Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 359/2023-T
Data da decisão: 2024-03-30   Outros 
Valor do pedido: € 313.982,75
Tema: ISP – Contribuição do Serviço Rodoviário – Prova da Repercussão.
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SUMÁRIO:

I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto comercial”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Pedro Rodrigues e Magda Feliciano, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em ..., ...-... ... (doravante, «Requerente») veio, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de promocão de revisão oficiosa apresentado em 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pela B... S.A. (doravante, designada, igualmente, por «fornecedora de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquela adquiridos pela Requerente no período compreendido entre novembro de 2018 e junho de 2022, apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 2.°, n.° 1, alínea a), 3.°-A, n.° 2, e 10.0, n.° 1, alínea a) e n.° 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT») PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL sobre os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 18 de maio de 2023.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 7 de julho de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 25 de julho de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 27 de setembro de 2023.

Por despacho de 11 de outubro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

Houve dois adiamentos, datados respetivamente de 19 de janeiro de 2024 e de 22 de março de 2024.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. A acima identificada fornecedora de combustíveis entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos («ISP») e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquela submetida.
  2. No período compreendido entre novembro de 2018 e junho de 2022, a Requerente, sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, adquiriu à referida fornecedora de combustíveis 3.890.469,57 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 1 a 6).
  3. A mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto (Docs. 1 a 6).
  4. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, inicialmente, a título de CSR, a quantia global de €431.842,12 (Docs. 1 a 6).
  5. Não obstante, a Lei n.° 24/2016, de 22 de agosto veio instituir o Regime de Reembolso de Impostos sobre combustíveis para as empresas de transportes de mercadorias, doravante designado por «reembolso parcial», alterando o Código dos Impostos Especiais de Consumo.
  6. Neste seguimento, a Portaria n.° 246-A 2016, de 8 de setembro, ao estabelecer as condições e os procedimentos a ter em atenção aquando da aplicação do regime do reembolso parcial, determinou que «[ajo abrigo do presente regime, é reembolsada, ao adquirente, a diferença entre o nível mínimo de tributação previsto no artigo 7.° da diretiva 2003/96/CE, de 27 de outubro e o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos petrolíferos, designadamente, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, o Adicionamento sobre as emissões de C02 e a Contribuição de Serviço Rodoviário» (os destacados são da Requerente).
  7. Assim, no período em análise, por força deste mecanismo, a Requerente recuperou, ao abrigo do referido regime de reembolso parcial, a quantia total de € 117.859,40, que havia suportado a título de CSR (Doc. 7).
  8. Por conseguinte, com a aquisição do referido combustível a Requerente acabou, a final, por suportar a título de CSR tão só a quantia global de € 313.982,75 (Docs. 1 a 7).
  9. Nesta sequência, a Requerente deduziu, no passado 30 de novembro de 2022, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco um pedido de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pela fornecedora de combustíveis referentes ao gasóleo rodoviário à mesma adquiridos pela Requerente no período compreendido entre novembro de 2018 e junho de 2022 (Doc. 8).
  10. Porém, sobre o referido pedido de promoção de revisão oficiosa não recaiu, até à presente data, qualquer decisão (cf. procedimento administrativo).
  11. Não tendo a Requerente sido notificada, até à presente data, de qualquer decisão referente ao mencionado pedido de promoção de revisão oficiosa — e tendo, em consequência, se verificado a presunção de indeferimento tácito das suas pretensões —,vem a mesma apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos mencionados atos tributários.
  12. Encontrando-se verificada a antinomia entre a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118 — e, nessa medida, a ilegalidade abstrata dos atos tributários aqui em causa — resta, então, demonstrar a existência da obrigação que recai(u) sobre a Administração Tributária e Aduaneira de desaplicar as normas de fonte interna que instituíram a CSR com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia.
  13. Nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa («CRP»), «as disposições dos tratados que regem a União Europeia [entenda-se: o direito originário] e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências [i.e., direito derivado], são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» (os destacados são da Requerente).
  14. Assim, do transcrito artigo 8.°, n.° 4, da CRP extrai-se, a par do reconhecimento do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional e da imunidade do mesmo face ao controlo da constitucionalidade das normas pelo Tribunal Constitucional, o dever dos serviços do Estado de «afastar as normas de direito ordinário internas pré-existentes que sejam incompatíveis com o direito da UE e [de] tornar invalidas ou, pelo menos ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, volume 1, 4.ª ed. Revista, Coimbra Ed., p.p. 264 a 273).
  15. De igual modo, atenta a fórmula do princípio da prevalência na aplicação (primado) do direito da União Europeia, constante do Acórdão Costa c. Enel, verifica- se que, de acordo com o TJUE, «a atribuição à Comunidade, pelos Estados membros, de direitos e poderes através das disposições do Tratado, origina, de facto, uma limitação definitiva dos seus direitos soberanos, contra a qual não poderá prevalecer a invocação de disposições de direito interno, qualquer que seja a sua natureza», devendo o direito nacional~- independentemente da respetiva dignidade interna (com ressalva, naturalmente, da violação do princípio do Estado de direito democrático) — ceder, por este motivo, perante o direito da União Europeia.
  16. É o que se retira, com efeito, de um conjunto impressivo de sucessivos Acórdãos em que o TJUE, além de reafirmar o princípio da plena eficácia do direito da União Europeia, sustentou — rectius, tem sustentado — que as autoridades nacionais devem assegurar a plena eficácia do direito da União Europeia.
  17. De resto, repare-se que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, as autoridades nacionais vinculadas, nos termos referidos, a assegurar a plena eficácia do direito da União Europeia, e, correlativamente, a primazia ou prevalência na sua aplicação, compreendem, não somente os tribunais, mas, inclusivamente, a própria Administração, já que, se «os particulares têm o direito de invocar as disposições de uma directiva nos tribunais nacionais é porque os deveres que delas decorrem se impõem a todas as autoridades dos Estados-membros» (cf. Acórdão de 22 de Junho de 1989, Costanzo, Proc. 103/ 88, n.° 30).
  18. «Seria, por outro lado contraditório entender que os particulares têm o direito de invocar perante os tribunais nacionais as disposições de uma directiva que preencham as condições acima referidas, com o objectivo de fazer condenar a administração e, no entanto, entender que esta não tem o dever de aplicar aquela  disposição afastando as de direito nacional que as contrariem (...) [pelo que] tal como o juiz nacional, a administração, incluindo a comunal, tem o dever de aplicar as disposições [juscomunitáriasl(...), não aplicando as de direito nacional que com elas não estejam em conformidade». (cf. Acórdão de 22 de Junho de 1989, Costanzo, Proc. 103/ 88, n.° 31) (os destacados são da Requerente).
  19. Por conseguinte, considerando que «a obrigação, resultante de uma directiva, de os Estados-membros atingirem o resultado nela previsto e a sua obrigação, por força do artigo 4°, n.° 3, TFUE, de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessas obrigação [se] impõem a todas as autoridades dos Estados-membros (...), não sendo possível efectuar uma interpretação e uma aplicação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União, os tribunais nacionais e os órgãos da Administração têm o dever de aplicar integralmente o direito da União e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno (...)» (cf. Acórdão do TJUE de 25 de Novembro de 2010, Gunter Fub contra Stadt Halle, Proc. C-429/09; Vide, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do TJUE de 16 de Dezembro de 2010, Seydaland, Proc. C-239/09, de 22 de Dezembro de 2010, Gavieiro, Procs. C-444/09 e C-456/09, de 14 de Outubro de 2010, FuB, Proc. C-243/09, de 9 de Setembro de 2003, CIF, Proc. C-198/01, de 29 de Abril de 1999, CIOLA, Proc. C-224/97, de 7 de Setembro de 2006, Vassalio, Proc. C-180/04, de 14 de Junho de 2007, Medipac- Kazantzidis AE, Proc. C-6/05, e de 12 de Janeiro de 2010, Petersen, Proc. C-341/81) (os destacados são da Requerente).
  20. Noutra formulação, o princípio da legalidade — que conformado pelo da prevalência na aplicação (primado) do direito da União Europeia, vincula todos os serviços do Estado (incluindo, portanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira) em toda a sua interação com o particular, constituindo o primeiro parâmetro de aferição da legalidade dos atos administrativos — em conjugação com o princípio da cooperação leal dos Estados-membros com as instituições europeias, impõe que todos os serviços do Estado se encontram vinculados a desaplicar as normas de fonte  interna com fundamento na sua desconformidade com as normas europeias, evitando assim a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação.
  21. Concluindo-se, forçoso é reconhecer, portanto, com substancial e decisivo apoio na jurisprudência do TJUE, que todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo a Administração pública, estão vinculados ao dever de garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do ordenamento europeu, desaplicando, se necessário, as nomas de fonte interna que com aquele se encontrem desconformes.
  22. Isto visto, é, pois, indubitável que a Administração Tributária Aduaneira se encontra(va), em face da identificada antinomia entre as normas dispostas na Lei n.° 55/2007, de 31 de agosto e a Diretiva 2008/118, vinculada a desaplicar as primeiras com fundamento na sua desconformidade com a segunda.
  23. Paralela e convergentemente, verificada a referida obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da Lei Geral Tributária («LGT»).
  24. Com efeito, o erro imputável aos serviços — enquanto fundamento da revisão oficiosa prevista na segunda parte do n.° 1 do artigo 78.° da LGT — recorta-se em torno de uma errónea cristalização, no ato praticado, não só das circunstâncias de facto que o mesmo pressupõe (erro de facto) mas igualmente da efetiva aplicabilidade das disposições normativas invocadas (erro de direito).
  25. Deste modo, (não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro. Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei, sendo que então a liquidação está correcta de acordo com a lei, mas esta sofre, por exemplo, do vício de inconstitucionalidade, ou do vício de violação de lei comunitária» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de dezembro de 2001, Proc. 026487).
  26. Assim, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, repetidamente, a afirmar «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2001, Proc. 26.233) (os destacados são da Requerente).
  27. Em suma, como vem observado pelo Supremo Tribunal Administrativo — no que é acompanhado, conforme referido pela jurisprudência do TJUE, a Administração Tributária e Aduaneira está vinculada a desaplicar as normas nacionais que sejam, como no caso sob apreciação, desconformes com as normas do direito da União Europeia, constituindo as atuações opostas — as de não desaplicação de normas nacionais desconformes — situações de erro imputável aos serviços, passíveis,
  28. em face do assinalado incumprimento do referido poder-dever de desaplicação, de fundamentar o recurso ao procedimento de revisão oficiosa de atos tributários previsto no artigo 78.° da LGT, com o consequente dever de revogação, por parte do seu autor, dos atos tributários inquinados por esse vício.

 

Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

POR EXCEPÇÃO E DA INTERVENÇÂO PRINCIPAL PROVOCADA

 

 

  1. A ineptidão da petição inicial, ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigo 186º, nº 1, 576º, nºs 1 e 2, 577º al. b) e 278º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi alínea e), do nº 1, do artigo 29.º do RJAT.
  2. O presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento / petição inicial, por violação da alínea b) do nº 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  3. Ora, no caso sub judice, analisado, quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário.
  4. A Requerente suscita a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre novembro de 2018 e junho de 2022, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”, limitando-se, todavia, a identificar as faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, mas não identifica qualquer ato tributário.
  5. Ainda segundo a Requerente, o seu fornecedor, a B..., S.A., terá sido o operador económico que procedeu à introdução no consumo de produtos petrolíferos, i.é, o sujeito passivo de ISP/CSR, mas não identifica as “liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”.
  6. E tal identificação não é feita pela Requerente, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados a montante pelo seu fornecedor, o sujeito passivo de ISP/CSR e as faturas de compra identificadas pela Requerente.
  7. Ou seja, esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da AT.
  8. É que, sem a identificação, por parte da Requerente, do ato ou atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT, como se demonstrará adiante, identificar o ato ou atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente no requerimento remetido ao Sr. Presidente do CAAD, em 05/06/2023.
  9. Ora, através das faturas apresentadas pela ora Requerente não é possível determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas. Há uma absoluta falta de correspondência entre as quantidades de combustíveis declaradas para introdução no consumo pelo sujeito passivo de imposto (ISP/CSR) e as correspondentes liquidações, referentes ao período das faturas de aquisição à B..., S.A. indicadas pela Requerente, que não permitem à AT identificar, os atos de liquidação em crise.
  10. Quanto à impossibilidade de identificação dos atos de liquidação salientam-se, considerando o regime legal aplicável aos impostos especiais sobre o consumo e, em especial ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e à Contribuição para o Serviço Rodoviário (CSR), à data dos factos (novembro de 2018 e junho de 2022), as seguintes considerações:

 

  • Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do ISP. Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é aplicada uma taxa de ISP, a que acresce o montante legalmente estabelecido a título de CSR;
  • O facto gerador do ISP é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto, cfr. artºs 7.º e 9.º do CIEC, resultando do artº 8.º do CIEC que o imposto é exigível no momento da introdução no consumo;
  • Os sujeitos passivos de ISP/CSR são os operadores económicos identificados no artº 4.º do CIEC;
  • A Introdução no consumo é formalizada através das Declarações de Introdução no Consumo (DIC), as quais são processadas por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), cfr. artº 10.º do CIEC;
  • A DIC é uma declaração de introdução no consumo, que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente;
  • As introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática, cfr. artº 10.º-A do CIEC;
  • Neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação, cfr. artºs 11.º e 12.º do CIEC.
  1. Assim, e no que se refere aos combustíveis, as companhias petrolíferas que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto, declaram para introdução no consumo enormes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a imposto, mediante o processamento de e-DIC´s diárias, as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
  2. Sendo que a alfândega competente para a liquidação (e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em erro, se for o caso), não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo.
  3. Tal competência é aferida pelo local onde são apresentadas as declarações para a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto, cfr. artigos 10.º, nº 6, e 15.º do CIEC, de acordo com o interesse do sujeito passivo.
  4. É comum que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas declarações para consumo em mais do que uma alfândega. Por exemplo, os depositários autorizados apresentam as suas DICs na(s) alfândega(s) em cuja área de jurisdição se localizem o(s) entreposto(s) fiscais que detenham e a partir dos quais pretendam que saiam os referidos produtos para serem introduzidos no consumo.
  5. No caso concreto, tendo em conta o produto (gasóleo rodoviário) e o período em causa (novembro de 2018 e junho de 2022), foi apurado que a fornecedora da Requerente, a B..., S.A., apresentou declarações de introdução no consumo em várias Alfândegas.
  6. Verificando-se, igualmente, situações em que, por interesse e acordo comercial entre empresas, um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal, produtos que são propriedade de outra companhia petrolífera. O primeiro apresenta-se perante a AT como o sujeito passivo de imposto, o segundo é o proprietário, que vende os produtos petrolíferos aos seus clientes (mas que são expedidos a partir do EF do sujeito passivo). Ou seja, é absolutamente possível que a B..., S.A., fornecedora da Requerente, tenha acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s), para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP.
  7. A multiplicidade de situações, está relacionada com os locais onde os operadores económicos detêm Entrepostos Fiscais e interesses comerciais válidos, relacionados, por exemplo, com menores custos de transporte na distribuição e colocação do produto no(s) cliente(s).
  8. Todas estas operações são legítimas do ponto de vista da legislação aplicável e apenas evidenciam e reforçam que os IEC e, em especial o ISP, cujo regime foi estendido à CSR, tem por base um regime próprio com regras específicas que não podem ser desconsideradas para efeitos de enquadramento da questão em debate.
  9. Há, assim, que salientar que, em qualquer caso, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente (única situação em que, de acordo com as regras aplicáveis, é possível identificar os atos de liquidação bem como as correspondentes alfândegas de liquidação competentes).
  10. E que, atenta a multiplicidade de operações que se verificam, por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas, não é possível afirmar categoricamente que um fornecedor de combustíveis, corresponda, necessariamente, ao sujeito passivo de ISP/CSR.
  11. Pelo que a afirmação da Requerente constante do artº 1.º da PI de que a sua “fornecedora de combustíveis entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respectiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquela submetidas”, carece de confirmação, ou seja, tem de ser provada por quem o invoca.
  12. Acresce que, No caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzida no consumo durante um mês declarativo e objeto de globalização das DIC, para efeitos da efetivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes.
  13. Ou seja, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).
  14. Nestas situações, é totalmente impossível para a AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial.
  15. Aliás, são poucas, ou mesmo raras, as situações em que a entidade que vende os produtos ao consumidor final coincide com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo. Mas mesmo nestes casos, só poderiam ser identificados os atos de liquidação, caso as quantidades declaradas numa determinada DIC se reportassem a um único cliente, o que não parece ser o caso.
  16. As transações que ocorrem após a introdução no consumo não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente, o qual diz respeito, apenas e exclusivamente, ao correspondente sujeito passivo, tendo por base as declarações para introdução no consumo por este efetuadas.
  17. Efetivamente, resultando a liquidação da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não há qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto – declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação.
  18. Donde, tomando por referência o período e as faturas apresentadas pela Requerente, não é possível fazer qualquer correspondência entre aquelas e as declarações de introdução no consumo apresentadas pelo seu fornecedor, enquanto sujeito passivo de ISP/CSR, nem com os registos de liquidação correspondentes.
  19. Para demonstrar o suprarreferido, a AT poderia juntar as DICs apresentadas pela B..., S.A. - que não é parte neste processo -, em determinado período, nas diversas Alfândegas, para confronto com as faturas identificadas pela Requerente, relativas ao mesmo período, não o podendo fazer por força do dever de sigilo e de confidencialidade previsto no n.º 1 do art.º 64.º da LGT, salvo se for decretado o levantamento do sigilo fiscal, nos termos da lei.
  20. Todavia, a AT pode asseverar que desse confronto apenas se retira que as faturas de aquisição poderiam corresponder a qualquer uma das DIC, constantes da liquidação globalizada, praticada por esta ou por aquela alfândega, neste ou naquele período! 
  21. Ou seja, não é possível identificar as DIC e os respetivos atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente mediante as faturas apresentadas.
  22. Assim como a Requerente não consegue identificar as DIC e os atos de liquidação em causa, por ser, como reconhece, uma entidade terceira na relação que se estabelece entre a AT e o sujeito passivo devedor de ISP/CSR, também a AT não consegue estabelecer qualquer relação entre as faturas de aquisição e as DIC e os respetivos atos de liquidação, por ser estranha à relação comercial de direito privado que se estabelece entre a Requerente e a sua fornecedora.
  23. Se dúvidas restassem, também não se encontra disponibilizada no sistema e-fatura, nem no sistema SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações.
  24. E não há, repete-se, qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores à introdução no consumo e liquidação, de identificar o registo de liquidação correspondente, uma vez que as vendas dos produtos declarados para consumo (e consequente repercussão das imposições) são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes e não são coincidentes no tempo, em relação ao facto gerador do imposto: a declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação.
  25. Por outro lado, também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo pela B..., S.A. e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente (tituladas pelas faturas elencadas).
  26. Efetivamente, conforme se encontra determinado pelo artigo 91º do CIEC, os produtos sobre os quais incide CSR, são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação.
  27. Assim, no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C.
  28. Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C.
  29. Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional).
  30. No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C).
  31. Finalmente, quanto aos alegados montantes de CSR repercutidos, por um lado, a Requerente afirma que “a fornecedora de combustíveis repercutiu nas respectivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto”, sem, todavia, apresentar qualquer prova de ter a sua fornecedora repercutido a totalidade ou parte da CSR, no valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente.
  32. A AT não tem elementos que lhe permitam estabelecer qualquer relação entre as faturas de aquisição e as DIC e os atos de liquidação correspondentes, por ser estranha, para efeitos do que aqui se discute, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível, relativamente à relação comercial de direito privado que se estabelece entre a Requerente e a sua fornecedora.
  33. Mais, a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impede, igualmente, de aferir da tempestividade do chamado “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente. É que, a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
  34. Ora, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 16/05/2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 30/11/2022, ao abrigo do nº 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo D.L. nº 398/98, de 17 de dezembro (cfr. PA).
  35. E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível.
  36. Sucede, aliás, que tudo leva a crer que muito provavelmente o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não seriam sequer tempestivos.
  37. É que, tomando por referência o prazo indicado pela Requerente, as aquisições no “período compreendido entre novembro de 2018 e junho de 2022”, em 30/11/2022, data em que foi apresentado do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do nº 1 do artº 78.º da LGT, (atento o facto de facto de os produtos adquiridos se poderem referir a produtos introduzidos no consumo, com imposto liquidado e pago em período anterior ao indicado) há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.
  38. Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT.
  39. No entanto, estando a AT vinculada ao princípio da legalidade e tendo a AT efetuado a liquidação em estrita observância da norma legal aplicável não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que atuou, não podendo deixar de efetuar a liquidação impugnada, não existindo, pois, qualquer erro de direito imputável aos serviços.
  40. Por outro lado, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto no CIEC, mais especificamente no seu artigo 15.º, que estabelece as regras gerais em matéria de reembolso dos IEC, e no artigo 16.º, relativo ao reembolso por erro na liquidação.
  41. De acordo com estas normas apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, cfr. art.º 15.º, nºs 2 e 3 do CIEC.
  42. Verificar-se-ia, assim, que à data do pedido de reembolso de CSR, em 30/11/2022, já teria precludido o prazo de três anos para requerer o reembolso da alegada CSR repercutida, pelo menos quanto a parte deste pedido.
  43. Face ao supra exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do ato tributário em crise, tem como efeito a impossibilidade de se aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso de CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.

 

 

Da ilegitimidade da Requerente

 

  1. Ora, conforme já referido, as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente.

 

  1. Donde, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigo 15º e 16º do CIEC).

 

  1. Neste sentido, e porque se julga revelante, sempre se informa que a fornecedora da requerente já apresentou diversos pedidos junto do presente tribunal, como facilmente se constata efetuando pesquisa no mesmo.

 

  1. Estando em causa pedidos que visam a anulação de liquidações em sede de ISP, na parte relativa à CSR, há que ter em consideração, desde logo, o disposto na Lei nº 55/2007, de 31 de agosto, diploma que criou a contribuição de serviço rodoviário.

 

  1. O artigo 5.º daquele diploma, na redação em vigor até 31/12/2022, estabelece que a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na Lei Geral Tributária (LGT) e no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com as devidas adaptações.

 

  1. No âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades que, no exercício da sua atividade, são os responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração e consequente pagamento do imposto correspondente, designadamente, os operadores económicos identificados no artigo 4.º n.º 1, alínea a) do CIEC.

 

  1. Assim, os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente (artigo 16.º).

 

  1. É o que resulta, de forma clara, do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, o que bem se compreende por força das caraterísticas dos impostos em causa.

 

  1. Regime este que é aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007.

 

  1. Estas disposições legais do CIEC fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

 

  1. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.

 

  • À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos).
  • Como tal, no âmbito destes impostos, de acordo com o estatuído no artigo 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não são considerados com legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente reembolso do imposto, estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
  • A entidade Requerente, não integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, o que, não só impossibilita a identificação, quer das liquidações concretas na origem das imposições objeto da alegada repercussão, quer da alfândega que efetuou essa liquidação, com competência para a apreciação do pedido de revisão ou anulação da liquidação, se viesse a ser o caso.

 

  • Quem integra e é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada é o sujeito passivo, nos termos definidos nos artºs 4.º, 15.º e 16.º do CIEC e do artº 5.º da Lei n.º 55/2007.

 

  1. A Requerente quando adquire combustível ao seu fornecedor, o sujeito passivo do ISP/CSR, estabelece uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, para efeitos do que aqui se discute, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível.

 

  1. E sem a possibilidade de identificar o registo de liquidação correspondente às transações posteriores, uma vez que as vendas e consequente repercussão das imposições são posteriores ao facto gerador do imposto, a declaração de introdução no consumo pelo sujeito passivo que esteve na origem da liquidação, no cúmulo, a AT poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos intervenientes na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final (vide exemplo formulado no ponto 6 da presente Resposta).

 

  1. Estas hipotéticas situações, não configurariam verdadeiros reembolsos do imposto pago, pois, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, mas sim entregas de montantes pelo Estado sem qualquer fundamento legal.

 

  1. E, assim sendo, não se vislumbra que assista à Requerente legitimidade para requerer a anulação do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a anulação da liquidação de CSR e o consequente reembolso dos montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado.

 

  1. Assim, não existindo efetiva titularidade do direito, como se verifica, carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, cfr. artigos 278.º, nº.1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artº.2, al. e), do CPPT.

 

 

Incidente de intervenção provocada

 

  1. Caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, o que apenas por mero dever de raciocínio se concede, vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da B..., S.A., nos seguintes termos:
  2. De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
  3. Ora, a considerar-se que a Requerente tem legitimidade para interpor a presente ação, a AT considera que é obrigatória a intervenção do sujeito passivo da espécie tributária em juízo, indicado pela Requerente, ou seja, a B..., S.A..

 

  1. De facto, a matéria relativa à discussão da legalidade de um ato de liquidação desta natureza implica, necessariamente, que seja chamado à demanda o sujeito passivo, o único que tem legitimidade para pôr em crise o ato ou atos de liquidação, identificando-os.

 

  1. Todavia, considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da B..., S.A.

 

  1. Ora, caso a B..., S.A. não aceite intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.

 

Da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

  1. Não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio.

 

  1. A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

 

  1. E, quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação aplicável à data dos factos, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis “

 

  1. Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cfr. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receia própria da IP.

 

  1. Representando, assim, a CSR, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de novembro.

 

  1. De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
  2. Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.
  3. Nesse sentido, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

 

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

 

  1. Em 30/11/2022, a Requerente requereu junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela AT, com base nas DICs submetidas pela sua fornecedora de combustíveis e dos consequentes atos de repercussão, consubstanciados nas faturas de aquisição de gasóleo no decurso do período de novembro de 2018 a junho de 2022.

 

  1. Tal pedido de revisão oficiosa foi objeto de indeferimento tácito.

 

  1. Em 16/05/2023, a Requerente apresentou junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, na sequencia do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, peticionando a declaração de ilegalidade da repercussão da CSR consubstanciada nas faturas de aquisição de gasóleo no decurso do período de novembro de 2018 a junho de 2022 e a consequente anulação parcial das correspondentes liquidações praticadas pela AT com base nas DICs submetidas pela sua fornecedora, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. Em 30/11/2022, a Requerente requereu junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela AT, com base nas DICs submetidas pela sua fornecedora de combustíveis e dos consequentes atos de repercussão, consubstanciados nas faturas de aquisição de gasóleo no decurso do período de novembro de 2018 a junho de 2022.
  2. Tal pedido de revisão oficiosa foi objeto de indeferimento tácito.
  3. Em 16/05/2023, a Requerente apresentou junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, na sequencia do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, peticionando a declaração de ilegalidade da repercussão da CSR consubstanciada nas faturas de aquisição de gasóleo no decurso do período de novembro de 2018 a junho de 2022 e a consequente anulação parcial das correspondentes liquidações praticadas pela AT com base nas DICs submetidas pela sua fornecedora, acrescidas de juros indemnizatórios.

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

IV.2.A. EXCEÇÕES

                       

  1. Da ilegitimidade da Requerente

 

 

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subsiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutidos, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476.º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

 

 

  1. Incidente de intervenção provocada

 

Entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher diretamente pelas normas do Código de Processo Civil. – Cf. Proc. n.º 5/2012-T.

Na presente ação entende-se não haver lugar a litisconsórcio, porquanto os interesses de ressarcimento do imposto pago por declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, no caso concreto, em abstrato, o interesse do contribuinte consumidor final exclui o interesse do SP em relação aos factos tributários em apreciação e eventual reembolso, sendo reconhecido o imposto indevidamente pago e o reembolso devido ao contribuinte consumidor fiscal, desde logo, excluía, a mesma pretensão e decisão em relação ao SP.

Observa-se ainda que “Atenta a natureza subjetiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra interesses particulares na manutenção do ato impugnado…” Processo 0624/10, Acórdão de 17-11-2010.

Por sua vez, no âmbito da jurisdição arbitral vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não resultem daquela respetiva lei, sem prejuízo dos conteúdos normativos diretamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” – Cf. artigo 16.º do RJAT.

 

  1. Da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrai da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

 

 

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4.º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

A Requerente como elementos de prova apresentou tabelas (Docs. 1 e 7) e as faturas emitidas pelo SP (Docs. 2 a 6), as quais especificam quatro parcelas: o “Valor Unitário”, “Valor sem IVA”, “Valor IVA” e “Valor com IVA”, para além de identificar o “Desconto comercial”, desconhecendo-se, para além das tabelas que são da exclusiva autoria da Requerente, as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.

A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

Acresce que as faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto comercial”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 313.982,75, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 5.508,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 30 de março de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(João Pedro Rodrigues – com declaração de voto)

Não acompanho o decidido em sede de matéria de facto, por considerar que a mesma, nada dizendo quanto aos factos alegados sobre a repercussão, é insuficiente para suportar a decisão. Com efeito, apesar de a decisão dar por assente que “[n]ão existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa”, acaba por estribar o seu juízo “aplicativo” no facto de a Requerente não ter logrado fazer prova da repercussão, tendo suportado economicamente o valor da CSR. Ora, estando em causa um facto determinante – recte, essencial – para a apreciação do pedido, este TAC devia tê-lo considerado no julgamento da matéria de facto, evitando-se a contradição entre o juízo expresso em sede de matéria de facto e as consequências jurídicas que vieram a ser extraídas pelo tribunal arbitral.

Por outro lado, mas concomitantemente, importa ter em consideração que a Requerente não se limitou a juntar faturas de aquisição de combustível, tendo também trazido aos autos uma declaração – cuja valoração não transparece da decisão da matéria de facto – e que, no meu entendimento, por atestar a repercussão integral do valor da CSR na esfera da Requerente, teria determinado juízo oposto ao proferido.

João Pedro Rodrigues

 

 

 

 

 

(Magda Feliciano – vencida conforme declaração de voto)


 


 

Declaração de Voto

Entendo não poder subscrever a posição que fez vencimento, no que concerne à arbitrabilidade do thema decidendum, pelas razões que, sinteticamente, passo a expor:

 

Por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais reporta-se apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição (Vide, entre outros, CAAD, Proc. 138/2019-T, Proc. 248/2019-T, Proc. 123/2019-T, Proc. 182/2019-T, Proc. 585/2020-T, Proc. 714/2020-T).

 

Na verdade, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil,  tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos classificados como impostos.

 

É hoje consensual que a jurisdição arbitral abrange apenas pretensões relativas a impostos, não incluindo outros tributos cuja administração seja conferida por lei à Autoridade Tributária, decorrente do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112‑A/2011, de 22 de março, não sendo tal limitação nem inconstitucional nem violadora do princípio da igualdade, na vertente de proibição do arbítrio, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, nem por violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 545/2019).

Ora, contrariamente ao defendido na Decisão, entende-se que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, razão pela qual este Tribunal deveria declarar-se incompetente em razão da matéria.

Na verdade, de acordo com letra da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a CSR foi concebida e designada de Contribuição (e não de imposto), com o objectivo de financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., actualmente Infraestruturas de Portugal (IP), através dos respectivos utilizadores e, subsidiariamente pelo Estado, constituindo receita própria da IP.

Segundo o referido regime legal, a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, que constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EPEstradas de Portugal.

Configurando-se a CSR numa lógica bilateral assente numa óptica grupal (utilizadores) para financiar a IP, a quem cabe desenvolver a actividade de concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional entende-se que a CSR não é um imposto, uma vez que só é devido pela utilização de gasolina e gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e dele não isentos.

Também não se afigura concebível qualificar a CSR como uma taxa, na medida em que a CSR não assenta numa equivalência estritamente individual, não se dirige à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, numa relação de bilateralidade genérica.

Assim, entende-se que as contribuições financeiras, mesmo que ilegais (como parece ser a CSR em face da decisão de Reenvio Prejudicial de 7.02.2022, Proc C-460/21, do TJUE) não constituem por presunção/atracção/conversão ou residualidade um imposto (Vide Filipe de Vasconcelos Fernandes, As contribuições financeiras no sistema fiscal português, pág. 71 e ss, Gestlegal). Na verdade, entende-se que as contribuições financeiras constituem figuras “híbridas” ou “tertium genius” entre as taxas e os impostos “que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa)” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). Na mesma linha, seguem, por exemplos, as decisões proferidas pelo TC n.º 539/2015, 344/2019, 255/2020

Considerando-se que, à luz do regime legal da CSR, esta constitui um tributo que resulta da necessidade financiar uma entidade pública que tem como propósito gerir a rede rodoviária nacional, encontrando-se a sua receita consignada a esse fim/entidade; a CSR incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, que beneficiam da gestão da IP, enquanto utilizadores das estradas da rede nacional; e o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa (a cargo da IP) presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, concluímos que estamos perante uma contribuição – (Cfr. Acórdão do TC n.º 255/2020).

Pelo exposto, classificando-se e qualificando-se a CSR como uma contribuição financeira, a questão material submetida a este Tribunal é, no meu entender, não arbitrável.

Louvo-me, assim, da Decisão do CAAD n.º 508/2023, de 16.11.2023.

É o que se me oferece dizer

 

Magda Feliciano

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.