Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 912/2023-T
Data da decisão: 2024-04-04  IRS  
Valor do pedido: € 22.994,40
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide; extinção da instância.
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SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância quando o Requerente alcançar a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato tributário impugnado no pedido de pronúncia arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 12-02-2024, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal português n.º..., residente na Rua...– ..., ..., ...-... Lisboa, (designado por “Requerente”), veio, em 30-11-2023, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

O Requerente pretende ver ser decretada a anulação do ato de liquidação de IRS relativo a 2022, o consequente reembolso das quantias pagas em excesso no valor de €22.994,40 e a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 04-12-2023 e automaticamente notificado à Requerida.

Em 23-01-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12-02-2024.

Em 14-02-2024, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

No decurso do referido prazo, em 06-03-2024, a Requerida apresentou requerimento, no qual veio “informar que por despacho da Subdiretora-geral de 2024-02-29, foi revogado o ato impugnado nos presentes autos”.

No supra referido despacho referia-se que:

“(...) a tributação que seja ou possa ser efetuada pelos EUA é feita ao abrigo da lei interna deste Estado. Assim como a tributação efetuada por Portugal é feita ao abrigo da sua lei interna. Mas tal não determina que tal tributação não seja efetuada ao abrigo da Convenção, já que esta se limita a definir qual o Estado com competência para tributar, o qual, como não podia deixar de ser, o faz de acordo com a respetiva lei interna.

E, se a tributação dos rendimentos da categoria G auferidos por cidadãos norte-americanos residentes não habituais em Portugal, como é o caso do Requerente, pode ser efetuada pelos EUA (ou, melhor dito, pode também ser efetuada pelos EUA, já que Portugal tem competência para os tributar ao abrigo do disposto no artigo 14o no 6 da Convenção), em conformidade com o ponto 1.b) do Protocolo anexo à Convenção, que faz parte integrante desta, dúvidas não restam de que a estes rendimentos se aplica o método da isenção previsto no artigo 81.º n.º 5 a) do CIRS.

Note-se que, pese embora não tenha resultado demonstrado que os EUA tenham efetivamente feito uso do seu poder de tributar, tributando os rendimentos em causa, nem que o Requerente tenha pago naquele Estado imposto respeitante aos rendimentos em causa, a verdade é que tal é, para o caso, irrelevante.

Isto porque a isenção prevista no artigo 81.º n.º 5, a) do CIRS não exige qualquer tributação efetiva, bastando-se com a possibilidade de tal tributação.”

Conclui, ainda, a AT no referido Despacho que, “sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto”.

Em 06-03-2024, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida.

Em 21-03-2024, o Requerente, através de Requerimento, declarou que “considerando a decisão de revogação do ato de liquidação, objeto do presente processo, não mantém qualquer interesse processual no prosseguimento dos presentes autos, com as consequências legalmente previstas”.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1.  MATÉRIA DE FACTO
  1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Foi emitido pela AT o seguinte ato tributário de liquidação de IRS, relativos ao ano de 2022:
  • Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 22.994,40.

(cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

  1. A supra referida liquidação de IRS foi paga na totalidade.

(cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

 

  1. Em 06-03-2024, mediante Requerimento no presente processo arbitral e após a constituição do tribunal arbitral, a AT deu conhecimento da revogação do ato tributário supra referido (cfr. Requerimento junto aos autos pela Requerida em 06-03-2024 e cujo teor se dá como reproduzido).

 

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

            Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

            Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos processo por ambas as partes.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO
  1. Nos presentes autos o ato tributário objecto de contestação foi revogado pela AT, que apenas deu conhecimento de tal facto ao Requerente e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. Notificado de tal ato, o Requerente não se opôs a tal revogação.
  2. Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação de um pedido que tem por objecto um ato tributário que foi já revogado pela AT.
  3. Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30-07-2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos:

“A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

  1. No mesmo sentido, veja-se, entre outros, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 725/2022-T e 845/2021-T.
  2. A doutrina, nomeadamente Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], também tem concluído que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
  3. Assim, julga este Tribunal procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia arbitral, isto é, à apreciação da (i)legalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado pelo Requerente, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  4. No PPA e no requerimento de 21-03-2024, o Requerente requer, ainda, a “restituição do imposto indevidamente pago acrescido dos respetivos juros indemnizatórios (...)”.
  5. Ainda que se entenda que esses pedidos constituem pretensões condenatórias de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal, que consiste na declaração de ilegalidade do ato de liquidação de tributo, o certo é que a pronúncia do tribunal quanto a esses outros pedidos apenas poderia ocorrer se o processo devesse prosseguir para a apreciação do mérito da causa e eventual declaração de ilegalidade dos atos impugnados.
  6. In casu, o tribunal arbitral limita-se a julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, em consequência da anulação administrativa do ato tributário impugnado, sem emitir qualquer decisão sobre o mérito da pretensão que constitui o objecto do pedido arbitral, e, nesse sentido, não cabe ao tribunal pronunciar-se sobre pedidos acessórios que só poderiam ser considerados em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação.
  7. Em todo o caso, o reembolso do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios configuram-se uma consequência da anulação administrativa, tal como resulta do disposto no artigo 172.º do CPA ou artigo 100.º da LGT (citado pela Requerente), que impõe à Administração o dever de reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados.

 

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar extinta a instância; e
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €22.994,40 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1.   CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em 1.224,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Abril de 2024

 

O Árbitro

 

 

 Gonçalo Estanque

 



[1]In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555.