SUMÁRIO:
1. O contrato de compra e venda de acções é um facto tributário instantâneo, a partir de cuja data de celebração se conta o prazo legal de caducidade do direito de liquidação previsto no artº. 45º. da LGT, mesmo que nele se prevejam outros pagamentos por conta do mesmo contrato a realizar nos anos seguintes, sujeitos aqui ao regime do do artº. 44º., nº. 7 do CIRS.
2. Tendo a liquidação impugnada por base um relatório da Inspecção Tributária elaborado no âmbito de uma Inspecção Interna, não há lugar à aplicação da suspensão prevista no artº. 46º., nº. 1 da LGT.
3. Não prejudica a conclusão do número anterior, o facto de ter havido Inspecções Externas às sociedades, cujas acções foram vendidas, cujos relatórios serviram de base a uma liquidação, posteriormente revogada pela AT
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. José Poças Falcão, Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitro vogal relator) e Drª. Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório:
A..., contribuinte fiscal n.º..., com domicílio na Rua..., ..., ...-... ..., por si e como cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa de sua mulher entretanto falecida B..., contribuinte fiscal n.º..., tendo sido notificados da Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e Juros Compensatórios, com o n.º 2022..., referente ao ano de 2017, no valor de € 2.144.659,59 (dois milhões, cento e quarenta e quatro mil, seiscentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), do qual pretendem impugnar a importância de € 1.066.195,39 (um milhão, sessenta e seis mil, cento e noventa e cinco euros e trinta e nove cêntimos), tudo como melhor consta do documento 1 por si junto com o requerimento inicial, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ‒ “RJAT”) requerer a constituição de Tribunal Arbitral para o que formulou PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, no sentido de ser anulada parcialmente a referida liquidação adicional, incluindo a consequente anulação da liquidação de juros compensatórios, determinando-se o reembolso imposto indevidamente pago, acrescidos de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até ao integral e efectivo reembolso
1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 8/03/23 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.
Posteriormente, em 8/3/2023, o Requerente apresentou 6 requerimentos a juntar mais 43 documentos, tendo mais tarde em 20/3/2023 vindo a juntar um novo documento com o nº. 32.
Por despacho de 27/04/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foram designados para árbitros os ora subscritores, os dois primeiros árbitros indicados e a srª. Prof. Doutora Eva Dias Costa, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 17/05/2023, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;
A 21/06/2023, a requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar, nessa data, aos autos o processo administrativo (PA), tendo o CAAD notificado, no dia seguinte, o requerente da Resposta da AT e da junção do PA.
Por despacho de 05/07/2023, foi notificado o requerente o Requerente para, no prazo de 5 dias, elencar, de entre os alegados, os factos que considera controvertidos e passíveis de demonstração por via testemunhal ou esclarecer a matéria de facto que pretende provar ou contraprovar através desses requeridos depoimentos testemunhais, o que ele fez por requerimento de 07/07/2023.
Por despacho arbitral de 11/07/2023, foram ouvidas as partes, no prazo de 10 dias, sobre o valor do presente PPA, no sentido de que, sendo o valor da liquidação impugnada de € 2.144.659,00 e não o indicado pelos Requerentes (€ 1.066.195,39) o processo só, pelo menos aparentemente, poderá prosseguir depois de corrigido o valor da causa que for fixado pelo Tribunal e pago o necessário e correspondente complemento da taxa arbitral inicial.
Por despacho arbitral de 18/09/2023, foi fixado ao presente PPA o valor de € 2.144.659,00, por ser este o valor da liquidação impugnada e não o indicado pelos Requerentes (€ 1.066.195,39), na medida em que vem pedida a anulação total da liquidação de IRS referente ao ano de 2017 e respetivos juros compensatórios, sendo que o valor total dessa liquidação é de €2.144.659,00.
Mais se determinou o prosseguimento da tramitação do processo logo que pago, nos termos regulamentares, o necessário complemento da taxa arbitral, o que o requerente fez em 26/9/2023, no prazo de 10 dias que lhe havia sido fixado para o efeito.
Em 24/9/2023, foi proferido despacho a suspender os termos do presente processo, face à renúncia às funções de co-árbitra neste processo da Senhora Professora Eva Dias Costa, até à designação de novo co-árbitro e consequente reconstituição do Coletivo, o qual veio a acontecer com a nomeação por despacho de 26/9/2023 do sr. Presidente do Conselho Deontológico, que determinou a substituição, como árbitro-adjunto no presente processo, da srª. Prof.ª Doutora Eva Dias da Costa pela srª. Dra. Sónia Martins Reis, tendo sido determinada cessação da suspensão do processo por despacho de 24/10/2023.
Por despacho de 4/11/2023, foi designado o dia 19/12/2023, para a reunião do Tribunal com as partes para os fins do disposto no artigo 18º, do RJAT e para a prestação do depoimento de parte e inquirição da testemunha arrolada, o que não ocorreu por impedimento da co-árbitra, Dra. Sónia Martins Reis, tendo a reunião sido cancelada e reagendada por despacho de 4/1/2024, para o dia 2 de fevereiro de 2024 e posteriormente, por despacho de 16/1/2024, de novo reagendada para 16-2-2024.
No dia 16-2-2024, procedeu-se à prestação de declarações de parte do requerente e à audição da testemunha arrolada, fixando-se então o prazo para a apresentação de alegações pelas partes em 10 dias simultâneos, tendo ainda sido deliberado prorrogar por 2 meses a partir do seu termo final, o prazo previsto no artigo 21.º nº. 1 do RJAT, tendo convidado as partes enviarem ao CAAD as respetivas peças processuais em formato Word com vista a facilitar e abreviar a elaboração do acórdão final, tendo deliberado fixar no próximo dia 03-05-2024 como data previsível para a notificação do acórdão final às partes. Por último, o Tribunal advertiu o Requerente para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Ambas as partes alegaram e o requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicou esse pagamento ao CAAD.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
1.2 – Posição do Requerente
Como causa de pedir, o Requerente alega, em suma, vícios substantivos, em concreto no que concerne à caducidade do direito à liquidação, à incompetência territorial dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... e à desconsideração da mais-valia em 50% do seu valor para efeitos de tributação.
Nesse sentido e para efeitos de enquadramento dos vícios que alega, começa o Requerente por referir que, em 27 de abril de 2017, vendeu as ações de que era titular, representativas do capital social das seguintes sociedades:
a) C..., S.A. (“C...”), sociedade com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Alcobaça, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros);
b) D..., S.A. (“D...”), sociedade com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Alcobaça, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de €51.000,00 (cinquenta e um mil euros);
c) E..., S.A. (”E...”), sociedade com sede Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de €51.000,00 (cinquenta e um mil euros); d) F..., S.A. (“F...”), sociedade com sede Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva..., com o capital social de €200.000,00 (duzentos mil euros).
Que nos termos do Contrato de Compra e Venda de Ações, celebrado entre o Requerente, a contribuinte falecida, outros vendedores e a entidade compradora das ações, na esfera do Requerente, o objeto da venda foi o seguinte: 5.100 (cinco mil e cem) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 50% (cinquenta por cento) capital social da C...; 7.650 (sete mil seiscentas e cinquenta) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 75% (setenta e cinco por cento) do capital social da D...; 5.100 (cinco mil e cem) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 50% (cinquenta por cento) do capital social da E...; • 6.000 (seis mil) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 15% (quinze por cento) do capital social da F... que juntou como Documento n.º 4.
O Requerente e a contribuinte falecida entregaram a declaração Modelo 3 de IRS, onde foi declarada no Anexo G a alienação das ações realizada em 2017, tendo sido declarado que as ações alienadas respeitavam a micro ou pequenas empresas, em conformidade com os “Certificados de PME”, emitidos pelo IAPMEI para as sociedades em causa, que juntou como Documento n.º 5.
Posteriormente, em 18 de junho de 2018, o Requerente foi notificado do Ofício da AT, datado de 6 de junho de 2018, no qual se informava que a Declaração de IRS de 2017 por si submetida (com o código identificador n.º...) tinha sido selecionada para análise, por “necessidade de comprovação de micro ou pequena empresa cuja parte social ou valor mobiliário foi alienada”.
O Requerente, através da plataforma e-balcão, juntou os documentos comprovativos solicitados pela AT, e, após validação dos documentos apresentados, foi consequentemente emitida e paga a Liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017, que juntou como Documento n.º 7.
Na medida em que a cláusula 5 do Contrato de Compra e Venda de Ações celebrado previa um mecanismo de revisão de preço, o qual foi acionado no ano de 2018 e o Requerente recebeu em 2018 um valor adicional (preço) pela venda das ações, a título de pagamento de preço diferido e condicionado, no montante de € 642.089,04 (seiscentos e quarenta e dois mil e oitenta e nove euros e quatro cêntimos) e apresentou uma Declaração de Substituição (IRS) referente ao ano de 2017, tendo apresentado os documentos que justificavam a submissão da referida Declaração.
Consequentemente, o Requerente foi novamente notificado pelo Serviço de Finanças de ... de que a Declaração de IRS de 2017 tinha sido selecionada para análise por “necessidade de comprovação de micro ou pequena empresa cuja parte social ou valor mobiliário foi alienada”. Na sequência deste pedido, o Requerente submeteu, em 11 de março de 2019, no portal da AT os mesmos elementos que já havia junto em 2018 para justificar os mesmos factos.
Em seguida, o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção, datado de 18 de julho de 2019, da Direção de Finanças de ... ‒ Serviços de Inspeção Tributária em que se referia que “Em resultado da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2019..., respeitante ao período de 2017, foram apuradas as correções em sede de IRS, relativamente ao montante de mais valias declarado, no montante de €34.196,25, o qual é tributado apenas em 50%, sujeito à tributação autónoma à taxa de 28%, donde resulta imposto em falta no montante de €4.787,48”. O Requerente procedeu ao pagamento do imposto em falta apurado.
Em 16 de setembro de 2019, foi notificado de um novo projeto de inspeção motivado pelo facto de ter sido declarada a alienação de micro ou pequena entidade, tratando-se, portanto, de uma inspeção exatamente com o mesmo âmbito, o mesmo objeto, o mesmo imposto, o mesmo período temporal e os mesmos rendimentos, tendo neste Projeto de Relatório sido desconsiderada a qualificação das empresas C..., E..., F... e D... como micro e pequenas empresas e, consequentemente, determinada a tributação sobre a totalidade da mais-valia, em lugar de sobre 50% (cinquenta por cento) da mesma.
Em consequência, foram emitidas a liquidação adicional de IRS com o n.º 2021..., a demonstração de liquidação de juros com o n.º 2021... e demonstração de acerto de contas com o n.º 2021..., com um montante total a pagar de € 1.014.274,47 (um milhão e catorze mil, duzentos e setenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), com prazo voluntário de pagamento a terminar em 29 de junho de 2021, junto como Documento 30.
O Requerente deduziu, tempestivamente, pedido de pronúncia arbitral, junto do CAAD no dia 27 de setembro de 2021, que correu termos sob o Processo n.º 619/2021-T, que juntou como Documento n.º 31. Em 2020, o ora Requerente voltou a receber um outro valor adicional, a título de pagamento de preço diferido e condicionado no âmbito da venda das ações das supra identificadas sociedades. Por esse motivo, o Requerente teve que proceder à apresentação de uma nova Declaração de Substituição (IRS), referente ao ano de 2017, novamente ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 7, do Código do IRS, em 31 de outubro de 2021 (ou seja, já após a entrega do Pedido de Pronúncia Arbitral respeitante à liquidação adicional de IRS n.º 2021...). A entrega da referida Declaração de Substituição originou, de imediato, a emissão da Liquidação de IRS referente ao ano de 2017, com o n.º 2021..., com data de 14 de dezembro de 2021, da qual resultava um valor a reembolsar ao Requerente.
Através de requerimento apresentado no dia 7 de abril de 2022, o Requerente informou os autos de Processo Arbitral que, em consequência da apresentação de nova Declaração de Substituição para o ano de 2017 (uma vez que o sujeito passivo havia recebido um valor adicional), e emissão de uma nova liquidação de imposto (IRS) para o mesmo ano, a liquidação oficiosa de IRS n.º 2021..., objeto do Pedido Arbitral pendente, fora então revogada pela AT, ficando dessa forma o Pedido de pronúncia arbitral desprovido de objeto.
Tendo, nesse conspecto, requerido que o Tribunal Arbitral proferisse decisão no sentido da inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos referidos termos. Em 11 de abril de 2022, o Requerente foi informado que a AT iniciara, pela terceira vez, um novo procedimento inspetivo, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de âmbito parcial e de natureza interna, uma vez mais respeitante a IRS do ano de 2017, que juntou como Documento n.º 35.
Face a tal notificação, no dia 28 de abril de 2022, o Requerente apresentou um segundo requerimento junto dos autos de Processo Arbitral pendente, no qual informou o Tribunal Arbitral de que a AT iniciara um novo procedimento inspetivo interno, relativo ao IRS do ano de 2017, e requereu que o Tribunal Arbitral: a) Se pronunciasse sobre a inutilidade superveniente da lide, invocada no requerimento anteriormente apresentado em 7 de abril de 2022; e b) Se pronunciasse acerca da eventual ilegalidade na instauração de uma nova inspeção tributária referente ao IRS do ano de 2017, e, consequentemente, na emissão de uma nova liquidação de imposto referente a tal ano, com fundamento em que se encontrava ultrapassado o prazo de caducidade (de 4 anos) do direito à liquidação da AT, que juntou como Documento n.º 36.
Em 4 de maio de 2022, a AT pronunciou-se, nada tendo a opor a respeito da inutilidade superveniente da lide. Em dia 6 de junho de 2022, foi proferida Decisão Arbitral, no âmbito do Processo Arbitral n.º 619/2021-T, tendo o Tribunal Arbitral decidido nos seguintes termos (conforme consta do Sumário da decisão): “Tendo o acto tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral deixado de existir na ordem jurídica já na pendência do processo arbitral, ocorre a impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto de litígio, que constitui causa de extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC.”
Sucede que em 7 de novembro de 2022, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS/2017 e Juros com o n.º 2022..., decorrente do procedimento inspetivo sob a Ordem de Serviço n.º OI2022..., a qual é objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral e nos termos do qual alegou o seguinte:
Que é ilegal a pretensão da AT em proceder à liquidação do montante de IRS em causa no que concerne aos rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2017, atendendo a que o direito de proceder à liquidação já se encontrava caducado em novembro de 2022, pois o prazo para proceder à liquidação do IRS do Requerente do ano de 2017 iniciou-se em 1 de janeiro de 2018 e terminou no dia 31 de dezembro de 2021. Neste âmbito, o Requerente referiu que entregou uma Declaração de Substituição em 31de outubro de 2021, por ter recebido um valor adicional relativo à venda das ações, tendo a AT validado essa Declaração de Substituição e efetuado a respetiva liquidação de imposto em 14 de dezembro de 2021. Atendendo a que posteriormente, a AT na sequência do processo de inspeção iniciado em 2022 relativo ao exercício de 2017, após ter aceite a Declaração de Substituição que deu lugar a uma nova liquidação de IRS em dezembro de 2021, a AT ao emitir uma nova liquidação adicional de imposto em 2022, fê-lo num momento em que já estava ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto do ano de 2017. E como tal, considera o Requerente que deve ser declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRS e juros n.º 2022... por ter caducado o direito à liquidação do imposto.
O Requerente arguiu ainda que a entidade competente para analisar a sua situação fiscal era a Unidade dos Grandes Contribuintes, sendo que os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ... não poderiam realizar os atos inspetivos, bem como o serviço de finanças de ... não deveria ter emitido os atos tributários notificados ao Requerente. Pelo que, de acordo com o Requerente, existe um vício de incompetência territorial, nomeadamente por ofensa às regras da distribuição de competência territorial entre os serviços desconcentrados da AT, designadamente da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do RCPITA e do n.º 1 da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro.
Quanto à desconsideração da mais-valia em 50% do seu valor pela AT, o Requerente manifestou a sua discordância arguindo o seguinte: (i) o certificado de PME é emitido pelo IAPMEI; (ii) o certificado de PME é prova bastante da qualificação das sociedades como micro e pequenas empresas; e (iii) o Requerente apresentou tal prova por diversas vezes. Pelo que, defende o Requerente que está correta a consideração do saldo da mais-valia em 50% do seu valor tal como havia sido declarado, não se devendo desconsiderar a certificação como micro e pequenas empresas das sociedades em causa.
O Requerente defendeu ainda que não existe qualquer relação de grupo empresarial entre as sociedades em causa que as permita desconsiderar como micro-pequenas empresas, bem como não são empresas associadas. O Requerente afirmou ainda que a D... é uma pequena empresa, cumprindo os requisitos exigíveis ao abrigo da legislação em vigor.
No que concerne à exigência de juros compensatórios pela AT, considera o Requerente que inexistindo uma fundamentação que explicite qual a culpa do Requerente, a liquidação de juros compensatórios não pode subsistir, sob pena de a AT poder cobrar juros compensatórios como se de uma liquidação pós declaração de contribuinte se trate, diminuindo de forma substancial os direitos dos contribuintes.
Por último, em sede do PPA a Requerente defendeu que tinha direito ao pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que houve um erro imputável aos Serviços no pagamento da dívida tributária superior ao montante devido.
1.3 – Posição da Requerida
Na sua resposta, a Requerida AT manifesta a sua discordância quanto à alegada caducidade do direito à liquidação, na medida em que alega que o facto tributário relevante e que levou à entrega de uma declaração de substituição de IRS para o ano de 2017 é o recebimento, no ano de 2020, de um outro valor adicional, a título de pagamento de preço diferido e condicionado no âmbito da venda das ações. Como tal, defende a AT que se o facto tributário ocorre no ano de 2020, a AT tinha até 31.12.2024 para exercer o seu direito à liquidação, sendo que o prazo de caducidade para tal exercício completar-se-ia em 31.12.2024.
Quanto à incompetência territorial dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de ..., a AT argumenta que a seleção dos contribuintes que devem ser acompanhados pela Unidade dos Grandes Contribuintes é determinada pela Diretora-geral da AT, sendo esses contribuintes notificados de que passam a ser acompanhadas por essa unidade orgânica, nos termos do artigo 3.º da Portaria n.º 130/2016, de 10 de maio, o que nunca ocorreu relativamente ao Requerente. Pelo que, concluiu a AT que a Direção de Finanças de ... era plenamente competente para realizar o procedimento de inspeção em causa.
No que concerne à desconsideração da qualificação das empresas como micro e pequenas empresas, a AT reforçou remetendo para o relatório de inspeção tributária que ficou comprovado no mesmo que as sociedades não devem ser consideradas micro ou pequenas empresas. Neste âmbito, referiu ainda a AT que assentar a tributação em IRS numa certificação não consentânea com a realidade factual é que seria efetivamente ilegal.
Quanto à qualificação como grupo empresarial, a AT refere que a mesma não foi indicada no relatório de inspeção e que ficou demonstrado que G... e A... detinham, juntos ou em conjunto com membros do seu agregado familiar, participações maioritárias em todas as sociedades alienadas. Acrescentou ainda a AT que quanto à relação entre a C... e a E... trata-se de empresas associadas que exercem as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado, não aceitando a AT a argumentação do Requerente de que existe um mercado para cada um dos tipos de louça comercializados.
Quanto à relação entre a C... e a F..., considera também a AT serem empresas associadas. Já quanto à D... não seria de considerar a mesma como uma micro pequena empresa, na medida em que o número de trabalhadores da empresa seria sempre superior a 50 e, consequentemente esta sociedade seria considerada uma média empresa.
A AT entende serem devidos os juros compensatórios pois a responsabilidade do Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas em sede de IRS, como consta do relatório de inspeção tributária e que a liquidação de juros compensatórios se encontra perfeitamente fundamentada, tendo a AT respeitado os requisitos do n.º 9 do artigo 35.º da LGT, porquanto, na demonstração da liquidação notificada ao Requerente dá-se a conhecer o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa aplicável e o período da sua contagem.
Por último, defendeu a AT que a liquidação controvertida está em absoluta conformidade com a lei, não ocorrendo qualquer vício que deva ditar a sua anulação. Pelo que, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios e terminou referindo não concordar com a produção de prova testemunhal, na medida em que as questões a dirimir, no essencial, são questões de direito e a prova é, necessariamente, documental, tendo solicitado que o Requerente indicasse os factos que pretendia ver provados que não sejam suscetíveis de prova documental.
2. Despacho saneador:
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não existem excepções ou nulidades de conhecimento oficioso ou alegadas pelas partes que devam ser resolvidas previamente à apreciação do mérito do processo.
3. Fundamentação de facto.
Considerando os articulados das partes, os documentos juntos, o processo administrativo junto pela AT e a prova produzida em reunião do artº. 18º.. do RJAT, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.
3.1 - Factos provados:
a) Os Requerentes foram notificados da Liquidação adicional de IRS com o n.º 2022..., e respetivos Juros Compensatórios, referentes ao ano de 2017, com o valor a pagar de € 1.066.195,39 (um milhão, sessenta e seis mil, cento e noventa e cinco euros e trinta e nove cêntimos) (provado pelo doc. Doc. 1 junto pelo requerente).
b) A notificação feita ao requerente foi-o apenas quanto à Demonstração de liquidação adicional e à Demonstração de liquidação de juros, não tendo sido, até à data da apresentação do PPA, notificados da Demonstração de acerto de contas e respetiva Nota de Cobrança, que, em 12 de dezembro de 2022, por consulta ao portal das finanças, obtiveram uma 2.ª via da Nota de Cobrança e que permitiu fazer o pagamento do imposto (provado pelo doc. 1 junto pelo requerente).
c) Do valor da liquidação foi paga em 22/12/2022 a quantia de 1.066.195,39, (provado pelo Doc. 2, junto com o PPA).
d) A data limite de pagamento indicada no acerto de contas era o dia 12 de Dezembro de 2022.
e) A liquidação de IRS ora impugnada diz respeito ao Sr. A... (NIF...), e à esposa, Sra. B... (NIF B...),
f) B... faleceu no dia 14 de agosto de 2021, no estado de casada (sob o regime da comunhão de adquiridos), conforme resulta de Escritura de Habilitação de Herdeiros, realizada no dia 17 de setembro de 2021, no Cartório Notarial de H..., tendo deixado como únicos herdeiros o seu marido A..., e as duas filhas do casal, I... e J... . (provado pelo doc. 3 junto com o PPA).
g) É cabeça-de-casal dessa herança, o ora Requerente marido, nos termos do artigo 2079.º do Código Civil, artigo 65.º da Lei Geral Tributária e artigo 9.º do CPPT.
h) Em 27 de abril de 2017, o Requerente marido vendeu acções de que era titular e representativas do capital social das seguintes sociedades:
-
C..., S.A., sociedade com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Alcobaça, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), doravante designada por “C...”;
-
D..., S.A., sociedade com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Alcobaça, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de €51.000,00 (cinquenta e um mil euros), doravante designada por “D...”;
-
E..., S.A., sociedade com sede Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de €51.000,00 (cinquenta e um mil euros), doravante designada por “E...”;
-
MF..., S.A., sociedade com sede Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com o capital social de €200.000,00 (duzentos mil euros), doravante designada por “F...”.
i) O objeto da venda foi o seguinte:
-
5100 (cinco mil e cem) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 50% (cinquenta por cento) capital social da C...;
-
7650 (sete mil seiscentas e cinquenta) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 75% (setenta e cinco por cento) do capital social da D...;
-
5100 (cinco mil e cem) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 50% (cinquenta por cento) do capital social da E...;
-
6000 (seis mil) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, representativas de 15% (quinze por cento) do capital social da F... .
Tudo, conforme a seguinte tabela de onde constam resumidamente as participações vendidas e respetivos valores de alienação:
Sociedade
|
Vendedor
|
N.º de ações
|
% de capital
|
Preço
|
C...
|
A...
|
5100
|
50%
|
4.062.901,83 €
|
D...
|
A...
|
7650
|
75%
|
2.101.750,34 €
|
E...
|
A...
|
5100
|
50%
|
284.100,77 €
|
F...
|
A...
|
6000
|
15%
|
150.000,00 €
|
|
|
|
TOTAL
|
6.598.752,94 €
|
J) Esse quadro resume os termos do Contrato de Compra e Venda de Ações, celebrado entre o Requerente e sua falecida esposa, outros vendedores e a entidade compradora das ações, nomeadamente, a K..., S.A., sociedade comercial com o NIPC..., e com sede na Rua..., ..., união de freguesias de ... e ..., concelho de ... (provados pelo doc. 4 junto com o PPA)
k) Na sequência da alienação das ações destas sociedades, no ano de 2018, os Requerentes apresentaram, a competente Declaração Modelo 3 de IRS, na qual incluiu a venda das ações realizada no ano de 2017 (acordo das partes e documento 6 junto com o PPA)
l) as sociedades referidas na al. i) encontravam-se certificadas pelo IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. (doravante apenas “IAPMEI”), como tratando-se de:
-
Pequenas empresas, as sociedades C..., E... e D...;
-
Microempresa, a sociedade F.... (provado pelo doc. 5 junto com o PPA)
m) Na declaração de rendimentos (IRS), o Requerente declarou que a as ações alienadas respeitavam a micro e pequenas empresas, o que, nos termos do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, fazia com que beneficiasse de uma exclusão de tributação de 50% da mais-valia obtida com a venda das referidas ações.
n) A 18 de junho de 2018, o Requerente foi notificado do Ofício da AT, datado de 6 de junho de 2018, no qual se informava que a Declaração de IRS de 2017 por si submetida (com o código identificador n.º...) fora selecionada para análise, por “necessidade de comprovação de micro ou pequena empresa cuja parte social ou valor mobiliário foi alienada” (provado pelo doc. 6 junto com o PPA).
o) O Requerente apresentou, através da plataforma e-balcão, os documentos comprovativos solicitados pela AT (provado por acordo das partes e RIT)
p) O ora requerente pagou o valor da Liquidação de IRS n.º 2018..., referente ao ano de 2017 (provado pelo doc. 7 junto com o PPA)
q) Em dezembro de 2018 foram iniciadas inspeções externas nas instalações da sociedade C... (provados pelos documentos 8, 9 e 10 juntos com o PPA).
r) As sociedades D... e E... também foram objeto de inspeções externas na mesma data, ao abrigo das quais foram emitidos os respetivos Relatórios de Inspeção (juntos sob os documentos 11 e 12 juntos com o PPA.
s) A cláusula 5 do Contrato de Compra e Venda de Ações, a que se refere a al. j), previa um mecanismo de revisão de preço, o qual foi acionado no ano de 2018 (provado pelo doc. 4 junto com o PPA).
t) Por verificadas as condições contratualmente fixadas, o Requerente recebeu em 2018 um valor adicional (preço) pela venda das ações, a título de pagamento de preço diferido e condicionado, no montante de € 642.089,04 (seiscentos e quarenta e dois mil e oitenta e nove euros e quatro cêntimos), o que levou o ora Requerente a apresentar uma Declaração de Substituição (IRS) referente ao ano de 2017, em 31 de janeiro de 2019, nos termos do artigo 44.º, n.º 7, do Código do IRS. (provado pelo doc. 13 junto com o PPA).
u) Em 1 de fevereiro de 2019, foi o ora Requerente notificado para a “exibição de documentos fiscalmente relevantes”, referentes ao IRS do ano de 2017, nomeadamente, a cópia do documento que titula a transmissão de partes sociais da C..., D..., E... e F..., bem como de documentos comprovativos da data e valor de aquisição das mesmas (provado pelo doc. 14 junto com o PPA)
v) No dia 19 de fevereiro de 2019, o Requerente enviou por e-mail os elementos informativos solicitados (provado pelo doc. 15 junto com o PPA).
x) Em 25 de fevereiro de 2019 foram solicitados, por e-mail, novos elementos, a saber: cópia do Acordo de Investimento e Parassocial (que é mencionado no contrato de compra e venda de ações) e o cálculo dos valores de realização constantes da Declaração de Substituição entregue em janeiro, ao que o respondeu em 11 de março de 2019, que não poderia enviar o Acordo de Investimento e Parassocial solicitado, devido às obrigações de confidencialidade que do mesmo constavam e a que se encontrava adstrito, tendo apresentado os elementos que justificavam a indicação dos novos valores de realização constantes da Declaração de Substituição (provado pelo doc. 16 junto com o PPA)).
y) Em 6 de março de 2019, o Requerente foi novamente notificado pelo Serviço de Finanças de ... de que a Declaração de IRS de 2017 fora uma vez mais selecionada para análise por “necessidade de comprovação de micro ou pequena empresa cuja parte social ou valor mobiliário foi alienada” (provado pelo doc. 17 junto com o PPA).
z) Em 15 de março de 2019, foi o ora requerente notificado de nova Liquidação de IRS, na sequência da Declaração de Substituição submetida em 31 de janeiro de 2019, com o n.º 2019..., com o valor de imposto a pagar de € 92.214,32, a pagar até 17/4/2019, tendo o mesmo sido pago nesta data (provado pelo doc. 18 junto com doc. 18 junto pelo requerente).
aa) Em 27 de março houve um novo pedido de elementos, cuja informação foi enviada em 6 de abril de 2019, com cópia de cheque de pagamento do preço diferido. (provado pelo documento 21 junto pelo requerente).
bb) Em 22 de abril de 2019, o Requerente recebeu nova notificação, agora ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., para exibição de documentos fiscalmente relevantes, insistindo-se no envio do Acordo de Investimento e Parassocial (provado pelo doc. 19 junto pelo requerente).
cc) O Requerente enviou o documento solicitado, em 2 de maio de 2019 (cf. Doc. 20, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
dd) Em data não concretamente apurada, o Requerente foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção, datado de 18 de julho de 2019, da Direção de Finanças de ... – Serviços de Inspeção Tributária (provado pelo doc. 22 junto pelo requerente).
ee) Consta do projecto de relatório referido na alínea anterior o seguinte:
“Em resultado da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2019..., respeitante ao período de 2017, foram apuradas as correções em sede de IRS, relativamente ao montante de mais valias declarado, no montante de €34.196,25, o qual é tributado apenas em 50%, sujeito à tributação autónoma à taxa de 28%, donde resulta imposto em falta no montante de €4.787,48.
“Os atos inspetivos credenciados pela OI2019..., com despacho de 16-4-2019, foram iniciados em 18-4-2019.”
“A ação de inspeção (…) tem o código de atividade (…) – controlo de mais valias, é de âmbito parcial nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 14.º do RCPITA, sendo a sua extensão ao período de 2017.” (provado ainda pelo doc. 22).
ff) Neste Projeto de Relatório de Inspeção reconhece-se expressamente que “foi apurada correção à matéria coletável (…) que será tributada apenas em 50% (tendo em conta que estamos perante transmissão de ações de uma pequena empresa – art. 43.º, n.º 3 do CIRS), à qual se aplica a taxa de 28% (…).” (Provado ainda pelo documento 22 junto pelo requerente).
gg) Dessa inspeção resultou um valor adicional de imposto a pagar (IRS), mas devido a um lapso de declaração do ora Requerente na consideração dos valores de aquisição de algumas ações alienadas, o que ele reconheceu, e, portanto, pagou voluntariamente o imposto em falta apurado, assim como solicitou redução de coima, em 6 de agosto de 2019 (provado pelo documento 23 junto pelo requerente).
hh) Posteriormente, o Requerente foi notificado do Relatório de Inspeção final, datado de 21 de agosto de 2019, que nada alterou quanto ao respetivo Projeto (provado pelo doc. 24 junto pelo requerente).
ii) Em 16 de setembro de 2019, foi o Requerente notificado pelo Serviço de Finanças de ..., alegando nova “necessidade de comprovação de micro ou pequena empresa cuja parte social ou valor mobiliário foi alienada” (provado pelo doc. 25 junto pelo requerente).
jj) A resposta foi apresentada pelo Requerente através do Portal das finanças, em 23 de setembro de 2019 (provado por acordo das partes e RIT).
kk) Em 1 de março de 2021, foi o Requerente notificado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., agora ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2020... (cf. Doc. 26, que havia sido iniciado um novo procedimento interno de inspeção e solicitava-se, em conformidade, cópia do contrato ou outro documento suporte da entrada de nova sociedade no capital social da sociedade K..., S.A., NIF..., ocorrida em abril de 2017, pedido esse que foi satisfeito pelo Requerente (provado pelo documento 26 junto pelo Requerente)
ll) Em 19 de março de 2021 foi o ora Requerente notificado de novo Projeto de Relatório de Inspeção. (Provado pelo documento 27 junto pelo requerente).
mm) De acordo com o Projeto de Relatório de Inspeção, referido na alínea anterior, o procedimento inspetivo fora qualificado como interno e motivado pelo facto de ter sido declarada a alienação de micro ou pequena entidade, tratando-se, portanto, de uma inspeção exatamente com o mesmo âmbito, o mesmo objeto, o mesmo imposto, o mesmo período temporal e os mesmos rendimentos. (Provado ainda pelo documento 27 junto pelo requerente).
nn) Neste Projeto de Relatório foi desconsiderada a qualificação das empresas C..., E..., F... e D... como micro e pequenas empresas e, consequentemente, determinada a tributação sobre a totalidade da mais-valia, em lugar de sobre 50% (cinquenta por cento) da mesma. (Provado ainda pelo documento 27 junto pelo requerente
oo) O ora Requerente apresentou requerimento de Audição Prévia, mas foi notificado do Relatório de Inspeção final datado de 23 de abril de 2021 (Provado pelos documentos 28 e 29 juntos pelo requerente).
pp) Em consequência, foram emitidas liquidação adicional de IRS com o n.º 2021..., demonstração de liquidação de juros com o n.º 2021... e demonstração de acerto de contas com o n.º 2021..., com um montante total a pagar de € 1.014.274,47 (um milhão e catorze mil, duzentos e setenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), com prazo até 29 de junho de 2021 (provado pelo doc. 30 junto pelo requerente)
qq) Contra essa liquidação deduziu o ora requerente, de forma tempestiva, um Pedido de Pronúncia Arbitral, junto do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, no dia 27 de setembro de 2021, que correu termos sob o Processo n.º 619/2021-T (Provado pelo documento 31 junto pelo Requerente)
rr) No ano de 2020, o ora Requerente voltou a receber um outro valor adicional, a título de pagamento de preço diferido e condicionado no âmbito da venda das ações das supra identificadas sociedades, pelo que procedeu à apresentação de uma nova Declaração de Substituição (IRS), referente ao ano de 2017 ao abrigo do disposto no artigo 44.º, n.º 7, do Código do IRS, em 31 de outubro de 2021. (Provado pelo documento 32 junto pelo requerente).
ss) A entrega da referida Declaração de Substituição originou, de imediato, a emissão da Liquidação de IRS referente ao ano de 2017, com o n.º 2021..., com data de 14 de dezembro de 2021, da qual resultava um valor a reembolsar ao Requerente (provado pelo documento 33 junto pelo Requerente).
tt) Através de requerimento apresentado no dia 7 de abril de 2022, o Requerente informou os autos de Processo Arbitral que, em consequência da apresentação de nova Declaração de Substituição para o ano de 2017 (uma vez que o sujeito passivo havia recebido um valor adicional), e emissão de uma nova liquidação de imposto (IRS) para o mesmo ano, a liquidação oficiosa de IRS n.º 2021..., objeto do Pedido Arbitral pendente, fora então revogada pela AT, ficando dessa forma o Pedido de pronúncia arbitral desprovido de objeto, pelo requereu ao Tribunal Arbitral decisão no sentido da inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos referidos termos (provado pelo doc. 34 junto pelo Requerente).
uu) Por ofício de 11 de abril de 2022, foi o Requerente informado que a AT iniciara um novo procedimento inspetivo a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de âmbito parcial e de natureza interna, respeitante ainda ao IRS do ano de 2017 (provado pelo doc. 35 junto pelo Requerente),
vv) Face a tal notificação, no dia 28 de abril de 2022, o Requerente apresentou um segundo requerimento junto dos autos de Processo Arbitral pendente, no qual informou o Tribunal Arbitral de que a AT iniciara um novo procedimento inspetivo interno, relativo ao IRS do ano 2017. (provado pelo doc. 36 junto pelo Requerente).
xx) Em resposta ao requerimento apresentado pelo Requerente em sede arbitral, a AT pronunciou-se através de requerimento apresentado no dia 4 de maio de 2022, onde conclui que nada tem a opor a respeito da inutilidade superveniente da lide, atento o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, referente a IRS do ano de 2017 (provado pelo doc. 37 junto pelo Requerente).
yy) No dia 6 de junho de 2022, foi proferida Decisão Arbitral, no âmbito do Processo Arbitral n.º 619/2021-T, tendo o Tribunal Arbitral decidido nos seguintes termos (conforme consta do Sumário da decisão): “Tendo o acto tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral deixado de existir na ordem jurídica já na pendência do processo arbitral, ocorre a impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto de litígio, que constitui causa de extinção da instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC.” (provado pelo doc. 38 junto pelo Requerente)
zz) Em setembro de 2022, o Requerente é notificado do terceiro Projeto de Relatório de Inspeção, da Direção de Finanças de ... – Serviços de Inspeção Tributária (datado de 9 de setembro), e referente ao terceiro procedimento inspetivo iniciado pela AT, podendo ler-se no mesmo, o seguinte:
“Propõem-se correções meramente aritméticas ao rendimento líquido da categoria G do IRS, no ano de 2017, nos seguintes montantes em euros:
A esta correção não corresponde qualquer correção ao rendimento coletável, dado que o sujeito passivo não optou pelo englobamento destes rendimentos. Os referidos rendimentos foram sujeitos à taxa especial de 28% definida no art.º 72 n.º 1 al. c) do CIRS.
Teremos assim a seguinte correção ao imposto apurado (IRS):
II. Objetivos, âmbito, extensão e duração da ação de inspeção
A presente ação de inspeção tinha como principal objetivo a correção da consideração como micro e pequena empresa, de um conjunto de sociedades alienadas no ano de 2017.
II.1. Credencial, motivo, âmbito e incidência temporal
A presente ação de inspeção foi executada com base na Ordem de Serviço Interna n.º OI2022... datada de 01 de abril de 2022, foi motivada por ter sido inicialmente declarada alienação de micro ou pequenas sociedades, tendo tal opção sido retificada pela inspeção tributária, tendo novamente sido considerada micro ou pequenas sociedades, em nova liquidação efetuada no final de 2021 após entrega de Mod. 3 pelo SP. A presente ação é de âmbito parcial, referente a IRS e abrange o exercício de 2017.” (negrito e sublinhado nossos; (provado pelo doc. 39 junto pelo Requerente)
aaa) As correções resultantes da inspeção fundavam-se, uma vez mais, na desconsideração da qualificação das empresas C..., E..., F... e D... como micro e pequenas empresas, determinando-se, em consequência, a tributação em sede de IRS sobre a totalidade da mais-valia (e não sobre 50% da mesma), afirmando-se no Projeto de Relatório, sob o ponto “III. Informações complementares”, que “A liquidação alvo da presente correção foi efetuada sobre declaração entregue ao abrigo do prazo especial estabelecido no n.º 7 do artigo 44.º do CIRS, entregue em 31 de outubro de 2021 e liquidada em 14 de dezembro de 2021” (provado ainda pelo doc. 39 junto pelo Requerente).
bbb) Após o decurso do prazo de audição prévia concedida ao requerente, foi este notificado do Relatório de Inspeção final, datado de 30 de setembro de 2022, que nada alterou o Projeto de Relatório de Inspeção anteriormente notificado, referindo-se que “O sujeito passivo não exerceu o direito de audição, pelo que são convoladas em definitivas as correções propostas, meramente aritméticas, ao rendimento líquido da categoria G do IRS, no ano de 2017 (...)” (Provado pelo doc. 40 junto pelo requerente).
ccc) Em 7 de novembro de 2022, foi o ora Requerente notificado da liquidação adicional de IRS/2017 e Juros com o n.º 2022..., decorrente do procedimento inspetivo sob a Ordem de Serviço n.º OI2022..., com data limite de pagamento de 12 de Dezembro de 2022, nos termos referidos na als. a) e b) destes factos provados.
ddd) Nos termos do contrato de compra e venda de acções referido na al. j), o preço seria pago por 4 vezes, sendo a primeira na data da assinatura do contrato (cláusula 4ª), a segunda a título de pagamento diferido condicionado (cláusula 5ª.), a terceira a título de earnout (cláusula 6ª.) e a quarta como pagamento adicional (cláusula 7ª.), sendo que todos os pagamentos seriam considerados ajustamentos do preço. (provado pelo doc.4 junto com o PPA)
eee) O Requerente apresentou a 8-03-2023, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão do presente pedido
3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e das respostas que lhe sucederam, bem como da prova produzida em sede de inquirição,
Não foram considerados provados os factos que levaram à desconsideração da qualificação das empresas, pois que não foram alegados pela AT, uma vez que, apesar de constarem do relatório da Inspecção Tributária, não é referida a forma da sua determinação, nomeadamente quanto a empregados das sociedades, sendo que a inspecção é interna e nenhuma prova adicional foi produzida para os demonstrar.
4. Matéria de direito
4.1 - Questões a resolver:
Como questões a resolver, temos as seguintes:
- a alegada caducidade do direito de liquidação;
- da alegada Incompetência Territorial dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção e Finanças de ...;
- da qualificação das sociedades, cujas acções foram objecto de contrato de compra e venda como Micro e Pequenas Empresas.
- da eventual qualificação das ditas sociedades como “grupo empresarial”.
- da eventual devolução da quantia paga, acrescida ou não de juros compensatórios.
4.2 – Da eventual caducidade do direito de liquidação:
1. Começamos pela eventual caducidade do direito de liquidação por parte da AT, pois que, de entre os vícios invocados, a eventual procedência dessa caducidade do direito de liquidação adicional é a decisão que conduz a uma mais estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente alegadamente ofendidos pela AT.- Cfr, artº. 125º., nº. 2, al. a) do CPPT
Nos termos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT, “[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, sendo que nos termos do n.º 4 daquele mesmo artigo se prevê que “[o] prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.
Não existe no CIRS uma norma sobre período de tributação, embora por comodidade ou do contribuinte ou a administração fiscal, havendo englobamento ele seja calculado de forma unitária relativo a cada período.
Tem sido entendido que a liquidação de impostos periódicos, como o IRS e o IRC, ainda que adicionalmente só podem efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária, pelo que se aplica o prazo geral de caducidade de 4 anos.
É este o entendimento defendido na jurisprudência arbitral, citando-se a mero título de exemplo o acórdão arbitral proferido em 13 de Outubro de 2023, no âmbito do processo n.º 746/2022-T, que tem o seguinte sumário:
“Nos impostos periódicos, como o IRC, o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT começa a contar a partir do termo do ano fiscal, ou seja, do último dia do período de tributação relevante, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo. O conceito de “termo do ano” neste preceito refere-se ao termo do ano fiscal, e não ao termo do ano civil.”.
No presente caso, estamos perante uma liquidação adicional de um imposto que nada tem a ver com o resultado económico de um certo período fiscal, mas é um acto instantâneo, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação corre a partir da data em que o mesmo se realiza.
Neste sentido é o Ac. do Pleno da Secção Tributária do STA de 16/9/2015, proferido no processo 01292/14, publicitado em https://www.dgsi.pt/jsta, citado até pela AT na sua resposta, onde se decidiu:
I - O Código do IRS estabelece, de forma clara e expressa, que constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais, e que tais ganhos se consideram obtidos no momento da alienação - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. E sendo o ganho apurado nesse preciso momento – pela diferença entre o valor de realização e o de aquisição do bem transmitido – as mais-valias não podem deixar de reportar-se a cada ganho de per si.
No texto desse acórdão escreve-se o seguinte:
Como se sabe, os acréscimos patrimoniais que o Código do IRS considera como mais-valias tributáveis na Categoria G correspondem, essencialmente, a ganhos resultantes de uma valorização de bens (os denominados “ganhos trazidos pelo vento” ou windfall gains no dizer anglo-saxónico), cujo tratamento fiscal na legislação portuguesa contém muitas especificidades, desde logo face à opção, por parte do legislador, de apenas tributar as mais-valias no momento da realização (o que contradiz a teoria do rendimento-acréscimo, que caso fosse adoptada implicaria que fossem sujeitas a tributação todas as valorizações patrimoniais ocorridas, quer fossem ou não realizadas).
Com efeito, em matéria de incidência de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o Código do IRS estabelece que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e determina que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação” - artigo 10º, nº 1, al. b), e nsº 3 e 4. Isto é, estabelece, de forma clara e inequívoca, que os incrementos patrimoniais ou ganhos derivados da alienação onerosa de partes sociais, que se consubstanciam na diferença entre o valor da aquisição e o valor de realização desses bens, constituem mais-valias que se consideram obtidas no momento da alienação.
Por conseguinte, as mais-valias surgem logo que o valor arrecadado pelo respectivo titular/transmitente é superior ao valor pelo qual adquirira o bem, isto é, logo que ocorre a alienação e é alcançado o inerente ganho. O que quer dizer que é neste ganho, obtido no momento da alienação, que reside o facto tributário gerador das mais-valias. E sendo o ganho medido pela diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e, por conseguinte, avaliado em cada concreto acto de alienação, torna-se claro que a mais-valia se reporta a cada ganho de per si.
Razão por que, com o devido e enorme respeito por todos aqueles que advogam e subscrevem a tese que obteve acolhimento na decisão arbitral recorrida, consideramos que o facto tributário se reporta ao momento em que se realizam as mais-valias, ou, por outras palavras, o facto tributário que as origina e conforma nasce e esgota-se no preciso momento (autónomo e completo) da alienação e coetânea realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo, e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano.
É certo que as mais-valias, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, são declaradas anualmente (art. 57º do CIRS) e que o rendimento colectável anual do sujeito passivo corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (art. 43º nº 1 do CIRS). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não tem a virtualidade de alterar ou transmutar a natureza dos factos tributários subjacentes. O que daí pode concluir-se é, apenas, que as mais-valias e as menos-valias alcançadas durante o mesmo ano são declaradas num único momento - na declaração anual de IRS - e que ambas concorrem para o apuramento do saldo final que vai servir para determinar e quantificar o rendimento anual sujeito a tributação em IRS.
Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os actos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento colectável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento colectável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. (As normas de incidência real do IRS são as que constam dos artigos 1º a 12º do Código do IRS, reportadas a factos abstratos que podem ocorrer, em concreto, na esfera jurídica dos sujeitos passivos, tal como identificados nas normas de incidência pessoal contidas nos artigos 13º a 21º do mesmo Código.) E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respectiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento colectável.
Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento colectável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada acto de alienação dos bens mobiliários em questão.
E o facto de o IRS ser um imposto de natureza periódica não inviabiliza que seja composto por rendimentos de formação instantânea e por rendimentos de formação sucessiva.
Também é este o nosso entendimento.
Razão pela qual, ao contrário do defendido pela AT, entendemos que a data a partir da qual se devem contar os 4 anos da caducidade não é o dia 1/1/2018, mas sim o dia 27/4/2017, data em que foi celebrado o contrato de compra e venda de acções, considerado provado nas alíneas h), i) e j) dos factos provados.
Por isso,
O prazo de caducidade de liquidação adicional teria terminado em 27/4/2021.
2. Entende a AT que assim não é, porque em 2021 fora apresentada pelo requerente uma declaração de substituição relativamente às quantias recebidas a título de ajustamento do preço em 2020, ao abrigo do disposto no artº. 44º., nº. 7 do CIRS. - Cfr. als. rr) e ss) dos factos provados.
Porém, reafirmando que o facto tributário é o contrato de compra e venda das acções realizado em 2017, a declaração de substituição então apresentada, tal como as anteriores declarações de substituição, substitui a declaração de rendimentos de 2017 e não a do ano em que foram recebidos os rendimentos.
Aliás, tal acontece, porque se terá de calcular novo valor das mais valias, ajustando o valor de realização e mantendo intactos todos os anteriores valores, nomeadamente de aquisição, que não sofrerá qualquer nova actualização.
Por isso, todas as liquidações subsequentes às declarações de substituição têm valores calculados segundo as taxas de IRS vigentes em 2017, não tendo o Requerente impugnado qualquer dessas liquidações e tendo-as pago integralmente, como resulta da matéria de facto considerada provada.
Essas declarações não constituem factos novos, pois que são a liquidação de valores correspondentes a preço já previsto no próprio contrato – facto tributário gerador das mais valias – como resulta da alínea ddd) dos factos provados.
3. Do mesmo modo, não deve considerar-se a suspensão da caducidade resultante da inspecção externa ao ora Requerente feita anteriormente e de que resultou uma liquidação, entretanto, revogada, pois que a inspecção tributária feita ao requerente e que motivou a liquidação ora impugnada foi uma inspecção interna, como consta do facto provado uu) e só essa deve ser considerada.
Em todo o caso, por mero exercício de raciocínio, ainda que tal devesse ser considerado, estendendo o prazo da caducidade do direito de liquidação por mais 288 dias – não é muito perceptível onde é que a AT foi buscar este número -, como pretende a AT, então o prazo de caducidade terminaria em 31/1/2022 e o ora requerente só foi notificado da liquidação impugnada em 7/11/2022, largamente para além do prazo legal de caducidade do direito de liquidação.
4. Acresce que nesta última liquidação, retomando uma teoria já expressa em anteriores relatórios da inspecção tributária, desconsiderou a classificação das sociedades a que diziam respeito as acções objecto de compra e venda como micro e pequenas empresas e veio a liquidar adicionalmente IRS ao Requerente, mesmo relativamente às quantias que ele comprovadamente recebeu em Abril de 2017.
Aliás, porque tinha consciência de que esse direito de liquidação adicional de IRS relativamente ao requerente e resultante da compra e venda de acções ocorrida em 27 de Abril de 2024, que no processo arbitral referido em qq) dos factos provados – o processo 619/2021-T -, os representantes da AT vieram informar o tribunal que “nada tem a opor a respeito da inutilidade superveniente da lide, atento o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, referente a IRS do ano de 2017”.
Porém, nos presentes autos, já vem a AT defender tese diversa em incoerência com o que anteriormente informara o tribunal.
5. Face ao exposto e tendo por base o disposto no artº. 45º., n.ºs 1 e 4 da LGT, procede a arguição feita pelo Requerente de que caducara o direito de liquidação da AT relativamente aos valores recebidos por força do contrato de compra e venda de acções realizado em 27 de Abril de 2017, pelo que se anula a liquidação ora impugnada com fundamento em vício de lei, por ter caducado já o direito de liquidação ao requerente dos valores das mais valias para ele derivadas do contrato de compra e venda de acções referida nas alíneas h), i) e J9 dos factos provados.
6. Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento dos vícios restantes invocados pelo Requerente, ou seja, da alegada Incompetência Territorial dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção e Finanças de ..., da incorreta qualificação pela AT das sociedades, cujas acções foram objecto de contrato de compra e venda como Micro e Pequenas Empresas e ainda da eventual qualificação das ditas sociedades como “grupo empresarial”.
4.3. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.
Conforme vem provado na al. c) dos factos provados, a requerente procedeu ao pagamento atempado da quantia de € 1066195,39.
E esse o valor que o requerente também peticiona como devendo ser-lhe devolvido em consequência da procedência do presente PPA.
Além da restituição dessa quantia já paga por força da anulação das respectivas liquidações, pede ainda o requerente a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento do imposto liquidado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o vício que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT.
Com efeito, face à evidente caducidade do direito de liquidação adicional de que resultou a ilegalidade da liquidação adicional ora impugnada, como se demonstrou no ponto anterior da presente decisão, vício esse que a AT tinha clara consciência conforme o requerimento apresentado noutro processo, não pode deixar de concluir-se que a liquidação ora anulada é ilegal por erro claramente imputável aos serviços, em violação da lei.
Por isso, tem o requerente direito tem o ora a requerente direito não só à devolução do imposto pago, mas também ao recebimento dos juros indemnizatórios do facto de ter feito esse pagamento indevido.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao proceder à liquidação adicional de IRS ora anulada, pelo que deve pagar ao Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga indevidamente, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.
7. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
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anular a liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e Juros Compensatórios, com o n.º 2022..., referente ao ano de 2017, no valor de € 2.144.659,59.
b) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto pago e relativo a essas notas de liquidação anuladas, no valor de € 1.066.195,39, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento dessa quantia, até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.144.659,59, nos termos do despacho proferido nos presentes autos, em 18/09/2023.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 27.846,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
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Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 29-4-2024
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
Árbitro Vogal e Relator
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
Vogal
(Sónia Martins Reis)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.