreveu-se “Como também não assume relevância a invocação de precedentes jurisprudenciais relativos a sociedades de capital de risco porquanto, além das diferenças substanciais da sua atividade relativamente às SGOIC, é diferente o quadro legal aplicável.” Este excerto foi posteriormente reproduzido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 572/2022-T.

Se é verdade que as SGOIC e as SCR estavam na altura sujeitas a regimes jurídicos diferentes, não podemos deixar de assinalar o seguinte.

Em primeiro lugar, nenhuma das decisões arbitrais apreciou o regime jurídico das SCR.

Em segundo lugar, aquelas decisões arbitrais limitam-se remeter em abstracto para as SCR, mas, no caso dos autos, temos uma SCR que gere fundos de capital de risco, donde, como se conclui supra, deriva essencialmente a natureza financeira da SCR em causa.

De qualquer modo, não podemos deixar de assinalar que tais entidades (SGOIC e SCR) já comungavam na altura de regras comuns.

Vejam-se, a título de exemplo, as remissões constantes, desde logo, da Lei n.º 18/2015, de 4 de março (que aprovou o RJCR), no preâmbulo refere expressamente que opera também a transposição da “Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento em valores mobiliários (OICVM)”.

Por sua vez, no artigo 2.º, n.º 5, do RJCR, estabelece-se que, para efeitos de aplicação deste regime são aplicáveis as definições previstas no artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, com as necessárias adaptações.

No artigo 17.º, n.º 7, do RJCR estabelece-se que “Os fundos de capital de risco geridos por sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo ficam sujeitos ao Capítulo IV do Título III”.

Finalmente importa destacar que o legislador, atentas as similitudes dos regimes jurídicos em causa veio, através do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, aprovar, em anexo, “o regime da gestão de ativos”, operando designadamente a consolidação dos dois regimes jurídicos (ver artigo 7.º sobre “Direito transitório” e artigo 9.º onde se refere que são revogados: i) O Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC) e; ii) O RJCRESIE).

Atento o exposto, é de concluir que não assiste razão à Requerente, devendo concluir-se que as comissões de gestão cobradas pela Requerente, enquanto entidade de gestão de fundos de capital de risco preenchem os requisitos de incidência previstos na Verba 17.3.4 da TGIS, sendo por isso sujeitas a Imposto do Selo.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Estando a procedência deste pedido dependente da procedência do pedido principal, face à improcedência deste, impõe-se concluir pelo seu indeferimento.

 

  1. Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e), do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito e, nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2, e 22º, nº 4, do RJAT e artigo 4º, nº 5,32 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII.   Decisão

 

Termos em que, decide este Tribunal Arbitral Coletivo concluir pela total improcedência dos pedidos da Requerente, com as legais consequências, condenando-se a Requerente no pagamento integral das custas do processo.

 

VIII. Valor do Processo

 

Fixa-se ao processo o valor de 60.405,25, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor da liquidação de Imposto do Selo cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

IX.    Custas

 

Fixam-se custas no montante de € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de abril 2024

 

Os Árbitros,

 

Fernanda Maças

 

(Árbitro Presidente)

 

Sérgio de Matos

 

(Árbitro Vogal

 

 

 

Sílvia Oliveira

 

(Árbitro Vogal)

 



[1] As férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto (artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário).