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DECISÃO ARBITRAL
Sumário
1. As despesas com portagens e estacionamento não se encontram incluídas na enumeração exemplificativa prevista no art. 88º, nº5, do CIRC nem têm qualquer correspondência com as restantes situações nela referidas, que as pudesse considerar abrangidos por essa enumeração.
2. Em consequência não podem essas despesas ser sujeitas à tributação autónoma dos encargos com viaturas prevista no art. 88º, nº3, do CIRC.
I. Relatório
1. No dia 24-11-2023, o sujeito passivo A... S.A., Pessoa Colectiva n.º ... e sede na Rua..., n.º ... -..., ...-... Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade do despacho do Senhor Director do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), através do qual indeferiu expressamente o pedido de revisão oficiosa associado ao processo n.º ...2023..., oportunamente apresentado quanto aos actos tributários de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativos aos períodos de tributação de 2018 e 2019.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou os árbitros ora signatários, disso notificando as partes.
3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:
4.1. A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, sendo o respetivo perímetro constituído, nos exercícios de 2018 e 2019, pelas seguintes sociedades dominadas – as quais têm como objecto social a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde:
▪ B... S.A., (“B...”) com o número de identificação fiscal...;
▪ C... S.A. (“C...”) com o número de identificação fiscal...;
▪ D..., S.A. (“D...”) com o número de identificação fiscal...– apenas a partir de 2019;
▪ E... S.A. (“E...”) com o número de identificação fiscal...– apenas a partir de 2019.
4.2. No âmbito do cumprimento das suas obrigações declarativas, a Requerente procedeu, no dia 28 de Junho de 2019 e no dia 30 de Julho de 2020, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do Grupo de sociedades, referentes aos períodos de tributação de 2018 e 2019.
4.3. A 26 de Abril de 2021 e a 10 de Maio de 2021 a Requerente submeteu uma declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição com referência ao período de tributação de 2018 e 2019, respectivamente.
4.4. Posteriormente à entrega das referidas declarações, a Requerente veio a constatar que, por lapso, as mesmas não reflectiam correctamente a situação tributária do grupo, uma vez que considerou, erradamente, o montante de € 31.318,01 e de € 29.886,89, com referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, respectivamente, a título de tributação autónoma relacionada com encargos com portagens e estacionamentos.
4.5. No período de tributação de 2018, as sociedades pertencentes ao Grupo B... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos:
Descrição
|
Campo Q10
|
Total de encargos
|
Taxa
|
Tributação autónoma
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
168 847,39
|
10,00%
|
16 884,74
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
13 172,08
|
27,50%
|
3 622,32
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
30 888,43
|
35,00%
|
10 810,95
|
|
|
212 907,90
|
|
31 318,01
|
4.6. De igual modo, no período de tributação de 2019, as sociedades pertencentes ao Grupo F... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos:
Descrição
|
Campo Q10
|
Total de encargos
|
Taxa
|
Tributação autónoma
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
169 177,17
|
10,00%
|
16 917,72
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
11 025,45
|
27,50%
|
3 032,00
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
28 391,94
|
35,00%
|
9 937,18
|
|
|
208 594,56
|
|
29 886,89
|
4.7. No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, a Requerente concluiu que, aquando do apuramento das suas tributações autónomas nos períodos de tributação em causa, no âmbito dos gastos respeitantes a portagens e estacionamento, foi cometido um erro - na medida em que sujeitou indevidamente estes encargos a tributação autónoma.
4.8. Assim considerou a Requerente que se impunha a anulação da autoliquidação de IRC ora em apreço, por forma a corrigir o montante de tributação autónoma apurado e pago, particularmente, não se sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos.
4.9. Nessa senda, a Requerente apresentou tempestivamente o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2018 e 2019, a fim de solicitar a devida correcção – mormente por anulação parcial.
4.10. Não obstante, veio a Requerente a ser notificada da decisão final da revisão oficiosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão.
4.11. Nesse projecto de decisão, para além de infirmar a argumentação jurídica aduzida pela Requerente, a UGC decide também invocar que os valores apurados, a título de despesas com portagens e estacionamentos sujeitos a tributação autónoma, não se podem considerar demonstrados, dada a invocada ausência de documentação de suporte às despesas em apreço.
4.12. A Requerente instruiu o procedimento administrativo com um acervo documental, constituído nomeadamente pela seguinte documentação:
- declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2018;
- declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2019;
- detalhe de tributação autónoma referente aos períodos de tributação de 2018 e de 2019.
4.13. A Requerente invocou ainda expressamente que, em consonância com o princípio da cooperação consagrado no artigo 59.º da LGT e no artigo 48.º do CPPT, que se encontrava à inteira disposição da AT para facultar todos os elementos adicionais considerados relevantes para a análise da matéria em apreço.
4.14. Confrontada com a posição assumida pela AT, e embora com restrições operacionais e temporais associadas ao exercício do direito de audição prévia, a Requerente fez um relevante esforço para recolha e análise da documentação de suporte às despesas em apreço das Empresas que constituem o Grupo que lidera.
4.15. Em decorrência, a Requerente juntou ao procedimento um conjunto de extractos com a informação de suporte às despesas em causa incorridas na esfera das Empresas seleccionadas numa base de amostragem e, na medida em que esses extractos reflectem a totalidade dos gastos desta natureza registados (i.e., deles constam outros encargos com portagens e estacionamentos que não foram sujeitos a tributação autónoma) remeteu, igualmente, o mapa de apuramento da tributação autónoma dos encargos que constam do extracto da conta, por forma a demonstrar cabalmente os encargos incorridos a título de portagens e estacionamento.
4.16. A Requerente teve assim o ensejo de instruir o procedimento com o seguinte acervo documental:
- declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2018;
- declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2019;
- detalhe de tributação autónoma dos períodos de tributação de 2018 e de 2019;
- detalhe da tributação autónoma suportada com base nos encargos referentes a portagens e estacionamento nos períodos de tributação de 2018 e 2019;
- balancetes relativos aos períodos de tributação de 2018 e 2019;
- extractos contabilísticos das rúbricas relativas a encargos com portagens e estacionamentos;
- amostragem de documentação contabilística de suporte
4.17. De facto, a Requerente apresentou a decomposição do montante total de encargos sujeitos a tributações autónomas do Grupo F..., no montante de €168.054,98 e €137.025,70, por referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, respetivamente, incluindo os valores totais de encargos com VLPs sujeitos às taxas de tributação de 10,00%, 27,5% e 35,00%, procedendo a sua sistematização do seguinte modo:
Modelo 22 RETGS - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2018]
|
Encargos sujeitos a tributação autónoma
|
Campo
Q10
|
Taxas
|
A... SGPS
|
B... SA
|
C...
|
Modelo 22 RETGS
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
TOTAL de despesas
|
Tributação autónoma
|
Despesas de representação (Art. 88.º, n.º 7)
|
414
|
10,00%
|
4 608,43
|
5 588,86
|
1 060,94
|
11 258,23
|
1 125,82
|
Encargos efetuados ou suportados com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (art.º 88.º, n.º 9)
|
415
|
5,00%
|
0,00
|
18 684,11
|
807,87
|
19 491,98
|
974,60
|
Gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes [art.º
88.º, n.º 13, al. b)]
|
424
|
35,00%
|
50 000,00
|
0,00
|
39 000,00
|
89 000,00
|
31 150,00
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se
CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
10,00%
|
0,00
|
21 919,64
|
180 722,55
|
202 642,19
|
20 264,22
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se
CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
27,50%
|
0,00
|
55 182,68
|
57 075,77
|
112 258,45
|
30 871,07
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se
CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
35,00%
|
124,91
|
156 100,45
|
82 631,92
|
238 857,28
|
83 600,05
|
Despesas não documentadas [art.º 88.º , n.º 1]
|
438
|
50,00%
|
128,40
|
9,45
|
0,00
|
137,85
|
68,93
|
-
365 TOTAL 54 861,74 257 485,19 361 299,05 673 645,98 168 054,69
Modelo 22 RETGS - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2019]
|
|
Encargos sujeitos a tributação autónoma
|
Camp o Q10
|
Taxas
|
A...
SGPS
|
B... SA
|
C...
|
E...
|
D...
|
Modelo 22 RETGS
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
Despesas sujeitas a TA
|
TOTAL de despesas
|
Tributação autónoma
|
Despesas de representação (Art. 88.º, n.º 7)
|
414
|
10,00%
|
0,00
|
2 619,30
|
1 611,00
|
0,00
|
231,40
|
4 461,70
|
446,17
|
Encargos efetuados ou suportados com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador (art.º 88.º, n.º 9)
|
415
|
5,00%
|
103,90
|
26 744,13
|
1 688,22
|
1 952,49
|
398,85
|
30 887,59
|
1 544,38
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
10,00%
|
0,00
|
44 571,94
|
189 326,33
|
6 195,04
|
3 329,88
|
243 423,19
|
24 342,32
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00
[art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
27,50%
|
0,00
|
63 663,60
|
29 956,43
|
3 589,23
|
0,00
|
97 209,26
|
26 732,55
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
35,00%
|
175,82
|
156 886,60
|
66 668,96
|
9 902,01
|
0,00
|
233 633,39
|
81 771,69
|
Despesas não documentadas [art.º 88.º , n.º 1]
|
438
|
50,00%
|
0,00
|
4 355,08
|
0,00
|
22,11
|
0,00
|
4 377,19
|
2 188,60
|
365
4.18. De igual forma, a Requerente procedeu à decomposição dos encargos com VLP sujeitos a tributações autónomas por natureza, por ano e para cada uma das sociedades do Grupo F... que sujeitaram a tributação autónoma os encargos com portagens e estacionamentos nos períodos de tributação de 2018 (B... SA e C...) e de 2019 (B... SA, C... e E...) – igualmente sistematizando a informação do seguinte modo:
TOTAL 279,72 298 840,65 289 250,
B... SA - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2018
|
]
|
Tipo de despesa
|
Rubricas do balancete
|
Sujeição a TA
|
Total
(saldo das rubricas)
|
Não sujeito
|
10%
|
27,5%
|
35%
|
Conservação e reparação
|
622611327111
|
0,00
|
64,80
|
48,00
|
68,91
|
181,71
|
622611227111
|
1 292,99
|
3 612,25
|
7 118,89
|
14 710,46
|
26 734,59
|
622611227212
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
50,05
|
50,05
|
622621227111
|
553,50
|
1 773,47
|
57,50
|
0,00
|
2 384,47
|
Combustíveis
|
6242112
|
3 452,10
|
8 865,02
|
7 905,58
|
32 579,51
|
52 802,21
|
Portagens
|
6251123
|
210,23
|
2 203,85
|
2 778,09
|
15 043,61
|
20 235,78
|
Estacionamentos
|
6251124
|
65,24
|
171,00
|
108,30
|
2 863,34
|
3 207,88
|
Rendas e aluguer de viaturas
|
62611221
|
2 128,49
|
2 729,92
|
30 528,70
|
73 516,74
|
108 903,85
|
62611242
|
0,00
|
7,00
|
7,00
|
21,00
|
35,00
|
Seguros
|
62631331
|
1 124,64
|
1 905,40
|
4 807,11
|
12 671,63
|
20 508,78
|
Imposto s/ Transp. Rodoviários
|
68124
|
91,36
|
586,93
|
1 823,51
|
4 169,30
|
6 671,10
|
Despesas de Leasing
|
6981126
|
270,60
|
0,00
|
0,00
|
405,90
|
676,50
|
TOTAL
|
-
|
9 189,15
|
21 919,64
|
55 182,68
|
156 100,45
|
242 391,92
|
C... - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2018]
|
Tipo de despesa
|
Rubricas do balancete
|
Sujeição a TA
|
Total
(saldo das rubricas)
|
Não sujeito
|
10%
|
27,5%
|
35%
|
Conservação e reparação
|
62261122711
|
0,00
|
2 105,66
|
6 158,66
|
8 995,39
|
17 259,71
|
622621227111
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
1 629,77
|
1 629,77
|
622621227211
|
0,00
|
326,17
|
0,00
|
0,00
|
326,17
|
Combustíveis
|
6242112
|
9 051,80
|
4 488,19
|
10 678,45
|
12 908,37
|
37 126,81
|
Portagens
|
6251123
|
0,00
|
2 023,15
|
4 656,93
|
5 314,74
|
11 994,82
|
Estacionamentos
|
6251124
|
0,00
|
52,65
|
354,00
|
1 512,85
|
1 919,50
|
6261133151
|
0,00
|
164 396,74
|
5 274,76
|
6 153,89
|
175 825,39
|
Rendas e aluguer de viaturas
|
62611221
|
0,00
|
5 316,85
|
24 537,49
|
39 106,25
|
68 960,59
|
62611242
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
Seguros
|
62631331
|
0,00
|
1 516,87
|
4 174,79
|
5 183,98
|
10 875,64
|
Imposto s/ Transp. Rodoviários
|
68124
|
0,00
|
496,27
|
1 240,69
|
1 826,68
|
3 563,64
|
Despesas de Leasing
|
6981126
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
TOTAL
|
-
|
9 051,80
|
180 722,55
|
57 075,77
|
82 631,92
|
329 482,04
|
B...SA - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2019
|
]
|
Tipo de despesa
|
Rubricas do balancete
|
Sujeição a TA
|
Total
(saldo das rubricas)
|
Não sujeito
|
10%
|
27,5%
|
35%
|
Conservação e reparação
|
622611327111
|
0,00
|
94,62
|
48,00
|
91,20
|
233,82
|
622611227111
|
1 929,20
|
9 230,19
|
6 046,02
|
15 112,63
|
32 318,04
|
622611227211
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
10,00
|
10,00
|
622621227111
|
0,00
|
1 947,58
|
142,93
|
44,93
|
2 135,44
|
622621227212
|
0,00
|
0,00
|
0,00
|
347,23
|
347,23
|
688853
|
0,00
|
1 487,07
|
0,00
|
0,00
|
1 487,07
|
Combustíveis
|
6242112
|
3 752,45
|
9 231,14
|
13 890,77
|
35 481,81
|
62 356,17
|
Portagens
|
6251123
|
300,22
|
3 078,17
|
4 311,30
|
14 927,84
|
22 617,53
|
Estacionamentos
|
6251124
|
85,62
|
225,45
|
212,65
|
2 607,99
|
3 131,71
|
Rendas e aluguer de viaturas
|
62611221
|
3 029,16
|
14 952,89
|
32 812,68
|
72 358,40
|
123 153,13
|
62611242
|
0,00
|
21,00
|
14,00
|
35,00
|
70,00
|
Seguros
|
62631331
|
1 403,94
|
2 680,61
|
4 453,41
|
12 214,67
|
20 752,63
|
Imposto s/ Transp. Rodoviários
|
68124
|
77,26
|
1 032,82
|
1 731,84
|
3 458,10
|
6 300,02
|
Despesas de Leasing
|
6981126
|
0,00
|
590,40
|
0,00
|
196,80
|
787,20
|
TOTAL
|
-
|
10 577,85
|
44 571,94
|
63 663,60
|
156 886,60
|
275 699,99
|
C...- Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2019]
|
Tipo de despesa
|
Rubricas do balancete
|
Sujeição a TA
|
Total
(saldo das rubricas)
|
Não sujeito
|
10%
|
27,5%
|
35%
|
Conservação e reparação
|
62261122711
|
0,00
|
2 761,60
|
2 430,24
|
6 600,95
|
11 792,79
|
622621227111
|
0,00
|
2 567,57
|
679,71
|
-703,82
|
2 543,46
|
622621227211
|
0,00
|
0,00
|
1 537,50
|
998,28
|
2 535,78
|
Combustíveis
|
6242112
|
9 368,09
|
6 076,59
|
4 865,38
|
12 804,83
|
33 114,89
|
Portagens
|
6251123
|
0,00
|
1 815,33
|
1 803,30
|
4 878,46
|
8 497,09
|
Estacionamentos
|
6251124
|
0,00
|
85,50
|
345,35
|
1 194,75
|
1 625,60
|
6261133151
|
0,00
|
163 852,22
|
4 311,90
|
4 311,90
|
172 476,02
|
Rendas e aluguer de viaturas
|
62611221
|
0,00
|
9 416,31
|
10 818,26
|
30 030,95
|
50 265,52
|
Seguros
|
62631331
|
0,00
|
2 043,40
|
2 435,52
|
4 745,82
|
9 224,74
|
Imposto s/ Transp. Rodoviários
|
68124
|
0,00
|
707,81
|
729,27
|
1 806,84
|
3 243,92
|
TOTAL
|
-
|
9 368,09
|
189 326,33
|
29 956,43
|
66 668,96
|
295 319,81
|
E... - Tributação Autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros [2019]
|
|
Tipo de despesa
|
Rubricas do balancete
|
Sujeição a TA
|
Total
(saldo das rubricas)
|
Não sujeito
|
10%
|
27,5%
|
35%
|
Combustíveis
|
6242100000
|
790,10
|
1 061,42
|
185,64
|
655,52
|
2 692,68
|
Portagens
|
6251130000
|
0,00
|
117,80
|
40,95
|
1,00
|
159,75
|
Estacionamentos
|
6251140000
|
0,00
|
2,70
|
0,00
|
470,00
|
472,70
|
Seguros
|
6263131000
|
0,00
|
243,59
|
53,75
|
0,00
|
297,34
|
TOTAL
|
-
|
790,10
|
1 425,51
|
280,34
|
1 126,52
|
3 622,47
|
4.19. Adicionalmente, e de forma demonstrar inequivocamente que incorreu nos encargos referente a portagens e estacionamentos, cuja liquidação de tributação se encontra em discussão, a Requerente juntou os balancetes de cada uma das sociedades referentes aos períodos de tributação de 2018 e 2019 onde se comprova o saldo final das rubricas contabilísticas em análise.
4.20. Finalmente, a Requerente apresentou ainda os extractos contabilísticos das principais rubricas relativas aos encargos suportados com portagens e estacionamentos, bem como os documentos de suporte aos referidos encargos, os quais permitem demonstrar, ainda que a título meramente exemplificativo, que os encargos aqui em discussão respeitam efectivamente a portagens e estacionamento.
4.21. Com base na sistematização destes elementos e apresentação dos respetivos suportes documentais, entende a ora Exponente resultar claro que o Grupo F... suportou encargos com portagens e estacionamentos de VLP nos montantes de €212.907,90 e €208.594,56, com referência a 2018 e 2019, respetivamente, os quais, resultaram na liquidação indevida de tributação autónoma nos montantes de €31.318,01 e €29.886,89, respectivamente, conforme se resume nas tabelas abaixo:
Tributação Autónoma a recuperar [2018]
|
|
Encargos sujeitos a tributação autónoma
|
Taxas
|
B... SA
|
C...
|
Modelo 22 RETGS
|
TOTAL de despesas
|
Tributação autónoma
|
Portagens
|
10,00%
|
2 203,85
|
2 023,15
|
4 227,00
|
422,70
|
27,50%
|
2 778,09
|
4 656,93
|
7 435,02
|
2 044,63
|
35,00%
|
15 043,61
|
5 314,74
|
20 358,35
|
7 125,42
|
Estacionamento
|
10,00%
|
171,00
|
164 449,39
|
164 620,39
|
16 462,04
|
27,50%
|
108,30
|
5 628,76
|
5 737,06
|
1 577,69
|
35,00%
|
2 863,34
|
7 666,74
|
10 530,08
|
3 685,53
|
-
|
TOTAL 23 168,19
|
189 739,71
|
212 907,90
|
31 318,01
|
|
Tributação Autónoma a recuperar -
|
2019
|
|
|
Encargos sujeitos a tributação autónoma
|
Taxas
|
B... SA
|
C...
|
E...
|
D...
|
Modelo 22 RETGS
|
TOTAL de despesas
|
Tributação autónoma
|
Portagens
|
10,00%
|
3 078,17
|
1 815,33
|
117,80
|
0,00
|
5 011,30
|
501,13
|
27,50%
|
4 311,30
|
1 803,30
|
40,95
|
0,00
|
6 155,55
|
1 692,78
|
35,00%
|
14 927,84
|
4 878,46
|
1,00
|
0,00
|
19 807,30
|
6 932,56
|
Estacionamento
|
10,00%
|
225,45
|
163 937,72
|
2,70
|
0,00
|
164 165,87
|
16 416,59
|
27,50%
|
212,65
|
4 657,25
|
0,00
|
0,00
|
4 869,90
|
1 339,22
|
35,00%
|
2 607,99
|
5 506,65
|
470,00
|
0,00
|
8 584,64
|
3 004,62
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
4.22. Assim, entende a Requerente que fica cabalmente demonstrado: (i) o montante de tributações autónomas sobre encargos com VLPs que foi suportado e liquidado pelo Grupo F... nos períodos de tributação de 2018 e 2019; bem como (ii) a parte desse montante que corresponde a tributações autónomas sobre encargos suportados com portagens e estacionamento..
4.23. Através deste procedimento, a Requerente pretendeu evidenciar os gastos desta natureza registados nas empresas identificadas, separados por ano, evidenciando ainda quais dos mesmos foram sujeitos a tributação autónoma.
4.24. Cumpre notar que, pese embora o relevante esforço empreendido para a análise e seleção dos elementos relevantes – que, pela sua extensão, corresponde a uma amostragem das despesas em análise – a Requerente reiterou a sua disponibilidade para facultar à AT os elementos adicionais considerados necessários para o conhecimento do pedido.
4.25. No entanto, como se disse, veio a Requerente a ser notificada da decisão final da revisão oficiosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão, pela AT, com base no entendimento de que, tendo embora ficado demonstrados os valores sujeitos a tributação autónoma, a autoliquidação de IRC dos períodos de tributação de 2018 e 2019 não padece de qualquer ilegalidade.
4.26. A Requerente não pode conformar-se com tal decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa, nos termos em que foi feita, na medida em que a mesma padece simultaneamente de erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de Direito – o que tudo implica a sua anulação, bem como a dos actos tributários que lhe subjazem.
4.27. Entende a Requerente que, ao invés do erradamente pressuposto na declaração de rendimentos “Modelo 22” de IRC, não pode considerar-se que os encargos com portagens e estacionamento se assumam como “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” na acepção dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC,
4.28. Porquanto aqueles não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa, pelo que este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC.
4.29. Isto porque os custos com a utilização de portagens não constituem um encargo da viatura, antes se traduzem no pagamento de uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público que são as autoestradas (ainda que sujeitas a concessão por parte do Estado).
4.30. Do mesmo modo, os encargos com a utilização de estacionamento não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa.
4.31. Por conseguinte, este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC.
4.32. A Jurisprudência mais recente não só reitera a argumentação que já vem sendo sufragada – e que a Requerente, em sede procedimental, adequadamente citou – como ainda se refere expressa e directamente à questão da tributação autónoma, concluindo pela não sujeição dos encargos com portagens e estacionamentos a tributação autónoma.
4.33. De tal forma, viu-se a Requerente excessivamente onerada com o pagamento de tributação autónoma no montante de €61.204,90, respeitante a encargos com portagens e estacionamentos.
4.34. Por conseguinte, deve a decisão de indeferimento expresso aqui impugnada ser julgada ilegal, com a consequente anulação parcial das autoliquidações de IRC – da qual devem ser retiradas pela AT todas as legais consequências.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:
5.1. Para a boa decisão dos autos dever-se-ão dar como assentes os factos minuciosamente descritos na informação n.° 168-AIR1/2023, da UGC – Divisão da Justiça Tributária, que suportou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
5.2. Deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.
5.3. O objecto do presente pedido centra-se na apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., referente aos períodos de tributação de 2020 e 2021, que considerou que não existia erro na autoliquidação de IRC do grupo tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) mencionado pela Requerente.
5.4. Dever-se-á remeter para a leitura das decisões exaradas nos processos n.º 31/2012-T CAAD, n.º 92/2013-T CAAD ou a recentíssima decisão prolatada no processo n.º 51/2023 – T CAAD e ainda para o parecer do Ministério Público no âmbito do processo que decorre no Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de uniformização de jurisprudência.
5.5. Conforme doutrina dominante e a Jurisprudência dos tribunais superiores, não podemos olvidar nesta análise que a razão de ser, por assim dizer, da tributação autónoma, não está tão só no simples arrecadar de imposto, mas sim no carácter anti-abuso, i.e., o sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributa.
5.6. Ora, tal como é evidente no caso em apreço relativamente a encargos que envolvem a utilização de viaturas ligeiras de passageiros elencadas no n.º 3 do art.º 88.º do CIRC mormente os relativos a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização daquelas viaturas, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), facilmente são desviadas para consumo privado, ou seja, tratam-se de encargos que podem ser propiciadores de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento
5.7. Tal como todas as normas anti-abuso, a tributação autónoma deve a sua existência aos comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr. artigo 103º, n°.1, da CRP).
5.8. São abrangidos pelas tributações autónomas os encargos dedutíveis ou não, relativos a viaturas ligeiras de passageiros, apenas com a excepção dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros que sejam movidas exclusivamente a energia eléctrica e dos previstos no n.º 6 do artigo 88.º do CIRC.
5.9. No seguimento, o n.º 5 do mesmo artigo 88.º, enumera alguns dos encargos que se consideram relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.
5.10. Quer isto dizer que, a definição de “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos” não se reduz aos encargos que foram expressamente mencionados no n.º 5 daquele artigo, uma vez que a utilização do advérbio “nomeadamente” pelo legislador, sempre foi entendida, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência, como incidindo sobre um elenco meramente exemplificativo de matérias que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado.
5.11. Assim, pese embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas, sendo dedutíveis para efeitos deste imposto caso reúnam as condições previstas no artigo 23.º do respectivo Código.
5.12. Indubitavelmente, os encargos em apreço, encargos concernentes a estacionamento e portagens, estão directa e intrinsecamente relacionados com a utilização de viaturas pois que apenas estas são estacionadas e passam em portagens, pelo que tratando-se de viaturas ligeiras de passageiros expressamente listadas nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, os respectivos encargos são objecto de tributação autónoma nos termos da lei.
5.13. Trata-se, analogamente, de encargos relacionados com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros, nos termos expressamente previstos no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, pois que sem essa utilização dada pela Requerente (e não apenas pela sua posse ou funcionamento como parece defender a Requerente) não suportaria aqueles encargos e consequentemente não haveria sujeição a tributação autónoma, dando assim cumprimento ao fim último das mesmas, desencorajar o recurso àquele tipo de despesas.
5.14. Não é verdade que, no caso dos autos, a AT se limite a suscitar uma suspeição sobre a contabilidade da Requerente, mormente em relação aos valores inscritos e registados como despesas sujeitas a tributação autónoma, olvidando a presunção legal de veracidade que sobre a mesma recai.
5.15. Também não procede o argumento de que a AT não logrou encetar qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, apesar das despesas acima referidas se encontrarem arquivadas na sua contabilidade e disponíveis para consulta.
5.16. O dever de a administração tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59.º, da LGT.
5.17. Contrariamente ao que a Requerente refere, não está assim em causa o princípio da presunção legal de veracidade e de boa-fé das suas declarações contabilísticas, principio esse contido no art.º 75º da LGT, mas ao invés o princípio do ónus da prova contido no art.º 74º do mesmo Código.
5.18. O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
5.19. Princípio esse que, confessadamente a Requerente incumpriu em sede procedimental e que volta a incumprir nos presentes autos, uma vez que conforme a própria reconhece limitou-se a recolher uma amostragem de elementos “relativos às empresas que incorreram em despesas mais relevantes, e para estas, selecionou um conjunto de faturas ou documentos equivalentes representativos tanto de despesas com portagens como despesas com estacionamentos relativos aos períodos de tributação de 2020 e 2021” .
5.20. No caso de ser precedente a questão de fundo, afigura-se a prova por amostragem efetuada pela Requerente, relativa às empresas que incorreram em despesas mais relevantes, não é suficiente para dar como provado a totalidade dos montantes que peticionam.
5.21. De facto, os valores que compõem as autoliquidações em causa respeitam a despesas concretas com veículos, designadamente portagens e despesas de estacionamento, e era sobre a Requerente que impendia o ónus da sua demonstração, ónus esse que nunca resultaria cumprido, com o recurso a uma mera amostragem.
5.22. Sublinhe-se que, substantiva e adjectivamente, a amostragem (que configura por si uma técnica de auditoria) ou prova por amostra não figura no nosso ordenamento jurídico – CC e CPC – como meio de prova idóneo.
5.23. Desde já se adiante que qualquer interpretação, em sentido contrário ao aqui pugnado pela Recorrida, é manifestamente violadora da Constituição da República Portuguesa, porquanto viola o principio da legalidade (cf. art.º 104.º n.º 2 da CRP) - porque distorce o princípio de que as empresas devem ser tributadas fundamentalmente pelo seu rendimento real -, no seu corolário da indisponibilidade dos créditos tributários (art.º 30, n.º 2, da LGT) na medida em que, aceita a totalidade de um gasto – de algo que não é gasto, conforme aqui explanado – , diminuindo o apuramento lucro tributável da empresa o que por sua vez levará, no limite, a menor imposto a pagar.
5.24. Ou seja, por mera amostragem, tal interpretação permite que as tributações autónomas, que são factos de realização de despesa e, por conseguinte, instantâneos, se assumam como gasto para um exercício inteiro, permitindo a dedução na sua plenitude.
5.25. Ao que acresce que, tal recurso à amostragem/equidade é per si manifesta e frontalmente violadora dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (cf. ar.º 2 da CRP), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cf. art.º 20.º da CRP), da independência e vinculação à legalidade dos tribunais (cf. art.º 203.º CRP).
5.26. Culminando num lacerar do princípio da eficiência fiscal, que visa garantir que o sistema fiscal seja adequado à satisfação das necessidades financeiras do Estado e também a prossecução de todos os seus objectivos políticos, qualquer que seja a sua natureza.
5.27. Princípio que está implicitamente consagrado na CRP, pois que o sistema fiscal, nos termos do artigo 103.º, deve contribuir não só para «a satisfação das necessidades financeiras do Estado» mas também para «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» e, ainda, para a consecução dos objetivos previstos no art.º 104.º da CRP.
5.28. Em suma, não pode um tribunal, por recurso à amostragem de prova, promover a assunção de quaisquer despesas in totum, pelo que à luz de todo o exposto forçoso será concluir fenecem in totum os argumentos arvorados pela Requerente, não padecendo os actos aqui em dissídio de qualquer vício.
6. Em 9/4/2024 foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidos os pressupostos da mesma, bem como a produção de alegações pelas partes, dado estarem claras as suas posições nos articulados.
II – Factos provados
7. Com base na prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
7.1. A Requerente é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades as quais têm como objeto social a gestão e exploração de estabelecimentos de saúde:
▪ B... S.A., (“B... S.A.”) com o número de identificação fiscal ...;
▪ C... S.A. (“C...”) com o número de identificação fiscal...;
▪ D..., S.A. (“D...”) com o número de identificação fiscal ...– apenas a partir de 2019;
▪ E... S.A. (“E...”) com o número de identificação fiscal ...– apenas a partir de 2019.
7.2. A Requerente procedeu, no dia 28 de Junho de 2019 e no dia 30 de Julho de 2020, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do referido Grupo de sociedades, referentes aos períodos de tributação de 2018 e 2019, respectivamente com os números de identificação ... e ... .
7.3. A 26 de Abril de 2021 e a 10 de Maio de 2021 a Requerente submeteu novas declarações de rendimentos Modelo 22 do IRC de substituição das anteriores com referência ao período de tributação de 2018 e 2019, respectivamente com os números de identificação ... e ... .
7.4. No período de tributação de 2018, as sociedades pertencentes ao Grupo F... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos:
Descrição
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Campo Q10
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Total de encargos
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Taxa
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Tributação autónoma
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Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
168 847,39
|
10,00%
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16 884,74
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
13 172,08
|
27,50%
|
3 622,32
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
30 888,43
|
35,00%
|
10 810,95
|
|
|
212 907,90
|
|
31 318,01
|
7.5. De igual modo, no período de tributação de 2019, as sociedades pertencentes ao Grupo F... suportaram os seguintes montantes a título de despesas com portagens e estacionamentos:
Descrição
|
Campo Q10
|
Total de encargos
|
Taxa
|
Tributação autónoma
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA < € 27.500,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. a)]
|
426
|
169 177,17
|
10,00%
|
16 917,72
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 27.500,00 e < € 35.000,00 [art.º 88.º , n.º 3, al. b)]
|
427
|
11 025,45
|
27,50%
|
3 032,00
|
Encargos com viat. ligeiras de passag. e de mercadorias - Se CA >= € 35.000,00 [art.º 88.º, n.º 3, al. c)]
|
428
|
28 391,94
|
35,00%
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9 937,18
|
|
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208 594,56
|
|
29 886,89
|
7.6. A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2018 e 2019, a fim de solicitar a anulação da autoliquidação de IRC, por forma a corrigir o montante de tributação autónoma apurado e pago, não sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos, à qual foi atribuído o nº de processo ...2023.
7.7. Por ofício nº ...-DJT/2023, de 7 de Julho de 2023, foi a Requerente notificada do projecto de decisão de indeferimento, sendo-lhe atribuído o direito de participação na modalidade de audiência prévia.
7.8. Por ofício n.º ...-DJT/2023, de 25.09.2023, foi comunicada à Requerente do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, emitido a 29.08.2023.
7.9. Perante esta decisão apresentou a Requerente, em 24.11.2023, junto deste Centro de Arbitragem Administrativa, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação dessa decisão administrativa e a anulação parcial das autoliquidações de IRC ora impugnadas, relativas ao exercício de 2018 e 2019, com a consequente restituição do montante de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 61.204,90.
III - Factos não provados
8. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
IV - Fundamentação da decisão de facto:
9. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida no âmbito deste processo arbitral.
A Requerida suscitou a questão de não se poder demonstrar por amostragem os gastos relativos a portagem e estacionamento, mas a verdade é que na decisão da reclamação graciosa não colocou em causa esse apuramento, tendo-se limitado a considerar essas despesas como legalmente abrangidas pela tributação autónoma. Isto apesar de no processo administrativo se encontrar abundante documentação relativa aos encargos suportados pela Requerente.
Ora, perante a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, referida no art. 75º, nº1, da Lei Geral Tributária, bem como face à possibilidade de a administração tributária confirmar essas declarações, o que não fez em sede própria, não se vê que este Tribunal Arbitral deva colocar em dúvida a amostragem indicada para determinação das despesas com portagens e estacionamento. A amostragem constitui claramente um meio de prova idóneo para efeitos de formação de presunção judicial, admissível nos termos do art. 351º do Código Civil.
O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.
V - Do Direito
10. A única questão que cabe examinar neste processo respeita a saber se os encargos com viaturas objecto de tributação autónoma nos termos do art. 88º, nº3, do CIRC, abrangem os encargos com portagens e estacionamento.
Sobre esta questão dispõe o art. 88º, nº5, do CIRC o seguinte:
“Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.
Sobre esta disposição, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de Março de 2021, salientou o seguinte:
"Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).
Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5 (…).
Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.
Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.
À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz-nos, também, uma interpretação histórica:
Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.
Também este elemento histórico aponta para a exclusão das despesas sub juditio, da tributação autónoma prevista no artigo 81º nºs 3 e 5 do CIRC.".
Esta interpretação tem vindo a ser seguida em várias decisões do Tribunal Central Administrativo Norte, como o Acórdão de 8/7/2021, processo 01509/05.5BEPRT, o Acórdão de 31/3/2022, processo 00635/09.6BEPRT, bem como o acórdão deste CAAD de 10/10/2022, emitido no processo 138/2022-T.
Aderimos também igualmente a essa interpretação, pelo que consideramos igualmente que os encargos com portagens e estacionamento não se encontram abrangidos pelo art. 88º, nº5, CIRC, não podendo assim ser objecto de tributação autónoma, tendo por isso razão a Requerente neste processo.
Efectivamente, não estando claramente as despesas com portagens e estacionamento referidas no art. 88º, nº5, CIRC, nem se podendo considerar as mesmas como semelhantes aos exemplos nele mencionados, haveria uma clara violação do princípio da legalidade tributária previsto no art. 103º, nº2, da Constituição e art. 8º da LGT, se as mesmas fossem objecto de tributação autónoma, pelo que o pedido de revisão oficiosa deveria ter sido julgado procedente e provado. Efectivamente mostram-se ilegais as autoliquidações impugnadas relativas aos exercícios de 2018 e 2019 em relação à tributação autónoma dessas despesas.
V – Decisão
Nestes termos, julgam-se procedentes os pedidos de anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa e de anulação parcial das autoliquidações de IRC impugnadas, relativas aos exercícios de 2018 e 2019, com a consequente restituição do montante de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 61.204,90.
Fixa-se ao processo o valor de € 61.204,90 e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 2.448,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.
Lisboa, 22 de Abril de 2024
Os Árbitros
(Victor Calvete)
Com a declaração de que preferiria ter suspendido a instância face à iminência de um acórdão uniformizador do STA.
(Luís Menezes Leitão, relator)
(Ricardo Marques Candeias)
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