SUMÁRIO
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O art. 173º, 2, c) da Directiva IVA foi adequadamente transposto pelo art. 23º, 2 e 3 do Código do IVA, permitindo à AT a imposição do método de afectação real previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 (coeficiente de imputação específico), no caso de instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD.
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O coeficiente de imputação específico é um critério objectivo que se enquadra no método da afectação real, de acordo com o disposto no art. 23º, 2 e 3 do CIVA, pois representa um método de dedução mais preciso do que o pro rata geral, para os casos em que a utilização dos bens ou serviços mistos possa ser predominantemente afecta à gestão e financiamento dos contratos.
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O coeficiente de imputação específico não é um “tertium genus” entre o método da afectação real e o método do pro rata comum.
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O coeficiente de imputação específico tem suporte legal, não resultando dele a violação do princípio da legalidade; e conforma-se ao princípio da igualdade e neutralidade fiscal, na medida em que propicia uma dedução mais aproximada do nível de consumo efectivo dos recursos de utilização mista que resulta da actividade gerada pelos contratos de locação.
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Não há, assim, qualquer base para se alegar a inconstitucionalidade do quadro legal ou da sua interpretação ínsita no coeficiente consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
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A contribuinte A..., Sucursal em Portugal, NIPC ..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 30 de Junho de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa, e mediatamente sobre a ilegalidade do objecto dessa reclamação graciosa, o acto de autoliquidação de IVA relativo ao período tributário de Dezembro de 2020, do qual resultou um excesso de imposto no montante total de € 574.504,18, pedindo a anulação dessa liquidação, com o consequente reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
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O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 12 de Setembro de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
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Por Despacho de 12 de Setembro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
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A AT apresentou a sua Resposta em 16 de Outubro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
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Suscitada, nessa resposta, a questão da utilidade da prova testemunhal, foi a Requerente notificada, por Despacho de 16 de Outubro de 2023, tendo inicialmente manifestado, em Requerimento de 25 de Outubro de 2023, o seu interesse na manutenção desse meio de prova.
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Posteriormente, em Requerimento de 13 de Dezembro de 2023, a Requerente veio solicitar o aproveitamento da prova testemunhal já produzida noutro processo, o nº 259/2022-T, com os mesmos sujeitos e com factualidade relevante alegadamente similar.
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Facultado o exercício do contraditório à Requerida, por Despacho de 18 de Dezembro de 2023, esta não se pronunciou, pelo que, em Despacho de 10 de janeiro, foi deferido o aproveitamento da prova testemunhal já produzida no Processo nº 259/2022-T, dispensando-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e notificando-se as partes para apresentarem alegações escritas.
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A Requerente apresentou alegações em 25 de Janeiro de 2024.
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A Requerida não apresentou alegações.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
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A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma instituição de crédito, com sede em território nacional, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), e oferece um conjunto alargado de serviços e produtos financeiros, designadamente, serviços e produtos relacionados com a locação de veículos automóveis.
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Entre as actividades desenvolvidas pela sucursal portuguesa, registada no Banco de Portugal com o Código ..., figura a locação financeira de bens móveis e serviços conexos, objecto de reconhecimento mútuo nos termos do Anexo I, 3, da Directiva 2013/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho.
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Além da locação financeira de veículos novos, a Requerente dedica-se ao crédito automóvel, sendo a actividade da Requerente exercida com o CAE 64190 - outra intermediação monetária.
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Sendo um sujeito passivo misto de IVA (art. 2º, 1 do CIVA), algumas operações que realiza estão sujeitas a imposto, ainda que muitas sejam isentas nos termos do art. 9º, 27 do CIVA (actividade financeira); realiza operações que conferem o direito à dedução do IVA incorrido, e operações que não conferem esse direito, tendo de aplicar métodos de dedução previstos no art. 23º do CIVA (pro rata ou afectação real).
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As regras da locação financeira seguidas pela Requerente constam, além do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6, das Condições Gerais anexas ao Contrato e das Condições Particulares: o contrato tem por objecto a locação do bem, tal como identificado nas Condições Particulares, e cabe ao Locatário escolher de sua livre vontade o veículo automóvel a locar, bem como o respetivo Fornecedor/mediador – sendo com este que o Locatário acorda a marca, modelo e respectivas especificações técnicas, o preço e os demais aspectos referidos nas Condições Particulares: pelo que o Locador não tem qualquer intervenção nessa fase do processo de locação financeira e na formação do acordo que a finaliza – limitando-se a aceitar, ou rejeitar, a concessão do crédito.
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Se aceitar, o Locador, seguindo as instruções do Locatário, compromete-se a adquirir o bem ao Fornecedor, a conceder o respectivo gozo ao Locatário e a conceder-lhe uma opção de compra sobre o mesmo, nos termos do contrato.
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O Locador é o único responsável pelo pagamento do valor do bem ao Fornecedor; mas o Locador fica contratualmente exonerado de qualquer responsabilidade em virtude de mora, cumprimento defeituoso ou incumprimento por parte do Fornecedor, designadamente no tocante às obrigações relativas ao bem e sua entrega nas condições previstas, devendo o locatário responsabilizar, apenas e directamente, o Fornecedor.
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O Locador concede mandato ao Locatário para, em seu nome e por sua conta, proceder à recepção do bem – devendo o Locatário remeter ao Locador o Auto de Recepção.
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Os encargos do contrato são da exclusiva responsabilidade do Locatário, ao qual cabe suportar todas as despesas: de reboque, parqueamento, portagem e acondicionamento do bem, pagamento dos serviços prestados por terceiros e outras despesas necessárias para recuperação do bem, despesas de natureza judicial ou extrajudicial, suportadas pelo Locador, em consequência de simples mora ou de incumprimento definitivo das obrigações contratuais por parte do Locatário.
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O Locatário obriga-se a aceitar o Preçário de Serviços do Locador. Nos termos desse Preçário, assiste ao Locador o direito de cobrar ao Locatário comissões pela abertura do contrato, pelo reembolso antecipado do financiamento, pelo processamento das prestações, pela simples mora, pelo incumprimento definitivo por alterações contratuais, pela renegociação do contrato, pela cedência da posição contratual a terceiros, pelo requerimento do registo automóvel, pela emissão e extractos da conta corrente mantida com o locatário, pela intervenção em processo de homologação de viaturas transformadas, pela emissão de 2.ª via dos documentos do contrato, bem como de facturas e outros documentos contabilísticos, pela contestação das multas, pelo tratamento do IUC, pelo reboque e parqueamento das viaturas, incluindo despesas pagas a terceiros e pela anulação de seguros e serviços. Em caso de mora ou de incumprimento definitivo, o Locador pode cobrar comissões como retribuição de serviços por ele prestados.
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Sobre todas essas comissões a Locadora liquida IVA à taxa normal de 23 %.
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São também da exclusiva responsabilidade do Locatário todos os encargos e despesas inerentes a utilização e circulação do bem, designadamente impostos, taxas, multas, e, em geral, quaisquer prestações devidas a entidades publicas, tendo o Locador direito de regresso sobre o Locatário pelo valor de quaisquer despesas e encargos desta natureza que tenha suportado, e das despesas associadas à respectiva gestão e tratamento.
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O Locatário suporta exclusivamente todas as despesas de manutenção e conservação ordinária e extraordinária do bem, e cabe-lhe exclusivamente o pagamento do prémio de seguro do veículo locado, em benefício do Locador.
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Igualmente correm por conta exclusiva do Locatário o risco e a responsabilidade perante terceiros.
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Fora dos casos de aplicação do Preçário, a Locadora suporta – e repercute na renda paga pelo Locatário –, os encargos com a guarda dos bens cuja opção de compra no termo do contrato não seja exercida pelo Locatário, ou quando o Locatário os devolva voluntariamente por não ter condições para o cumprimento das suas obrigações contratuais; com a recuperação e reboque dos veículos que o Locatário não tiver voluntariamente devolvido; com a venda em leilão ou qualquer outro meio de transmissão da propriedade legalmente admissível; com o controlo do pagamento das coimas e impostos relacionados com o veículo locado; com os serviços informáticos ou jurídicos assegurados pelos seus departamentos ou prestadores externos com vista ao desenvolvimento da locação financeira; com o envio aos clientes da documentação relacionada com a emissão do IUC e do Documento Único Automóvel, e demais correspondência.
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Em 2020, os contratos de Leasing e ALD representaram 74% da Carteira Total da Requerente:
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A Requerente entregou, em 10 de Fevereiro de 2021, a declaração periódica de IVA n.º... .
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A Requerente apercebeu-se de que, no acto de autoliquidação de IVA, tinha sido apurado por ela um montante total de imposto em excesso, no valor de € 574.504,18, decorrente do errado cálculo do pro rata definitivo, previsto no art. 23º do CIVA, erro que ela atribui à aplicação dos procedimentos previstos no Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009.
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A Requerente apresentou, a 10 de Fevereiro de 2023, Reclamação Graciosa (autuada com o n.º ...2023...), peticionando que deveria ter calculado a percentagem de dedução definitiva de 2020, aplicável ao IVA incorrido nos recursos comuns da sua actividade, nos termos do art. 23º, 4 do CIVA, incorporando no cálculo o valor da “amortização financeira” relativa aos contratos de locação financeira (Leasing e ALD), do que resultaria o apuramento, com referência ao ano de 2020, de uma percentagem de 86%, e não de 26% como resultou da aplicação da metodologia do Ofício-Circulado:
[A] Numerador (com inclusão da “amortização financeira”/capital)
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168.722.020,25
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[B] Denominador
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196.400.830,76
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[C]=[A]/[B] Pro rata
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86,00%
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[D] IVA incorrido em recursos comuns
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957.506,96
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[E] IVA deduzido sem inclusão do capital no Pro Rata
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248.951,81
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[F]=[D]×[C] - [E] IVA a deduzir adicionalmente por Pro rata
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574.504,18
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A Reclamação Graciosa visou corrigir a autoliquidação do IVA de Dezembro de 2020 e, em concreto, a taxa do pro rata da dedução relacionada com os contratos de ALD/locação de 2020, pedindo a anulação da liquidação na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens (86% em vez de 24%) aos bens e serviços com utilização mista.
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Na Reclamação Graciosa, a Requerente justificou a utilização do método do pro rata, previsto no art. 23º, 4 do CIVA, porque, dada a sua estrutura empresarial, pratica operações de locação financeira que implicam a utilização de recursos comuns, a gestão dos contratos de financiamento, a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens – sendo que, nessa qualidade de proprietária, a Requerente tem um consumo significativo de recursos comuns, que não se verificaria numa situação em que apenas concedesse financiamento aos seus clientes, e estes, por sua vez, adquirissem directamente os bens em causa.
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Entre esses recursos incluem-se, alegou a Requerente na Reclamação Graciosa, os referentes à interacção com os fornecedores dos bens no âmbito da entrega dos mesmos, à contabilização e gestão de toda a documentação associada à propriedade dos bens; a gestão e pagamento de impostos, multas e outras importâncias associadas à detenção dos bens e à respetiva imputação de tais montantes aos locatários; a disponibilização de bens locados; a recolha, armazenagem e gestão dos bens em casos de incumprimento contratual; a gestão e o controlo do pagamento de coimas e impostos (nomeadamente o IUC) associados aos bens dados em locação/ALD, ainda que eles sejam suportados pelo Locatário; a resposta a notificações emitidas pelas autoridades competentes, no âmbito de contraordenações rodoviárias, procedendo, por essa via, à identificação do Locatário, designadamente, para evitar a instauração, contra o proprietário dos bens, de processos judiciais para cobrança de montantes em dívida; a gestão de processos de sinistro, designadamente quando se verifique a apreensão dos documentos dos veículos de que é proprietária; a gestão do correio, para envio da documentação aos Locatários.
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Em 1 de Março de 2023 foi apresentado o projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa, não tendo a ora Requerente exercido o seu direito de audição prévia.
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A 31 de Março de 2023 foi proferido despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, notificado à Requerente em 4 de Abril de 2023.
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Em 30 de Junho de 2023 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
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Foi utilizada, no presente Processo, prova testemunhal recolhida, em 11 de Novembro de 2022, no âmbito do Processo nº 259/2022-T, perante um Tribunal Colectivo composto por Regina de Almeida Monteiro, Clotilde Celorico Palma e António de Barros Lima Guerreiro.
II. B. Matéria de facto não-provada
Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar a proporção, mesmo em termos aproximados, entre custos de disponibilização de veículos e custos de financiamento e de gestão de contratos, incorridos no âmbito dos contratos de Leasing e de ALD, que evidenciasse alguma preponderância quantitativa de qualquer dos custos.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
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Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo e na prova testemunhal aproveitada de outro processo.
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Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
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Nos termos do art. 396º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal.
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A prova testemunhal recolhida no Processo nº 259/2022-T foi largamente inconclusiva: muito resumidamente, B..., da área financeira, Accounting Manager na A..., deu conta das dificuldades de adopção do método de afectação real relativamente a alguns gastos na actividade da Requerente; C..., da área de recuperação, Departamento Financeiro, referiu-se a uma panóplia de custos que não são imputados aos clientes, exemplificando com custos de contencioso, ou o pagamento do IUC relativo às viaturas, mas, confrontada com um preçário da A..., asseverou que, não obstante, com frequência os custos não eram imputados aos clientes; D..., da área de aceitação e registo de contratos, Responsável de Operações em Portugal da A... e E..., descreveu detalhadamente as vicissitudes dos contratos de locação financeira, mas não explicou por que razão a remuneração do banco não se concentrava na taxa de juro que é praticada nos contratos; e F..., da área de Gestão de Cliente, esclareceu que no crédito normal todos os custos são passados para o cliente, e só no leasing eles são repartidos, embora não soubesse indicar qual a proporção dessa divisão, nem a dimensão do universo total dos contratos em curso em 2019.
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Em suma, e como se notava na decisão do Processo nº 259/2022-T, “Uma parte relativamente significativa, ainda que não quantificada por essas testemunhas, segundo essas testemunhas, está afeta à disponibilização do veículo, operação sujeita e não isenta de IVA.” (sublinhado nosso)
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Devendo também lembrar-se que, nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal se deve cingir à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.
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Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. Sobre o Mérito da Causa
III. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia
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A Requerente começa por lembrar que, desenvolvendo simultaneamente actividades de Leasing e de ALD, ficou confrontada com o Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 Janeiro de 2009, que veio “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA incorrido pelas instituições financeiras em recursos “comuns”, indistintamente utilizados na realização de operações que conferem, e que não conferem, o direito à dedução.
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No ponto 5 desse Ofício-Circulado, a AT considerava que
“No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução”.
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No ponto 8 desse Ofício-Circulado, a AT estabelecia que
“considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades”.
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Sendo que, por fim, no ponto 9 desse Ofício-Circulado, a AT determinava que
“Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD.” (sublinhado pela Requerente).
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Tendo em conta o procedimento previsto no Ofício-Circulado, a Requerente adoptou-o, aquando do cálculo da percentagem de dedução definitiva do ano de 2020, plasmada na respectiva declaração periódica, tendo apurado um coeficiente de imputação específico de 28%, nos termos aí definidos; o qual não teve, portanto, em consideração, quer no numerador, quer no denominador da fracção, a “componente de amortização de capital” associada às rendas de locação financeira.
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Cindiu, assim, a respectiva contraprestação, a renda, em juro e amortização financeira, não obstante ambas as componentes concorrerem para o valor tributável de IVA, nos termos do art. 16º, 2, h) do CIVA.
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Naquela declaração, a Requerente apurou um crédito de imposto a recuperar.
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Apesar da conformidade com o procedimento previsto no Ofício-Circulado, a Requerente veio a entender que existiu um erro na autoliquidação do IVA referente ao período de Dezembro de 2020, relativamente ao IVA incorrido nos designados recursos comuns da sua actividade, que deveria ter conduzido, nos termos do art. 23º, 4 do CIVA, à incorporação, no cálculo, do valor da “amortização financeira” das rendas de Leasing e ALD, de que resultaria o apuramento, com referência ao ano de 2020, de uma percentagem de 86%, e não de 26%, de pro rata; e foi isso que determinou a apresentação da reclamação graciosa.
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Sustenta a Requerente que a sua estrutura empresarial implica um consumo significativo de recursos comuns, visto que ela não se limita a conceder financiamento aos seus clientes para estes adquirirem directamente os bens financiados – e pelo contrário suporta custos elevados, de recursos humanos e materiais, na gestão dos contratos de financiamento, e na disponibilização e gestão dos bens locados, os quais permanecem na sua propriedade.
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Genericamente, tratar-se-ia de custos de interacção com os fornecedores dos bens, de disponibilização dos bens, de gestão e contabilização dos bens, de gestão e financiamento dos contratos, de acatamento do quadro legal, de recuperação ou recolha, armazenamento e gestão de bens locados, em casos de incumprimento e não-exercício da opção de compra pelos locatários.
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Quanto ao acatamento do quadro legal, a Requerente alega que assume a sua gestão e controlo, reconhecendo embora que o pagamento de impostos e coimas é da responsabilidade dos clientes – porque lhe cabe receber notificações e responder a elas, identificando os locatários responsáveis, e lhe cabe gerir processos de sinistro.
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E a Requerente sustenta que nestas actividades são utilizados os recursos humanos comuns a toda a empresa, não dispondo de departamentos responsáveis pela gestão dos contratos de Leasing e de ALD – coexistindo, pois, situações de recursos comuns (rendas, telecomunicações, informática) e situações que são especificamente imputadas à actividade de ALD/Locação (gestão de contratos, documentação), com base no qual foram apurados os rácios do pro rata a aplicar neste caso.
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A Requerente também alega que, ocasionalmente, também pode recair sobre ela o pagamento do IUC dos veículos, quando os clientes não tenham liquidado o imposto, na data da matrícula do veículo e o contrato tenha terminado em momento anterior a essa data, ou em que a transferência da propriedade não se tenha consumado na data da emissão da respectiva factura.
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E menciona ainda despesas com correio, com contratação de prestadores externos à empresa para recuperação de dívida dos clientes em caso de incumprimento, de plataforma de apoio aos clientes, de tratamento informático da documentação, de reboques e parqueamento, de gestão, abate no imobilizado e venda em leilão das viaturas recuperadas.
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Em suma, a Requerente alega que as operações de ALD e locação financeira, que representam 74% da carteira total de contratos, são realizadas com recurso a vários departamentos centrais da própria Requerente (de contabilidade, marketing, risco de crédito, jurídico, recuperação de crédito/bens, customer care, entre outros), aos quais estão alocados diversos recursos materiais e humanos, directamente afectos às particularidades desses contratos e à disponibilização dos bens locados.
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O entendimento veiculado pela Requerente na Reclamação Graciosa – e que ela mantém no presente pedido de pronúncia arbitral – é, em síntese, o de que,
não tendo sido possível a aplicação de um critério de afectação real com base em critérios objectivos, nos termos do art. 23º, 2 do CIVA, o único método legalmente admissível é o método do pro rata de dedução previsto no art. 23º, 4 do CIVA, o qual tem de, legalmente, incluir na respectiva fracção os montantes referentes às amortizações financeiras (capital) incluídas nas rendas de locação financeira.
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A Requerente procura sintetizar igualmente os fundamentos invocados na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa:
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Invocando o regime da locação financeira, previsto no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, alega-se que o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora, do uso do bem, obrigando-se a locadora a prestar um serviço, traduzido na disponibilidade do bem em causa, e recebendo em contrapartida uma prestação, sem prejuízo de poder prever-se a opção de compra, no final do contrato, a favor do locatário, por um valor residual fixado por acordo das partes.
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A locação seria uma modalidade de crédito, e daí resultaria que a actividade da locadora é basicamente a concessão de financiamento, sendo a contrapartida remuneratória constituída, essencialmente, por juros e outros encargos incluídos nas rendas.
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Enquanto operação de financiamento, o valor de aquisição do bem objecto do contrato de locação corresponde ao capital financiado que constitui a componente de amortização financeira na renda liquidada pelo locador ao locatário; pelo que, no momento da aquisição desse mesmo input, o locador, como sujeito passivo, exerceu já o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto do contrato de locação, por via do método da imputação direta; e assim não poderá deixar de ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem.
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A não-exclusão da parte da amortização financeira incluída na renda provocaria, assim, um aumento injustificado na percentagem de dedução definitiva, distorcido por via de uma mera restituição de um financiamento cujo bem subjacente foi já objecto de liquidação e dedução de IVA no momento da aquisição.
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No entender da AT, a actividade da Requerente seria essencialmente financeira, e por isso a sua remuneração própria seriam os juros – a sua actividade principal não seria a compra e venda de bens, mas a concessão de créditos para aquisição de tais bens, apenas se substituindo aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade.
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Dados estes pressupostos, no cálculo do coeficiente de imputação específico deverá considerar-se apenas o montante que excede o valor dos custos utilizados nas operações tributadas (aproximadamente, o valor dos juros), uma vez que, através do método de imputação directa, o IVA da parte relativa ao capital já foi integralmente deduzido.
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Para evitar o já mencionado empolamento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços de utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo, a AT insiste que é só esse valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com, e sem, direito à dedução.
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Reitera que a componente de capital contida nas rendas não deve onerar o cálculo da percentagem de dedução, por não constituir rendimento da actividade do sujeito passivo, ao invés do que sucede com as demais variáveis que integram a fórmula, pelo que a sua consideração provocaria distorções e desvirtuaria o próprio método do pro rata e todo o sistema de dedução do IVA, ao reconhecer, como dedutíveis, custos que não contribuíram para a realização de operações tributadas.
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Insistindo que não são todas as operações tributadas ou não tributadas que devem ser integradas na fórmula, mas apenas aquelas que, realizadas no âmbito de uma actividade económica realizada pelo sujeito passivo, tenham utilizado custos comuns para gerar valor acrescentado – no caso da locação financeira, a cedência do uso do bem objecto do contrato, que gera rendimentos ao locador, sob a forma de juros.
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Lembrando que a amortização financeira consubstancia um mero reembolso de capital, pelo que a mesma não gera qualquer valor acrescentado – razão pela qual, em termos de contabilização das duas componentes da renda, se considera que o locador deverá reflectir o valor do bem, como um crédito que é reembolsado através das amortizações financeiras, enquanto que a restante parte (os juros e demais encargos), deve ser relevada como proveitos.
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Por outras palavras, enquanto a amortização financeira visa somente a redução de um crédito, os juros já influenciarão o resultado do exercício – entendendo a AT que essa é a razão pela qual, no caso das Instituições de Crédito e de outras instituições financeiras, o conceito de volume de negócios, estatuído no art. 5º, 3, a) do Regulamento (CE) n.º 139/2004, do Conselho, de 20 de Janeiro, não contempla a parte correspondente à amortização financeira.
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A AT entende que, não assumindo a parcela correspondente à amortização financeira a natureza de proveito, não pode integrar o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, e daí que não possa influenciar o cálculo da percentagem de dedução – razão pela qual não se lhe aplica o estabelecido no art. 16º, 2, h) do CIVA, que, nas operações de locação financeira, manda atender à renda recebida no seu todo para calcular o valor tributável.
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Daí retira a AT o entendimento de que pode obrigar um banco que exerça a actividade de locação financeira, a incluir, no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes nos contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização dos veículos.
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A AT sustenta que nada, no seu entendimento, aponta na direcção de uma restrição do direito à dedução, visto que se pretende apenas excluir a dedução ilegítima, que colocaria em causa a neutralidade fiscal inerente ao funcionamento do IVA.
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Quanto ao método pro rata propugnado pela ora Requerente, a AT alegou que ele não tem mérito para medir o grau de utilização que as duas categorias de operações, com e sem direito a dedução, fazem dos bens e serviços que compõem a “utilização mista”, e, consequentemente, não pode ser utilizado para determinar a parcela dedutível, cuja liquidação foi efetuada a montante por outros operadores económicos que se situam na fase imediatamente anterior do circuito económico.
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A Requerente recorda ainda que a AT convocou, em apoio do indeferimento da Reclamação Graciosa, a jurisprudência do TJUE (Processo “Banco Mais” C-183/13, de 10 de Julho de 2014) e do STA (Acórdão de 04 de Março de 2020, Recurso nº 052/19), para concluir que o Ofício-Circulado n.º 30.108 é conforme às normas de direito interno e europeu, propugnando que o mesmo “além de contribuir para promover a segurança jurídica, permite ainda, a realização efetiva das finalidades do direito à dedução, sendo a única que se mostra compatível com o princípio basilar nesta matéria, e em todo o sistema do IVA: o princípio da neutralidade e da justiça fiscal em relação a todos os sujeitos passivos”.
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Dado o entendimento da AT, de que
pode obrigar um banco que exerça a actividade de locação financeira, a incluir, no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes nos contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização dos veículos,
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A AT acrescenta que, no caso concreto em apreço, o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização da viatura, circunscrevendo-se a fase inicial à aquisição da viatura (cujo IVA suportado é recuperado na sua totalidade), ao contacto com o fornecedor do veículo e com o locatário, e à formalização do contrato e registo da aquisição, e inerentes operações contabilistícas e fiscais; e que as demais tarefas, nomeadamente, as relacionadas com os contratos de seguro, com o pagamento do IUC, infracções rodoviárias, portagens, coimas, emissão de declaração para obtenção de um dístico de estacionamento no seu local de residência, segundas vias de documentos, serviços jurídicos, além das inerentes às vicissitudes próprias do contrato (como sejam, faturação e alterações à mensalidade, incumprimento), não se mostram subsumíveis à atividade de disponibilização do bem locado, pelo que uma parte significativa dos recursos é empregue (e os inerentes custos incorridos) durante o período de vigência do contrato, enquadrando-se na actividade normal, e nuclear, de gestão e financiamento.
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Contra esta fundamentação da AT, desenvolve a Requerente a sua argumentação, no sentido, já apontado, de
não tendo sido possível a aplicação de um critério de afectação real com base em critérios objectivos, nos termos do art. 23º, 2 do CIVA, o único método legalmente admissível ser o método do pro rata de dedução previsto no art. 23º, 4 do CIVA, o qual tem de, legalmente, incluir na respectiva fracção os montantes referentes às amortizações financeiras (capital) incluídas nas rendas de locação financeira.
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Sentido do qual decorre, segundo a Requerente, a necessidade de aplicação de uma taxa do pro rata consideravelmente superior à que foi praticada na declaração de 2020.
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A Requerente começa por recordar a regra geral prevista no art. 168º da Directiva do IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006): “quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas”, o sujeito passivo tem direito a deduzir integralmente o IVA incorrido com tais bens e serviços.
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E recorda que o método pro rata é consagrado no art. 173º da Directiva, que estipula que “no que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações”. Sendo que o nº 2 desse art. 173º prevê que “os Estados-Membros podem tomar as seguintes medidas: (…) c) autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços; d) autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas (…)”.
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Transpostas estas soluções para os arts. 19º segs. do CIVA, estabelece o art. 23º, 1, b) que, em matéria de aquisições de recursos comuns (bens e serviços de utilização mista), “o imposto é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução”; nos termos do art. 23º, 4 do CIVA, o numerador comporta o valor das transmissões de bens e prestações de serviços realizadas pelo sujeito passivo que conferem o direito à dedução, no período anual de referência, compreendendo o denominador a totalidade das operações efectuadas no mesmo período; e nos termos do art. 16º, 2, h), no que respeita à locação financeira, o valor tributável das operações corresponde ao “valor da renda recebida ou a receber do locatário”.
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Realça a Requerente que o método pro rata é dominante em matéria de recursos comuns (art. 23º, 1, b) do CIVA), sem embargo da possibilidade, que a Requerente não aproveitou, de se proceder a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução, e em operações que não conferem esse direito, nos termos do art. 23º, 2.
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Ambos os métodos podem ser afastados se conduzirem a distorções significativas na tributação (art. 23º, 2 in fine e 3), seja por opção do sujeito passivo pelo método de afectação real, seja por imposição da AT, em casos em que o sujeito exerça actividades económicas distintas, ou quando ocorram as referidas distorções.
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Como a Requerente não exerce actividades económicas distintas, a única hipótese de afastamento do método pro rata seria a demonstração, pela AT, de que a respectiva aplicação conduz a distorções significativas – o que a Requerente alega que a AT não fez, limitando-se, no entender da Requerente, a remeter para passagens – gerais e abstractas – do Ofício-Circulado.
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Adicionalmente, dada a remissão, no art. 23º do CIVA, do seu nº 3 para o seu nº 2, o afastamento do método de pro rata e a imposição do método de afectação real apenas seria possível se fossem utilizados “critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
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Em suma, a utilização do método da afectação real apenas será possível por iniciativa do contribuinte, ou por imposição da AT, mas neste caso somente em duas hipóteses: quando estejam em causa atividades distintas, ou quando a aplicação do método do pro rata implique “distorções significativas” na tributação.
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Ora, conclui a Requerente, como não foi ela a requerer o método de afectação real, e como não estão em causa actividades distintas, a AT só poderia impor esse método mediante a demonstração de que o método escolhido pela Requerente estava a causar distorções significativas na tributação – o que, alega, a AT não fez.
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No entender da Requerente, o que a AT fez foi sentir-se legitimada pela sua leitura do Ofício-Circulado nº 30108 para impor aos contribuintes um método que, não sendo baseado em critérios objectivos, mas no volume de negócios, deverá apenas conter, no que respeita a operações de locação financeira e ALD, depois de cindir a componente de capital da componente de juro, o montante dos juros e outros encargos associados àquelas operações, desconsiderando, portanto, o montante da amortização financeira constante da renda facturada ao locatário.
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Entende a Requerente, todavia, que o Ofício-Circulado nº 30108 não apenas não é fonte de direito, também é ilegal.
III. A. 1. Sobre a conformidade do Ofício-Circulado n.º 30108 com a legislação nacional
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Dada a alternativa entre o método pro rata e o método de afectação real (não se tendo acolhido o pro rata sectorial previsto na Directiva IVA), exclui-se, no entender da Requerente, uma metodologia assente na comparação de volumes de negócios, a qual seria sempre presuntiva e não corresponderia a uma metodologia de afectação real.
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Entende por isso a Requerente que a AT, ao cindir, em cumprimento do entendimento sancionado naquele Ofício-Circulado, a contraprestação unitária das operações de locação financeira (cfr. art. 16º, 2, h) do CIVA) em duas componentes - uma de amortização financeira (ou capital) e outra de juros e outros encargos -, admitindo apenas a inclusão da componente de juros e outros encargos no cálculo do método de dedução, mais não fez do que criar um método de dedução inovador, desprovido de qualquer fundamento normativo: um “pro rata truncado”, assente numa fórmula de cálculo que considera parcialmente operações realizadas, e não o grau efectivo de utilização de recursos.
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Uma metodologia que, segundo a Requerente, nem sequer pretende assentar num critério objectivo, usando para apoiar a asserção o ponto 9 do próprio Ofício-Circulado: “sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD.”
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Ora, sustenta a Requerente, a inclusão de tal metodologia na lei chegou a ser ponderada – mas em alternativa às duas metodologias, não se confundindo, portanto, com qualquer delas. No Relatório do Grupo de Trabalho da DGCI, relativo à dedução do IVA, lê-se:
“No que respeita à utilização do método de afetação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA para os bens e serviços de uso misto, cabe salientar que a mesma poderá ser também expressa por uma proporção, já não baseada nos volumes de negócios gerados a jusante, mas que represente o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de dedução numa circunstância e na outra” (Ciência e Técnica Fiscal, 2006, n.º 418, pp. 237-357).
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Trata-se de um “pro rata truncado” porque o genuíno método pro rata assenta numa fórmula de cálculo taxativa e prefigurada, que postula a consideração do valor integral das operações que devam constar do numerador e do denominador da respetiva fracção de apuramento. E que se trata de uma outra metodologia, reconhece-o o próprio Ofício-Circulado, quando estabelece que “Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA”.
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Mas se o Ofício-Circulado omite a base legal para essa outra metodologia, é porque, alega a Requerente, essa base legal não existe – pelo que a resultante limitação ao direito à dedução viola o princípio da legalidade e a reserva de lei, seja os arts. 103º, 2, 112º, 5 e 165º, 1, i) da CRP, seja o art. 55º da LGT.
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A Requerente louva-se na decisão proferida no Proc. nº 58/2020-T do CAAD, nos termos da qual deve recusar-se a aplicação do art. 23º, 2 do CIVA
“na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem”.
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E invoca o consenso doutrinal em torno da subordinação das orientações administrativas a juízos de legalidade, além da falta de vinculação dos particulares e dos tribunais a tais orientações.
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A Requerente aponta três vícios ao entendimento subscrito pela AT:
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Violação do art. 23º, 3 do CIVA e do art. 173º da Directiva IVA;
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Ausência de demonstração de que a metodologia propugnada pela Requerente conduziria a distorções graves na tributação, naquele caso concreto;
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Imposição de um método de dedução inexistente no quadro normativo tributário, violando o princípio da legalidade.
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Relativamente à jurisprudência, a Requerente começa por lembrar a decisão do TJUE no Processo C-183/13 (Banco Mais), de 10 de Julho de 2014, que estabeleceu que a Directiva não se opõe a que um Estado-Membro
“obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (…)”
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Ou seja, legitimando o critério do Ofício-Circulado n.º 30108, mas somente em condições muito específicas:
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verificada determinada factualidade;
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verificada a correspondência da legislação nacional com as normas da Directiva;
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verificado, no caso concreto, que os recursos comuns são aplicados predominantemente no financiamento e gestão dos contratos.
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Na decisão do processo n.º 887/2019-T, que correu termos junto do CAAD, entendeu-se que a decisão do TJUE no Processo C-183/13 (Banco Mais), presumiu – erradamente – que a lei portuguesa, nomeadamente o art. 23º do CIVA, previa mecanismos que permitiam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
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Só que, observa a Requerente, no que respeita ao método da afectação real, o CIVA apenas prevê no seu art. 23º, 2 a aplicação de critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito – não permitindo, portanto, a aplicação de um pro rata que considere apenas os juros da actividade de leasing, conforme propugna o Ofício-Circulado.
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Alega também a Requerente que a AT não pode, por via do Ofício-Circulado, e meramente tendo por base a presunção de que os recursos comuns são aplicados predominantemente no financiamento e gestão dos contratos – uma afirmação que não foi objecto de prova –, considerar que a utilização do pro rata previsto no art. 23º, 4 do CIVA, quando utilizado por instituições financeiras que pratiquem simultaneamente operações de locação financeira e ALD, provoca ao mesmo tempo distorções significativas na tributação; pelo que esse caminho não pode ser seguido para determinar o montante de IVA dedutível associado a recursos comuns de operações que conferem, e que não conferem, o direito à dedução.
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A Requerente invoca também a decisão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. (processo C-153/17, de 18 de Outubro de 2018), que, quanto à locação financeira no sector automóvel, veda aos Estados um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando da sua entrega, especificando, na sua conclusão, que
“(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (§59)
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E a Requerente invoca diversos acórdãos arbitrais em apoio do seu entendimento – com especial destaque, como seria de esperar, para o acórdão proferido no Proc. nº 259/2022-T, em especial para a fixação da matéria de facto a que se procedeu – permitindo, nas palavras da Requerente, provar “inúmeros factos relacionados, quer com a disponibilização dos veículos e com momentos anteriores mesmo a essa disponibilização (por via dos documentos que foram juntos ao processo e dos depoimentos testemunhais prestados), quer com a própria gestão e financiamento dos contratos de ALD e Leasing”.
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Tendo o Tribunal desse Proc. nº 259/2022-T concluído que o sujeito passivo tinha direito à utilização de um método pro rata baseado nas especificidades da sua actividade, isenta e não isenta, afastando a aplicação do Ofício-Circulado, porque desajustado à realidade daqueles factos. Reconhecia esse tribunal que o critério defendido pela AT seria admissível caso os recursos comuns fossem predominantemente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação; mas que deixava de o ser com a prova, que teria sido feita, de que os recursos comuns eram empregues tanto no financiamento e gestão dos contratos, como na disponibilização dos bens locados – porque, demonstrando-se a existência de recursos afectos à disponibilização dos veículos, poderia haver justificação para a dedução, na parcela do denominador do pro rata, da parte correspondente ao capital financiado.
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De um conjunto de decisões arbitrais, retira a Requerente a conclusão de que o entendimento vertido no Ofício-Circulado está ferido de ilegalidade, pois a transposição da Directiva para o Código do IVA não permite uma interpretação coincidente com a do TJUE; usando como argumentos:
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A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA;
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Ainda que tal critério fosse admissível para o TJUE, só seria aplicável caso se verificasse que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos (o que não sucede com a Requerente);
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Para determinação do IVA dedutível, não pode aplicar-se um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua actividade;
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Tal método de repartição terá de ter também em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
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A Requerente coloca, portanto, especial ênfase na alegação, e demonstração, da circunstância de, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, essa utilização não ser sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos – concentrando-se, antes, na disponibilização dos bens locados – desmentindo que a ela própria seja um mero intermediário entre o fornecedor do bem e o locatário, e não tenha intervenção relevante na disponibilização dos bens locados
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Para isso, procura relembrar que as operações de locação financeira são realizadas pela Requerente com recurso a vários departamentos centrais (de contabilidade, marketing, risco de crédito, jurídico, recuperação de crédito/bens, customer care, marketing, entre outros), aos quais estão afectos significativos recursos materiais e humanos, que lidam não só com as particularidades dos contratos de locação financeira, mas também com a disponibilização e gestão dos bens locados – bens que são propriedade sua (visto que não se trata de financiamento por via de concessão de crédito).
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A Requerente enumera uma série de funções que impendem sobre ela pelo facto de ser proprietária dos bens locados, fazendo notar que muitas delas surgem expressamente clausuladas nos contratos de Leasing e de ALD.
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Pelo que entende demonstrado o facto de existirem recursos comuns significativos, relativos à disponibilização e gestão dos bens locados, o que, no seu entendimento, justifica que a dedução do IVA desses recursos seja efectuada com recurso ao método do pro rata, tal como previsto no art. 23º, 4 do CIVA, incluindo, na sua fórmula de cálculo, a totalidade do volume de negócios das operações realizadas pela Requerente, ou seja, o valor da amortização financeira.
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Desmentindo que os recursos em causa sejam sobretudo aplicados à actividade de financiamento, a Requerente sublinha que, não obstante desenvolver o seu negócio na área financeira, não é, contudo, um banco, nem uma entidade financeira típica, pois, estando ligada a uma marca do sector automóvel, a sua ligação com o fabricante e com os distribuidores dos veículos comercializados é específica no contexto das típicas actividades de financiamento para o sector automóvel.
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Daqui tira a Requerente a conclusão de que o procedimento adoptado na autoliquidação em crise foi incorrecto, pois a taxa de dedução a que ela entende ter direito é muito superior à que foi erradamente aplicada, ascendendo a 86%, ao invés dos 26% calculados ao abrigo do critério de imputação específico ilegalmente veiculado pela AT – daí resultando o crédito de IVA adicional ao qual a Requerente julga ter direito.
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Subsidiariamente, a requerente invoca a inconstitucionalidade do entendimento vertido no Ofício-Circulado n.º 30108: começando pelo facto de que a imposição de um método de cálculo para apuramento do IVA dedutível, em entidades com restrições no direito à dedução, apenas poderá ser efectuada por Lei da Assembleia da República, pois em caso contrário ocorrerá uma violação do Princípio da Legalidade, nos termos conjugados dos arts. 103º, 2, 112º, 5 e 165º, 1, i), todos da CRP e, ainda, do art. 8º da LGT (com os seus corolários da Preeminência da Lei, da Reserva de Lei Parlamentar e da Tipicidade Fechada) – sendo que a legislação nacional (art. 23º, 3 do CIVA) apenas prevê duas metodologias de dedução de IVA relativo a recursos comuns, não sendo nenhum dos dois aquele que aparece indicado no Ofício-Circulado.
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É que a definição do âmbito do direito à dedução do IVA, e a as inerentes restrições, estão necessariamente sujeitas a aprovação por Lei da Assembleia da República, ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (nos termos do art. 165º, 1, i) da CRP, sendo igualmente relevantes os arts. 111º e 112º, 5 da CRP), não podendo admitir-se que tal definição se apoie numa mera instrução administrativa.
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Assim, seria inconstitucional a interpretação do art. 23º, 2 do CIVA que procurasse legitimar a imposição de um método de determinação da matéria tributável em IVA por via de Circular; e seriam materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP), as normas do art. 23º, 2 e 3, b) do CIVA, se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, que discrimina a favor dos bancos e contra as sociedades financeiras.
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A Requerente termina peticionando a reconstituição da situação que existiria, caso não tivesse sido cometida a ilegalidade em que assentou a liquidação, o que envolve a devolução das quantias pagas indevidamente, acrescidas de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até efectivo e integral pagamento.
III. B. Posição da Requerente em Alegações
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Em alegações, a Requerente sustenta que, quer da prova documental, quer da prova testemunhal, realizada por via dos depoimentos prestados no processo n.º 259/2022-T, bem como dos argumentos de Direito aduzidos e trazidos aos autos, resulta inequivocamente provada e sustentada a sua posição.
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Reconhece que a questão principal no presente processo é a de saber se a Requerente pode, ou não, considerar que a sua actividade de Leasing e de ALD tem um impacto tão significativo, em termos do consumo de recursos humanos e materiais, que justifique que a componente de capital contida nas rendas seja tida em consideração, no cálculo do pro rata, nos termos do disposto no art. 23º, 4, do CIVA.
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Rejeita a sua assimilação a um banco: porque, apesar de ter a autorização, por parte do Banco de Portugal, comum às entidades bancárias, a Requerente apenas gere contratos de crédito e de locação financeira, de veículos das marcas Renault e Dacia.
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A Requerente analisa em detalhe os depoimentos prestados no processo n.º 259/2022-T.
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Quanto à questão da prova especificada das despesas com disponibilização, a Requerente admite que não consegue fazer a afectação real dos recursos efectivamente consumidos nas atividades de Leasing e ALD, e que isso é evidente desde o início, porque se conseguisse proceder a essa afectação real, a aplicação de uma taxa de pro rata nem sequer se justificaria.
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Procurando uma formulação sintética, a Requerente sustenta que os dois pontos de discórdia são somente:
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por um lado, aferir se a actividade de Leasing e de ALD desenvolvida pela Requerente exige, pelas suas características próprias, um esforço material e humano tal que justifique o apuramento de taxas de pro rata distintas (no caso, mais elevadas) das que constam do Ofício-Circulado n.º 30108;
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por outro lado, saber se a Requerente tem direito a considerar o valor do capital no numerador, para efeitos da aplicação da regra vertida no art. 23º, 4 do CIVA, em função do facto de os recursos humanos e materiais, quer comuns à actividade de crédito (tendencialmente isentas de imposto), quer próprias da atividade de Leasing e de ALD, estarem quase exclusivamente afectos a estas duas últimas atividades.
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Tudo para se perceber se ficou, ou não, demonstrado que o montante relativo ao capital mutuado, que é pago pelos clientes da Requerente através da renda mensal, independentemente de poder ser qualificado, ou não, como lucro da actividade de financiamento, constitui uma componente do negócio da Requerente, que, à semelhança da componente relacionada com o pagamento de juros, absorve a maioria dos seus recursos.
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A Requerente dá uma resposta afirmativa, sustentando que tais recursos são activados desde o momento em que o cliente escolhe uma viatura e solicita uma proposta de financiamento, até ao último momento, em que o contrato de Leasing e de ALD termina, seja por pagamento ou incumprimento, ou em que a Requerente tem de realizar diligências de recuperação das viaturas, para a sua recolocação no mercado.
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A Requerente insiste que, da leitura do art. 23º, 4 do CIVA, resulta que não se exige que o sujeito passivo demonstre a percentagem de custos afectos às operações que dão lugar a dedução, para apuramento do numerador, na medida em que essa determinação até poderá corresponder, no limite, à totalidade dos custos suportados com a actividade sujeita a imposto. E que a ausência de cálculo percentual não pode servir para se concluir que a actividade de ALD e de Leasing absorve a maioria dos custos e recursos, humanos e materiais, que a Requerente suporta com a totalidade das suas actividades, quer isentas, quer sujeitas a tributação.
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Sustentando, pelo contrário, que da prova testemunhal aproveitada do processo n.º 259/2022-T resultou que, em termos de número de contratos e volume financeiro, o Leasing e o ALD representam geralmente cerca de 75% da actividade anual da Requerente, cabendo à actividade de crédito automóvel comum uma percentagem de cerca de 25%.
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Insiste também que caberia à AT provar que a aplicação da percentagem de dedução apurada pela Requerente originaria, neste caso em concreto, uma distorção significativa na tributação, e que a AT não o fez.
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E sustenta que há um risco próprio da actividade que não é coberto por reajustamentos de taxas de juro – e que, ao contrário do que a Requerida sugere, a Requerente não tenta compensar, com o eventual aumento ou ajustamento das taxas de juro, o maior esforço financeiro que as actividades de Leasing e de ALD exigem, em termos de recursos humanos e materiais.
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Do quadro normativo, tanto o europeu como o nacional, infere a Requerente que:
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o método do pro rata é aquele que o sistema de IVA português, no art. 23º, 1, b) do CIVA, escolheu como o método de dedução, por excelência, relativamente aos recursos comuns.
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a aplicação concreta deste método passa pela aplicação de uma fórmula de cálculo imperativamente definida pelo legislador, nacional e europeu, quer quanto ao tipo de operações a considerar, quer quanto ao correspondente valor tributável.
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o afastamento do método do pro rata é possível em duas circunstâncias, uma especial e outra excepcional, previstas no n.o 2 e no n.º 3, ambos do art. 23º do CIVA – sendo que, no caso de considerar que a aplicação do método do pro rata conduz a distorções significativas na tributação, a AT deverá sempre fundamentar a sua decisão, não sendo suficiente a remissão para algumas das afirmações constantes do Ofício-Circulado.
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Na ausência dessa fundamentação, entende a Requerente que a verdadeira distorção em termos de tributação ocorreu por ter sido excluída, do direito à dedução, para efeitos de apuramento do numerador a que o art. 23º, 4 do CIVA se refere, uma parcela significativa da sua actividade, dado não ter sido considerada a componente da renda paga pelos locatários, a título de capital mutuado.
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A Requerente retoma, em alegações, os argumentos da desconformidade do Ofício-Circulado n.º 30108 com a legislação nacional – da qual resulta que a AT não está legitimada a impor aos contribuintes, por via daquele Ofício-Circulado, um método que, não sendo baseado em critérios objectivos, mas no volume de negócios, apenas considera, no que respeita a operações de locação financeira e ALD, o montante do juros e outros encargos associados àquelas operações, desconsiderando, portanto, o montante da amortização financeira constante da renda facturada ao locatário.
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Entende a Requerente que o pro rata de dedução previsto na legislação interna e europeia em vigor assenta numa fórmula de cálculo taxativa, e prefigurada, que postula a consideração do valor integral das operações que devam constar do numerador e do denominador da respectiva fracção de apuramento – que, portanto, o “pro rata truncado” do Ofício-Circulado n.º 30108 não passa de um método presuntivo.
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E a Requerente retoma igualmente os argumentos da invalidade do método do Ofício-Circulado n.º 30108 à luz da jurisprudência nacional e europeia.
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Sustentando que a uniformização de jurisprudência alcançada pelo STA no acórdão proferido em 24 de Março de 2021 (Proc. n.º 087/20.0BALSB), no qual o STA considerou que a AT poderia impor o critério definido no Ofício-Circulado n.º 30108, e que a lei interna não prevê um único método de afectação real, não é aplicável ao caso presente, seja porque versou sobre uma liquidação adicional de imposto, e não sobre a contestação de uma autoliquidação, seja porque o tema assentava na insuficiência de prova realizada nos autos – sendo que o aresto em causa enfatizou a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, por forma a ser aferida a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada, ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição à taxa única e inflexível prevista no Ofício-Circulado n.º 30108.
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Sendo que, nos presentes autos, entende a Requerente que a Requerida desconsiderou a prova que ela, Requerente, insiste ter sido feita – afastando, por isso, a aplicabilidade plena do estabelecido naquele acórdão uniformizador.
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A Requerente chama especial atenção para a decisão arbitral do Proc. n.º 259/2022-T, já transitada em julgado, na qual se conclui:
“Uma última nota para, a final, salientarmos que, ainda que se concluísse, erroneamente, que o entendimento da AT estava correcto, o certo é que, efectivamente, não sendo utilizados critérios objectivos de repartição dos recursos comuns, apenas é admissível a utilização do critério defendido pela AT no caso de os referidos recursos serem sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação, resultando a nosso ver provado da documentação junta aos autos e da prova testemunhal carreada, que não é o caso da Requerente. Na realidade, os recursos comuns por si utilizados no âmbito da sua actividade são determinados quer pelo financiamento e gestão dos contratos, quer pela disponibilização dos bens locados”.
Considerando ainda o Tribunal que
“apenas é admissível a utilização do critério defendido pela AT no caso de os referidos recursos serem sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação”.
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De acordo com este entendimento, de que não tem de haver sequer uma preponderância dos recursos de disponibilização dos veículos, em relação aos recursos com a gestão dos contratos, para se admitir a inserção da componente “capital”, a Requerente recapitula as razões pelas quais entende estar comprovado que há uma afectação de recursos que é transversal a toda a sua actividade, e que portanto não predomina a afectação de recursos ao financiamento e gestão dos contratos, havendo uma afectação relevante à disponibilização dos bens locados – sustentando a Requerente que o facto de ela ser a proprietária dos bens locados exige um esforço acrescido em vários momentos da relação contratual – e faz com que ela, não obstante desenvolver o seu negócio na área financeira, não seja uma entidade financeira típica, pois, estando ligada a uma marca do sector automóvel, a sua ligação com o fabricante e com os distribuidores dos veículos comercializados é específica no contexto das típicas actividades de financiamento para o sector automóvel.
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A Requerente renova, em alegações, o argumento de que aplicação do Ofício-Circulado n.º 30108 ao caso vertente é inconstitucional, por violação do Princípio da Legalidade, da reserva de competência da Assembleia da República, da separação de poderes e da igualdade tributária.
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No restante das alegações, a Requerente retoma os argumentos já expendidos no Pedido de Pronúncia.
III. C. Posição da Requerida na Resposta
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Na sua resposta, a Requerida começa por enunciar, em tese geral, os fundamentos principais da posição que assume:
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Que o art. 23º, 2 do CIVA, ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17º, 5, § 3º, c) da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”;
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Que os custos em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos.
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Recapitulando o regime do art. 23º do CIVA, lembra que o denominado “método da afetação real” consiste na aplicação de critérios objectivos, reais, sobre o grau ou intensidade de utilização dos bens e serviços, ora em operações que conferem direito à dedução, ora em operações que não conferem esse direito – sendo de acordo com esse grau ou intensidade de utilização dos bens, medidos por critérios objectivos, que o sujeito determinará a parte de imposto suportado que poderá ser deduzida. Já o “método da percentagem de dedução”, ou “pro rata”, consiste numa dedução parcial, que se traduz no facto de o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, utilizados num e noutro tipo de operações, apenas ser dedutível na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão lugar a dedução – sendo a percentagem de dedução a aplicar calculada provisoriamente com base no montante de operações realizadas no ano anterior (pro rata provisório), sendo corrigida na declaração do último período do ano a que respeita, de acordo com os valores definitivos de volume de negócios referentes ao ano a que se reportam, determinando a correspondente regularização por aplicação do pro rata definitivo.
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A Requerida lembra que, com a alteração introduzida ao art. 23º pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, tais procedimentos foram "estendidos" ao método da afectação real, nomeadamente, aos casos em que o mesmo é legitimamente imposto pela AT, seja para as situações em que o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas, seja para os casos em que se apure que a utilização dos demais métodos poderá originar distorções significativas na tributação, conforme dispõe o n.º 3 do art. 23º (invocando a esse propósito o Ofício-Circulado nº 30103, de 23 de Abril de 2008).
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Retira daí as conclusões de que:
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a aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário (arts. 173º e 174º da Directiva IVA) e com as normas de direito interno (art. 23º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade;
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a solução prevista no Ofício-Circulado nº 30103, cabendo no âmbito dos poderes conferidos à AT pelo art. 23º, 3, b) do CIVA, oferece uma solução que permite prevenir ou afastar a ocorrência de distorções significativas, quando estejamos perante sujeitos passivos que realizem, entre outras, operações de locação financeira e ALD.
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No fundo, segundo a Requerida, trata-se, no Ofício-Circulado nº 30103, de propor, dentro da plasticidade e amplitude consentidas pelo “método da afetação real”, um método de “pro rata mitigado”, um método forfetário concorrente do “pro rata” normal, justificado como reacção a distorções significativas que este último possa causar.
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Dado que a Requerente realiza operações financeiras que não conferem o direito à dedução de IVA, por se encontrarem isentas ao abrigo do art. 9º, 27 do CIVA, e operações com liquidação de IVA, como acontece, por exemplo, com as rendas de leasing e ALD, que conferem direito à dedução do IVA suportado, há lugar ao cálculo da percentagem de dedução – sendo controvertido, entre as partes, se é válida a exclusão, desse cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponda à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.
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A Requerida insiste que a liquidação inicial realizada pela Requerente estava em perfeita consonância com o quadro normativo europeu e nacional, no que respeita à locação como operação que confere direito à dedução de IVA. Na locação não há lugar à transferência de propriedade, mas sim a cedência do uso do bem, que permanece na titularidade da locadora, pelo que a Requerida adopta a noção de que o objecto é essencialmente a prestação de um serviço, uma forma alternativa de financiamento alcançado através da cedência, ao locatário, do uso de um bem não adquirido por ele (mesmo quando, no final do contrato, exista a opção de compra).
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Assim sendo, estará em jogo uma prestação de serviços tributável nos termos do art. 4º, 1 do CIVA – impondo-se, segundo a Requerida, o respeito pela neutralidade fiscal, no sentido de o regime tributário não discriminar (em termos de onerosidade) entre aquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, e aquele que o adquire directamente.
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A Requerida lembra que a renda paga pelo locatário à locadora incorpora necessariamente três parcelas:
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A amortização do capital, a parcela de reembolso do montante “emprestado”, que corresponde ao valor de aquisição do bem locado;
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Os juros, a remuneração específica do locador / mutuante;
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A tributação – no caso, IVA.
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Pelo que a renda não se esgota – longe disso – na simples amortização do capital., entendendo a Requerida que é a componente da renda remanescente ao capital (componente dos juros e outros encargos) que, em princípio, reflecte a ponderação por parte do sujeito passivo dos gastos que estima incorrer na operação e da sua margem financeira, sendo ela que representa, em regra, a remuneração económica dos gastos da actividade de Leasing e ALD, pois a outra, a do capital, esgota-se com o input da aquisição da viatura, não sobrando qualquer valor para imputar a outros gastos/inputs, já que no momento da aquisição desse mesmo input, o sujeito passivo / locador exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objecto do contrato de locação, por via do método da imputação directa.
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Conclui a Requerida que a parte da amortização financeira incluída na renda deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução, uma vez que esta parte da amortização mais não é do que a restituição do capital financiado e investido para a aquisição do bem; sendo que, por isso, a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo.
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A Requerida invoca em apoio do seu entendimento o acórdão “Banco Mais” (TJUE, Proc. C-183/13), que considerou que o artigo 17º, 5, § 3º, c) da Sexta Directiva
“…deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar.”
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E a Requerida invoca a interpretação do acórdão “Banco Mais” por um acórdão do STA (Processo n.º 052/19.0BALSB):
“Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
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A Requerida lembra que o entendimento uniforme do STA (ilustrado por um número considerável de decisões) está sintetizado na decisão do Proc. nº 01075/13, 2ª Secção:
“Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista , apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”
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Deste quadro jurisprudencial retira a Requerida a inferência de que o pedido da Requerente deve improceder, na medida em que ela não conseguiu provar, conforme tem sido exigido pelo STA, que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte dela foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos.
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A Requerida faz notar que, na jurisprudência do STA (Proc. n.º 87/20.0BALSB, Proc. n.º 0101/19.1BALSB, Proc. nº 74/21.0BALSB), cabe ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização de bens ou serviços mistos não é sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos – pelo que o ónus da prova recai exclusivamente sobre a Requerente, à qual cabe provar que o método que pretende utilizar não provoca distorção significativa na própria tributação em sede de IVA; mais ainda quando, depois de uma autoliquidação realizada de acordo com a metodologia do Ofício-Circulado n.º 30.108, a Requerente mudou de entendimento, sem no entanto apresentar quaisquer provas de que os actos de disponibilização de veículos assumiam uma preponderância nos gastos mistos (comuns à actividade sujeita a IVA e à actividade dele isenta), face aos gastos incorridos com actos de gestão e de financiamento dos contratos.
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Acrescenta a Requerida que o Ofício-Circulado n.º 30.108 representa somente um esforço de uniformização e estabilização de procedimentos, no desenvolvimento do quadro legal que habilitou a AT a definir condições especiais, nos termos do art. 23º do CIVA – um poder-dever de colaboração com o contribuinte, através da revelação pública da interpretação que a AT faz das normas tributárias, contribuindo para a uniformização de procedimentos e para a aplicação uniforme da lei.
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Entende também a Requerida que é ilegítimo tentar integrar o mecanismo do direito à dedução em sede de IVA no capítulo da incidência do imposto, unicamente com o propósito de poder alegar violações do princípio da legalidade na sua forma de reserva de lei parlamentar – que não é aplicável à concretização sobre o apuramento do valor de IVA que os sujeitos passivos têm direito a deduzir.
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A incidência limita-se, naturalmente, à definição legal do conjunto de factos sujeitos a tributação e, bem assim, do conjunto das pessoas sobre que recai a obrigação tributária.
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Por outro lado, lembra que a tipicidade exige que os factos geradores de imposto sejam exclusivamente os determinados pelas suas normas de incidência, formando, desta forma, um universo fechado – para que todos os elementos necessários à tributação se apresentem de tal modo especificados que o órgão de aplicação do direito não possa, na sua actuação, introduzir critérios subjectivos de apreciação.
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Ou seja, infere a Requerida, a legalidade e a tipicidade impedem a tributação indiscriminada de factos que não se encontrem recortados na lei, ou que sejam excluídos de tributação pela lei – mas evidentemente não interferem nos poderes conferidos pela própria lei à definição, pela AT, de critérios específicos de determinação da relação tributária concreta – como sucede no âmbito do art. 23º do CIVA.
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Ou seja, por absurdo, não pode a legalidade significar o impedimento de a própria lei conferir poderes à AT para definição de condições especiais já autorizadas pelo quadro legal. Concretizando: se a AT pode impor ao sujeito passivo condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios “objectivos”, e esses critérios podem ter de ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT – com o objectivo de evitar distorções significativas da tributação –, por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral, ou aquando da utilização de critérios de imputação específica.
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A Requerida sublinha também que a actividade de uma entidade locadora é totalmente sujeita a IVA, podendo efectuar uma imputação directa entre inputs e outputs, deduzindo o IVA que suporta na aquisição dos veículos e das despesas em que incorre com a actividade, sem necessidade de segregação em face de actividade isenta de imposto; e que o mesmo acontece com as instituições bancárias, que, na mesma medida, deduzem o IVA que suportam, logo no momento da aquisição dos veículos – deduzindo posteriormente os custos comuns em que incorrem com a actividade de leasing, retirando-se precisamente a parcela de IVA que já deduziram anteriormente com a aquisição do veículo.
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Não se dá, portanto, o caso de o valor do IVA referente aos custos indiferenciados em que a Requerente incorre com a locação financeira não serem deduzidos se a parcela da amortização do capital mutuado não concorrer para esse apuramento, visto que, argumenta a Requerida, essa parcela apenas reflecte o reembolso parcelar do valor emprestado pelo banco ao cliente, não espelhando aquele montante qualquer valor adicional.
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Ou seja, quando se discute o art. 23º do CIVA e o método a aplicar para o apuramento da dedução em sede de IVA, já não é o IVA da aquisição do veículo que está em causa, porque esse já foi deduzido, por imputação directa: o que está em causa são outros inputs alegadamente incorridos para a disponibilização dos veículos aos locatários.
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Lembrando a Requerida que a actividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens – que é meramente instrumental para a finalidade do negócio, a locação -, mas somente na concessão de créditos a terceiros para aquisição desses bens, ainda que se substitua aos destinatários dos bens na aquisição, reservando para si o direito de propriedade.
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A Requerida assinala que, num contrato de locação financeira, o locador fica liberto daquilo que são as obrigações-regra do proprietário no regime geral da locação: não corre por conta dele, locador, o risco do perecimento do bem, cabendo ao locatário suportar o seguro do bem; é o locatário que, nos termos do regime do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, tem de suportar as reparações, transportes, montagem, reparação, instalação ou devolução
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Por outro lado, a Requerida lembra que tem de prevalecer, vinculativamente, a interpretação efectuada pelo TJUE relativamente ao art. 17º, 5 da Sexta Directiva IVA (actual art. 173º, 2 da Directiva nº 2006/112 CE), já que o art. 23º do CIVA procedeu à sua transposição para o nosso direito interno – e que a decisão tomada pelo TJUE no Proc. C-183/13 (Acórdão “Banco Mais”) tem valor de caso julgado.
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A Requerida assinala que a Requerente nem sequer alegou que os gastos de disponibilização com veículos são significativos e são mais preponderantes do que os custos de financiamento e de gestão de contratos, ou que constituem a maioria dos gastos incorridos no âmbito dos contratos de Leasing e de ALD – e menos ainda os quantificou, o que seria necessário para demonstrar o fundamento da sua alegação de que a dedução de IVA deveria passar de 26% para 86%.
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Sustenta a Requerida que, constatada que seja essa falta de comprovação, fica apenas em aberto a questão de direito, o que entende já estar decidido pelo STA, no momento em que este tribunal decidiu que a norma do art. 23º, 2 do CIVA, ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17º, 5, § 3º, c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.”
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Por outro lado, a Requerida sustenta que os gastos mistos, despendidos tanto com a gestão e financiamento dos contratos como com a disponibilização dos veículos, se encontram totalmente reflectidos na taxa de juro estipulada entre locador e locatário, além de comissões especificamente cobradas – dado que a taxa de juro nominal efectivamente cobrada variará em função da análise do risco que cada cliente representa, ou será ajustada em função do risco objectivo em cada situação de crédito.
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Não sendo credível que um qualquer custo não seja coberto pelas taxas do financiamento ou pelas comissões cobradas à clientela: razão pela qual todos os custos são, em última análise, suportados pelos clientes.
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Pelo que – conclui a Requerida – se o valor da renda correspondente ao capital financiado pelo Banco viesse a ser somado, no numerador, tanto ao produto das comissões como ao produto das taxas de juro, tal decisão consubstanciaria a promoção e legitimação de uma inflação inaceitável de dedução do IVA inerente aos custos incorridos com os contratos de locação financeira – na medida em que todos esses custos já se encontram reflectidos nos montantes que, seja a título de comissões, seja a título de taxas de financiamento, são cobrados aos clientes durante a duração do contrato.
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Pelo que se dispensa que o valor da renda correspondente ao capital seja tido em conta no numerador, uma vez que os custos comuns se encontram refletidos nos juros e comissões, e não no valor do capital.
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No entender da Requerida, é isso que resulta do Acórdão “Banco Mais”:
“Não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.”
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E se articula com o Acórdão do STA de 4 de Março de 2020 (Proc. n.º 052/19.0BALSB):
“Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta.”
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Não se lhe aplicando a solução encontrada pelo TJUE no acórdão do processo Volkswagen Financial Services, C-153/17, na medida em que a questão aí decidida está presa às peculiaridades do Direito do Reino Unido, que obriga à desagregação do leasing em duas operações, a disponibilização do veículo e o seu financiamento, e submete cada uma delas a um regime distinto de IVA, não permitindo que os custos imputados ao financiamento do contrato (incluindo os custos com a disponibilização dos veículos) fossem passíveis de dedução, isto é, não permitia que concorressem para o apuramento da percentagem do valor do IVA que era possível deduzir (além de outras particularidades do caso concreto, relativas à natureza do contribuinte e à natureza dos contratos envolvidos).
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Por outro lado, sustenta a Requerida que o esforço de conversão de actos de gestão e financiamento em actos de disponibilização é vão, e assenta numa leitura errada do que são actos de disponibilização – que não são actos de cedência temporária de uma coisa, como a Requerente parece entender, pois esses actos integram a gestão do contrato, gestão da locação financeira, necessária à preservação do financiamento concedido ao locatário.
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Ou seja, a “disponibilização” é o próprio objecto da locação financeira, como aliás resulta do art. 1º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.
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Por isso a Requerida contesta a alegação da Requerente de que, por exemplo, incorre em custos de armazenamento – o que não corresponde à prática habitual, na qual o Banco não tem qualquer contacto com o objecto locado (cfr. cláusula 7ª, 1 dos contratos), e quando ocorra é coberto pela comissão “7.9. Reboque e Parqueamento” do Preçário praticado pela Requerente. E o mesmo se diga para outros custos, cobertos pela cláusula 11ª dos contratos.
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Por outro lado, a Requerida assinala que subsiste uma ambiguidade, tanto no presente litígio como na jurisprudência antecedente, sobre a natureza do “acto de disponibilização”, nomeadamente o saber-se se tal disponibilização, no âmbito do contrato de locação financeira,
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é referente ao momento da pré-venda, à concepção e à entrega do veículo ao cliente, período que decorre, necessariamente, numa fase inicial do contrato, de encomenda do veículo e de posterior disponibilização, numa relativa curta janela; ou se
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é, antes, referente a todo o período de vida útil do contrato de locação financeira, desde o momento da entrega, da colocação à disposição do veículo ao locatário, até ao termo final do contrato de locação financeira;
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ou se tanto os actos de disponibilização de veículos como os de financiamento e de gestão de contrato são transversais a todo o período de vida útil do contrato, incluindo também o momento de negociação inicial.
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Sustentando a Requerida que, nos quatro anos de vida útil – que tendem a corresponder à duração média do contrato de locação financeira –, os custos mistos incorridos, seja no cálculo da taxa de financiamento correspondente ao perfil de cada cliente, seja na gestão corrente do contrato de locação financeira, seja ainda por vicissitudes no cumprimento desse mesmo contrato, consubstanciam custos de financiamento e de gestão do contrato, por corresponderem à fase em que o financiamento é concedido aos clientes, e por eles é abatido através de um regime de pagamentos prestacionais, bem como corresponde à gestão da relação contratual estabelecida entre Banco e clientes, a qual se prolonga no tempo, até à finalização do contrato de locação financeira. Ao contrário do que sugere a Requerente, que parece cingir os custos de financiamento e de gestão do contrato à sua fase inicial, e espraiar os actos de disponibilização do veículo por todo o período de vida útil do contrato.
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Quanto à alegação da Requerente de que caberia à AT a prova da “distorção significativa da tributação”, a Requerida remete para o acórdão proferido pelo STA no Proc. nº 101/19:
“Bem mais interessante é, quanto a nós, o argumento – também utilizado no acórdão arbitral – segundo o qual o método imposto pela Administração Tributária não constitui um «critério objetivo» que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços.
Aqui já não está em causa saber se o método imposto pela Administração Tributária é admitido pela lei nacional: está em causa saber se esse método é ajustado. Isto é, se constitui uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.
Deve, porém, observar-se desde já que o acórdão recorrido não concluiu que o método não se ajustava às especificidades da atividade exercida pelo sujeito passivo. Isto é, não concluiu que o método não servia em concreto. Até porque nem sequer formulou nenhum juízo sobre a relação entre esse método e a atividade exercida pelo sujeito passivo. Que, aliás, não indagou concretamente.
O que o Tribunal Arbitral concluiu foi que aquele método «não pode constituir um critério objetivo». Em abstrato. Servindo-se de um exemplo tirado de um parecer inserido no acórdão fundamento, julgou evidente que, com base no valor das rendas, não se pode determinar com objetividade as despesas de eletricidade ou água, ou manutenção de elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Em boa verdade, o que se diz no parecer é que pode, relativamente a certos custos comuns, não ser possível encontrar um critério objetivo que meça o grau ou a intensidade de utilização dos bens e serviços em operações que conferem e em operações que não conferem o direito à dedução. O que o ilustre consultor fiscal considerou acontecer ali. Em concreto.
Mas o que o Tribunal de Justiça veio a sancionar no acórdão fundamento foi algo diferente: que o que importava para o caso era que o critério adotado fosse «mais preciso» que o resultante do método residual (ver o parágrafo 34). Isto é, que permitisse estabelecer com maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem o direito à dedução do que qualquer outro. Que fosse o mais «afinado» considerando as especificidades concretas da atividade do sujeito passivo.
Pelo que a validade do método da Administração Tributária não depende do facto de ser ajustável totalmente à atividade do sujeito passivo (o que, de qualquer modo, teria que ser analisado em concreto); depende, tão só, do facto de ser o mais ajustado. O que acontece neste tipo de atividade se a utilização de bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos.
E é esta a interpretação que também devemos extrair das disposições nacionais que procederam à transposição da lei comunitária. Precisamente por ser a que se mostra mais conforme com as disposições comunitárias.
Daqui não deriva, ainda, que a Fazenda Pública tenha razão quando clama que o seu critério é o mais objetivo, no caso. Mas deriva já que o Tribunal Arbitral não tem razão quando arreda liminarmente a validade desse critério. Sem formular nenhum juízo em concreto. Por o julgar desnecessário.
Para sermos justos – e estamos a entrar agora na terceira parte da nossa análise – devemos reconhecer que não é só por aí que o acórdão arbitral se dispensa de fazer um juízo concreto.
Também ali se diz que não são indicadas nem demonstradas pela Administração Tributária as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas.
Este argumento também pode ser considerado em dois planos: no plano abstrato ou «pararegulamentar» e no plano concreto, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que as partes se arrogam.
No plano abstrato, coloca-se a questão de saber se a Administração Tributária teria que demonstrar no próprio ofício circulado que o método que impõe é o mais adequado, isto é, consagra o critério mais objetivo.
No plano concreto, coloca-se a de saber se a Administração Tributária teria que invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
À primeira questão se refere expressamente o parecer para que o Acórdão Arbitral remete ao anotar que o ofício circulado não fornece qualquer explicação para a solução ali adotada.
Porém, e não existindo – nem sendo invocada – nenhuma regra formal que imponha no lançamento dos ofícios o conteúdo cuja falta se assinala, a crítica só pode ter sido apontada à sua substância.
Sempre se dirá que não nos parece totalmente correto dizer-se que o ofício circulado se tenha dispensado de toda e qualquer explicação. Não foi ali esclarecido – é certo – porque é que o método adotado era adequado. Mas foi defendido, claramente, que era mais adequado do que a aplicação do pro rata geral e que, por isso, seria menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação.”
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Sustenta a Requerida, por isso, que é o contribuinte quem tem o ónus de provar a maior objectividade e adequação do método que propõe. E por isso, para poder provar que tem direito a deduzir 87%, a Requerente tem de produzir prova concreta que demonstre que aquelas percentagens dos custos comuns são consumidas nos actos de disponibilização.
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Sendo que a Requerida insiste que a Requerente não consegue provar a quantificação do consumo de recursos afectos às várias atividades do banco e, dentro do leasing, as afectas à disponibilização e ao financiamento e gestão de contratos – certamente não prova que 87% é a percentagem consumida na actividade de leasing automóvel e, dentro desta actividade, consumida predominantemente nos actos de disponibilização de veículos.
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Assim sendo, de acordo com o entendimento estabilizado na jurisprudência do STA, só não se aplicaria o critério específico do Ofício-Circulado 31.308, caso a Requerente tivesse provado que os custos são sobretudo incorridos na fase de disponibilização dos veículos: o que, no entender da Requerida, não sucedeu.
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A Requerida insiste que, materialmente, a disponibilização do veículo é instrumental face à concessão do crédito, porque o que o cliente remunera, através do pagamento do juro, é o preço do dinheiro que o Banco disponibilizou em sua substituição junto de um vendedor de automóveis, a título de empréstimo, e que, ao longo dos anos, será restituído através do cumprimento do pagamento das rendas. No seu entender, o papel da Requerente não vai para lá do mero financiamento, uma vez que se trata de uma mera alternativa ao crédito automóvel, sendo que todos os custos comuns em que incorre se encontram cobertos, quer pela taxa de financiamento, quer pelas comissões, que pelas despesas que contratualmente oneram os locatários.
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Fazendo notar que, mesmo quando enumera os custos “de disponibilização”, a Requerente não indica um só que não recaia sobre o cliente – demonstrando o preçário que, ao invés, está detalhadamente prevista a oneração do cliente com todos os custos, seja directamente, seja por repercussão, ou regresso, de despesas que a Requerente tenha tido de suportar directamente.
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Lembrando ainda a Requerida que, do ponto de vista contratual, os locatários se encontram obrigados a indemnizar a Requerente no caso de incumprirem, temporária ou definitivamente, os contratos de locação financeira, o que permite reembolsar a Requerente das despesas em que incorra após a resolução por incumprimento dos contratos.
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A Requerida rejeita ainda que haja lugar a juros indemnizatórios, por não descortinar erro imputável aos serviços.
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E opõe-se à produção de prova testemunhal, alegando que a prova exigida é estritamente documental – além de que se trata de uma pura questão de direito, e de que abundam afirmações conclusivas, e, como tal, insusceptíveis de prova testemunhal.
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Acrescentando a Requerida que a produção de prova testemunhal só teria cabimento se a Requerente se propusesse comprovar um critério de afectação real para calcular o direito à dedução que resultasse numa diminuta distorção da tributação – o que, no seu entender, a Requerente também não fez.
IV. Fundamentação da decisão
IV.A. O mérito da causa.
Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.
IV.B. A identificação da questão controvertida
A questão que se coloca é a de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, deve ser considerado, no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor total da renda, e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o proveito ou rendimento do locador.
A questão é suscitada pela fixação de um coeficiente de imputação específico pelo Ofício-Circulado n.º 30108, da Área de Gestão Tributária do IVA, de 30 de Janeiro de 2009, do qual destacamos a passagem relevante para o caso:
“7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
A questão, formulada já em grande número de processos, e com algumas variações que não comprometem a fundamental identidade do problema-base, foi analisada há tempos pelo TJUE, em reenvio prejudicial suscitado pelo STA, tendo-se concluído que o artigo 17.°, 5, § 3º, c), da Sexta Diretiva (a que corresponde o artigo 173.º, 2, c), da Directiva 2006/112/CE, ou “Directiva IVA”) deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (Acórdão de 10 de Julho de 2014, Processo n.º C-183/13).
Numa primeira variação do tema-base, nalguns processos os sujeitos passivos sustentavam que a exclusão da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata não encontrava suporte na letra e no espírito do art. 23.º, 1 e 4 do CIVA, nem nas disposições dos arts. 173.º a 175.º da Directiva IVA, o que equivale a dizer que as referidas normas de direito europeu não teriam sido objecto de transposição para o direito interno português, e, especificamente, não teriam sido transpostas através do art. 23º do CIVA, pelo que se questionava se a AT disporia da possibilidade de, no âmbito da aplicação do método pro rata a um sujeito passivo que exerce actividades de locação financeira, considerar apenas os juros para efeitos do cálculo de dedução.
Numa segunda variação do tema-base, o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata foi ocupado pela componente da alegada predominância de gastos com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução.
Em tese geral, o direito à dedução do imposto, disciplinado nos artigos 167º a 192º da Directiva IVA, e, no direito interno, nos artigos 19.º a 25.º do CIVA, consiste no direito de um sujeito passivo de deduzir, ao imposto incidente sobre uma certa operação tributável, o imposto em que tenha incorrido na aquisição de bens ou serviços que se destinem à realização dessa operação.
Na regra geral do art. 168º da Directiva, o IVA incorrido nas aquisições feitas por um sujeito passivo é dedutível na integralidade, sempre que os bens ou serviços sejam utilizados para os fins de operações suas que sejam tributadas – tal o método de dedução de imputação directa, assente num nexo directo entre uma determinada operação activa e uma determinada operação passiva.
Não sendo possível estabelecer essa ligação imediata, como sucede quando as despesas com aquisições de bens ou serviços representem custos mistos, respeitando simultaneamente a operações tributadas e a operações isentas, o direito à dedução encontra-se limitado nos termos do art. 173.º da Directiva, que estabelece um método pro rata, pelo qual, para sujeitos passivos mistos, só se admitirá a dedução quanto à parte do IVA relativa às operações que originam o direito à dedução.
O método pro rata assenta, assim, na presunção de que os custos mistos são utilizados, nas operações que conferem direito à dedução, na razão directa do valor que essas operações representam face ao volume total de negócios da empresa – essa a regra de cálculo contida no art. 174.º da Directiva.
A presunção baseada na percentagem do valor das operações com direito a dedução em relação ao volume total de negócios é, todavia, afastada pelo critério da afectação real, consignado no artigo 173.º, 2, c) da Directiva, que permite que os Estados-Membros autorizem ou imponham que a dedução do IVA seja efectuada com base, não no volume de negócios, mas na efectiva utilização dos bens ou serviços.
A Directiva IVA contempla, pois, três distintos métodos de cálculo da dedução:
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A imputação directa – o método-regra, que é aplicável aos custos directos, ou seja, aos custos associados a operações que conferem direito à dedução;
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O método pro rata, o método normal no que respeita aos custos mistos, indistintamente associados a operações que conferem ou não conferem o direito de dedução;
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O método de afectação real, o método excepcional no caso dos custos mistos.
Sendo que a Directiva, através do referido artigo 173.º, 2, c), confere aos Estados uma margem de liberdade de conformação quanto à definição do critério de afectação real.
No direito interno, relativamente ao método de dedução aplicável a bens de utilização mista, aplica-se o art. 23.° do CIVA, que, na parte relevante, estabelece:
1. Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.
2. Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3. A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.° 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4. A percentagem de dedução específica referida no n.° 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.° e n.° 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do âmbito do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
[...].
O art. 23.º, 1, consagra o método pro rata para dedução do IVA no caso de sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução.
Por outro lado, nos termos do n.º 2, o sujeito passivo pode efectuar a dedução segundo a afectação real de todos os bens e serviços utilizados, ou parte deles, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na efectiva utilização dos bens – ressalvando-se que a Administração pode impor condições especiais ao método de afectação real, quando o sujeito passivo tenha optado por esse método de dedução, e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação.
E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real, quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Por seu lado, o coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução com base unicamente no montante anual de juros foi introduzido pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, nos termos do qual, tendo-se concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvem simultaneamente as actividades de leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no artigo 23.º, 4 do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, a AT determinou, no uso da faculdade prevista no art. 23.º, 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.
Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício-Circulado, já transcritos, a afectação real poderá realizar-se por uma das seguintes formas:
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se for possível, procede-se à afectação real com base em critérios objectivos que permitam apurar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades;
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se não for possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing ou de ALD.
Concluamos este ponto com uma síntese formulada na decisão do Proc. nº 558/2022-T:
“(…) a remuneração da actividade de leasing e ALD, apesar de juridicamente configurada como uma renda unitária, do ponto de vista da substância económica corresponde tendencialmente a apenas uma das duas componentes compreendidas nesta renda, “os juros e outros encargos”, o que é reflectido no tratamento contabilístico conferido às locações, nos termos da IFRS 16, que as equipara às operações de financiamento ou concessão de crédito.
O valor do capital que é “amortizado” (no sentido de reembolsado ou pago), representa, na substância, o valor do bem escolhido pelo locatário e que a este foi cedido. Ou seja, quando essa quantia é paga pelo locatário, nomeadamente via rendas, não constitui a remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou, dito de outro modo, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que findo o contrato, e se este se executar e desenvolver dentro da normalidade, passará para a esfera jurídica do locatário.
Assim, a actividade do locador, que disponibiliza a viatura ao locatário porque despendeu os meios financeiros para o efeito, é remunerada pela componente da renda, aqui denominada de “juros e outros encargos”, que excede o valor do reembolso do capital usado para adquirir a viatura.
Do ponto de vista do IVA, o valor do imposto liquidado na renda (output) referente à componente de reembolso do capital (originariamente usado para adquirir a viatura) está afecto por imputação directa, à dedução, na sua esfera, do IVA incorrido na aquisição dessa viatura (input). O valor do capital debitado ao locatário e do IVA liquidado corresponderá ao do custo de aquisição da viatura e do respectivo IVA deduzido, em virtude dessa imputação/afectação directa, e em razão de tal componente, não contemplar, à partida, qualquer margem para acomodar ou prever outros inputs, como os de utilização mista em causa nesta acção, nem o “lucro” da operação.
Deste modo, é a componente da renda remanescente ao capital (este exclusivamente afecto ao input da viatura adquirida para locação) que, em princípio, reflecte a ponderação por parte do sujeito passivo dos gastos (inputs) que estima incorrer na operação e da sua margem financeira. É esta componente dos juros e outros encargos que representa, em regra, a (única) remuneração económica dos gastos da actividade de leasing e ALD, pois a outra, a do capital, esgota-se com o input da aquisição da viatura, não sobrando qualquer valor para imputar a outros gastos/inputs.
Assim sendo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da Requerente apenas será a priori proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos e já não a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
De outra forma estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da actividade geral, com juros e capital do leasing. Nesta situação, a comparação apenas será paritária se incluirmos na fracção que apura a proporção do IVA dedutível, para além do capital e juros do leasing, o valor dos empréstimos e dos juros recebidos na restante actividade.”
IV.C. As divergências jurisprudenciais, o acórdão Banco Mais e a uniformização pelo STA
Por algum tempo a jurisprudência de tribunais arbitrais do CAAD apontou no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo Ofício-Circulado, por alegada violação do disposto no art. 23.º, 2 e 3, b) do CIVA.
Argumentava-se que, embora a norma de direito europeu admitisse que, na aplicação do método de afectação real, fosse apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, na transposição efectuada pelo legislador português apenas se previra a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Constatava-se a impossibilidade de determinar, com objectividade, a partir do mero valor parcial da renda correspondente aos juros, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira e que conferem o direito à dedução: e daí se retirava a conclusão de que o art. 23º, 3 do CIVA não conferia à AT o poder de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução.
Admitia-se que o CIVA tivesse efectuado a transposição do art. 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva para o direito interno, mas não em termos que permitissem sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tivesse por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira.
Contudo, a esta tendência jurisprudencial nos tribunais arbitrais do CAAD opôs-se uma evolução jurisprudencial do STA.
No acórdão de 4 de Março de 2015, no âmbito do Processo n.º 1017/12, em que foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia do TJUE no caso Banco Mais, o STA estabelece que ficou esclarecido que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais do que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como acontece quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelas operações bancárias isentas de financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira, caso em que é possível calcular o pro rata de forma a excluir do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponda à amortização financeira.
Essa orientação foi depois seguida, no STA, nos Acórdãos de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17), culminando no acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), do qual se destaca o seguinte:
“Como já se esclareceu no acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.
Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.”
O Acórdão do STA de 24 de Março de 2021, proferido no processo 087/20.0BALSB, veio uniformizar jurisprudência no sentido de que:
“Nos termos do disposto no artº. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação”.
Na sequência do acórdão Banco Mais, o método específico de imputação pro rata, implicando que apenas possa ser deduzida, no âmbito dos contratos de locação financeira, a parte das rendas pagas pelos clientes que corresponde aos juros, apenas opera quando a utilização dos bens e serviços comuns seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – e essa é uma matéria de prova.
Daí que, em decorrência dessa inflexão jurisprudencial, passasse a ter-se por crucial o apuramento, no plano probatório, de qual a preponderância na utilização de bens e serviços: se as operações de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, se, ao invés, as operações de disponibilização dos veículos.
É aquilo que já designámos como uma segunda variação do tema-base: o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata foi ocupado, na sequência do acórdão Banco Mais, pela componente da alegada predominância de gastos com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução.
Depois do acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, já não é possível continuar a questionar se o art. 23º, 2 e 3 do CIVA legitima o estabelecimento, pela AT, de um coeficiente de imputação específico que exclua, nos contratos de locação financeira, a componente da amortização – pois aquele acórdão estabelece que a norma do artigo 23.º, 2 do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do artigo 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva, e, por conseguinte, a AT não está impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda.
IV.D. O acórdão Volkswagen
A questão veio a recolocar-se, no seio do TJUE, no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd (de 18 de Outubro de 2018, Processo n.º C-153/17), que, não contradizendo o acórdão Banco Mais, veio matizar a posição assumida pelo TJUE, ao considerar que não se pode inferir, do raciocínio expendido no acórdão Banco Mais quanto a operações de locação financeira, que o artigo 173º, 2, c), da Directiva IVA permite genericamente aos Estados-Membros aplicarem a todo o tipo de operações semelhantes para o sector automóvel um método de repartição que não tenha em conta o valor do veículo aquando da sua entrega. Especificamente, entendeu o TJUE, nesse acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, que os arts. 168º e 173º, 2, c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que:
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mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte “financiamento” da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização;
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os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que aquela que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
O caso em análise nascia no contexto britânico, com peculiaridades na configuração do regime de IVA, e nele estavam em causa, mais uma vez, os custos gerais da locadora financeira que respeitavam indistintamente a duas operações diferenciadas em termos de regime de IVA: a disponibilização do veículo, que constitui uma operação tributada, e o financiamento, que era tido como uma concessão de crédito isenta.
No contexto britânico impunha-se à empresa, nessa circunstância, um método de dedução por aplicação de um pro rata do qual era excluído o valor da disponibilização dos veículos, dado entender-se, naquele Estado-Membro, que os custos gerais incorridos pela locadora estavam essencialmente ligados à operação de financiamento, que era o cerne da sua actividade, sendo, portanto, a única operação em que podiam ser repercutidos, nos termos da lei britânica.
Independentemente da peculiaridade normativa do contexto de origem, o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd contribuiu para o esclarecimento de que as diferentes operações relativas a prestações de locação financeira, como sejam a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, podem ser consideradas separadamente – deixando em aberto a questão de se saber se, em contextos legais diversos do contexto britânico, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente, ou como uma única prestação económica indissociável.
No acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, e porque se tratava de contrabalançar a solução adoptada no regime do IVA do Reino Unido, o TJUE entendeu que, no que se refere ao cálculo do pro rata para a dedução do IVA, no caso de bens e serviços de utilização mista, é relevante o facto de os respectivos custos gerais terem (ou não) uma relação directa e imediata com a totalidade das actividades da empresa, e não apenas com algumas delas, vindo a concluir que os custos gerais, quando tenham sido realmente incorridos, pelo menos em parte, para aquisição e disponibilização de veículos enquanto operações tributáveis, integram os elementos constitutivos do preço dessas operações, havendo lugar ao direito à dedução do IVA.
Voltando àquilo que designámos anteriormente como uma segunda variação do tema-base, na sequência do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, o lugar da componente da amortização do capital no cálculo do pro rata passou a ser ocupado pela componente da predominância de gastos efectivos, comprovados, com a disponibilização de veículos – uma via alternativa para se afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, como sucedia no regime de IVA do Reino Unido.
Na medida em que se entenda que o acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd tem uma validade que é separável dos pressupostos únicos do regime britânico de tributação em IVA dos custos mistos, a sua divergência em relação ao que resultava já do acórdão Banco Mais será, em todo o caso, confinada a isto: a jurisprudência europeia passa a pressupor que é admissível a prova da preponderância de outros custos que não sejam os de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, e não deixa aos Estados-Membros a última palavra sobre se essa prova é admissível, ou não.
Na linha do acórdão Banco Mais, caberia aos Estados consagrarem, ou não, mediante a transposição das normas europeias pertinentes, a obrigação de incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas correspondente aos juros – no pressuposto de que os custos mistos estão preponderantemente conexos com aquele financiamento e gestão contratual, e não com outra actividade conexa, o que remete para o plano dos factos, da comprovação.
Na linha do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, a abertura a essa comprovação deveria prevalecer sobre qualquer obstáculo colocado pelas leis internas dos Estados-Membros, mesmo que em resultado de transposição de normas europeias – impedindo, na prática, os Estados-Membros de agravarem a oneração probatória do facto de uma eventual preponderância de “custos de disponibilização” dentro do cômputo geral dos custos mistos.
Em todo o caso, mantendo a remissão para o plano dos factos, da comprovação.
Essa a razão pela qual, na sequência do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, a jurisprudência do STA multiplicou os reenvios dos processos para as instâncias arbitrais das quais houvera recurso, com o objectivo único de se dar oportunidade à comprovação factual da preponderância real, efectiva, de “custos de disponibilização” dentro do cômputo geral dos custos gerados pelos serviços de utilização mista.
Voltando ainda ao acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, há que sublinhar de novo que o que estava em causa era uma sociedade financeira do Reino Unido que também realizava operações de leasing automóvel, sendo que o direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA: a componente do juro estava isenta de imposto, e apenas a componente da amortização era tributada, além de que as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade.
Assim, estando a componente de juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado especialmente gravoso para os contribuintes, uma vez que, para efeitos de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente “juros”. Os inputs incorridos não eram aí sequer considerados para efeitos do exercício do direito à dedução – o que determinou a reacção correctiva do TJUE –, diversamente do que ocorre em Portugal, em que o IVA incorrido com os gastos mistos é efectivamente deduzido em parte, sendo a respectiva medida determinada de forma que procura ser realista, através do método de imputação específica concretizado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.
O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode, pois, ser transposto de forma directa para o contexto português, porque aqui o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente do juro; componente que, de acordo com o acórdão Banco Mais, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que esses contratos constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.
Seja como for, na ordem jurídica portuguesa esta questão de direito, objecto de tão protraída controvérsia jurisprudencial, está hoje resolvida: como referimos antes, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STA de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19) consignou já que a norma do art. 23.º, 2 do CIVA efectuou a transposição para o direito interno do art. 17.º, 5, § 3º, c), da Sexta Directiva, e que, por conseguinte, a AT não estava, nem está, impedida de determinar que, no cálculo do pro rata das operações de locação financeira, apenas sejam tidos em conta os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda: resumidamente, reconheceu-se que a possibilidade de um pro rata mitigado está devidamente consagrada, e legalmente fundamentada, entre nós.
Ou, por referência à jurisprudência do TJUE, que a solução do acórdão Banco Mais tem plena aplicação, mas não a tem a solução do acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, que desde o início não se adaptava à realidade portuguesa, porque, rectificando uma peculiaridade do regime britânico, desequilibraria novamente a solução já equilibrada do regime português, criando uma distorção, e o potencial para duplicações na ponderação dos elementos factuais relevantes.
Acompanhamos aqui, também, a fundamentação da decisão do Proc. nº 558/2022 do CAAD:
“O raciocínio do Acórdão Volkswagen não pode, pois, ser transposto de forma directa para a situação concreta, já que, no caso português, o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente do juro; componente que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/13.”
Assente, pelo STA, que existiu a referida transposição da Directiva, que não existiu inércia do legislador nacional, e legitimada a imposição, pela AT, de um coeficiente de imputação específico como aquele que se especifica no Ofício-Circulado, fixando o que deve constar, e ser considerado, no numerador e denominador da fórmula de cálculo do método do pro rata, a decisão recentra-se, como repetidamente temos referido, no plano dos factos, da comprovação de um factor-chave: o da eventual predominância, ou não, de “custos de disponibilização” dentro do quadro geral dos custos mistos, ou seja, uma superioridade, ou não, de tais custos em comparação com os custos de financiamento e gestão contratual, que são os custos que plausivelmente, com verosimilhança, são aqueles que avultam – se não exclusivamente, ao menos principalmente –, nas actividades de utilização mista de uma instituição financeira.
IV.E. Os métodos de dedução
Um argumento persistente contra o Acórdão Banco Mais e contra a uniformização de jurisprudência operada, na sequência, pelo STA, é o de que o art. 23.º do CIVA só prevê dois métodos de dedução, o pro rata e a afectação real, pelo que o coeficiente de imputação específico para que aponta o Ofício-Circulado n.º 30108 é um método desprovido de base legal, não constituindo um critério objectivo que permita determinar o grau de utilização dos recursos mistos – sendo, por essa razão, desprovido de qualquer base na lei interna, o que o arrastaria para os domínios da inconstitucionalidade[1].
E assim, em suma, a prerrogativa atribuída pelo art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA não bastaria para legitimar a solução de um “pro rata mitigado” sem qualquer apoio legal.
Todavia, essa linha de argumentação desconsidera um facto que já nos é conhecido: o de que, desde a decisão no Proc. C-183/13, o TJUE estabeleceu que o art. 23º, 2, 3 e 4 do CIVA é adequada transposição do art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA, correspondente ao anterior artigo 17º, 5, § 3º, c) da Sexta Directiva – o que, a nível nacional, tem sido reafirmado consistentemente, invariavelmente, pelo STA.
Estando reproduzido, no art. 23º do CIVA, o regime de dedução parcial aplicável aos recursos de utilização mista, previsto nos arts. 173º a 175º da Directiva IVA, e consagrado como método supletivo de dedução do IVA, a ser usado em alternativa ao método da afectação real, o mesmo regime deixa à AT, em salvaguarda contra “distorções significativas na tributação”, a prerrogativa legal de “impor condições especiais ou […] fazer cessar esse procedimento”.
Como o TJUE reconhece no acórdão do Proc. C-183/13, a Directiva não contém regras que concretizem o método da afectação real, cabendo aos Estados-Membros estabelecê-las, dentro da subordinação a valores como o da neutralidade fiscal, buscando que as modalidades de dedução impostas no uso da referida prerrogativa legal reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que possa ser imputada a operações que conferem direito à dedução.
Ou seja, como reconhece o próprio STA (no Proc. n.º 084/19.8BALSB), ao permitir a imposição de condições especiais, a norma do art. 23º, 2 do CIVA reproduz a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, que estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou parte dos bens ou serviços, nos exactos termos do disposto no art. 173º, 2, c) da Directiva IVA.
Especificamente, a expressão “afectação real”, empregue pelo art. 23º do CIVA, corresponde à expressão “utilização” adoptada pela Sexta Directiva, ambas se referindo à imputação do uso real e efectivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente – uma interpretação que, por um lado, é reforçada pela alteração introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Janeiro, com a introdução da frase “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito”; e, por outro lado, é reforçada pela circunstância de a própria Directiva passar a mencionar, não a mera “utilização”, mas, em termos mais próximos do próprio CIVA, a “afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.
Neste contexto, é inequívoca a consequência da posição assumida pelo TJUE, quando reconhece que o método ao qual se refere o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 pode ser entendido como um método adequado a atender à intensidade real e efectiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações, para os efeitos da Sexta Directiva, e do seu art. 17º, 3, c) em particular.
Ao contrário da argumentação persistente contra o Acórdão Banco Mais e contra a uniformização de jurisprudência operada, na sequência, pelo STA, o TJUE não se envolveu, portanto, na interpretação do direito interno português – limitando-se, pelo contrário, a reconhecer a correspondência estrita entre o art. 23º do CIVA e as disposições correspondentes do Direito da União.
Ainda que, ao decidir que o método proposto pela AT se conformava com a lei europeia, o TJUE tenha autorizado que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional, sem necessidade de considerandos adicionais – porque não se ofereciam dúvidas de que essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição exacta das disposições correspondentes do Direito da União.
Por outro lado, se o TJUE reconhece a legitimidade da AT para introduzir factores correctivos nos métodos de dedução, decerto não cabe aos tribunais nacionais opor-se a esse reconhecimento, sobretudo com a alegação, não demonstrável, de que tais métodos estão previstos com tão grande grau de rigidez e taxatividade que eles não comportam correcções ou variantes, ou que todo o factor de correcção se traduz, ipso facto, num novo método – excluindo, pois, qualquer margem de plasticidade na aplicação de tais métodos[2].
Congruentemente, o STA reconheceu que não existe apenas uma forma de proceder à afectação de bens e serviços, e que, portanto, não se pode concluir que o “pro rata mitigado” seja um novo método, um tertium genus, algo de substancialmente distinto de uma das várias formas possíveis de proceder à afectação de bens e serviços – sustentando, pelo contrário, que se trata de um mero “afinamento” dos métodos existentes; e que, portanto, sendo um método adaptado que cabe dentro da margem de plasticidade reconhecida pelo TJUE, é um método legitimado pela lei interna.
Sob este prisma, as referências à violação do princípio da legalidade e da reserva de lei não têm cabimento, tornando deslocados os argumentos que invocam a inconstitucionalidade de “leituras” do art. 23º do CIVA.
Concretamente, impõe-se reconhecer que, no que respeita à incidência do imposto, que evidentemente não pode ser objecto de regulação que não seja por via legal, o método do imposto (a afectação real) e as circunstâncias da sua aplicação – voluntária ou impositiva –, estão contidos, com suficiente grau de detalhe e densificação, na previsão legal do art. 23º, 2 e 3 do CIVA, não ocorrendo qualquer desvio, seja substancial, seja formal, do princípio da legalidade.
O que a jurisprudência do STA, de forma consistente e uniformizada, estabelece é que o critério de imputação específica a que alude o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108 é enquadrável no método da afectação real, como uma modalidade – inteiramente legítima – do cálculo de dedução que reflicta objectivamente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução: um critério mais preciso, menos susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados, e de conduzir a distorções significativas na tributação, do que o método residual do pro rata (“não-mitigado”), considerando as especificidades do sujeito passivo, o que acontece se a utilização dos bens e serviços for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, interpretação que o STA entende também dever ser extraída das disposições nacionais.
Acrescentemos aqui, ainda, uma passagem da fundamentação da Decisão do Proc. nº 455/2023-T:
“Não colhe o argumento da Requerente de que o critério da atividade (principal) dos sujeitos passivos que sejam instituições de crédito os sujeita a um tratamento diferenciado (o do coeficiente de imputação específico), desprovido de fundamento material e que seja, por essa razão, um critério arbitrário. Desde logo, porque é a especificidade da atividade financeira (de concessão de crédito) das instituições de crédito que suscita a distorção na tributação do IVA, pelo que essa atividade não pode deixar de ser a chave da distinção.
Independentemente disso, não se vislumbra que o tratamento “diferenciado” conduza a uma situação desfavorável, seja porque uma sociedade de locação financeira que se dedique apenas a essa atividade deduz o IVA na totalidade, a menos que também realize locação financeira imobiliária, caso em que deve a aplicar igualmente o método da afetação real (…); seja porque permitindo o método da imputação específica uma melhor aproximação da realidade (na condição de o consumo dos recursos indiferenciados ser sobretudo determinado pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira), o seu resultado há-se ser mais fidedigno do que o do pro rata geral, pelo que as instituições de crédito não ficam prejudicadas, quando muito não serão beneficiadas, evitando-se vantagens indevidas face aos demais operadores, essas, sim, violadoras da igualdade de tratamento.
Em relação à afirmação da Requerente de que a ponderação das operações que conferem direito à dedução vs. operações que não conferem esse direito deve ser efetuada no estrito âmbito da atividade de locação financeira, sem que relevem as demais atividades prosseguidas pela Requerente, a mesma é de rejeitar liminarmente. Com efeito, no domínio dos recursos de utilização mista, a determinação do nível do seu consumo por parte das atividades/operações com regimes de IVA distintos (com e sem direito à dedução) exige precisamente que se comparem essas atividades. É um exercício relacional, sendo essencial à repartição que o método de dedução parcial opere a comparação das realidades que se estão a repartir.”
Convirá sublinhar que a ora Requerente pratica, a par da sua actividade principal – a actividade financeira, actividade isenta e que não confere direito a dedução –, a actividade de leasing financeiro, que confere direito a dedução. Sendo que uma parte da renda dos contratos de locação financeira, a parte sujeita a IVA, não constitui um preço, nem integra o volume de negócios, não constituindo receita sua – pelo que a aplicação do método pro rata geral ou “puro” (um método que se baseia numa proporção assente no “peso relativo”, no total do volume de negócios do sujeito passivo, das operações que conferem direito a dedução) poderia conduzir a distorções significativas da tributação, no sentido de não permitir apurar com maior aproximação à realidade a intensidade do uso dos inputs mistos na actividade de locação financeira.
Sendo que essa maior aproximação será conseguida se precisamente se retirar da fracção (do denominador e do numerador) o montante das rendas correspondente à amortização de capital, para que não fique viciado o apuramento, visado pela fracção, da proporção da receita das actividades que conferem direito à dedução na receita total do sujeito passivo, pelo apuramento da porção de inputs mistos utilizados nessas actividades.
IV.F. O ónus e o standard de prova
Por seu lado, o método pro rata que a Requerente pretende aplicar traduzir-se-ia no incremento significativo da percentagem de dedução, sem que o mesmo tivesse qualquer conexão com um presumível consumo equivalente de recursos nos gastos mistos pela actividade de leasing: pelo que se verifica a condição de que o método do pro rata é, em abstracto, passível de causar, na situação concreta em análise, um acréscimo injustificado do nível de dedução do IVA nos recursos de utilização mista, resultante da consideração da componente de capital da renda de leasing (que, em princípio, não tem conexão directa com esses gastos) no cômputo da percentagem de dedução – acompanhada, em simultâneo, da não-consideração do capital mutuado, relativo à restante actividade financeira, por forma a que as realidades sejam equivalentes e comparáveis.
Ora, vimos já que o critério em análise é um critério de natureza objectiva, embora aproximativo, característica que é, aliás, comum aos outros critérios objectivos habitualmente aceites e aplicados no método da afectação real, como o número de pessoas afectas às actividades, o número de horas/homem incorridas, ou os metros quadrados ocupados, entre outros.
Todos estes critérios, apesar de objectivos, não podem deixar de ser encarados como aproximativos da realidade, e não como um espelho rigoroso dessa realidade.
Uma exigência de rigor milimétrico representaria a impossibilidade de aplicar a afectação real, pois nenhum dos referidos critérios garante a exacta medida de consumo dos recursos por cada uma das operações, com e sem direito à dedução, e traduziria uma interpretação de um rigor formalista incompatível com o princípio da neutralidade do imposto.
A pretexto de uma alegada falta de preenchimento de requisitos dificilmente alcançáveis, isso viabilizaria a dedução de imposto em montante consideravelmente superior ao correspondente ao consumo (aproximado) dos bens e serviços pelas operações que conferem direito à dedução, transformando imposto não-dedutível em imposto efectivamente deduzido pelo sujeito passivo.
Em todo o caso, e ainda quanto à comprovação da “preponderância de custos”, e à deslocação do foco para o plano dos factos, ela resulta precisamente da circunstância de o critério de imputação específica ser enquadrável no método da afectação real, uma modalidade do cálculo de dedução que se pretende que espelhe fielmente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução – resultando daí uma exigência de rigor probatório superior à que se associará a um método residual de pro rata, até porque tem que se atender, suplementarmente, aos objectivos de prevenção ou reparação de distorções na tributação.
Ou seja, aqui a alegação da preponderância de “custos de disponibilização” defronta-se com uma exigência acrescida de comprovação (mas não o rigor milimétrico), dada:
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a sua implausibilidade, ditando as regras da experiência comum que uma sociedade financeira se dedicará mais, senão exclusivamente, ao financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD, não se tendo por verosímil, até prova em contrário, que prepondere aquilo que, numa síntese de várias alegações produzidas, se poderia caracterizar como uma “assessoria comercial” dos retalhistas do sector automóvel – em aberta sobreposição com funções próprias destes retalhistas, quando plausivelmente essas funções deveriam considerar-se residuais na actividade de uma sociedade financeira.
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o facto de se tratar uma segunda tentativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, quando deixou se se aceitar a invocação, para esse efeito, de uma componente “amortização”, porque essa não é uma remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou seja, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que, findo o contrato, passará previsivelmente para a esfera jurídica do locatário – devendo reservar-se à entrada “juros (e outros encargos)” a função de única remuneração da actividade do locador. Isto porque, relembremo-lo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da locadora apenas será proporcional e equilibrada se tiver exclusivamente em conta a componente de juros e outros encargos, excluindo a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
Devendo insistir-se, quanto a este último ponto, que o valor da renda tributada em IVA relativo à parte do reembolso do capital usado para a aquisição dos bens dados em locação, ou amortização financeira, não é ignorado, uma vez que contribui directamente para a dedução integral do IVA incorrido na aquisição desses bens – bens que são recursos específicos e exclusivos da locação.
Com efeito, ao IVA liquidado na renda pelo locador, a aqui Requerente, é totalmente subtraído o IVA incorrido com a aquisição dos bens, pelo que, sendo o contrato de locação executado até ao seu termo, o IVA liquidado na componente da amortização financeira da renda é totalmente absorvido e compensado pelo IVA deduzido com a aquisição dos bens locados.
A parte sobrante, ou seja, juros e outros encargos, é aquela parte da renda que visa remunerar os gastos gerais da actividade de locação – pelo que é a componente da renda remanescente ao capital que há-de reflectir a ponderação, por parte do sujeito passivo, dos gastos que este calcula suportar na operação, e da sua margem financeira.
É esta componente dos juros e outros encargos que representa, em suma, a única remuneração económica dos gastos da actividade de leasing, como aliás é patenteado pelas normas contabilísticas e de tributação do imposto sobre o rendimento que incidem sobre esta actividade.
Em síntese, relembremos que, do ponto de vista da adequação, em abstracto, do método de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade da Requerente apenas é proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos, e já não a do capital, que não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas tem conexão com o input de aquisição dos bens dados em locação, cujo IVA é deduzido integralmente pelo método da imputação directa.
Convirá ainda realçar, para efeitos de apuramento da “afectação real”, que só a parcela das rendas, registada nas respectivas contas de proveitos, constitui proveito contabilístico da sociedade locadora, integrando o “volume de negócios” que serve de base ao apuramento do pro rata, nos termos do art. 23º, 4 do CIVA; sendo que a componente de amortização financeira das rendas, correspondente à aquisição do bem locado, não reveste, pelo contrário, a natureza de proveito, nos termos do art. 42º do CIVA.
Dispõem os §§ 32 e 33 das NCRF 9:
“32. Os locadores devem reconhecer os activos detidos sob uma locação financeira nos seus balanços e apresentá-los como uma conta a receber por uma quantia igual ao investimento líquido na locação.
33. Substancialmente, numa locação financeira todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade legal são transferidos pelo locador, e por conseguinte os pagamentos da locação a receber são tratados pelo locador como reembolso de capital e rendimento financeiro para reembolsar e recompensar o locador pelo seu investimento e serviços.”
O que confirma que, também na vertente contabilística, o mero reembolso do capital mutuado não é rendimento do locador, ao contrário do rendimento financeiro que visa remunerar o locador pelo seu serviço.
Assim, como vem insistindo a recente jurisprudência do STA posterior ao acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, caberá a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, demonstrando que, no seu caso concreto – dadas as reais especificidades do seu negócio, detalhadamente comprovadas –, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.
Ou seja: é de aplicar o entendimento sedimentado na jurisprudência do STA, de que, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Concretamente, no que respeita à indispensabilidade de uma demonstração casuística, por parte da AT, dos pressupostos factuais que subjazem à aplicação do coeficiente de imputação específico, colocando-se a questão de saber se, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos dos direitos que as partes se arrogam (v. artigo 74.º da LGT), aquela teria que “invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos” (cfr. Acórdão do STA no Proc. n.º 0101/19.1BALSB), há que relembrar que, quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Pelo que é sobre a Requerente que recai tal ónus, e não sobre a Requerida.
É ao sujeito passivo que compete alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Neste sentido se pronuncia, de igual modo, o STA, que reputa tal solução adequada “também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” (Proc. n.º 0101/19.1BALSB).
Prova que a Requerente não logrou fazer; e talvez nem o pudesse fazer, dada a índole peculiar da locação financeira, um contrato no qual, e ao contrário do que é regra na locação comum, os riscos, encargos, e responsabilidades relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário – ficando o locador, na locação financeira, numa posição extensamente exonerada: por exemplo, não corre por conta dele o risco do perecimento ou deterioração do bem, correndo pelo locatário a obrigação de segurar o bem; não cabe ao locador realizar reparações do bem, mas sim ao locatário; cabe ao locatário, não ao locador, defender a integridade do bem e o respectivo gozo, e, no limite, recorrer a acções possessórias; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem (veja-se todo este regime no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que sucedeu ao Decreto-Lei n.º 171/79, de 6 de Junho, revogando este).
Em suma, na locação financeira, não obstante o facto de o locador ser o proprietário, este fica quase totalmente desligado e desresponsabilizado das obrigações que normalmente oneram um proprietário, e mesmo daquelas que oneram um locador – pelo que materialmente os custos genuinamente correspondentes à “disponibilização” dos bens locados praticamente se cingirão à aquisição desses bens, tudo o resto se concentrando em custos de financiamento e gestão dos contratos.
Muito em particular com relevância para o caso, na locação financeira não existem prestações positivas (de “fazer” ou de “dar”) do locador para com o locatário, em relação directa com o bem: o locador limita-se a fornecer os meios financeiros que habilitam o locatário a ter acesso ao bem e a usá-lo, não sendo sequer comum que a locadora venha a ter, num qualquer momento, o domínio do veículo, ou qualquer papel na utilização quotidiana dos veículos locados, ou nas diversas vicissitudes respeitantes a essa utilização – remetendo-se o locador, até nos termos do quadro legal referido, à posição de mero financiador, de mero mutuante.
E é por isso mesmo que quaisquer despesas que nasçam de um desvio a esse estado de coisas é recoberto – nos termos de um preçário fornecido aos locatários – por “comissões” que são contrapartida dessas despesas, devolvendo o seu suporte ao locatário. Circunstância que ao mesmo tempo esclarece que, sendo essas comissões pagas separadamente, elas não são incorporadas na componente da renda correspondente a juros e outros encargos, que, essa sim, fica a constituir a única contraprestação específica da locação – ou seja, é devida independentemente de quaisquer vicissitudes da locação, e resulta da mera execução do contrato, do mero acesso do locatário ao bem locado, pela duração estipulada no contrato.
IV.G. Conclusão
Do que precede, concluímos que o Ofício-Circulado n.º 30108 não constitui uma mera interpretação administrativa do art. 23º do CIVA, contendo antes uma normação prescritiva, legalmente habilitada, no exercício da faculdade ou prerrogativa de determinar “condições especiais”, pelo n.º 2 do referido artigo 23º; impondo, com os fundamentos contemplados no n.º 8 do Ofício, a adopção de um determinado coeficiente de imputação específico – de forma não-arbitrária, antes determinada por um propósito de prevenção de distorções significativas na tributação, que ocorreriam se se insistisse num rácio desligado da comparabilidade económica, isto é, se se apontasse para um cálculo assente numa presunção do consumo de recursos pelas diversas actividades, quando as realidades que constituem o termo de comparação são objecto de métricas distintas (se se tivesse em conta a componente do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com os gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa, estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da atividade geral, com juros e capital do leasing).
Sendo que, nos termos preconizados na orientação administrativa, para que a comparação das operações tenha “coerência” e traduza uma proporção adequada, quer a actividade financeira, quer a actividade de leasing, substancialmente equiparáveis numa perspectiva económica, devem considerar apenas a respectiva remuneração, isto é, os juros.
Conclui-se também que a aplicação da directriz administrativa contida no Ofício-Circulado n.º 30108 não carece da mediação de um acto administrativo em matéria tributária, cabendo a demonstração de não estarem preenchidos os respectivos pressupostos (a mencionada falta de coerência das variáveis utilizadas, causadora de distorções significativas na tributação) aos sujeitos passivos que invocam o direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 74º, 1 da LGT: na prática, a demonstração de que a utilização mista dos bens e serviços foi também, e manifestamente, determinada pela disponibilização dos bens – e não somente a demonstração de que foram incorridos alguns custos por conta da referida disponibilização.
Em contrapartida, impõe-se a conclusão de que o Ofício-Circulado n.º 30108 se limita a concretizar a previsão legal e é desprovido de carácter inovatório – não constituindo, esse Ofício-Circulado, o parâmetro de validade da autoliquidação, cujo suporte é o art. 23º, 2 e 3 do CIVA.
Havendo norma permissiva a nível do direito da União e do direito nacional, como o estabelece a jurisprudência constante e uniformizada dos tribunais superiores, não se verifica violação do princípio da legalidade. Não se descortinando qualquer divergência face à orientação estabelecida pelo TJUE e pelo STA, não ocorre violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. E não se suscita qualquer dúvida que possa ser resolvida pela via do reenvio prejudicial: pelo contrário, o TJUE já se pronunciou abundantemente, firmemente, e consolidadamente, nesta matéria.
Pelos motivos expostos, julga-se não verificado o vício de ilegalidade alegado pela Requerente, em virtude de o critério de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, ter suporte legal no artigo 23.º, 3 e 2 do CIVA, sendo conforme ao direito da União Europeia, em concreto ao disposto no art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA e ao princípio da neutralidade fiscal, da efectividade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento entre Estados-Membros.
Neste pressuposto, e porque considerámos não-provada a alegação da Requerente, de que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi predominantemente dedicada, em termos de gastos, à disponibilização dos veículos, improcede totalmente o pedido de pronúncia que deu origem a este processo arbitral, e ficam ipso facto prejudicadas todas as pretensões da Requerente que dependessem da procedência do pedido, incluindo as relativas a uma alegada inconstitucionalidade, seja do quadro legal seja da interpretação desse quadro legal ínsita no coeficiente consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108; e as pretensões da Requerente relativas a juros indemnizatórios.
IV.H. – Aplicação uniforme do Direito.
Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 709/2019-T, 759/2019-T, 887/2019-T, 927/2019-T, 278/2020-T, 292/2020-T, 576/2020-T, 637/2020-T, 804/2021-T, 549/2022-T, 558/2022-T, 126/2023-T e 455/2023-T do CAAD[3].
IV.I. – Questões prejudicadas.
Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.
V. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Manter na ordem jurídica as autoliquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se, assim, o valor do processo em € 574.504,18 (quinhentos e setenta e quatro mil, quinhentos e quatro euros e dezoito cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Custas no montante de € 8.568,00 (oito mil, quinhentos e sessenta e oito euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 22 de Abril de 2024
Os Árbitros
Fernando Araújo
Arlindo José Francisco
Clotilde Celorico Palma
(vota vencida, nos termos da declaração que junta)
Voto de Vencida
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Nota Prévia
Está em causa essencialmente apurar se a AT, através do Ofício-Circulado da Área de Gestão Tributária do IVA n.º 30108, de 30 Janeiro de 2009, pode vir “impor condições especiais” para a determinação do direito à dedução do IVA suportado pelas instituições financeiras em recursos indistintamente utilizados na realização de operações que conferem e que não conferem o direito à dedução (“recursos comuns”), quando estas desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD, situação que se verifica no caso em apreço.
No aludido Ofício-Circulado refere a AT que, “No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente atividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.” (cfr. n.º 5 do Ofício-Circulado).
É neste contexto que conclui que, “…considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a «distorções significativas na tributação», os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.” (cfr. n.º 8 do Ofício-Circulado).
Importa, pois, apurar se efectivamente a AT pode, nos termos referidos, tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção, a parte da renda correspondente à amortização.
Com efeito, se concluirmos em sentido contrário, inútil será o exercício subsequente de apurarmos se efectivamente a utilização pela Requerente do método do pro rata, previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, decorre da sua própria estrutura empresarial, dado as operações de locação financeira em causa implicarem a utilização de recursos comuns, quer para a gestão dos contratos de financiamento, quer para a disponibilização e gestão dos bens locados, os quais são determinados pelo facto de ser a proprietária dos referidos bens.
Isto é, sendo a questão de apurar se a referida propriedade implica um consumo significativo de recursos comuns, que não se verificaria numa situação em que apenas concedesse financiamento aos seus clientes e estes, por sua vez, adquirissem directamente os bens em causa, uma questão subsequente, importa então, prima facie, analisar até que ponto será legal o aludido entendimento sufragado pela AT.
Em suma, estão em causa fundamentalmente dois aspectos:
- Analisar se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução prevista no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, correspondente à alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, actual Directiva IVA, quando determina que, “todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.”
- Apurar se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos.
Os factos em apreço são similares aos analisados no Proc. n.º 259/2022, de 6 de Janeiro de 2023, no âmbito do qual foram prestados os depoimentos testemunhais ora aproveitados e em que foi dado provimento à pretensão à ora Requerente, bem como no Proc. 473/2022, de 10 de Abril de 2023, em que fizemos voto de vencida, no qual não foi dado provimento à pretensão da ora Requerente.
Não obstante o devido respeito, não nos podemos rever nos fundamentos base em que a presente decisão se encontra alicerçada, pressupostos estes que, em nosso entendimento, viciam, inevitavelmente, as conclusões.
Com efeito, distintamente do entendimento sufragado, entendemos desde logo que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA, não foi adequadamente transposto pelo artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IVA, não permitindo à AT a imposição do método de afectação real previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 (coeficiente de imputação específico), no caso de instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente actividades de Leasing ou de ALD, pelo que não se poderá alegar não estarmos “a inconstitucionalidade do quadro legal ou da sua interpretação ínsita no coeficiente consagrado no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.”
Acresce que não partilhamos da interpretação levada a cabo sobre o sentido e alcance dos Casos Banco Mais e Volkswagen.
Vejamos pois.
-
Inconstitucionalidade do quadro legal
Começa o presente Acórdão na parte de Direito e no que se reporta à alegada inconstitucionalidade por enfatizar que “Por algum tempo a jurisprudência de tribunais arbitrais do CAAD apontou no sentido da ilegalidade dos actos tributários que aplicam o critério específico de dedução adoptado pelo Ofício-Circulado, por alegada violação do disposto no art. 23.º, 2 e 3, b) do CIVA.
(…)
Contudo, a esta tendência jurisprudencial nos tribunais arbitrais do CAAD opôs-se uma evolução jurisprudencial do STA.” (cf. p.52 do Acórdão).
Segue-se pretendendo-se retirar consequências do Acórdão Baco Mais que, a nosso ver, não estão correctas, como magistralmente demonstram os Professores José Guilherme Xavier de Basto e António Martins em artigo que seguidamente se cita. O mesmo se diga quanto aos Acórdãos de 4 de Março de 2015 (Processo n.º 081/13), 3 de Junho de 2015 (Processo n.º 0970/13), 17 de Junho de 2015 (Processo n.º 01874/13), 27 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 0331/14) e 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17), e ao Acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), de que se socorre o presente Acórdão.
Acresce que na jurisprudência do CAAD encontramos, para além da jurisprudência “mais antiga”, posições recentes no mesmo sentido, como, nomeadamente, muito recentemente nas decisões arbitrais exaradas nos Proc.s .º n.º532/23 T, de 15 de Fevereiro de 2024 e n.º 494/23 T, de 13 de Dezembro de 2023, entendimentos estes veiculados posteriormente à referida jurisprudência uniformizadora do STA, bem como ao Caso Volkswagen, cujas reais consequências não são devidamente extraídas no presente Acórdão. O mesmo se verifica no contexto do Proc. n.º 259/2022, de 6 de Janeiro de 2023, no âmbito do qual foram prestados os depoimentos testemunhais ora aproveitados e em que foi dado provimento à pretensão à ora Requerente.
Vejamos neste contexto as ilações extraídas da decisão no Proc. n.º 494/23 T, de 13 de Dezembro de 2023, emanada de colectivo onde não participámos, as quais partilhamos inteiramente
“3.3.3. Inconstitucionalidade da previsão de um método de dedução não previsto em diploma de natureza legislativa
Embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.
Na verdade, entre os métodos para efectuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Directiva, por via legislativa, não era permitido à Direcção-Geral dos Impostos, através de Ofício-Circular.
Esta questão de saber se, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva n.º 2006/112/CE.
Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.º, n.º 2, do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação.
Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circulado n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional se interpretado como permitindo à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.
Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» ([9] ).
Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ([10] )
Assim, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.
Consequentemente, o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
3.3.4. Ilegalidade da imposição através de norma administrativa de um método de execução do direito à dedução não previsto legislativamente
Não tendo o método de exercício do direito à dedução sido previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a Administração Tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».
À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ([11] )
Por isso, não tendo suporte legislativo a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
Mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].
Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). ([12] )
É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
Consequentemente, a autoliquidação efectuada pela Requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, impostas pela Administração Tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a confirmou.”
Com efeito, entendemos que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o respectivo n.º 3) não representa uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, desta Directiva.
Termos em que, entendemos que a interpretação do artigo 23.º, n.º2, do CIVA, levada a cabo pela AT, entendida por esta como norma como habilitante a aplicar ou a impor à Requerente um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, através da imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108, é material e formalmente inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea I) da CRP, não tendo o legislador feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fracção.
Mas, como se nota igualmente no aludido Proc. n.º 494/23 T, de 13 de Dezembro de 2023, “3.3.5. Falta de prova de «distorções significativas da tributação»
De qualquer forma, a aceitar-se a possibilidade de a Administração Tributária impor o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».
(…)
Na verdade, não se referem no Ofício-Circulado n.º 30108 em que consistem as «distorções significativas na tributação» que resultarão da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, que tanto poderão provocar vantagens como prejuízos, formulando-se nesse sentido um juízo conclusivo, cujos fundamentos não se demonstram. A afirmação feita no ponto 8. do Ofício-Circulado de que «aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas» é também conclusiva e obscura, pois não se esclarece quais as aludidas vantagens ou prejuízos, nem para quem, nem em que consiste a falta de coerência que se invoca.
De qualquer forma, o procedimento que a Administração Tributária impôs no referido Ofício-Circulado tem a potencialidade de provocar distorções significativas na tributação, como bem demonstram JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS ([13] ), relativamente à locação financeira com rendas mensais constantes:
«Ora não se consegue demonstrar que o expurgo da amortização financeira contribui para uma sintonia mais fina na determinação da parcela de imposto dedutível. Bem ao invés, demonstra-se que o procedimento que a AT quer obrigar o sujeito passivo a adoptar provoca distorções significativas de tributação e não consegue de modo algum o objectivo que a lei, no artigo 23.º, n.º 3, atribui ao método da afectação real – o objectivo de efectuar a dedução de “com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços [de uso “promíscuo”] em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
Em financiamentos cujo reembolso é efectuado em prestações periódicas, sabe-se que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, esta dada pela diferença entre renda total e juro pago. Nas sucessivas prestações, quer em termos de rendas constantes quer de rendas variáveis, como a seguir melhor se verá numericamente, a parte imputável a juros vai flutuando ao longo do tempo de duração do contrato».
Sendo assim, que consequência tem o apuramento do IVA dedutível segundo o método imposto pela AT de expurgar a amortização do cálculo da parcela dedutível? Tem a consequência de fazer flutuar a percentagem de IVA dedutível ao longo do tempo de duração do contrato.
Esta flutuação, porém, só teria razão de ser se houvesse fundamentos para crer que ao longo desse tempo a intensidade do uso dos inputs promíscuos flutuava também na mesma onda. Ora, é bem claro que não há qualquer razão para crer que seja assim. A intensidade do uso desses bens e serviços será eventualmente a mesma, ou se não for, não é através de uma percentagem de dedução calculada com quer a AT que poderá ser apurada essa eventual diferença de intensidade.
A solução imposta pela AT provoca, ela sim, distorções na tributação. Pode entender-se que o método do pro rata a que chamaríamos normal não apura com suficiente rigor a parcela de imposto dedutível, mas ele é, sem dúvida, melhor do que trabalhar com uma percentagem de dedução que faz flutuar a parcela de imposto dedutível ao longo do tempo sem qualquer relação com diferenças na intensidade do uso dos inputs promíscuos pelo sector de actividade cujas operações conferem direito à dedução.
A pretensão da AT em aperfeiçoar o apuramento do imposto dedutível só poderia eventualmente ser conseguida impondo um verdadeiro método de afectação real, não um pro rata manipulado, sem significado e adequação ao objectivo pretendido de evitar distorções significativas na tributação».
(…)
3.3.6. Princípio da igualdade
A distorção da tributação provocada pelo método previsto no Ofício-Circulado n.º 30108 detecta-se também quando se compara a limitação do direito à dedução quanto a recursos afectos à locação financeira quando é efectuada por um banco com a de um sujeito passivo que apenas se dedique às actividades de locação financeira e ALD.
Na verdade, o sujeito passivo que apenas se dedique à locação financeira e ALD poderá, sem qualquer limitação, deduzir a totalidade do IVA suportado nos bens e serviços que adquira para exercer essa actividade, pois ela é totalmente tributada, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea h) do CIVA, e o artigo 20.º, n.º 1, deste Código assegura o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos para realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
Em última análise, à luz do referido Ofício Circulado, bastará apenas a realização de uma única operação de concessão de crédito, a par de milhares de operações de locação financeira, para o direito de dedução do IVA suportado com os custos gerais passar de total a insignificante.
Assim, o princípio da igualdade (proporcionalidade) exigirá que ao locador financeiro ou alugador de longa duração que, além dessa actividade tributada, desenvolve também actividade isenta, possa deduzir o IVA na parte proporcional ao volume de negócios daquela actividade.
Por isso, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), as normas do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do CIVA, se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108.”
-
A interpretação dos Casos Banco Mais e Volkswagen
Acresce que, salvo o devido respeito, no presente Acórdão não se retiram as devidas consequências dos denominados Casos Banco Mais e Volkswagen.
Neste contexto e para os efeitos tidos por convenientes, reproduzimos, no essencial, a parte de direito do Acórdão 259/2022-T, de 6 de Janeiro de 2023, do qual fomos relatora, no âmbito do qual foram prestados os depoimentos testemunhais ora aproveitados e em que foi dado provimento à pretensão à ora Requerente, fazendo-se desde já notar que, por opção de clarificação, mantemos as respectivas notas de rodapé:
“ A AT invoca que a questão ora em análise foi já apreciada pelo TJUE, no Acórdão proferido no Caso Banco Mais, Proc. C-183/13, de 10 de Julho de 2014, alegando que este veio a confirmar a posição da AT nesta matéria, invocando ainda o Acórdão do STA, de 4 de Março de 2020, proferido no âmbito do recurso n.º 052/19.
Ora, entendemos desde logo que a interpretação levada a cabo pela AT não tem apoio directo nos textos legais, uma vez que o legislador não fez uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração.
(…)
Assim, como bem notam os Professores Doutores Guilherme Xavier de Basto e António Martins analisando o designado Caso Banco Mais julgado pelo TJUE[4], “O Acórdão parece fundamentar a sua decisão final – no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado membro obrigue um banco que exerce, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, que corresponde aos juros (com exclusão, portanto, daquela outra parte que corresponde a “amortização financeira”) – no que é hoje o artigo 173º, nº 2 alínea c) da directiva (citando o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da 6ª directiva, aplicável aos factos tributários controvertidos no processo).
Ora, nessa disposição, atrás transcrita, do que se trata é de autorizar os Estados a, afastando-se da regra mais geral da percentagem de dedução, efectuar a dedução “com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. O método dito da afectação real é uma alternativa ao método da percentagem de dedução ou do pro rata, mas não consiste em alteração do algoritmo de cálculo dessa percentagem, o qual está estabelecido no artigo 174º da directiva e envolve a construção de uma fracção em que no numerador se inclui “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução” (alínea a) do nº 1) e no denominador “o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução” (alínea b) do mesmo nº).
Deve porém analisar-se se essa faculdade, que o TJUE admite que os Estados membros exerçam, foi efectivamente tomada pelo legislador português. A resposta, a nosso ver, é negativa e a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no nº 4 do artigo 23º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é obviamente um ofício-circulado, que não é mais que um regulamento interno que apenas obriga os serviços, mas não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”[5]
Neste contexto, salientam que, “As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (nº 3, alínea b) do artigo 23º, ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por esse método, da imposição de o abandonar (parte final do nº 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração do pro rata de dedução.”
Igualmente neste sentido, José Maria Montenegro[6] conclui, adequadamente em nosso entendimento, que o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção do pro rata de dedução, pelo que o que é permitido pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, não estando em causa uma alteração ao modo como o sujeito passivo apurou o seu pro rata, tratando-se sim, nos termos legais, de uma alteração do método de dedução. Assim, como nota o autor, no Caso Banco Mais o direito nacional não terá sido analisado com o rigor e a profundidade desejável, sendo que a pertinência da resposta do Tribunal dependia de ser verdadeiro o pressuposto de que a lei portuguesa concede poderes à AT, através de uma decisão administrativa, de alterar a composição do pro rata de dedução. Ora, não dando a nossa lei esses poderes, as respostas do Tribunal não contribuem para legitimar a interpretação que a AT tem vindo a querer impor.
Note-se que, tal como alega a Requerente, no Caso VW Financial Services[7], veio o TJUE acrescentar, que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega” (cfr. n. 56).
Aditando que ainda que, “sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 57).
Neste contexto conclui o TJUE que, “(…) os artigos 168.º e 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.” (cfr. n. 59).
No mesmo sentido, como já antes referimos, vão a maioria das decisões do Tribunal Arbitral.
Assim, na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017, de 20 de Novembro de 2017, conclui-se que, “(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).
Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.
(,,,)
Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”
Também na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018, de 25 de Março de 2019, se conclui que, “A Requerente sustenta, todavia, que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não transpõe para o direito interno a disposição do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva baseando-se essencialmente no seguinte argumento: enquanto a Directiva permitia que os Estados-membros autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens ou serviços, o legislador nacional não conferiu à Administração essa prerrogativa, limitando-se a permitir o controlo dos critérios objectivos que o sujeito passivo tenha utilizado quando opte pelo mecanismo da afectação real.”
Veja-se igualmente a Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 498/2018, de 28 de Maio de 2019, nos termos da qual se decide que, “Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a faculdade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo. Embora à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.
Na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018, de 17 de Junho de 2019, conclui-se no mesmo sentido que, “Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.”
Acresce que importa atender que, como se faz notar na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019, de 2 de Abril de 2020, “Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal…”
Atente-se no voto de vencida no âmbito do Processo n.º 887/2019, de 12 de Outubro de 2020, que, no tocante ao Caso Banco Mais, conclui que, “neste caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daquele outro método. Ora, analisado o Acórdão (…), conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.”
Por seu turno, como se conclui na Decisão proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018, de 14 de Dezembro de 2020, “(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução. (…) Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».” “Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.” “Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”
Veja-se ainda a Decisão proferida no Processo n.º 58/2020-T, de 21 de Janeiro de 2021, em conformidade com a qual se deve recusar a aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “na interpretação subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.”
Igualmente no Processo n.º 58/2020-T, se salienta que, “em face da jurisprudência do TJUE e do Supremo Tribunal Administrativo, a possibilidade de impor o método de cálculo do pro rata de dedução quanto a recursos de utilização mista previsto no n.º 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, no que concerne aos contratos de locação financeira efetuados por bancos, não é admitida generalizadamente, antes «tal situação será excecional», dependendo de se verificar, casuisticamente, que a utilização dos «bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos» (processo C-183/13, Banco Mais, e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2017, processo n.º 0485/17, e de 04-03-2015, processos n.ºs 081/13 e 01017/12, e de 04-03-2020, processos n.ºs 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, entre muitos outros).”
Note-se que, no contexto deste Processo, o Tribunal Arbitral, a propósito do Acórdão do TJUE no âmbito do Caso VW Financial Services, vem concluir que, “na linha desta jurisprudência, tendo em conta que a obrigatoriedade da jurisprudência do TJUE implicará o acatamento da mais recente quando ela se modifica, tem de entender-se que o método previsto no ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, tem de considerar-se não suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspetiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE” (cfr. página 75 da referida decisão do Tribunal Arbitral).
De entre esta extensa panóplia de Decisões cumpre ainda salientar a proferida no Processo n.º 576/2021-T, de 14 de Fevereiro de 2022.
Nesta Decisão, inicia o Tribunal Arbitral por analisar a decisão proferida no referido Caso VW Financial Services, nos seguintes termos: “Assim, neste acórdão do processo C-153/17, apesar de ficar demonstrado que os custos gerais eram imputados à parte das rendas referentes aos juros e a parte das rendas correspondente ao capital não era tributada (por ser isenta à face da lei inglesa), entendeu-se que esta última não podia ser completamente excluída do cálculo do pro rata, pelo que esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.
Na verdade, se o TJUE entendeu que, mesmo nos casos de a parte das rendas correspondente às amortizações não ser tributada (como sucede na lei inglesa) esse montante não podia ser excluído completamente do numerador da fração, por maioria de razão valerá este entendimento quanto este montante também é tributado em IVA (como sucede na lei portuguesa) e, por isso, se está perante operação que confere operações que conferem direito a dedução, relativamente à qual resulta explicitamente da lei a sua inclusão no numerador da fração (artigo 23.º, n.º 4, do CIVA).
De qualquer forma, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar»”.
Termos em que se conclui que, “Como resulta desta parte final, na perspectiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, pelo que a imposição dessa percentagem especial pelo Ofício-Circulado n.º 30108 e na decisão da reclamação graciosa, sem qualquer indagação da utilização real dos recursos de utilização mista, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.”
De salientar em particular que veio ainda nessa Decisão reiterar-se o entendimento de que é necessário fazer um “apuramento casuístico” da utilização real dos bens e serviços de uso misto, em concreto, se é ou não sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.
Termos de acordo com os quais o Tribunal Arbitral considerou expressamente que a autoliquidação então sindicada enfermava de erro sobre os pressupostos de direito, ao ter subjacente o entendimento de que a imposição do método que consta do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108, pode ser efectuada pela AT, de forma genérica, “sem apreciação casuística da questão de saber se a concreta utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente relacionados com os contratos de locação financeira foi ou não sobretudo determinada pela atividade de disponibilização dos veículos e não pelo financiamento e gestão de contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.”
O Tribunal chega mesmo a considerar que o método previsto no referido n.º 9 do Ofício-Circulado, por não ter “em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, em situação que se comprova uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais à disponibilização dos veículos”, não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios, pelo que, também sob esta perspectiva, é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE, como entendeu o TJUE no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd.”
Mas importa salientar que o Tribunal entende que, entre nós, a imposição daquele método apenas poderia ser feita por via de diploma legislativo e não de circular administrativa, pelo que a sua imposição “viola os princípios constitucionais da legalidade e da hierarquia das normas e o princípio administrativo da legalidade [artigos 103.º, n.º2, e 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 55.º da LGT]”. Acrescendo que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à AT “impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.”
Assim como, conclui, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, “se interpretadas como a aplicação do método previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108”.
No tocante à invocada decisão do STA, importa salientar que, distintamente do invocado pela AT, admite claramente antever a possibilidade de realização da prova sobre a utilização dos recursos mistos, designadamente por parte do sujeito passivo, de forma a apurar a adequação do critério e da taxa do pro rata por si utilizada – ou, neste caso, da taxa de dedução que pretende ver aplicada, por oposição ao previsto no Ofício-Circulado n.º 30108.
Face ao exposto, concluímos que a Requerente tem razão ao invocar que, atenta a jurisprudência comunitária e nacional neste âmbito, há que retirar as seguintes conclusões:
“ - A utilização de um critério de dedução de IVA dos recursos comuns como o defendido pela AT através do Ofício-Circulado não tem fundamento legal no Código do IVA, pelo que qualquer tentativa de aplicação do mesmo é ilegal;
- Ainda que tal critério possa ser admissível para o TJUE, à luz da interpretação das normas relevantes da Diretiva do IVA, o mesmo apenas é de aplicar caso se verifique que os recursos comuns são maioritariamente determinados pelo financiamento e gestão dos contratos; e,
- Para determinação do IVA dedutível, não se pode aplicar um método de repartição que não tenha em conta a situação concreta de cada contribuinte e as especificidades da sua atividade;
- Além disso, aquele método terá que ter igualmente em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”
Idêntico entendimento foi, nomeadamente, veiculado no contexto do Proc. n.º 76/2022- T, de 22 de Fevereiro de 2023.
No tocante ao Caso Volkswagen, pretende-se no presente Acórdão circunscrever as conclusões deste Caso à situação peculiar do Reino Unido, seguindo-se uma interpretação que não podemos partilhar, pelos motivos que se seguem.
Desde logo, importa salientar que no Caso Volkswagen se faz referência expressa ao Caso Banco Mais.
Nos n,ºs 54 e 55 do Caso Volkswagen sintetiza-se o entendimento acolhido pelo TJUE no Caso Banco Mais, elucidando-se que foram as circunstâncias concretas do caso que conduziram o Tribunal a considerar “que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.”
Contudo, distintamente das conclusões a que se chega no presente Acórdão, e que não podemos acompanhar, no Caso Volkswagen o TJUE fornece um guia de leitura do Caso Banco Mais que importa aplicar casuisticamente.
No Caso Volkswagen está em causa apurar a parcela de IVA dedutível contida em custos gerais relativos à administração corrente, dando-se como exemplo os custos ligados à formação e recrutamento do pessoal, às refeições e bebidas deste, à manutenção e melhoria da estrutura informática, etc.. Ora, como o TJUE conclui no n.º 44 “na medida em que estes custos gerais foram realmente efetuados, pelo menos em certa medida, tendo em vista a disponibilização de veículos, que são operações tributáveis, os referidos custos são parte, enquanto tais, dos elementos constitutivos do preço dessas operações”, e, portanto, deve admitir-se, quanto a eles, o respectivo direito à dedução. Ou seja, importa salientar que, em termos gerais, para o TJUE basta que tais custos sejam “pelo menos em certa medida” realmente efectuados tendo em vista a disponibilização dos veículos (que corresponde ao valor do capital financiado), não se exigindo prova cabal que assim tenha sido, basta que o tenha sido “em certa medida” porque, como custos gerais que são, dificilmente se consegue a sua imputação.
Ou seja, estamos claramente perante um entendimento que, distintamente das conclusões a que se chega no presente Acórdão, contraria as exigências probatórias que alguma jurisprudência portuguesa tem vindo a impor aos sujeitos passivos, para preencher o requisito do Caso Banco Mais de que os juros correspondem ou não a contrapartida de “custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro” e que no presente Acórdão se insiste em prosseguir.
Denote-se ainda que no n.º 56 do Caso Volkswagen no tocante à interpretação do Caso Banco Mais, o TJUE salienta que “não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C‑183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.o, n.o2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega.”
Importa, em síntese, garantir-se, “atendendo à natureza fundamental do direito à dedução”, que o método alternativo de determinação do IVA residual dedutível é mais preciso do que o método baseado no volume de negócios (que é afinal o método do pro rata descrito no artigo 174.º), como se conclui no n.º 57:
“Em particular, atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, recordada no n.o 39 do presente acórdão, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações. Por conseguinte, tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.”
Termos de acordo com os quais o TJUE conclui que incumbe à jurisdição nacional verificar se o método alternativo “tem em conta a afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução” (n.º 58).
Nestes termos, a aplicação do método do volume de negócios apenas se poderá afastar se daí resultar um resultado mais preciso e mais rigoroso, sempre atendendo à natureza fundamental do direito à dedução. Ora, como demonstram magistralmente os Professores José Guilherme Xavier de Basto e António Martins no referido artigo, não é o que se verifica com o recurso ao método do “coeficiente específico” que a AT pretende impor para determinar a parcela de IVA residual dedutível nas operações de locação financeira. Pelo contrário, o recurso ao referido coeficiente distorce, em sentido desfavorável ao sujeito passivo, o seu direito à dedução, não lhe permitindo desonerar-se inteiramente do imposto suportado no quadro de todas as suas actividades económicas sujeitas a tributação, assim se violando o princípio da neutralidade ao se colocar em crise o normal exercício do direito à dedução.
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Da prova da utilização dos recursos
Uma nota para salientarmos que, ainda que se concluísse, erroneamente, que o entendimento da AT estava correcto, o certo é que, efectivamente, não sendo utilizados critérios objectivos de repartição dos recursos comuns, apenas é admissível a utilização do critério defendido pela AT no caso de os referidos recursos serem sobretudo determinados pelo financiamento e gestão dos contratos de locação.
Ora, em nosso entendimento não resulta provado de forma cristalina e inequívoca da documentação junta aos autos e da prova testemunhal que tal é o caso da Requerente.
Não se nos afigura que tenha ficado demonstrado que o método do pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA, provocou “distorções significativas da tributação”, não se tendo verificado no caso controvertido o pressuposto no qual o Ofício-Circulado n.º 30108 assenta a imposição da aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no seu n.º 9.
De qualquer forma, em último caso, sempre teríamos de concluir estarmos, pelo menos, perante uma situação de “fundada dúvida”, que, como é sabido, deve ser processualmente valorada a favor da Requerente e não contra ela, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que se consubstancia como uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.
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Conclusões
Pelo exposto, conclui-se que,
– O artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, é materialmente inconstitucional na interpretação de que permite à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.
– No Acórdão em apreço não se procede a uma correcta interpretação da jurisprudência do TJUE nos Casos Banco Mais e Volkswagen.
– Tal como se conclui no Proc. n.º 494/2023, desde logo a jurisprudência do Caso Banco Mais, não é aplicável à Requerente, por não ser um banco com actividade bancária geral, mas sim uma instituição financeira com actividades limitadas a locação financeira, ALD e crédito para a aquisição de veículos.
- Acresce que, à semelhança do ocorrido no Proc. n.º 259/2022, no âmbito do qual foram prestados os depoimentos testemunhais ora aproveitados e em que foi dado provimento à pretensão da Requerente estando em causa factos similares, não se pode sequer considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas da tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela Administração Tributária.
– Nesta específica situação dos autos, o método de repartição determinação da percentagem de utilização dos recursos de utilização mista previsto neste ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 não tem potencialidade para “garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios”.
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Do reenvio prejudicial
Resulta do exposto que, não obstante em nosso entendimento as questões discutidas nos autos se encontrarem clarificadas pelo Tribunal de Justiça conforme a jurisprudência mencionada, o certo é que o percurso relatado demonstra que as divergências existentes, quer ao nível da doutrina quer da jurisprudência nacional, demonstram que, a final, existem dúvidas fundadas sobre o sentido e alcance das regras em apreço.
Termos em que, entendemos que, aqui chegados, seria recomendável proceder a reenvio prejudicial.
Lisboa, 22 de Abril de 2024
A Árbitra
(Clotilde Celorico Palma)
[1] Soluções para que propenderam, entre outras, as decisões nos Procs. nos 844/2021-T (Jorge Lopes de Sousa, Armando Oliveira e António Pragal Colaço) e 494/2023-T (Jorge Lopes de Sousa, João Taborda da Gama e Júlio Tormenta) – decisões das quais, ressalvado todo o respeito, divergimos.
[2] Sérgio Vasques, “IVA, Pro rata e Locação Financeira”, Cadernos IVA, 2020, p. 523.
[3] Processos n.os 709/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Filipa Barros, João Taborda Gama), 759/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Paulo Lourenço, Sérgio Vasques), 887/2019 (Carlos Alberto Cadilha, Clotilde Celorico Palma e Filipa Barros), 927/2019 (Carlos Fernandes Cadilha, Paulo Lourenço, Sérgio Vasques), 278/2020 (Alexandra Coelho Martins, Marisa Isabel Almeida Araújo, Sofia Ricardo Borges), 292/2020 (Alexandra Coelho Martins, Nina Aguiar e Marcolino Pisão Pedreiro), 576/2020 (Alexandra Coelho Martins, Fernando Marques Simões, Eva Dias Costa), 637/2020 (Manuel Luís Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Arlindo José Francisco), 804/2021 (Regina Almeida Monteiro, Luís Menezes Leitão, José Nunes Barata), 549/2022 (Guilherme W. d'Oliveira Martins, Catarina Belim e Sofia Ricardo Borges), 558/2022 (Rui Duarte Morais, Carlos Lobo e Eva Dias Costa), 126/2023 (Fernando Araújo, João Menezes Leitão, Rui Miguel Marrana) e 455/2023 (Alexandra Coelho Martins, Tomás Castro Tavares e António de Barros Lima Guerreiro).
[4] “A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs “promíscuos” dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13)”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Coimbra, a.10n.1(Primavera2017), pp. 27-56.
[6] Veja-se José Maria Montenegro, “Comentário ao acórdão «Fazenda Pública contra Banco Mais, SA» de 10 de Julho de 2014, Proc. C- 183/13”, em Anuário de Direito Internacional, 2014/2015, pp. 313-323.
[7] Decisão proferida no âmbito do Proc. C-153/17, de 18 de Outubro de 2018.