Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 92/2023-T
Data da decisão: 2024-04-24  IRS  
Valor do pedido: € 25.681,45
Tema: IRS. Residente não habitual (RNH). Rendimentos de Capitais obtidos no estrangeiro devidos por entidades sujeitas a regime fiscal claramente mais favorável. Rendimentos expressos em moeda sem curso legal em Portugal. Art.ºs 81.º, n.º 5, 72.º/12 al. a) e 23.º do CIRS.
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SUMÁRIO:

1) O sujeito passivo que seja considerado Residente não habitual (RNH) não beneficia de isenção de tributação em IRS de rendimentos obtidos no estrangeiro de Estado da Fonte constante da lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13.02 (v. art.º 81.º/5, al. b) do CIRS); 2) Os rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, Categoria E, devidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português e domiciliadas em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável (cfr. Portaria) estão sujeitos a IRS à taxa especial de 35% (v. art.º 72.º/12, al. a) do CIRS na redacção aplicável); 3) É conforme à lei a Liquidação que deu cumprimento a tais dispositivos legais, ao tributar o SP RNH que auferiu no estrangeiro rendimentos de capitais, Cat. E, de países constantes da lista da Portaria, tributando-os (à taxa de 35%); 4) A equivalência dos rendimentos fixados em moeda sem curso legal em Portugal segue as regras do art.º 23.º; 5) A determinação do valor de aquisição a título oneroso de partes sociais e outros valores mobiliários, para efeitos de apuramento do rendimento colectável nos rendimentos da Cat. G, segue as regras do art.º 48.º; 6) O dever de fundamentação do acto cumpre-se se o autor deu a conhecer as razões em que fundou a sua actuação de modo compreensível a um destinatário normal na situação.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., doravante designado por “Requerente”, “Sujeito Passivo” ou simplesmente “SP”, contribuinte fiscal português n.º..., com domicílio fiscal em ..., ..., ..., Bahamas, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2017.

 

A liquidação em crise, com o n.º 2021..., e data de 19.03.2021, e correspectiva liquidação de juros compensatórios, de 24.03.2021 (doravante em conjunto “a Liquidação”), estão na origem da Demonstração de acerto de contas n.º 2021..., de 24.03.2021, em que foi apurado um montante total a pagar de € 25.681,45.

 

A Liquidação foi efectuada após apresentação da Declaração Modelo 3 pelo Requerente. E de uma primeira liquidação na qual se apurava um montante de imposto a pagar de € 42.895,79. Tendo depois a Autoridade Tributária e Aduaneira considerado verificar-se divergência na Declaração relativamente a rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Na Declaração Modelo 3, que apresentou a 28.05.2018, o Requerente declarou, entre outros, rendimentos de Capitais (Cat. E) e incrementos patrimoniais (Cat. G) auferidos fora do território português. E, detectada a divergência, foi-lhe solicitado apresentar documentação de suporte para verificação e confirmação dos elementos declarados nos Quadros 8A e 9.2 do Anexo J.

 

Apresentou documentos. Foi depois notificado de projecto de decisão de correcções. Exerceu o direito de audição prévia e foi, após, notificado de decisão final de alteração dos elementos declarados naqueles Quadros.

 

Notificado da Liquidação emitida na sequência, procedeu ao pagamento.

 

Não se conforma com a Liquidação, e apresentou Reclamação Graciosa (RG), entretanto expressamente indeferida, e Recurso Hierárquico (RH), tacitamente indeferido. Requer agora ao Tribunal seja apreciada a legalidade da Liquidação (rectius a legalidade do acto de terceiro grau, e da Liquidação).

 

Segundo defende, a Liquidação vem ferida de vício de forma, por falta de fundamentação das correcções. E, ainda, de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito. A saber, por (i) “errada requalificação e consequente tributação dos juros”, (ii) “erro na aplicação das taxas de câmbio na conversão dos rendimentos de capitais e incrementos patrimoniais declarados”, e (iii) “ilegalidade dos juros compensatórios liquidados em consequência da ilegalidade da liquidação de imposto” ou “por falta de preenchimento dos pressupostos legais previstos no art.º 35.º da LGT”.

 

Nestes termos e segundo defende, os actos subjacentes ao indeferimento do RH enfermam de vício de forma por violação dos art.ºs 268.º, n.º 3 da CRP, 77.º da LGT e 66.º do CIRS.

 

Já quanto à “errada requalificação e consequente tributação dos juros auferidos” (v. 26.º, ii) do PPA) infere-se da decisão final de correcções, refere, que os Serviços “não aceitaram a qualificação dos juros auferidos pelo Requerente das notes emitidas pela B... A.S. como rendimentos de capitais”. “Tendo procedido à sua requalificação como outros rendimentos obtidos no estrangeiro e à sua tributação à taxa de 28%”.

 

Os Serviços da Administração Tributária “não fundamentaram de forma alguma a requalificação dos referidos juros”. Mais, nos rendimentos que declarou não há qualquer incorrecção. Pelo que discorda “do entendimento perfilhado pela Administração Tributária”.

 

Estamos perante um instrumento de dívida - as referidas notes -, com funcionamento idêntico ao das obrigações, e a particularidade de a taxa de juro ser indexada a índices de mercado. A qualificação das notes como títulos de dívida resulta, desde logo, dos documentos bancários de suporte. Onde os rendimentos delas advenientes são qualificados como “interest income” ou “foreign bond interest”, ou seja, como juros. Expõe.

 

Consequentemente, “as notes emitidas pela B... A.S. correspondem a títulos de dívida análogos a obrigações” e os respectivos juros qualificam como rendimentos de capitais à luz do art.º 5.º, n.º 1 e n.º 2 al. c) do CIRS. Defende.

Acrescenta que os juros auferidos das referidas notes se qualificam também como juros para efeitos do art.º 11.º, n.º 4 da CDT República da Turquia-PT.

 

Reitera haver falta de fundamentação - no projecto de correcções e na respectiva decisão final - por não evidenciadas as razões que levaram a AT a decidir pela requalificação dos rendimentos auferidos daquelas notes. Trata-se de rendimentos de capital, Categoria E do IRS, pelo que deviam ter sido isentos ao abrigo do art.º 81.º, n.º 5 do CIRS.

 

Quanto, por sua vez, ao “erro na aplicação das taxas de câmbio na conversão dos rendimentos de capitais e incrementos patrimoniais declarados”, ocorreu o mesmo “em violação do disposto no art.º 23.º, n.º 1 da al. c) do CIRS” (v. 26.º, iii) do PPA).

 

Os rendimentos de capitais e os incrementos patrimoniais declarados no Anexo J têm valores fixados em moeda sem curso legal em Portugal e, segundo entende, os Serviços da AT “aplicaram erradamente as taxas de câmbio para conversão desses valores”. Sendo rendimentos suportados em documentos bancários, refere, é aplicável o disposto no art.º 23.º do CIRS. Donde, a equivalência deve ser determinada pela cotação oficial da divisa.

 

As datas que os Serviços consideraram relevantes para este efeito, da conversão dos rendimentos declarados, “não têm qualquer suporte legal e resultam de um manifesto erro”.

 

Na conversão dos rendimentos de capitais, houve erro ao não aplicar as taxas de câmbio à data da realização (“execution date”, nos documentos bancários de suporte).

 

Nos incrementos patrimoniais, “obtidos fora do território português com a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”, por sua vez, “a conversão do valor de realização e do valor de aquisição deve ser efectuada de acordo com a taxa de câmbio à data da realização e da aquisição, respectivamente”. Sendo que, quanto à data dos valores de aquisição subjacentes os Serviços aplicaram, erradamente, a taxa de câmbio correspondente à data de realização, e não de compra, afirma. Limitaram-se aos dados constantes do documento C... AG - “Report for Tax Purposes”, Capítulo 7, em que, expõe, a conversão para euros dos valores de aquisição tem por referência a taxa de câmbio à data de realização.

 

Conclui que, face à correcta utilização das taxas de câmbio na conversão dos rendimentos aquando da sua Declaração, inexiste fundamento para as correcções aos valores declarados, e para a emissão dos actos tributários em crise. Foi assim violado o art.º 23.º, n.º 1, al. c) do CIRS, e impõe-se a anulação da Liquidação.

 

Por fim, quanto à liquidação de juros compensatórios convoca os art.ºs 35.º, n.º 1 e 100.º da LGT, refere que, reconhecida a invalidade da liquidação de imposto, se despoleta a invalidade da liquidação de juros compensatórios, e conclui: “Em consequência, uma vez anulada a liquidação de imposto, não poderá deixar de ser reconhecida a ilegalidade da correspectiva liquidação de juros compensatórios”.

 

Não se conforma com a Liquidação, pelo que vem agora peticionar: (i) a anulação, por ilegal, do indeferimento do RH, (ii) a anulação da Liquidação (liquidação de juros compensatórios incluída), e (iii) a devolução das quantias pagas mais juros indemnizatórios.

 

As posições das Partes são divergentes, antes de mais, quanto à identificação do conteúdo do acto tributário em crise. Como melhor veremos.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 16.02.2023 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou árbitro do Tribunal Arbitral que aceitou o encargo, e por comunicação de 06.04.2019 as Partes foram notificadas da designação não tendo manifestado intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 24.04.2023.

 

O árbitro designado apresentou renúncia às funções, e o Conselho Deontológico designou a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo. E por despacho de 27.04.2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi determinada, nos termos do art.º 6.º, n.º 5 do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária, a substituição como árbitro pela ora signatária.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta. Pugna pela improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) e pela manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

Quanto ao quadro factual, remete para a informação na base do despacho de manutenção do acto, percorrendo o seu conteúdo. Entre o mais: “Quanto aos rendimentos gerados pelas notes emitidas pela B... A.S. (...) o recorrente alega que a AT não aceitou a qualificação destes rendimentos como “rendimentos de capitais” (código E21 do anexo J da modelo 3), tendo procedido à sua requalificação como “outros rendimentos de capitais sem retenção” (código E22 do anexo J, da modelo 3 de IRS). 11. Alega, então, que estes instrumentos correspondem a títulos de dívida análogos a obrigações, pelo que os juros com os mesmos auferidos configuram rendimentos de capitais enquadráveis na alínea c), do n.º 2 e no n.º 1 do artigo 5.º do CIRS. 12. Nesta qualidade, estes rendimentos estão isentos de IRS ao abrigo do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS. 13. Pelo contrário, ao serem qualificados como “outros rendimentos de capitais”, os rendimentos em questão não estão abrangidos por esta isenção, estando sujeitos à taxa de 28%. (...)”.

 

Explica-se ainda, na continuação, entre o mais, esses rendimentos corresponderem ao constante da linha 827 do Anexo J da Declaração Mod. 3. E que, entre os valores aí declarados e os valores tal como corrigidos após exercício do direito de audição há apenas uma diferença: o Rendimento Bruto, que havia sido declarado em € 15.771,38, passou a € 15.868,32. Tudo o mais se mantendo como declarado inicialmente (Código do Rendimento e País da Fonte).

Mais que do Quadro 8A apenas foram tributados os rendimentos com origem em países com regime fiscal claramente mais favorável. E sujeitos à taxa de 35%.

 

Os restantes rendimentos, refere-se, não foram objecto de tributação. Por abrangidos pela isenção prevista para os RNH.

 

Os rendimentos cuja tributação o Requerente vem contestar seguiram a qualificação atribuída pelo próprio, foram corrigidos atenta a documentação facultada pelo mesmo, e não chegaram, sequer, a ser tributados. Por estarem isentos de IRS.

 

Identificam-se os rendimentos que foram tributados e os que foram considerados isentos, e seus valores, e conclui-se que os rendimentos de capitais declarados na linha 827 no valor de € 15.771,38, alterados na Liquidação para o valor de € 15.868,32, foram considerados isentos. Pelo que falecem os argumentos do Requerente.

 

Depois, no alegado pelo Requerente quanto a taxas de câmbio, refere que nos rendimentos de capitais, à excepção dos das linhas 803, 811, 812, 814, 817, 821 e 827 (Quadro 8), os valores tidos em consideração na declaração oficiosa, e na Liquidação daí originada, correspondem aos inicialmente declarados. E que na Liquidação só foram considerados os valores provenientes de países com regime fiscal claramente mais favorável, tendo os demais ficado isentos.

 

Assim, que só foram considerados, na Liquidação, os rendimentos das linhas 803, 824 e 828. Referentes, respectivamente, a rendimentos provenientes das Bermudas, Caimão e Libéria. E que os respectivos valores considerados correspondem aos apresentados pelo Requerente. À excepção do da linha 803 (ref. Bermudas) em que o Requerente apresentara o valor de € 3.732,65 e o valor foi corrigido pelos Serviços para € 3.728,38, assim para menos.

 

Quanto a taxas de câmbio nas mais-valias, os valores de realização e os de aquisição, e a natureza dos rendimentos, foram considerados tendo por base o declarado pelo Requerente nas linhas 960 a 963 (Quadro 9.2-A). E só nos declarados nas linhas 951 a 959 foi feita alteração. Alteração esta baseada, refere, nos documentos emitidos pela entidade competente C... AG (Suíça).

 

Estes valores são considerados de acordo com os elementos comunicados pela dita entidade, nota. Conforme fundamentação da decisão final em sede de divergências, a correcção dos valores de aquisição fez-se conforme documentação bancária apresentada pelo Requerente.

 

Por fim, quanto ao dever de fundamentação, e segundo entende, as correcções estão devidamente fundamentadas no ofício para audição prévia, e no despacho que as determinou. Além do mais, refere que destes documentos se retiram os elementos de facto e de direito que as fundamentaram.

 

A Liquidação é legal, e o pedido deve improceder.

 

Por despacho de 04.07.2023 decidiu o Tribunal notificar: (i) o Requerente para vir aos autos esclarecer da aparente repetição entre certos documentos juntos e, quanto a dois dos documentos, juntá-los legíveis, (ii) a Requerida insistindo para juntar o PA, com inclusão do que aí se referiu, e (iii) ambas as Partes da dispensa de realização da reunião do art.º 18.º do RJAT, face à não solicitação de prova adicional, e para alegações escritas facultativas.

 

A 14.07.2023 a Requerida juntou o PA, dando cumprimento ao solicitado pelo Tribunal.

 

A 29.08.2023 o Requerente submeteu Requerimento com a junção dos documentos e os esclarecimentos solicitados pelo Tribunal, subestabelecimento com reserva, e alegações. Nestas, repete o expendido em sede de PPA.

 

Decorrido o prazo, a Requerida não apresentou alegações.

 

Por despacho de 16.10.2023 o Tribunal determinou prorrogar por dois meses o prazo do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo artigo, pelas razões aí indicadas. E assim novamente por despachos de 18.12.2023 e de 21.02.2024.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção.

 

O PPA é tempestivo, cfr. últimas al.s do probatório, infra (e v. art.s 66.º, n.ºs 3 e 5 do CPPT, e, com as devidas adaptações, o art.º 57.º, n.º 5 da LGT; e art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT).

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) No ano de 2017 o Requerente estava registado com o Estatuto de Residente não Habitual activo; (cfr. Certificação pela Direcção de Serviços de Registo de Contribuintes - doc. 4 junto pelo SP, e PA)

 

b) Com referência ao ano de 2017 o Requerente submeteu a sua Declaração Modelo 3 de IRS, com a Identificação..., a 28.05.2018; (cfr. doc. 5 junto pelo SP, e PA)

 

c) No Anexo J da Declaração Modelo 3 (v. al. anterior) o Requerente declarou, entre outros, Rendimentos de Capitais (Categoria E), no Quadro 8A, e Rendimentos de Incrementos Patrimoniais (Categoria G), no Quadro 9.2 A, e no Anexo L (RNH), o Requerente assinalou, no Quadro 6B, o Método de Isenção; (cfr. doc. 5 junto pelo SP, e PA)

 

d) No Quadro 8 A da Declaração (cfr. al.s anteriores) constam preenchidas as linhas 801 a 829, inclusive, e no Quadro 9.2 A as linhas 951 a 963, inclusive;

 

e) No Quadro 8 A (v. al.s anteriores) o Requerente preencheu, entre as demais, as seguintes linhas como segue (linha - Código rendim. - País da fonte - Rendimento bruto):

803 - E99 - 60 – 3.732,65

824 – E99 – 136 – 28.120,33

827 – E21 – 792 – 15.771,38

828 – E99 – 430 – 4.693,44

 

f)  No documento “Report for Tax purposes” do C... AG, de 29.03.2018, reportado ao SP e ao período de 01.01.2017 a 31.12.2017, facultado pelo SP à Requerida no procedimento de divergências, constam na Secção 7. - “Capital gain and loss report”, a páginas 35 e 36, valores de rendimentos cujos elementos têm correspondência com os preenchidos no Quadro 9.2 A da Modelo 3 pelo Requerente nas linhas 951 a 959, e os valores de aquisição vêm expressos naquele documento em euros (“Acquisition costs in EUR”); (cfr. doc. 6, repetido como doc. 9, junto pelo SP; e PA)

 

g) No documento “Offering Circular – B… - B... A.S.”, de 04.11.2014, reportado a um determinado número de Notes a emitir, lê-se, entre o mais: “The payment of the principal and interest in respect of the Notes and all other moneys payable by the Issuer (…)”; (cfr. Doc. 7 junto pelo SP);

 

h) Por carta registada da Requerida de 13.11.2020 o Requerente foi notificado do Ofício daquela para exercício de direito de audição prévia em sede do procedimento de divergência referente à sua Declaração Modelo 3 (cfr. al.s supra); (cfr. doc. 12 junto pelo SP, e PA1);

 

i) Do Ofício “Notificação para Audição Prévia” (v. al. anterior) consta, entre o mais:

“NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÇÃO PRÉVIA

A declaração do IRS (...) foi selecionada para análise da divergência detetada com o código de análise D21 "rendimentos obtidos no estrangeiro necessidade de comprovação dos rendimentos obtidos no estrangeiro e respetivo imposto pago", no que diz respeito aos elementos declarados nos Quadro 8A e Quadro 9.2, ambos, do Anexo J da Modelo 3.

Ora, em sede de divergência D21, tendo por base os elementos que a AT dispõe no âmbito da cooperação internacional no domínio de troca automática de informações de natureza financeira e fiscal, verificou-se que existem diferenças de valores declarados no Quadro 8A do Anexo J da Modelo 3 do IRS, conforme se mostra no quadro infra:

 

ANEXO J – Quadro 8 A– Valores Declarados:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em sede de divergência com o código de análise D21 "rendimentos obtidos no estrangeiro", após devidamente notificado, nos termos do n.º5 do artigo 57.º e do artigo 128, ambos, do Código do CIRS, o sujeito passivo A, A..., NIF..., apresentou a documentação de suporte para verificação e confirmação dos elementos declarados no Anexo J da Modelo 3 do IRS de 2017.

 

Para os devidos efeitos, dada a factualidade, o SP apresentou os seguintes documentos de suporte:

  1. DOC. 1: "Certificação de Fotocópia" de Documento "2017 Tax Information Statement" emitido por intermediário financeiro dos E.U.A. (D...) pela Advogada, E..., NIF ...- Conta de títulos n. 0 Cl 5-001032,
  2. DOC. 2: "Certificação de Fotocópia" de Documento "Report for Tax Purposes" emitido por intermediário financeiro da Suíça (C...AG - Zurich) pela Advogada, E..., NIF ...- Client number..., págs. 1-106;
  3. DOC. 3: "Certificação de Fotocópia" de Documento "2017 Tax and Year-End Statement" emitido por intermediário financeiro dos E.U.A. (F...) pela Advogada, E..., NIF ...- Conta de títulos n. 0 C15-..., págs. 1-19;

Observação relevante: o sujeito passivo não apresentou todos os documentos de suporte relativos às contas bancárias de depósitos e de títulos (de valores mobiliários) abertas em seu nome em instituições financeiras não residentes em território português (ou em sucursal localizada fora de Portugal de instituição financeira com sede em território português).

(...)

Tendo por base os documentos bancários e financeiros juntos ao processo, no ano de 2017, verificou-se que o sujeito passivo, A..., NIF..., obteve rendimentos da categoria E (i. e. , dividendos, lucros, juros e rendimentos de valores mobiliários) e, também, obteve incrementos patrimoniais ou rendimentos da Categoria G a título de ganhos/perdas em operações de alienação onerosa de partes sociais (i. e. ações) e de outros valores mobiliários (i. e. obrigações, UP) que foram movimentados a crédito nas contas de depósitos e de títulos abertas em instituições financeiras estrangeiras.

(...)

E, bem como, se for o caso, sempre que a AT solicita os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos tributários ou situações mencionadas na respetiva Declaração Modelo 3 do IRS, que devam ser mantidos e conservados, o sujeito passivo deve apresentar outros documentos válidos comprovativos (ex. documentos bancários/financeiros idóneos/válidos emitidos pela respetiva instituição financeira) correspondentes à natureza dos rendimentos obtidos fora do território português (ver n.º 8 do art. 63.º-A da LGT).

 

Ora, nos termos da alínea c) do n.º 12 do artigo 71.º e da alínea a) do n.º 12 do artigo 72.º, ambos, do Código do IRS, os rendimentos obtidos nas Ilhas Bermudas, Ilhas Cayman, Libéria e Ilhas Virgens Britânicas (cfr. alíneas 11), 15), 39) e 81) do artigo 1.º da 0da Portaria n.º 150/2004, de 13/02, alterada pela Portaria n.º 292/2011, de 8/11), em sede de IRS, encontram-se todos sujeitos à taxa de 35%.

 

Da inspeção documental aos documentos apresentados, propõe-se que o sujeito passivo submeta uma Declaração de Substituição, Modelo 3, do IRS de 2017, corrigindo o Quadro 8A do Anexo J de acordo com o quadro infra:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(...)

Relativamente aos valores declarados no Quadro 9.2A do Anexo J da Modelo 3 do IRS de 2017, o sujeito passivo deve evidenciar as operações de alienação onerosa de partes sociais (ações), de outros valores mobiliários (obrigações, UP) e de outros valores mobiliários derivados relacionadas com as entidades emitentes/negociadoras situadas fora do território português e, ainda, devendo ser identificada a respetiva natureza dos ganhos/perdas através dos respetivos códigos das operações efetuadas, bem como os códigos do país da fonte.

 

Da análise declarativa e após a inspeção aos documentos apresentados, verificou-se que existem diferenças de valores declarados no Quadro 9.2A do Anexo J da Modelo 3 do IRS de 2017, conforme se mostra nos quadros infra: / (...)

 

Nos termos do n.º 1 do art. 52.º do Código do IRS, verifica-se uma divergência significativa entre o valor declarado no Quadro 9.2A do Anexo J correspondente à mais-valia declarada de 106.618,19 euros (i. e. valor declarado =  = [2.391.431, 16€ - (2.284.467,59€ + 345,38€)] e o valor apurado pela inspeção das operações efetuadas correspondente ao valor da mais-valia evidenciado de 183.785,27 euros, conforme documento bancário/financeiro de suporte junto ao processo (DOC. 2: C... AG, págs. 35-36).

E, sendo assim, também, se propõe que o sujeito passivo submeta a Declaração de Substituição com a correção do Quadro 9.2A do Anexo J, de acordo com o quadro infra: / (...)

Deste modo, fica V. Exa. por este meio notificado da intenção destes serviços tributários efetuarem oficiosamente as correções atrás indicadas (Anexo J da Modelo 3 do IRS de 2017).

Mais se informa que, caso pretenda exercer o direito de audição prévia a que se refere o artigo 60.º da Lei Geral Tributária (...).” (cfr. doc 12 junto pelo SP, e PA);

 

j) A 17.12.2020 o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia por escrito; (cfr. PA 7)

 

k) No despacho da Requerida de 03.03.2021 contendo Decisão Final de correcção oficiosa da Declaração Modelo 3 consta o essencial do conteúdo da “notificação para audição prévia” (cfr al. anterior), a apreciação da audição prévia, e por fim a proposta de decisão final, aqui se lendo, entre o mais, “Com efeito, não existindo outros elementos/documentos comprovativos disponíveis, perante o exposto, considera-se que deverá ser elaborado DCU a corrigir a Declaração Modelo 3 do IRS de 2017, para efeitos da correcção do Quadro 8 A e do Quadro 9.2 A do Anexo J da Modelo 3, de acordo com os quadros infra: (...)”; no Quadro 8 A que segue constam corrigidos o valor da linha 803 para € 3.728,38 com indicação, na linha, do documento base e página ("Report for Tax Purposes"), o valor da linha 827 para € 15.868,32 com indicação, na linha, do documento base e página ("2017 Tax and Year-End Statement”), entre outros, e consta indicação, no fim do Quadro, ref. à conversão para Eur.; e no Quadro 9.2 A constam corrigidos valores nas linhas 951 a 959 com a indicação, à direita – “Fundamentação de facto – Prova documental / Declaração do contribuinte”, em cada linha, do documento e respectivas páginas (“Report for Tax Purposes"), e legenda no fim do Quadro com a indicação das Fontes. (cfr. doc. 14 junto pelo SP, e PA);

 

l) O Requerente foi notificado da Liquidação, com o n.º 2021..., data de 19.03.2021, da liquidação de juros compensatórios, e da Demonstração de acerto de contas, em que foi apurado um montante total a pagar de € 25.681,45 com data limite de pagamento de 11.05.2021, e procedeu ao respectivo pagamento a 03.05.2021; (cfr. doc.s 2 e 15 juntos pelo SP, e PA)

m) Dos rendimentos de capitais, Cat. E, foram sujeitos a tributação na Liquidação apenas os rendimentos com origem em países com regime fiscal claramente mais favorável (cfr. lista anexa à Portaria 150/2004, de 13.02), a saber Bermudas (€ 3.728,38), Ilhas Cayman (€ 28.120,33) e Libéria (€ 4.693,44) - respectivamente códigos 060, 136, e 430, à taxa de 35%; (cfr. PA 10)

n) O Requerente interpôs Reclamação Graciosa (RG), a 08.09.2021, que foi indeferida por despacho da Requerida de 24.06.2022; (cfr doc 17 junto pelo SP, e PA)

 

o) Do despacho de indeferimento da RG interpôs o Requerente Recurso Hierárquico (RH) a 01.09.2022, a que foi atribuído o n.º ...2022...; (cfr doc 18 junto pelo SP)

 

p) A 19.09.2022 o RH foi remetido à DSIRS para decisão; (cfr doc 18 junto pelo SP, e PA 10)

 

q) O RH não foi objecto de decisão; (PA)

 

r) A 15.02.2023 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao PPA na origem dos autos.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam dar-se por não provados. 

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA e posteriormente por Requerimento do SP, e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, factos não controvertidos, tudo criticamente apreciado e cfr. discriminado supra.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[1]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos reconduzem-se à apreciação da legalidade do indeferimento do Recurso Hierárquico (presumido, por decurso do prazo para decisão - cfr art.º 66.º, n.º 5 do CPPT), e da Liquidação. Por violação dos art.ºs 81.º, n.º 5 (Questão I) e 23.º, n.º 1, al. c) (Questão II), todos do CIRS. E, ainda, por violação dos art.ºs 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 77.º da LGT e 66.º do CIRS (Questão III).

Especificamente quanto à liquidação de juros compensatórios, ainda, ilegal esta por ilegal a liquidação de imposto/por violação dos art.ºs 35.º, n.º 1 e 100.º da LGT (Questão IV).

 

Vejamos.[2]

 

Como segue. E seguindo a ordem acima, tendo em mente o disposto no art.º 124.º do CPPT (não vem estabelecida ordem de subsidiariedade, e a estabilidade e eficácia da tutela conferida pela procedência de qualquer dos dois primeiros invocados vícios é superior à do último).

 

3.1.1. Questão I – Há violação do art.º 81.º, n.º 5 do CIRS? [3]

 

Invoca o Requerente vício de violação de lei por alegadamente na Liquidação ter sido requalificado o rendimento que, por si obtido das notes da B... A.S., declarou como rendimento de capitais, Categoria E.

Valor: € 15.771,38. Quadro 8 A, portanto, no Anexo J, Mod. 3.

Linha 827. Código do rendimento E21 – Juros sem retenção em Portugal (v. instruções de preenchimento da Modelo 3, 342-C/2016, de 29.12). País da fonte 792 – Turquia (v. Tabela X nas mesmas instruções de preenchimento). Tudo como supra probatório, al. s b), e) e i).

A seu ver, a Liquidação operou a requalificação desse rendimento de “rendimentos de capitais” para “outros rendimentos obtidos no estrangeiro” e, mais, tributou esse rendimento (à taxa de 28%, alega também).

Em violação, defende, do disposto no art.º 81.º, n.º 5.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo convocado pelo Requerente assim:

Art.º 81.º - Eliminação da dupla tributação jurídica internacional[4]

(...)

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

 

E, efectivamente, é certo que o Requerente está registado, no ano em questão, com o Estatuto de RHN (cfr. probatório, al. a), supra). Pelo que a norma lhe é aplicável.

 

Sucede que, antes de mais, da prova carreada nos autos resulta que na Liquidação não foi feita a requalificação de rendimentos alegada pelo Requerente. Os rendimentos das notes da B... (são estes os rendimentos em que considera ocorrer o vício ora em apreciação), com origem na Turquia como refere, foram mantidos pela Requerida tal como declarados pelo Requerente. Como rendimentos de capitais, Categoria E - v. al.s i), k) e m) do probatório.

Não deixaram, pois, de ser considerados como se subsumindo ao art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, al. c).

Como o Requerente defende, e bem, dever fazer-se.[5]

A Requerida não o alterou. Alterou sim o valor de € 15.771,38, para € 15.868,32, por cálculo da equivalência dos valores fixados em moeda sem curso em Portugal tal como entendeu devido em aplicação do art.º 23.º, al. c), após exercício do direito de audição pelo Requerente e tendo-o em conta (como consta do PA, PA 10, e v. al. k) probatório). Porém sem que daí tenha retirado consequências em termos de tributação (v. al.s k) e m) do probatório).

Com efeito, não só não foi alterada a qualificação, como a tributação não ocorreu.

Esse rendimento ficou isento, assim como todos os demais no Quadro 8 A (à excepção dos oriundos de países com regime fiscal claramente mais favorável – v. al. m), probatório supra; cfr art.º 81.º, n.º 5, al. b), e cfr art.º 72.º, n.º 12, al. a)).

Por aplicação, precisamente, do disposto no art.º 81.º, n.º 5 do CIRS, supra (e v. também a al. c), in fine, probatório), que o Requerente convoca alegando vir violado.

 

Pelo que se conclui que o Requerente invoca um vício de que a Liquidação não padece. Improcedendo o Pedido a este respeito.

 

3.1.2. Questão II – Há violação do art.º 23.º, n.º 1, al. c) do CIRS?

 

Recapitulemos.

O Requerente entende (i) em relação aos rendimentos de capitais, Cat. E, que na Liquidação foi aplicada taxa de câmbio errada, as datas consideradas para a conversão não têm suporte legal, era a taxa de câmbio à data da realização que era o devido aplicar, conforme art.º 23.º, n.º 1, al. c), e não foi o que sucedeu. Taxa que é, refere ainda, a constante dos documentos bancários que facultou à Requerida.

 

Sucede que, mais uma vez, a alteração feita nos rendimentos das notes, por um lado, de € 15.771,38 para € 15.868,32 foi feita, segundo a Requerida, por aplicação dos elementos constantes dos documentos bancários. Sendo que acresce que quer esse, quer qualquer dos outros valores de rendimentos nesse Quadro 8 A não foi considerado para efeitos de tributação. Pela já acima tratada razão: foi aplicado o art.º 81.º, n.º 5 do CIRS a esses rendimentos.

(Tão só com a excepção, cfr também supra, dos rendimentos com origem em países de regime fiscal claramente mais favorável).

É pois, em todo o caso, inconsequente a alegação do Requerente de errada aplicação da taxa de câmbio aos rendimentos de capitais. E não apta – mesmo se se provasse a alegação feita – a fundamentar qualquer vício de violação de lei da Liquidação. Como visto, na Liquidação esses rendimentos não foram, de todo, tidos em consideração.

Apenas os das al.s 803, 824 e 828, como vimos, com origem em países constantes da lista.

E, mesmo nesses rendimentos, houve uma única alteração em correcções, mas para menos. De € 3.732,65 para € 3.728,38. Pelo que não se alcança em que medida na Liquidação tenha a Requerida agravado a tributação do Requerente em matéria de rendimentos de capitais por errada aplicação de taxas de câmbio, ou violado o art.º 23.º, n.º 1, al. c).

 

Em relação, por sua vez, aos (ii) incrementos patrimoniais, Cat. G, alega mais uma vez o Requerente ter havido violação do art.º 23.º, n.º 1, al. c) do CIRS. Alegando que as taxas de câmbio aplicadas pela Requerida neste caso foram correctas quanto aos valores de realização, mas incorrectas quanto aos valores de aquisição.

A Requerida de novo defende que a Liquidação não padece de qualquer ilegalidade.

Vejamos.

 

Dispõe o art.º 23.º, n.º 1, al. c), atente-se em qualquer caso, assim:

Art.º 23.º - Valores fixados em moeda sem curso legal em Portugal

1. A equivalência de rendimentos (...) expressos em moeda sem curso legal em Portugal é determinada pela cotação oficial da respetiva divisa, de acordo com as seguintes regras:

(...)

c) Tratando-se de rendimentos obtidos e pagos no estrangeiro que não sejam transferidos para Portugal até ao fim do ano, aplica-se o câmbio de compra da data em que aqueles forem pagos ou postos à disposição do sujeito passivo; / (...)

 

Do probatório resulta que no Quadro 9.2 A , aqui em questão, foram feitas correcções nos valores dos rendimentos constantes das linhas 951 a 959 com fundamento nos elementos constantes dos documentos das entidades bancárias/financeiras intervenientes facultados pelo Requerente a respeito. Para cada alteração em cada linha vem indicado, na correcção, o documento, e respectiva página, em que se baseou essa correcção.

Nos termos desse mesmo documento, constante dos autos (v. al. f) do probatório), no que a rendimentos de incrementos patrimoniais respeita, lê-se, na informação constante das ali (nas correcções) indicadas páginas 35 e 36, quanto à aquisição, na respectiva parte superior da coluna, – “Acquisition costs / in EUR (Exchange rate of execution date) / Acquisition date”. O que aponta desde logo, quanto a nós, no sentido de ter sido ali feito o cálculo da taxa precisamente reportado à data da aquisição, e ser esse o motivo da data de aquisição dali constar.

De tudo, não se vislumbra como pretende o Requerente que a conversão para EUR feita na Liquidação tenha sido incorrecta quanto ao valor de aquisição. Primeiro porque, ao que parece decorrer do documento, a data tida em conta foi sim a data de aquisição. Depois porque a conversão já vem, no documento, feita, e os valores apresentam-se assim já fixados em euros. Por fim porque não se compreende, neste contexto, a aplicação do art.º 23.º, n.º 1, al. c), que o Requerente convoca, mesmo porque também aceita que a conversão foi correctamente feita quanto ao valor de realização (e v. al.s k) e f) do probatório).

Por último, porque foi utilizada para o efeito a informação constante daquela documentação, como devido e como o Requerente também defende dever ser feito. E v., quanto ao valor de aquisição, como se dispõe no art.º 48.º, al. b) do CIRS.

Pelo que há que concluir, também aqui, que o Requerente invoca um vício de que a Liquidação não padece, improcedendo o peticionado.

 

3.1.3. Questão III - Há violação dos art.ºs 268.º/3 da CRP, 77.º da LGT e/ou 66.º do CIRS?

 

Defende o Requerente que no projecto de correcções e na respectiva decisão final, houve falta de fundamentação.

 

O dever de fundamentação dos actos administrativos tem assento na CRP, que dispõe no seu art.º 268.º, n.º 3, que “Os actos administrativos (...) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Dispõe o legislador fiscal no art.º 77.º da LGT assim:

Art.º 77.º - Fundamentação e eficácia

1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

E no CIRS, assim:

Art.º 66.º - Notificação e fundamentação dos atos

1. Os atos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.

2. A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.

 

Como é entendimento assente Jurisprudencial e Doutrinalmente, o dever de fundamentação reveste características adequadas ao acto de que se trate e circunstâncias do caso, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal, colocado na situação concreta, aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para decidir, conhecer assim as razões porque se decidiu num certo sentido e não noutro.

 

O Requerente parece reporta-se ao dever de fundamentação formal, sendo claro quando refere que os actos tributários subjacentes ao indeferimento do RH “emitidos na sequência das correcções aos elementos declarados pelo ora Requerente no Anexo J (...) enfermam de vício de forma, por violação do art.º 268.º, n.º 3, da CRP e, bem assim, dos artigos 77.º da LGT e 66.º do CIRS” (55 PPA). Afirma também que no projecto de correcções e na respectiva decisão final “inexiste uma indicação expressa e clara da extensão e pressupostos das correcções realizadas, incluindo os fundamentos de facto e de Direito e a identificação correcta e precisa da natureza e origem dos alegados rendimentos a que se refere” (52 PPA).

 

Ora, não é dado ao Tribunal acompanhar o alegado pelo Requerente. No nosso caso, a Requerida deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação. V. acima no probatório - v. al. s i) e k). Como aí se lê – notificação para audição/projecto de correcções - expressamente fazendo referência ao Quadro 8 A,

“tendo por base os documentos bancários e financeiros juntos ao processo, no ano de 2017, verificou-se que o sujeito passivo (...) obteve rendimentos da categoria E (...) e, também, obteve incrementos patrimoniais ou rendimentos da Categoria G a título de ganhos/perdas em operações de alienação onerosa de partes sociais (...) e de outros valores mobiliários (...) que foram movimentados a crédito nas contas de depósitos e de títulos abertas em instituições financeiras estrangeiras. / Ora, nos termos da alínea c) do n.º 12 do artigo 71.º e da alínea a) do n.º 12 do artigo 72.º, ambos, do Código do IRS, os rendimentos obtidos nas Ilhas Bermudas, Ilhas Cayman, Libéria e Ilhas Virgens Britânicas (cfr ... Portaria n.º 150/2004...), em sede de IRS, encontram-se todos sujeitos à taxa de 35%. / Da inspeção documental aos documentos apresentados, propõe-se que o sujeito passivo submeta uma Declaração de Substituição (...) corrigindo o Quadro 8A do Anexo J de acordo com o quadro infra: (...)” (no quadro identificadas as 3 situações a cor mais carregada).

Quanto, por sua vez, aos rendimentos no Quadro 9.2 A e no que respeita às correcções de valores, que o Requerente contesta com base em violação do art.º 23.º, n.º 1, al. c) (como vimos) a validade formal do acto também não se vê afectada. Com efeito no Quadro, à direita, em cada linha onde houve correcção, consta a respectiva fundamentaçao de facto e de Direito- v. al. k) do probatório in fine.

Concluindo, a motivação externada no projeto de decisão, e na decisão de correcção, permite a um destinatário normal entender as razões de facto e de direito que determinaram as correcções.

De forma adequada ao previsto nos dispositivos legais acabados de ver a respeito de dever de fundamentação. Como também assim é de entender no respeitante à própria Liquidação. Com interesse pode ver-se o Acórdão do STA de 17.06.2009, no processo n.º 0246/09.

Na verdade, o Requerente invoca afinal, antes e além do mais, falta de fundamentação por no acto não se ter fundamentado o porquê de uma requalificação de rendimentos – dos rendimentos das notes – requalificação que, vimo-lo, de facto não ocorreu. Pelo que nunca haveria de haver fundamentação para a dita. (v. 57 PPA)

 

Improcede, por todas as razões anteditas, o alegado vício de forma.

 

3.1.4. Questão IV – É ilegal a liquidação de juros compensatórios por via da ilegalidade da liquidação de imposto/por violação dos art.ºs 35.º, n.º 1 e 100.º da LGT?

 

Quanto à liquidação de juros compensatórios, o Requerente alega a ilegalidade convocando os art.ºs 35.º, n.º 1 e 100.º da LGT. Refere que, reconhecida a invalidade da liquidação de imposto se despoleta a invalidade da liquidação de juros compensatórios.

 

Vimos de ver que não se verificam os vícios imputados pelo Requerente à Liquidação. Não colhe, por isso, a razão invocada para a anulação da liquidação de juros compensatórios.  Reuniam-se os pressupostos do art.º 35.º, n.º 1 da LGT. E não se decidirá favoravelmente ao SP, pelo que vimos (v. art.º 100.º da LGT).

*

Antecipando a decisão, conclui-se que a Liquidação não padece de nenhum dos vícios de violação de lei que o Requerente lhe imputa.

 

 

4. Devolução de quantias e juros indemnizatórios

Face ao que antecede, conclui-se que não houve pagamento de quantias indevidas, não se reunindo, também, os pressupostos do art.º 43.º, n.º 1 da LGT de cuja verificação depende a dívida de juros indemnizatórios. Improcedem, assim, ambos estes pedidos.

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

Absolver a Requerida de todos os pedidos, mantendo-se a Liquidação de IRS melhor identificada supra, e os actos de segundo e terceiro grau que a confirmaram, na Ordem Jurídica.

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 25.681,45.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 24 de Abril de 2024

 

O Árbitro

 

(Sofia Ricardo Borges)

 



[1]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[2]Por referência ao acto tributário de primeiro grau, e assente que é a competência deste Tribunal (como Tribunal Arbitral que é e como decorre, entre o mais, do disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT em conjugação com o art.º 132.º do CPPT) também para o conhecimento da impugnação dos actos de segundo e terceiro grau, do que se retirará as devidas consequências mais adiante na Decisão.

[3]Quaisquer sublinhados e/ou negritos ao longo da presente serão nossos, salvo se indicado em contrário; qualquer indicação de artigo sem indicação de Diploma reportar-se-á ao CIRS.

[4] Reportamo-nos sempre às normas na versão aplicável ao nosso caso (IRS 2017).

[5] Art.º 5.º - Rendimentos da categoria E

1. Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação (...) procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2. Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

a) Os juros e outras formas de remuneração decorrentes de (...);

b) Os juros e outras formas de remuneração derivadas de (...);

c) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;