Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1059/2023-T
Data da decisão: 2024-04-22  IRS  
Valor do pedido: € 11.000,00
Tema: IRS. Mais-valias imobiliárias. Falta de constituição de mandatário judicial. Absolvição da instância.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I – Nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado.

II – A falta de constituição de advogado constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

Em 27 de dezembro de 2023, A..., com o NIF ... e B..., com o NIF..., residentes na ...,  n.º..., ...-... ALCOCHETE (doravante designados por Requerentes), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD em 29 de dezembro de 2023 e automaticamente notificado à AT na mesma data e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

Os Requerentes pretendem que seja declarada a ilegalidade, com a consequente anulação, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que identificam com o n.º 2023..., referente ao ano de 2021, e que indicam ser da quantia de € 5 343,77, bem como da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... apresentada contra a mesma liquidação, que lhes foi notificada por Via CTT através do ofício do Serviço de Finanças de Alcochete, datado de 20 de setembro de 2023.

 

Informam os Requerentes que a liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral se encontra a ser paga no âmbito de um plano prestacional, com início em maio de 2023, atribuindo ao pedido o valor económico de € 11 000,00.

 

 

B. Fundamentação do pedido:

Os Requerentes fundamentam o pedido na alegada não aceitação pela Requerida de parte dos encargos suportados com a beneficiação da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia de ..., por si adquirida em 2018 e que alienaram em 2021, com reflexos no apuramento dos rendimentos da categoria G e, consequentemente, no montante do imposto apurado na liquidação que ora impugnam.

 

Os Requerentes juntam ao pedido de pronúncia arbitral diversos documentos, em que se não inclui a demonstração da liquidação que impugnam, não tendo requerido a produção de prova adicional.

 

A petição inicial vem subscrita pelos Requerentes, não tendo anexa procuração ou qualquer outra referência à constituição de mandatário judicial.

 

*

 

Pelo Despacho Arbitral de 5 de março de 2024, foram os Requerentes notificados da obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, nos termos das disposições legais ali mencionadas e para, no prazo de quinze dias, remeterem aos autos cópia da procuração emitida ao mandatário que tivessem constituído, sem o que o processo não poderia prosseguir e sem prejuízo da responsabilidade pelo pagamento da taxa de arbitragem remanescente.

 

Os Requerentes, apesar de devidamente notificados do despacho antes referido, não constituíram advogado, nada requerendo quanto ao patrocínio judiciário.

 

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 5 de março de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

 

  1. Contudo, os Requerentes, tal como já referido, apesar de regularmente notificados ao abrigo do n.º 2 do artigo 110.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, bem como das consequências da falta de representação nos termos legais, nada disseram.

 

Na falta de regulamentação específica sobre patrocínio judiciário no âmbito dos processos de arbitragem tributária, foi a notificação dos Requerentes fundamentada na legislação subsidiária para que remetem as alíneas a), c) e e), do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT.

 

Dispõe o n.º 1 do artigo 6.º, do CPPT, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa.

 

O n.º 1 do artigo 11.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) estatui a obrigatoriedade de constituição de mandatário, com remissão para as normas do Código do Processo Civil (CPC).

 

O artigo 40.º, do CPC, determina ser obrigatória a constituição de advogado nas causas enumeradas no seu n.º 1:

a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;

b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.”.

 

Em face dos normativos citados, impõe-se a conclusão de que nos processos arbitrais tributários é sempre obrigatória a constituição de advogado, por ser admissível recurso das decisões neles proferidas, independentemente do valor da causa, nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º, do RJAT[1], bem como a sua impugnação, nos termos do artigo 27.º e com os fundamentos previstos no artigo 28.º, ambos do RJAT, “quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais”, “que em bom rigor se trata de um recurso[2].

 

Por seu turno, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea h), do CPTA, a falta de constituição de advogado por parte dos Requerentes constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

Assim, embora um dos princípios orientadores do processo arbitral tributário seja o princípio do contraditório (artigo 16.º, alínea a), do RJAT), entendido “como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão[3], o princípio da economia processual, na sua vertente de proibição da prática de atos inúteis (artigo 130.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), tornou , in casu, desnecessária a notificação da Requerida para apresentação de resposta, dada a impossibilidade legal de apreciação do mérito da causa por parte do Tribunal Arbitral.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se julgar verificada a exceção dilatória da falta de constituição de advogado pelos Requerentes, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11 000,00 (onze mil euros), indicado pelos Requerentes.

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo dos Requerentes.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de abril de 2024.

 

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

 

 



[1] Cfr., neste sentido, a decisão arbitral proferida em 4 de março de 2024 no processo n.º 794/2023-T, que aqui se acolhe e transcreve: “Aliás, a recorribilidade nas decisões arbitrais, individuais ou coletivas, está prevista para as, porventura, mais complexas situações apreciáveis, previstas no artigo 25.º, n.º 1 e nº 2 do RJAT; o recurso para o Tribunal Constitucional na parte da decisão em que o Tribunal Arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada e o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”.

[2] Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10/11/2022, Processo n.º 16/22.6 BCLSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.

[3] José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2013, págs. 124 e 125.