Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 891/2023-T
Data da decisão: 2024-04-18  IRS  
Valor do pedido: € 10.473,18
Tema: IRS – Residentes Não Habituais; falta ou intempestividade do pedido de inscrição.
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SUMÁRIO:

I - A aplicação do regime dos residentes não habituais exige, nos termos do artigo 16.º do Código do IRS, a verificação de dois requisitos: (i) o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e (ii) não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores.

II - A falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina a exclusão do regime correspondente.

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06-02-2024, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO

A... e B..., contribuintes fiscais n.os ... e ..., com residência fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Braga (designados por “Requerentes”), vieram, em 28-11-2023, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra os seguintes atos tributários:

  • liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2021, com um valor a pagar de €5.044,42;
  • liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022, com um valor a pagar de €5.428,76;

A Requerente pretende a anulação dos referidos atos tributários de liquidação de IRS e o pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29-11-2023 e automaticamente notificado à Requerida.

Em 18-01-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06-02-2024. Nessa mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

Em 06-03-2024, a AT apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo, igualmente, sido invocadas exceções. Também nesta data a Requerida juntou aos autos o processo administrativo.

Em 07-03-2024, através de Despacho Arbitral, foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a matéria de exceção. A Requerente apresentou, em 19-03-2024, resposta às matérias de exceção.

Em 20-03-2014, através de Despacho, o Tribunal dispensou, por um lado, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, por outro lado, a produção de alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1.  MATÉRIA DE FACTO

2.1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente A... tornou-se residente fiscal em Portugal em 08-10-2019.

(cfr. Documentos n.os 3 e 4 juntos ao PPA, cujos teores se dão como reproduzidos).

  1. O Requerente A... não era residente fiscal em Portugal, pelo menos, nos 5 anos anteriores a tornar-se residente fiscal em Portugal em 2019 (i.e. entre 2018 e 2014).

(cfr. Documento n.o 7 junto ao PPA e projeto de decisão de indeferimento junto ao Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos).

  1. Em 29-09-2021 o Requerente A... requereu a inscrição como residente não habitual com efeitos ao ano fiscal de 2020.

(cfr. Pedido de inscrição como residente não habitual junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).

  1. A Direção de Serviços de Registo de Contribuintes propôs o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual apresentado pelo Requerente A... porquanto este encontrava-se “registado no cadastro da AT como residente em território português (...) nos anos 2019, 2020”.

(cfr. Projeto de decisão de indeferimento junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Através do Ofício n.º..., de 09-05-2022, foi o pedido do Requerente indeferido porquanto “apesar de ter começado a residir em PT no ano de 2019, de acordo com as suas declarações, não procedeu, no entanto, ao pedido de inscrição de Residente Não Habitual, dentro do prazo estabelecido por lei, tendo efetuado um pedido para o ano de 2021, que face ao declarado e à documentação apresentada, também não pode ser viabilizado (alínea b) do nº 1 da Circular nº 9/2012)”.

(cfr. Decisão de indeferimento junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Em 06-06-2022, o Requerente A... apresentou Recurso Hierárquico contra a supra referida decisão de indeferimento.

(cfr. Recurso Hierárquico junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Através do Ofício n.º ..., de 04-11-2022, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado.

(cfr. Decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico junto ao Processo Administrativo e cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Em 08-06-2022, os Requerentes apresentaram declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, como residentes fiscais em Portugal.

(cfr. Documento n.o 15 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Na referida declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, foram reportados os seguintes rendimentos:
  • €2.753,34 - rendimentos de pensões obtidos em Portugal pela Requerente B...
  • €5.103,00 - rendimentos de pensões obtidos na Alemanha pela Requerente B...
  • €5.541,34 - rendimentos de pensões obtidos em Espanha pelo Requerente A...
  • €23.695,26 - rendimentos de pensões obtidos na Alemanha pelo Requerente A...
  • TOTAL: €37.092,94

(cfr. Documento n.o 15 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Em 01-07-2023, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2021, com um valor a pagar de €5.044,42 e 31/08/2023 como data limite de pagamento (cfr. Documento n.o 1 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).
  2. Em 13-06-2022, os Requerentes apresentaram declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, como residentes fiscais em Portugal.

(cfr. Documento n.o 17 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Na referida declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, foram reportados os seguintes rendimentos:
  • €2.990,30 - rendimentos de pensões obtidos em Portugal pela Requerente B...
  • €5.083,56 - rendimentos de pensões obtidos na Alemanha pela Requerente B...
  • €5.857,88 - rendimentos de pensões obtidos em Espanha pelo Requerente A...
  • €24.741,84 - rendimentos de pensões obtidos na Alemanha pelo Requerente A...
  • TOTAL: €38.673,58

(cfr. Documento n.o 17 junto ao PPA cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Em 30-06-2023, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022, com um valor a pagar de €5.428,76 e 31/08/2023 como data limite de pagamento (cfr. Documento n.o 2 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido).
  2. As liquidações ora impugnadas foram pagas em prestações pela Requerentes.

(cfr. Documentos n.os 19 e ss. juntos ao PPA, cujos teores se dão como reproduzidos).

  1. Os Requerentes apresentaram pedido de constituição do tribunal arbitral em 28-11-2023.

(cfr. PPA, cujo teor se dá como reproduzido).

 

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

            Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

            Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos processo por ambas as partes.

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

No presente processo, com relevância para a Decisão, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

  1. O Requerente A... preenche os requisitos para ser considerado residente não habitual, apesar de não ter apresentado o respetivo pedido de inscrição dentro do prazo indicado no artigo 16.º, n.º 10 do Código do IRS. No entanto, tal facto não preclude o direito de ser considerado residente não habitual e de ser tributado como tal.
  2. É invocada jurisprudência do CAAD em abono da tese das Requerentes (e.g. Proc. n.º 319/2022-T ou 664/2023-T).
  3. Assim, os rendimentos líquidos de pensões obtidas pelo Requerente A... no estrangeiro deveriam ser tributados, nos termos do artigo 72.º, n.º 12 do Código do IRS, à taxa de 10%.
  4. As liquidações de IRS de 2021 e 2021 ora impugnadas incorrem em vício de fundamentação porquanto “os documentos notificados tornam-se imperceptíveis para um destinatário normal”.

 

Por seu turno, a Requerida, entende que:

  1. Existe incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, porquanto “do pedido deduzido decorre, inequivocamente, que os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral: 1.º Ordene a inscrição do Requerente marido no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2019, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido; e 2.º E só, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule os atos tributários de liquidação de IRS para os anos de 2021 e 2022”.
  2. É, também, invocada a exceção de caducidade do direito de ação, dado que, alega a AT, “está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2019, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa, tal como o requerente enuncia várias vezes no ppa e, assim sendo, tendo sido indeferido em 02/11/2022 e, como refere o requerente sido notificado em 14/11/2022, cremos ocorrer caducidade do direito de ação. Assim, tendo o ppa sido apresentado em 28/11/2023 e, supostamente notificado em 14/11/2022, já se encontra ultrapassado o prazo de três meses, contado a partir dos factos previstos nos números 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
  3. Inexiste vício de falta de fundamentação porquanto, “é referido na petição inicial apresentada, que a desconsideração da taxa de 10%, descrita no artigo 72º, nº 12 do CIRS, deveu-se à preterição da condição de residente não habitual. 47. Inclusivamente, os Requerentes revelam o conhecimento da importância dessa condição, quando solicitaram a respetiva inscrição como residente não habitual”.
  4. O regime de residentes não habituais constitui um verdadeiro benefício fiscal, pelo que o mesmo é dependente de reconhecimento, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2 do EBF e artigo 65.º do CPPT. A extemporaneidade do pedido de inscrição do Requerente como residente não habitual não lhe permite beneficiar do mesmo.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

4.1. DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL

  1. Invoca a Requerida exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, porquanto “do pedido deduzido decorre, inequivocamente, que os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral: 1.º Ordene a inscrição do Requerente marido no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2019, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido; e 2.º E só, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule os atos tributários de liquidação de IRS para os anos de 2021 e 2022”.
  2. Note-se, em primeiro lugar, que, de modo algum, é peticionado pelos Requerentes que seja ordenada a inscrição como residente não habitual. De facto, a Requerente conclui o seu PPA pedindo, isso sim, a anulação das liquidações de IRS relativas a 2021 e 2022.
  3. Ademais, sempre se dirá, em sintonia a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 487/2023-T, que:

“Sobre este ponto já existe jurisprudência no CAAD, com decisões proferidas em situações similares às dos presentes autos, designadamente nos processos arbitrais números 262/2018-T, 188/2020-T, 777/2020-T, 815/2021-T, tendo-se neles decidido no sentido de que o Tribunal Arbitral é competente para se pronunciar sobre os atos de liquidação de IRS, quando é suscitada a aplicação do RNH, mesmo nas situações em que existe igualmente uma impugnação do indeferimento do pedido de inscrição como RNH.

Sobre a aplicabilidade do regime de RNH nos atos de liquidação, mesmo existindo uma ação contra o pedido de indeferimento de RHN, as referidas decisões têm vindo a entender que cabe na sua competência a pronúncia quanto à sua aplicabilidade.

Vejam-se as decisões proferidas nos processos n.º 188/2020-T , 777/2020-T , 815/2021-T, em especial, como se fez notar no processo 777/2020-T, que parcialmente se transcreve: “Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.

Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo”.

  1. Resulta, pois, do pedido apresentado pelos Requerentes que os atos aqui impugnado são os atos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2021 e 2022 e não o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual, ainda que nos presentes autos se aluda a esse ato administrativo de indeferimento.
  2. Assim, considerando a formulação do presente pedido arbitral, tal como exposta no PPA, o qual - repita-se - versa sobre a impugnação de atos de liquidação de imposto. Ora, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), do RJAT, a apreciação da legalidade de tais é matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD.
  3. Termos em que, decide-se pela improcedência da exceção da incompetência material suscitada pela AT.

 

4.2. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO

  1. É, também, invocada a exceção de caducidade do direito de ação, dado que - alega a AT - “está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2019, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa, tal como o requerente enuncia várias vezes no ppa e, assim sendo, tendo sido indeferido em 02/11/2022 e, como refere o requerente sido notificado em 14/11/2022, cremos ocorrer caducidade do direito de ação. Assim, tendo o ppa sido apresentado em 28/11/2023 e, supostamente notificado em 14/11/2022, já se encontra ultrapassado o prazo de três meses, contado a partir dos factos previstos nos números 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
  2. Note-se, porém, que, conforme referido acima, está em causa, isso sim, a impugnação de atos tributários de liquidação de IRS.
  3. Os atos tributários de liquidação de IRS, relativos aos anos de 2021 e 2022, têm como data limite de pagamento o dia 31-08-2023.
  4. Ora, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, o prazo para a interposição do presente pedido é de 90 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário. Assim, tendo o pedido de constituição do Tribunal Arbitral sido apresentado em 28-11-2023 é, pois, manifesta a tempestividade do pedido.
  5. Termos em que decide-se, também, pela improcedência desta exceção.

4.3. DO MÉRITO

  1. No essencial, no presente processo está em causa determinar se:

(i) a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente e

(ii) consoante a resposta à questão acima, determinar se, in casu, os atos de liquidação impugnados são ilegais por erro nos pressupostos de direito (nomeadamente pela não aplicação do regime dos residentes não habituais), o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

  1. A primeira questão encontra-se já tratada abundantemente na jurisprudência do CAAD.
  2. Adiante-se, desde já, que acompanhamos o entendimento preconizado, entre outros, na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 487/2023-T:

“O regime do RNH foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro (...) exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos: i) que o sujeito passivo se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (àquele ano em que se pretende a tributação como RNH).

O direito à tributação como RNH fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “da inscrição como residente em território português”, e não da inscrição como RNH.

Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável à data dos factos (2019 a 2021), anos nos quais o regime do Estatuto do Residente não Habitual rege-se pela redação dos n.os 8 a 10 do Código do IRS, conforme segue:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo n.º 8 do artigo 16.º CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo.

Critério positivo: tornarem-se fiscalmente residentes nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS);

Critério negativo: não terem sido residentes em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS).

Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal. Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo do início da entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.

Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam de que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.

Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

(...)

E concorda-se igualmente com a mesma decisão arbitral [1] na parte em que decidiu que:

“(…) o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”

O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo, pelo contrário, o n.º 6 é inequívoco ao estabelecer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem os dois requisitos, positivo e negativo, a que já nos referimos; não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual seja requisito substancial, ou constitutivo, de aplicação do regime.

Acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:

“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual – até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”

Deste modo, é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem se observa na decisão do processo n.º 705/2022-T:

“Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.”

Conclui-se assim que o Requerente cumpre com os requisitos previstos no nº 8 do artigo 16.º do CIRS, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos RNH.

Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.

O pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT), que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição, e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos.

Sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como RNH.

Assim, considerando que se trata de um dever acessório, ao respetivo incumprimento pode corresponder uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas isso não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do RNH, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas, e não pressupõe, como requisito substancial adicional, a inscrição cadastral.

Conclui-se, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação de dois requisitos – de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores –, mas não depende da correspondente inscrição no cadastro.

Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente”.

  1. Conclui-se, assim, em sintonia com a citada jurisprudência, que a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime e, como tal, a intempestividade do pedido de inscrição não determina, pois, a exclusão do regime.
  2. Retomando os autos, a questão agora a decidir versa sobre a impugnação dos atos de liquidação de IRS, dos anos de 2021 e 2022.
  3. Ora, do probatório resulta que o Requerente A... não foi residente fiscal em Portugal nos 5 anos anteriores a 2019 e, de resto, apenas nesse ano se tornou residente fiscal em Portugal. Facto que, aliás, nem sequer é contestado pela Requerida, quer neste processo arbitral, quer em sede de procedimento tributário (mormente o pedido de inscrição como residente não habitual).
  4. Ademais, conforme se extrai da apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual é, pois, manifesta a intenção do Requerente A... em ser tributado de acordo com o regime dos residentes não habituais.
  5. Em particular, por ter obtido rendimentos de pensões no estrangeiro - conforme declarado na Declarações Modelo 3 de IRS dos anos de 2021 e 2022 - e por reunir as condições para beneficiar do regime dos residentes não habituais, tais rendimentos obtidos pelo Requerente A... deveriam ser tributados, conforme peticionado, à taxa de 10%, prevista no artigo 72.º, n.º 12 do Código do IRS.
  6. Destarte, pelo facto de não ter sido aplicado este regime de tributação, os atos tributários de liquidação em causa são, nessa parte, ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.
  7. Note-se, no entanto, que os Requerentes indicam como valor da causa o valor total a pagar das liquidações de IRS de 2021 e 2022 (i.e. €10.473,18). Ademais, parece transparecer do pedido formulado que é pretendida a anulação total daqueles atos tributários. Sucede, porém, que a anulação total dos atos tributários ora impugnados não é possível.
  8. Atendendo a que os montantes a pagar das referidas liquidações, também, consideram rendimentos obtidos pela Requerente B... e que quanto nenhum vício das liquidações é invocado quanto à tributação dos rendimentos por esta obtidos, ter-se-á, pois, de concluir apenas pela anulação parcial dos atos tributários ora impugnados (i.e. apenas na parte em que não foi aplicada a taxa de 10%, prevista no artigo 72.º, n.º 12 do Código do IRS, aos rendimentos de pensões obtidos no estrangeiro pelo Requerente A... .

4.4. QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO

  1. Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de IRS que são objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, ambos do CPC),  o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelos Requerentes, nomeadamente o vício de fundamentação.
  2. Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
  3. Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelos Requerentes.

 

  1. REEMBOLSO DE QUANTIA PAGA E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
  1. Os  Requerentes pagaram as quantias liquidadas e pedem o pagamento de juros indemnizatórios (Art. 84 e ss. do PPA).
  2. Como consequência da anulação parcial das liquidações de IRS há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, que deverão ser determinadas em execução do presente acórdão.
  3. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  4. Quanto aos juros indemnizatórios, dado que a Requerida efetuou as liquidações impugnadas por sua iniciativa com a ilegalidade verificada e que, de resto, era-lhe conhecida (dado que o pedido de inscrição como residente não habitual foi indeferido), é-lhe imputável tal situação, pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, cabe reconhecer aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento de cada uma das liquidações, até integral reembolso da quantia paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT.

 

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

  1. Declarar a anulação parcial das liquidações de IRS impugnadas; e
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €10.473,18 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

  1.   CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em 918,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Abril de 2024

 

O Árbitro

 

 Gonçalo Estanque

 



[1] Decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 777/2020-T.