Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 746/2023-T
Data da decisão: 2024-04-15  IRS  
Valor do pedido: € 58.936,81
Tema: IRS — Mais-valias imobiliárias — Reinvestimento do produto da alienação — Afetação do domicílio fiscal — Revogação (rectius, anulação administrativa) parcial do ato de liquida­ção na pendência da arbitragem — Utilidade no prosseguimento da lide.
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DECISÃO ARBITRAL

 

— I —

            A..., contribuinte fiscal n.º ..., (doravante “o requerente”), com domicílio fiscal na Rua ... n.º ..., ...-... Seixal, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­RI­DADE TRIBU­TÁ­RIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração de ilega­lidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singu­lares (IRS) n.º 2022-... (doravante “a Liquidação Impugnada”), relativo ao exercício de 2020.

Para tanto alegou, em síntese, que, pelo preço de PTE 11.000.000,00, adquiriu, em 13-10-1998, a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número ... da freguesia de ... e inscrito, à data, na matriz predial urbana sob o artigo ... da extinta da freguesia de ... (doravante “o Imóvel”) que destinou à sua habitação própria permanente; que em 19-11-2020 ajustou a promessa de alienação do Imóvel tendo nessa data recebido a quantia de EUR 31.500,00, que utilizou para liquidar os empréstimos que existiam à data junto do banco; que em 11-12-2020, através de escritura pública lavrada em cartório notarial sito em Lisboa, foi Imóvel vendido pelo valor de EUR 315.000,00 tendo, além do mais, procedido ao pagamento de comissão à mediadora imobiliária com a firma “B..., Lda”, titular da licença AMI n.º..., no valor total de EUR 19.372,50; que em 05-03-2021, e pelo preço de EUR 200.000,00,  procedeu à aquisição do prédio composto por edifício de r/c e 1º andar, sito na ..., lote ..., freguesia ..., concelho de Seixal, inscrito na matriz predial urbana da união das frenesias do ..., ... e ..., sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ... da freguesia de ..., que necessitava de obras avultadas; que a partir dessa data se mudou para o imóvel sito na ..., onde reside desde então, aí tomando as suas refeições, pernoitando e recebendo os amigos e familiares; que, dada a situação pandémica então vivida, solicitou junto dos serviços do Instituto dos Registos e do Notariado a alteração dos dados relativos à sua morada em 12-04-2021, estando convicto que a situação teria ficado regularizada; que, em 25-01-2021, submeteu eletronicamente a sua declaração de rendimentos, modelo 3, a que foi atribuído o n.º..., tendo nesta declarado a intenção de proceder ao reinvestimento da totalidade do valor de realização resultante da alienação do Imóvel; que, no entanto, porque não fora devidamente atualizada a sua morada para efeitos fiscais, o Serviço de Finanças de Lisboa – ... enviou todas as comunicações para o Imóvel, que já havia sido vendido, que foram todas devolvidas sem que o requerente tivesse tomado conhecimento do que se passava, de que ficou ciente apenas no ano de 2022, quando tomou conhecimento de que teria dívidas fiscais e foi informado da prolação da Liquidação Impugnada; que contra esta deduziu reclamação graciosa, que veio a ser indeferida em 18-07-2023 por despacho da Direção de Finanças de Lisboa; finalmente, que a presunção de residência própria permanente no endereço registado como domicílio fiscal  não é absoluta nem inilidível, podendo ser afastada nos termos previsto no art. 13.º, n.º 10, do CIRS.

Concluiu peticionando a anulação parcial da Liquidação Impugnada na parte em que não excluiu de tributação em sede de IRS o valor de realização auferido pelo requerente na alienação do imóvel acima referida e, bem assim, a condenação da requerida a indemnizá-lo pelos custos em que tiver incorrido em virtude do pedido de prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal.

Juntou documentos, arrolou testemunhas e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 58.936,81 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por impugnação. Em síntese, sustentou que nos termos do art. 13.º, n.º 12, do CIRS o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo; que o requerente deveria ter afetado o novo imóvel a habitação própria e permanente até 04-03-2022, mas por consulta ao sistema informático verifica-se que o requerente apenas alterou o seu domicílio fiscal para esse imóvel em 18-10-2022, não tendo cumprido o prazo imposto pelo art. 10.º, n.º 6, al. a), do CIRS; que, assim e desse modo, não pode obter a pretendida exclusão de tributação por não estarem reunidos os requisitos previstos no referido preceito legal; finalmente, que o prazo de 36 meses para proceder ao reinvestimento ainda está a decorrer, pelo que a exclusão de tributação ainda pode ser obtida, desde que entretanto se preencham os respetivos pressupostos; finalmente que os valores declarados pelo requerente na sua declaração de rendimentos apresentavam divergências relevantes com a realidade dos factos, tal como apurada no correspondente procedimento tributário, pelo que não poderiam ser fiscalmente aceites.

            Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo administrativo.

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            Já depois de ordenada a notificação da requerida, veio esta dar conta aos autos da prolação de despacho pela Subdiretora-Geral da AT, em 12-01-2024, a revogar parcialmente o ato impugnado na presente arbitragem.

            Notificado o requerente para informar se, em face tal despacho, mantinha o interesse no prosseguimento da arbitragem, veio responder pela positiva.

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            Depois de ordenada às partes a apresentação de vários documentos, pelo despacho arbitral de 21-02-2024 foi decidido relegar para a decisão arbitral o conhecimento da questão prévia da eventual inutilidade superveniente da lide e determinado ao requerente que viesse aos autos informar os factos, por referência aos articulados da causa, a cuja prova se destinariam os depoimentos das testemunhas por si arroladas, não tendo aquele apresentado qualquer resposta.

            Pelo despacho de 05-03-2024 procedeu-se ao agendamento da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, ressalvando-se então que tal agendamento ficaria condicionado à admissão do rol de testemunhas do requerente, podendo vir a ser dado sem efeito se, nessa sequência, se viesse a concluir pela desnecessidade de realização da diligência em causa.

            Pelo despacho arbitral de 10-03-2024 foi decidido, face ao incumprimento do dever de colaboração que impendia sobre o requerente e à ausência de demonstração da necessidade ou conveniência na produção da prova testemunhal requerida não obstante a oportunidade que lhe fora concedida, indeferir o rol de testemunhas apresentado pelo requerente. Em consequência, foi igualmente decidido dispensar a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, dando sem efeito o agendamento já efetuado, e ordenada a notificação das partes para a apresentação de alegações escritas pelo prazo igual e simultâneo de 10 dias.

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Ambas as partes apresentaram alegações, tendo no essencial mantido as posições já vertidas nos articulados que apresentaram nos autos. O requerente procedeu ainda ao pagamento do remanescente da taxa de arbitragem.

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            Por requerimento entrado em 18-03-2024, veio o requerente penitenciar-se pelo lapso da sua ausência de resposta ao despacho arbitral de 21-02-2024, peticionando que se procedesse à aceitação da prova testemunhal, entretanto indeferida pelo despacho arbitral de 10-03-2024.

            Notificada para se pronunciar, a requerida veio manifestar a sua oposição a que houvesse lugar à produção da prova testemunhal.

            Pelo despacho arbitral que antecede foi decidido indeferir o requerido.

           

 

 

— II —

As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.

***

            Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo isso presente, o requerente atribuiu à presente arbitragem o valor de EUR 58.936,81, sem impugnação por parte da requerida. Não se vislumbrando qualquer motivo para divergir da posição consensual das partes, há que aceitar o montante em que elas acordaram.

            Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 58.936,81.

***

Fixado que está o valor da causa e uma vez que o requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 2, do RJAT).

É o presente Tribunal igualmente competente em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da cit. Portaria n.º 112-A/2011.

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            De ofício, o Tribunal Arbitral suscitou a questão prévia, obstativa do prosseguimento da causa, da inutilidade superveniente da presente lide, atenta a prolação, pela AT, de um despacho a determinar a revogação parcial do ato de liquidação sob impugnação.

Notificado para se pronunciar acerca desta questão, o requerente veio declarar manter o interesse no prosseguimento da causa.

Importa assim conhecer da referida questão prévia.

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Antes de mais, para efeito de conhecimento da presente questão prévia obstativa do conhecimento do mérito da causa considero sumária e indiciariamente provados os seguintes factos:

a) Em 25-08-2021 o requerente submeteu eletronicamente a declaração de rendimentos, Modelo 3, n.º ... referente ao exercício de 2020, tendo declarado:

— no Campo 4001 do Anexo G, a alienação do imóvel ...-U-...-E pelo valor de EUR 315.000,00 em 2020-12, adquirido pelo valor EUR 85.000,00 em 1998-12, e o montante de EUR 31.655,00 em despesas e encargos.

— no Campo 5005 do Anexo G, o montante de EUR 15.561,84 relativo ao valor em dívida do empréstimo à data da alienação do imóvel identificado no Campo 4001;

— no Campo 5006 do Anexo G, o montante de EUR 315.000,00 relativo à intenção de reinvestimento do valor de realização na alienação do imóvel identificado no Campo 4001.

 

b) Na sequência da apresentação da declaração de rendimentos identificada em a), em 27-08-2021 a AT emitiu a Liquidação de IRS n.º 2021-..., da qual resultava uma coleta líquida no montante de EUR 8.704,34 e um valor final de imposto a pagar no montante de EUR 936.34.

c) Em data não concretamente apurada do ano de 2021, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa-... um procedimento de divergências tendo por objeto a declaração de rendimentos identificada em a).

d) Por despacho de 20-06-2022 proferido pela Chefe Adjunta do Serviço de Finanças de Lisboa-... foi determinado proceder às seguintes correções aos valores declarados pelo requerente na declaração de rendimentos identificada em a):

Assim, no Campo 4001, do Quadro 4, do anexo G, o valor de aquisição, será corrigido para € 54.867,77.

O valor das despesas (€ 31.655,00), no Campo 4001, será eliminado.

No Campo 5005, do Quadro 5A, será eliminado o valor em dívida do empréstimo à data da alienação do imóvel da Rua ..., ... - ...°, ( € 15.561,84), e no Campo 5006, o valor de realização que pretende reinvestir ( € 315.000,00).

 

e) Em execução do despacho identificado em d), em 27-06-2022 o Serviço de Finanças de Lisboa-... procedeu à submissão eletrónica da declaração oficiosa n.º ...-2020-... -..., referente requerente e ao exercício de 2020, tendo nesta declarado:

— no Campo 4001 do Anexo G, a alienação do imóvel ...-U-...-E pelo valor de EUR 315.000,00 em 2020-12, adquirido pelo valor EUR 54.867,77 em 1998-12, e um montante nulo relativo a despesas e encargos.

— no Campo 5005 do Anexo G, um montante nulo relativo ao valor em dívida do empréstimo à data da alienação do imóvel identificado no Campo 4001;

— no Campo 5006 do Anexo G, um montante nulo relativo à intenção de reinvestimento do valor de realização na alienação do imóvel identificado no Campo 4001.

 

f) Na sequência da apresentação da declaração oficiosa identificada em e), em 02-07-2022 a AT emitiu a Liquidação de IRS n.º 2022-..., da qual resultava uma coleta líquida no montante de EUR 65.386,75 e um valor final de imposto a pagar no montante de EUR 57.618.75.

g) Em 07-12-2023 o funcionário tributário C... elaborou, no processo administrativo n.º ...2023..., a informação n.º 442/23, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual resulta o seguinte:

IV - Conclusão.

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser concedido provimento parcial ao solicitado (conforme pontos iii) e iv) supra), indeferindo-se as restantes solicitações.

Isto é, deverá ser elaborada declaração oficiosa onde deverá ser inscrito no campo referente às despesas e encargos (campo 4001 do quadro 4 do anexo G) o montante de 19.372,50 €. Por sua vez, no campo 5006 do quadro 5 do anexo G deverá ser inscrito o valor de realização pretendido reinvestir que, tal como inscrito pelo requerente na declaração por si entregue, corresponde à totalidade do valor de realização (315.000,00 €).

Assinale-se que, face à inscrição do valor pretendido reinvestir (no campo 5006 do quadro 5 do anexo G) a eventual tributação de mais-valias será́ transposta para momento ulterior (nomeadamente, com a inscrição do valor reinvestido ou com o decurso do prazo sem que o reinvestimento seja declarado).

V – Proposta de decisão.

Por tudo o exposto, propõe-se que seja alterada a liquidação n.º 2022..., referente ao IRS do ano fiscal de 2020.

 

h) Sobre a informação referida em g) recaiu, em 12-01-2024, o seguinte despacho da Subdiretora-Geral da AT ...: “Revogo parcialmente o ato recorrido.

i) Em execução do despacho identificado em h), em 07-02-2024 os serviços da AT procederam à submissão eletrónica da declaração oficiosa n.º...-2020-...-..., referente requerente e ao exercício de 2020, tendo nesta declarado:

— no Campo 4001 do Anexo G, a alienação do imóvel ...-U-...-E pelo valor de EUR 315.000,00 em 2020-12, adquirido pelo valor de EUR 54.867,77 em 1998-12, e um montante de EUR 19.372,50 relativo a despesas e encargos.

— no Campo 5005 do Anexo G, um montante nulo relativo ao valor em dívida do empréstimo à data da alienação do imóvel identificado no Campo 4001;

— no Campo 5006 do Anexo G, um montante de EUR 315.000,00 relativo à intenção de reinvestimento do valor de realização na alienação do imóvel identificado no Campo 4001.

 

j) Na sequência da apresentação da declaração oficiosa identificada em i), em 14-02-2024 a AT emitiu a Liquidação de IRS n.º 2024-..., da qual resultava uma coleta líquida no montante de EUR 8.704,34 e um valor final de imposto a pagar no montante de EUR 936,34.

 

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Com relevância para o conhecimento da presente questão prévia inexistem quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou do conhecimento oficioso do Tribunal, que se devam considerar como não provados.

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Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta exceção o Tribunal teve exclusivamente em consideração a prova documental junta aos autos, em especial aquela constante do Processo Administrativo (PA) relativo ao procedimento de divergências junto pela requerida, muito particularmente o teor de fls. 1 [facto c)], fls. 20 [facto d)] e fls. 26 a 38 [facto e)] do referido PA. Já o facto a) resulta demonstrado pelo documento n.º 13 oferecido juntamente com a p.i. do requerente; os factos g) e h) pelo documento junto pela requerida em 22-01-2024; e o facto i) do documento n.º 1 junto pela requerida em 21-02-2024.

Finalmente, os factos b), f) e j) resultam demonstrados pelo documento n.º 2 igualmente junto pela requerida em 21-02-2024.

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A questão que se cuida agora, portanto, é a de saber, em face do despacho de revogação (rectius, anulação administrativa) melhor identificado em h) do probatório, e das diligências subsequentes relativas à sua execução [identificadas em i) e j) do probatório], se persiste a utilidade na prossecução da instância arbitral e na decisão da pretensão deduzida pelo requerente.

Adianta-se desde que, como se demonstrará seguidamente, a resposta terá de ser negativa.

Com efeito, os factos dados como provados permitem estabelecer a seguinte cronologia de eventos:

— na sequência da apresentação, pelo requerente, da sua declaração de rendimentos a AT emitiu um ato de liquidação de IRS referente ao exercício de 2020 (a Liquidação n.º 2021-...) de que resultava uma coleta líquida no montante de EUR 8.704,34 e um valor final de imposto a pagar no montante de EUR 936.34;

— a AT proferiu um ato de liquidação adicional (a Liquidação Impugnada), que o recorrente impugnou na presente arbitragem;

— após a interposição da presente arbitragem, a AT anulou administrativamente a Liquidação Impugnada e, na sequência dessa anulação, emitiu um novo ato de liquida­ção de IRS referente ao exercício de 2020 (a Liquidação n.º 2024-...) de que resultava uma coleta líquida no montante de EUR 8.704,34 e um valor final de imposto a pagar no montante de EUR 936.34.

 

Torna-se assim evidente que, a anulação administrativa da Liquidação Impugnada e subsequente prolação de um novo ato de liquidação referente ao exercício de 2020, determinou a cessação do efeito lesivo que se verificava na esfera do requerente. Deste último ato tributário não resulta qualquer ablação patrimonial inovadora na sua esfera jurídica: o montante de IRS que neste ato se liquidou é precisamente o mesmo que já se havia liquidado na primeira liquidação (a Liquidação n.º 2021-...) proferida na sequência da apresentação, pelo próprio, da sua declaração de rendimentos. Assim, com a anulação da Liquidação Impugnada cessou a responsabilidade pelo pagamento de imposto adicional, face ao primeiro ato tributário relativo ao mesmo ano de 2020, que lhe tinha sido imposto pelo ato de liquidação objeto desta arbitragem. Torna-se assim evidente que da anulação administrativa da Liquidação Impugnada e do subsequente ato de liquidação que, na decorrência daquela anulação, a veio substituir na regulação da situação jurídico-tributária do requerente relativa ao exercício de 2020, deixou de se verificar, na esfera do requerente, qualquer lesividade autónoma e própria: quer o montante líquido da coleta de IRS, quer o valor de imposto ainda devido a final resultante das Liquidação n.º 2024-... são precisamente os mesmos que já resultavam da liquidação originaria­mente proferida logo em 2021 (a Liquidação n.º 2021-...). Nessa medida, o requerente não retiraria da procedência desta arbitragem qualquer utilidade pessoal, imediata e direta na sua esfera patrimonial. Ou, dito de outro modo, inexiste qualquer utilidade no conhecimento da legalidade de um ato tributário que foi revogado (rectius, administrati­va­men­te anulado) em termos que repuseram in totum a situação jurídico-tributária pré-existente, e que era aquela que resultava da declaração de rendimentos apresentada pelo requerente.

Em boa verdade, portanto, o requerente obteve, por via administrativa, a anulação do quantitativo de imposto que pretendia ver anulado por intermédio da presente arbitragem.

É certo que o requerente sustenta que o despacho de anulação administrativa não lhe foi inteiramente favorável, na medida em que neste não se teria reconhecido o reinvestimento do valor de realização da alienação do Imóvel que ele invoca já ter levado a cabo.

Essa questão é, neste momento, imaterial. O efeito do despacho que anulou administrativamente a Liquidação Impugnada foi o de repor, no Campo 5006 do Anexo G, um montante de EUR 315.000,00 relativo à intenção de reinvestimento do valor de realização na alienação do Imóvel. Isto é: tal despacho repôs o diferimento da tributação, em sede de IRS, do ganho de mais-valia realizada pelo requerente com a alienação do Imóvel.

Esta circunstância, por um lado, consente que o requerente venha futuramente declarar, em declaração de rendimentos a apresentar por si (mesmo que por via de uma declaração de substituição, se for o caso), a efetivação do reinvestimento do valor de realização da alienação do Imóvel, permitindo-lhe desse modo consolidar definitivamente a exclusão de tributação do referido ganho de mais-valia. Por outro lado, a tributação deste ganho dependerá sempre e em qualquer caso da prolação, pela AT, de um novo ato de liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2020.

Isto é: a tributação do ganho de mais-valia auferido pelo requerente em 2020 só poderá concretizar-se mediante a prolação de um novo ato de liquidação relativo a esse exercício, o qual dependerá da observância de todas as formalidades procedimentais aplicáveis (audiência prévia, fundamen­tação, notificação, etc.).

Apenas se, e quando, a AT vier a proferir um novo ato de liquidação referente ao exercício de 2020 (sujeitando a tributação o ganho de mais-valia que, por ora, tem a sua tributação diferida a aguardar a confirmação da efetivação da intenção de reinvestimento do valor de realização) poderá o requerente imputar a tal ato os vícios e causas de ilegalidade que assacou nesta arbitragem à Liquidação Impugnada. Será esse o momento para, novamente, sustentar a correção e regularidade do reinvestimento que alega ter levado a cabo e para demons­trar probatoriamente a, por si alegada, efe­ti­va e tempestiva transferência do seu domicílio e habitação permanente para o imóvel que adquiriu posteriormente.

Persistir em discutir essas questões nestes autos representaria uma inutilidade prática, na medida em que a superveniente anulação administrativa da Liquidação Impugnada, nos termos em que foi feita, fez cessar a lesividade autónoma deste ato tributário e repôs o status quo ante do requerente relativo à sua situação jurídico-tributária em sede IRS com referência ao exercício de 2020.

Uma derradeira referência à circunstância de, conforme informa o requerente nas suas alegações finais, aparentemente ainda se encontrar pendente o processo de execução fiscal contra si instaurado para cobrança coerciva do montante de imposto liquidado pela Liquidação Im­pug­nada. Como resulta do probatório, esta liquidação foi administrativamente anulada e a situação jurídico-tributária do requerente referente ao exercício de 2020 foi objeto de regulação ex novo por um subsequente ato de liquidação (a Liquidação n.º 2024-...). Daqui terá necessariamente de resultar a extinção do processo executivo instaurado contra o requerente, na medida em que a dívida de imposto que a AT pretendia cobrar foi anulada. Se, como informa o requerente, tal ainda não se verificou, não será nesta arbitragem que a questão poderá ser judicialmente reparada. As matérias relativas ao processo de execução fiscal escapam por completo ao âmbito da jurisdição arbitral tributária, pelo que, a persistir a situação que reporta nas suas alegações, o requerente deverá suscitar tal questão junto do órgão da execução fiscal e, se necessário, utilizar os meios de tutela jurisdicional próprios daquela forma processual.

***

            De um modo geral, a extinção da instância determinada por inutilidade ou impos­si­bi­li­da­­de superveniente da lide é imputável, para efeitos de responsabilidade pelas custas proces­suais, ao autor ou demandante (assim, art. 536.º, n.º 3, do CPC). Porém, logo neste preceito le­gal se ressalva a responsabilidade do demandando quando a inutilidade ou impossi­bi­lidade su­per­veniente lhe sejam imputáveis, considerando-se como tal, entre outros casos, a inutilidade superveniente que de­cor­ra da satisfação voluntária, por parte do demandando, da pretensão do demandante (cfr. n.º 4).

            É o que sucede no caso da presente arbitragem. A inutilidade superveniente da lide é consequência direta e imediata do despacho de revogação parcial (rectius, anulação adminis­tra­tiva parcial) proferido em 12-01-2024 e do consequente ato de liquidação de IRS proferido em 14-02-2024, os quais, dando no essencial satisfação à pretensão anulatória do requerente, eliminaram os efeitos jurídicos lesivos e ablativos que resultavam do ato tributário impugnado nestes autos.

            Há então que concluir que, para efeitos da responsabilidade pelas custas deste processo, a inutilidade superveniente da lide é imputável à requerida. Tendo sido esta a dar causa à extinção da presente instância arbitral, será ela a responsável pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.

            Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da l. 6 da Tabela I ane­xa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução da taxa de arbitragem quando o processo não conclua com decisão de mérito —, fixar-se-á a taxa de arbitragem do presente processo em EUR 2.142.00,00, em cujo pagamento se condenará a final a requerida.

 

— III—

            Assim, pelos fundamentos expostos, na verificação da inutilidade superveniente na prossecução da presente arbitragem declaro extinta a instância arbitral e, em consequência, condeno a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente proces­so, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 2.142,00.

 

Notifiquem-se as partes.

 

CAAD, 15/4/2024

O Árbitro

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)