Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 722/2023-T
Data da decisão: 2024-04-22  Selo  
Valor do pedido: € 143.362,61
Tema: Imposto do Selo – Comissões de Comercialização de Subscrições de Unidades de Participação em Fundos de Investimento Mobiliário. Verba 17.3.4 da TGIS - Diretiva de Reuniões de Capitais.
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Sumário:

O artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de Reunião de Capitais (2008/7/CE) opõe-se à incidência de Imposto do Selo sobre a remuneração paga por uma sociedade gestora de fundos de investimento a uma instituição de crédito, pela prestação de serviços de comercialização de subscrições de unidades de participação recentemente emitidas de fundos de investimento mobiliário abertos geridos pela primeira.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 27 de dezembro de 2023, Alexandra Coelho Martins (presidente), A. Sérgio de Matos e José Coutinho Pires, acordam no seguinte:

 

 

I.     Relatório

 

A..., S.A., doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na sequência da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa para 2020 e 2021, em 14 de agosto de 2023, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa para 2022 e 2023, em 25 de setembro de 2023, em ambos os casos deduzidos contra as liquidações de Imposto do Selo efetuadas pelo B..., S.A. (“B...”) que lhe foram repercutidas sobre comissões adicionais de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos, no valor total de € 143.362,61.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa e dos atos de (auto)liquidação de Imposto do Selo que constituem o seu objeto, com a consequente restituição do valor suportado, de € 143.362,61, acrescido de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 13 de outubro de 2023 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 5 de dezembro de 2023, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 27 de dezembro de 2023.

 

Em 2 de fevereiro de 2024, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

O Requerente exerceu o contraditório sobre a matéria de exceção, em 12 de fevereiro de 2024.

 

Em 14 de março de 2024, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com a inquirição da testemunha indicada pelo Requerente. Nesta diligência, o Tribunal Arbitral solicitou ao Requerente a junção de documentos, ao abrigo do princípio da verdade material e do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, e relegou para a decisão final o conhecimento das exceções invocadas pela Requerida (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

O Requerente procedeu à junção de documentos, tendo o Tribunal, em 21 de março de 2024, determinado a notificação das Partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas. Foi ainda fixada a data limite para a decisão, com referência ao termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo o Requerente proceder ao prévio pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicá-lo ao CAAD.

 

Em 21 de março de 2024, a Requerida veio opor-se à referida junção de documentos por considerar que foi efetuada em momento processual em que se mostra ultrapassado o prazo para junção de prova documental, invocando, para este efeito, os artigos 78.º, n.º 1, alíneas e), f) e g) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), 423.º e 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Civil (“CPC”), 108.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e) do RJAT) e 10.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do RJAT. Adicionalmente, invoca que, a ser admitida a junção “extemporânea” de documentos, esta devia abranger a totalidade do contrato de distribuição, e, ainda, que os documentos em língua estrangeira deviam ter sido traduzidos para língua portuguesa, nos termos do disposto no artigo 134.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

O Tribunal Arbitral, por despacho de 22 março de 2024, determinou a notificação do Requerente para juntar tradução certificada dos documentos em língua inglesa, entendendo não ser necessário juntar o contrato de distribuição na sua totalidade, tendo em conta que as cláusulas relevantes para a decisão foram juntas aos autos.

 

Em 1 de abril de 2024, o Requerente apresentou a tradução certificada dos documentos. 

 

Em 11 de abril de 2024, a Requerida apresentou alegações, nas quais reafirma a posição expressa na Resposta. O Requerente optou por não alegar.

 

Posição do Requerente

 

O Requerente invoca como causa de pedir o erro de direito praticado em relação aos atos de liquidação de Imposto de Selo impugnados que lhe foram repercutidos pelo B..., e às decisões de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa contra aqueles deduzida.

 

Neste âmbito, alega que as comissões de comercialização de unidades de subscrição em fundos de investimento não são passíveis de Imposto do Selo, com fundamento na proibição expressa de tributação indireta sobre as operações de reuniões de capitais constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (doravante “Diretiva de Reunião de Capitais” ou “Diretiva”), que postula uma interpretação restritiva do disposto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”).

 

Acrescenta que este entendimento foi já confirmado de forma expressa pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido no processo de reenvio prejudicial C-656/21, IMGA, em relação à situação concreta de fundos de investimentos representados pelo Requerente e do próprio Requerente, abrangendo tanto as comissões de comercialização e Imposto do Selo liquidados por redébito do Requerente aos fundos, como as comissões de comercialização e Imposto do Selo liquidados ao Requerente pelos bancos comercializadores de subscrições de unidades de participação.

Os serviços financeiros de colocação de emissões geradoras de reuniões de capital não podem ser tributados em sede de Imposto do Selo, porque fazem parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais, e é indiferente que se tenha optado por confiar essas operações a terceiros (bancos) em vez de o emitente as efetuar ele próprio.

 

Neste sentido foram, de igual forma, decididos os processos arbitrais 88/2021-T (que deu origem ao referido reenvio prejudicial), 87/2021-T e 493/2022-T.

 

O Requerente suscita, a título subsidiário, caso ainda subsistam dúvidas, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça.

 

Em relação às decisões de indeferimento da Requerida assinala que esta se alheia do facto de o Tribunal de Justiça já se ter pronunciado, no sentido da não tributação, sobre a concreta questão aqui em causa e por referência ao mesmo contribuinte. E também que aquela se alheia das decisões dos tribunais arbitrais no âmbito do CAAD.

 

Acrescenta que a fundamentação da Requerida é contraditória e ininteligível, pois, por um lado reconhece que não são tributáveis as operações de reunião de capitais e que a exceção do artigo 6.º da Diretiva, aplicável às transmissões de valores mobiliários, é inaplicável à aquisição de unidades de participação no contexto de um aumento de capital, mas, por outro lado, conclui que estas podem ser tributadas em Imposto do Selo.

 

  Argumenta mais o Requerente que as comissões em discussão são por si suportadas e não pelos fundos, não se suscitando dúvidas sobre a natureza das comissões de comercialização e sobre quem as suportou.

 

No tocante às questões prévias suscitadas pela Requerida, respeitantes ao pedido de revisão oficiosa de Imposto do Selo dos anos 2020 e 2021, o Requerente pugna pela sua improcedência.

 

Sobre o erro na forma de processo, o Requerente argumenta que, para aferir da aplicabilidade do prazo de 4 anos, previsto no artigo 78.º, n.º 1, II parte da Lei Geral Tributária (“LGT”), ao pedido de revisão oficiosa, a AT teve de apreciar o requisito do “erro imputável aos serviços” e, em consequência, a (i)legalidade das liquidações impugnadas. Pelo que a impugnação judicial, e também a ação arbitral, constituem meio adequado para reagir contra o indeferimento do pedido de revisão. Todavia, mesmo que assim não se entendesse, o Requerente assinala que, de acordo com a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o que releva é unicamente saber se o pedido do contribuinte tem por objeto a apreciação da legalidade do imposto, caso em que, a impugnação judicial e, por conseguinte, a ação arbitral são sempre meios próprios de reação contenciosa, independentemente de o pedido de revisão ter sido rejeitado por questões meramente formais.

 

            No que se refere à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o Requerente entende que é improcedente, em virtude de o erro sobre os pressupostos, de facto ou de direito, de retenção na fonte de Imposto do Selo ser suscetível de configurar “erro imputável aos serviços” para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão oficiosa dessa liquidação, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT e também da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Preconiza uma leitura conforme à Constituição do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, após a revogação do n.º 2 do mesmo preceito, pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), no sentido de o conceito de “erro imputável aos serviços” integrar qualquer erro no ato de liquidação cometido por quem a lei cometa a competência de o praticar, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 78.º, n.º 1 da LGT e da norma de revogação do artigo 78.º, n.º 2 da LGT, por violação do princípio da igualdade. Neste âmbito, defende que, se o erro imputável aos serviços apenas pudesse abranger a AT, estaríamos perante uma discriminação arbitrária e infundada, pela diferença de prazos de 2 para 4 anos nos casos de erro favorável ao contribuinte e de erro desfavorável, respetivamente, os quais devem beneficiar de idênticos prazos de correção.

 

Conclui pelo direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT e 22.º da Constituição, fundado em erro de direito imputável aos serviços.

Posição da Requerida

 

Por exceção, a Requerida invoca que a decisão de rejeição liminar, por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa, não aprecia a legalidade do ato de liquidação pelo que não é sindicável através de impugnação judicial ou arbitral, verificando-se a impropriedade do meio processual. Qualquer análise de mérito que se lhe aponte é perfunctória e teve o único objetivo de determinar que não havia erro imputável aos serviços.

 

Por outro lado, com a revogação, em março de 2016, do artigo 78.º, n.º 2 da LGT, os atos tributários autoliquidados deixaram de estar abrangidos pela “ficção legal” de “imputabilidade do erro aos serviços”, sendo ónus do Requerente provar que houve esse erro para que o pedido seja admitido no prazo de quatro anos, o que não sucedeu no caso, pois a AT não teve qualquer intervenção nas liquidações realizadas pelo B... . Assim, invoca também a intempestividade do pedido de revisão oficiosa e, em consequência, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido.

 

Sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que emana do Acórdão de 9 de novembro de 2022, no processo n.º 087/22.5BEAVR, referente à delimitação de “erro imputável aos serviços”, a Requerida afirma que assenta em pressupostos errados, pois o Imposto do Selo da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) não funciona por retenção na fonte, mas por repercussão legal e o repercutido pode opor-se ao pagamento da fatura, exigindo a sua retificação. Se o repercutido aceitou a fatura e não a discutiu, não é alheio à liquidação de imposto nela refletida, pelo que a citada jurisprudência é, segundo a Requerida, inaplicável.

 

Aduz que os fundamentos de ilegalidade dos atos tributários e do pedido de revisão oficiosa e de reclamação graciosa são distintos, pois a fundamentação da rejeição do primeiro reside na intempestividade, diferente da usada para indeferir a reclamação, o que torna inadmissível a cumulação de pedidos face ao disposto no artigo 104.º do CPPT.

 

Conclui que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, devendo ser absolvida da instância.

 

A título subsidiário e por impugnação, a Requerida alega que não foi feita prova de que as faturas do B... respeitem a comissões de comercialização de subscrições de unidades de participação de fundos mobiliários aberto geridos pelo Requerente, desconhecendo-se a sua natureza, origem ou até previsão contratual e a existência, ou não, de redébito aos fundos geridos pelo Requerente. O descritivo das faturas menciona tão só “Acerto do ajustamento anual 2021, Cl 2.1 do Contrato de Distribuição” ou “Ajustamento anual 2022, Cl 5.1 do Anexo 8 da Adenda do Contrato de Distribuição”, nada indicando se estamos perante verdadeiras “comissões de comercialização”, cabendo o ónus da prova ao Requerente, como decorre do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

 

Sobre o pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerida não serem devidos por não lhe ser imputável qualquer erro, uma vez que as liquidações decorrem diretamente da aplicação da lei. Sem conceder, afirma que estes apenas seriam devidos a partir de um ano após o pedido de revisão oficiosa, à luz do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

 

Por fim, a Requerida opõe-se à produção de prova testemunhal, por ser um ato inútil, “na medida em que a qualificação jurídica da matéria é meramente de direito, a mesma é da competência do tribunal, não sendo passível de prova testemunhal”, além de entender que a única prova admissível no presente caso é a documental. 

 

Conclui pelo erro parcial na forma de processo, que se traduz na incompetência do tribunal para conhecer parcialmente do pedido, com absolvição parcial da Requerida da instância [ao abrigo dos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea a) e 578.º, todos do CPC, e do artigo 16.º do CPPT (todos por remissão do artigo 29.º do RJAT)], e no remanescente pela improcedência do pedido por não provada. 

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

Em sede de resposta, a Requerida invocou diversas exceções que importa conhecer, pois a sua procedência impede o conhecimento do pedido.

 

  1. Do Erro Parcial na Forma de Processo e Incompetência Material (anos 2020 e 2021)

 

Para a Requerida, o facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido rejeitado liminarmente com fundamento em intempestividade significa que não foi apreciada a legalidade dos atos de liquidação subjacentes, pelo que o meio próprio de reação contenciosa é a ação administrativa (v. artigos 50.º e 58.º do CPTA), conforme indicado na notificação dessa decisão ao contribuinte, não sendo tais atos sindicáveis por via de impugnação judicial e, portanto, também pela sucedânea ação arbitral, com a consequente impropriedade do meio processual utilizado.

 

Aduz a Requerida que qualquer análise de mérito que se aponte à decisão do pedido de revisão é meramente perfunctória e teve por única finalidade determinar que não havia qualquer erro suscetível de ser imputado aos serviços, circunstância que reputa essencial para determinar o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa, atenta a atual redação do artigo 78.º da LGT, após a revogação do seu n.º 2 pela Lei do Orçamento do Estado para 2016.

 

Contudo, como assinala o Requerente, a Requerida, na apreciação do pedido de revisão oficiosa, não endereçou apenas a questão da tempestividade, tendo-se pronunciado também sobre o mérito, embora acabe por concluir pela rejeição liminar com base naquele fundamento. Com efeito, para concluir sobre a extemporaneidade do pedido, a AT teve de aferir o pressuposto de “erro imputável aos serviços” o que, em rigor, encerra a análise de argumentos pertinentes ao fundo da causa e, desta forma, à ilegalidade dos atos.

 

Porém, mesmo que assim não se entendesse, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo  pronuncia-se no sentido, que se acompanha, de que, sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, qualquer que seja a razão ou o vício que conduziram à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, como se retira do seguinte excerto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, no processo n.º 0129/18.9BEAVR:

“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).

Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa.

Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).

[…]

Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva.”[1]

 

Deste modo, o facto de a AT ter considerado intempestivo o pedido de revisão oficiosa não impede ou compromete a apreciação do objeto mediato da presente ação, identificado no petitório pelo Requerente: a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de (auto)liquidação (pelo B...) de Imposto do Selo repercutido no Requerente.

 

Com efeito, tendo o Requerente erigido em pedido principal a declaração de ilegalidade dos atos de (auto)liquidação de Imposto do Selo, de acordo com a jurisprudência citada é indiferente o teor – formal ou material – da decisão dos atos administrativos (em matéria tributária) de segundo (ou de terceiro) grau. Se é pedida pronúncia sobre a legalidade do ato de liquidação estamos no domínio do meio processual da impugnação judicial e, portanto, por identidade de razões, da ação arbitral, cujo objeto também é a apreciação da legalidade do ato tributário, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT[2]. Sobre questão análoga, veja-se a decisão no processo arbitral n.º 832/2021-T, de 15 de setembro de 2022.

 

Nestes termos, não só a ação arbitral é meio próprio, como este Tribunal Arbitral é competente para conhecer a pretensão de declaração de ilegalidade e anulação das (auto)liquidações de Imposto do Selo que constituem o seu objeto.

 

A este respeito relembra-se que a ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como ressalta dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que consagrou a autorização legislativa ao Governo para a introdução do regime da arbitragem tributária.

 

Assim, a pretensão deduzida pelo Requerente em relação aos anos 2020 e 2021[3], relativa a atos de autoliquidação de Imposto do Selo, tem cabimento na ação arbitral, equivalente à impugnação judicial, ainda que, como declarado pelo Supremo Tribunal Administrativo, o seu conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa (vícios que não respeitam ao ato de liquidação propriamente dito).

 

  1. Intempestividade do Pedido de Revisão Oficiosa – Inimpugnabilidade (Caso Decidido) – anos 2020 e 2021

 

Ainda por referência ao Imposto do Selo da verba 17 da TGIS reportado aos anos 2020 e 2021, tratando-se de imposto autoliquidado, a Requerida invoca que, face à nova redação do artigo 78.º da LGT, em que o n.º 2 está revogado[4], incumbia ao Requerente demonstrar que houve erro imputável aos serviços, para poder beneficiar do prazo de quatro anos para submissão do pedido de revisão oficiosa. O que, segundo a Requerida, o Requerente não fez, pelo que o prazo aplicável é de dois anos, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT, e já tinha expirado quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa (em 2 de junho de 2023).

 

O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente, em sentido contrário ao defendido pela Requerida, sobre questão similar, no âmbito de retenções na fonte, a título definitivo, de quantias por conta do Imposto do Selo, cobradas no âmbito de operações de concessão de crédito, nos termos da verba 17 da TGIS – v. Acórdão de 9 de novembro de 2022, processo n.º 087/22.5BEAVR.

 

A Requerida sustenta que os pressupostos dessa jurisprudência estão errados, por não estarmos perante uma situação de retenção na fonte, mas de repercussão legal. Na primeira, o substituído não tem intervenção na atuação do substituto e não a pode evitar, na segunda, o repercutido pode opor-se ao pagamento da fatura e exigir a sua retificação e fazer um pagamento apenas parcial, pelo que deve entender-se [ainda segundo a Requerida] que a liquidação do Imposto do Selo resultou da formação da vontade dos dois intervenientes na operação, sendo ambos responsáveis pela liquidação de imposto.

 

Desde logo, afigura-se a este Tribunal que a questão central para a análise deste problema não passa pela distinção entre retenção na fonte e repercussão legal, sendo que, de acordo com a melhor doutrina, nem sequer se trata de repercussão, antes de uma situação de substituição tributária sem retenção[5]. Isto porque, sendo a liquidação praticada com erro, no caso, por violação do direito da União Europeia, o que interessa saber é apenas se o Requerente contribuiu para esse erro. O que, contrariamente ao que argui a Requerida, não se verificou.

 

As circunstâncias hipotéticas que a Requerida invoca para, sem sucesso, tentar colocar na esfera da Requerente a responsabilidade conjunta pela liquidação do imposto feita pelo seu prestador de serviços financeiros, não só são exteriores e logicamente posteriores ao ato de liquidação do imposto, pelo que não podem constituir sua causa, como, além do mais, ignoram outros fatores, como os poderes de facto relativos às duas entidades envolvidas. E, ainda, ignora ainda que é precisamente uma situação idêntica, de liquidação de Imposto do Selo em operações financeiras “repercutida” por um banco que foi apreciada no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de novembro de 2022, processo n.º 087/22.5BEAVR, não se constatando na situação vertente qualquer circunstância distintiva que afaste a conclusão aí alcançada de que a “retenção [de Imposto do Selo] é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária”.

 

A noção de “erro imputável aos serviços” constante do n.º 1 do artigo 78.º da LGT concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, e compreende “não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de março de 2017, processo n.º 01019/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 7 de maio de 2020, processo n.º 19/10.3BELRS). O erro de direito pode, assim, resultar, quer da má interpretação das normas legais em vigor, quer da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o direito europeu. 

 

Não temos dúvidas da aplicabilidade do artigo 78.º, n.º 1 da LGT a atos de autoliquidação, apesar da revogação do n.º 2 deste preceito, que estabelecia a presunção de “erro imputável aos serviços” para essas situações [de autoliquidação]. Este entendimento deriva da equiparação entre a autoliquidação, em que o contribuinte atua no lugar dos serviços da AT, e a liquidação administrativa. Como assinala Paulo Marques[6] , na autoliquidação a lei institui “uma delegação dos poderes administrativos tributários nos próprios contribuintes e a forçosa consideração do seu exercício como um verdadeiro acto tributário, credor da presunção legal da verdade declarativa a favor do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT). A escolha sobre a forma concreta de liquidação de imposto depende assim da vontade do Estado-legislador. Pelo que lançando mão de uma justificada e pertinente interpretação sistemática, em conformidade com o princípio da coerência e unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), podemos concluir que o contribuinte não está impedido de deduzir o pedido de revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) em relação à autoliquidação, apesar de já não beneficiar actualmente da ficção legal de «erro imputável aos serviços».

Ou, dito de outro modo, pela eliminação do n.º 2, do artigo 78.º, da LGT, não nos parece arredada a autoliquidação do objecto do procedimento de revisão.

A revogação do mencionado preceito legal apenas colocou termo, expressamente, à determinação legal que considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, para efeitos de revisão oficiosa, intro­duzindo-se agora uma maior paridade entre o contribuinte e o fisco. Mas nada nos leva a entender que deva existir um desequilíbrio garantístico entre a liquidação efectuada pelo próprio contribuinte e a liquidação admi­nistrativa. Ambas poderão assim ser sindicadas mediante a revisão do acto tributário (artigo 78.º, da LGT) […][7].

 

Em conclusão, o ponto que se suscita é o da aferição, no caso concreto, do “erro imputável aos serviços”, cuja resposta não pode deixar de ser positiva, em face do supra exposto, pelo que não se verifica a extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, que foi deduzido no prazo de 4 anos legalmente previsto[8], improcedendo a exceção de caso decidido.

 

Consequentemente, verifica-se também a tempestividade da ação arbitral, porque apresentada em 11 de outubro de 2023, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da notificação do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa [Imposto do Selo dos anos 2020 e 2021], por ofício datado de 28 de julho de 2023, e de indeferimento da reclamação graciosa [Imposto do Selo dos anos 2022 e 2023], notificado por oficio de 7 de setembro de 2023.

 

É também improcedente a alegação de incompetência material derivada de “procedimentos tributários intempestivos”, pois não só tal intempestividade não se verifica, como, se se verificasse, esta seria geradora da exceção de inimpugnabilidade do ato e não de incompetência material, dado que o objeto da ação – autoliquidações de Imposto do Selo – cabe no elenco de pretensões enumeradas no artigo 2.º do RJAT e na Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), pelo que o Tribunal pode conhecê-las.

 

Por fim, em relação à cumulação de pedidos, interessa compulsar o artigo 3.º, n.º 1 do RJAT que dispõe que esta é admissível quando a “procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, o que sucede na presente ação arbitral que versa sobre a ilegalidade, por violação do direito da União Europeia, de liquidações de Imposto do Selo da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, incidentes sobre a mesma tipologia de comissões, cobradas pela mesma Instituição Financeira.

 

Tal como alega o Requerente é o teor do pedido que determina o meio processual e, por conseguinte, a competência do Tribunal Arbitral, sem que tal possa ser condicionado pelo teor da resposta da AT, designadamente por questões prévias e obstáculos processuais que esta suscite na fase administrativa precedente ou no decurso da ação arbitral. A cumulação de pedidos depende do objeto da causa – pedido e causa de pedir – que, como acima descrito dependem da apreciação de comissões idênticas e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. 

 

Conclui-se, desta forma, pela improcedência de todas as exceções invocadas.

 

  1. Demais Pressupostos Processuais

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não existem outras exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

III.      Questão a Apreciar

 

A questão discutida na presente ação é unicamente a da sujeição, ou não, a Imposto do Selo das comissões adicionais de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos, atento o disposto na verba 17.3.4 da TGIS e o respetivo enquadramento na proibição constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de Reunião de Capitais.

 

 

IV.       Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A..., S.A., aqui Requerente, era, à data dos factos, a sociedade gestora dos seguintes fundos de investimento mobiliário abertos – cf. Documentos 1, 6 e 7:
  • C...;
  • D...;
  • E...;
  • F...;
  • G...;
  • H...;
  • I...;
  • J...;
  • K...;
  • L...;
  • M...;
  • N…;
  •  O...;
  • P...;
  • Q...;
  • R... USD;
  • S...;
  • T...;
  • U...;
  • V... (agora denominadaW...);
  • X...;
  • Y...;
  • Z...;
  • AA...;
  • BB...;
  • CC...;
  • DD...;
  • EE...;
  • FF...;
  • GG...;
  • HH...; e
  • II... .
  1. O Requerente não possui os canais de distribuição e comercialização das unidades de participação dos fundos cujo património é por si gerido, pelo que, para esse efeito, recorre à banca – cf. Documentos 1, 6 e 7 e depoimento da testemunha.
  2. De acordo com a prática do setor, o Requerente socorre-se de instituições financeiras com uma rede de balcões disseminada e com experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer os seus fundos de investimento e comercializar a subscrição de unidades de participação dos mesmos – cf. Documentos 1, 6 e 7 e depoimento da testemunha.
  3.  No caso de fundos de investimento mobiliário abertos, a subscrição das unidades de participação pelo público é essencial para a obtenção de capitais, por forma a financiar a respetiva atividade – cf. Documentos 1, 6 e 7 e depoimento da testemunha.
  4. Entre 2019 e 2020, o B... prestou ao Requerente serviços de colocação junto dos seus clientes [do ...] de novas unidades de participação nos fundos de investimento identificados no ponto A supra, que aqueles [clientes] subscreveram – cf. Documentos 1, 2, 6 e 7 e depoimento da testemunha.
  5. Pelos serviços prestados, o B... faturou e cobrou ao Requerente, em cada um dos anos subsequentes ao da prestação de serviços, comissões anuais adicionais ou extraordinárias, pelo volume de vendas concretixado. O contrato de distribuição celebrado entre o Requerente e o B..., prevê estas comissões adicionais ou extraordinárias quando seja excedido um determinado limiar de comercialização de subscrição de novas unidades de participação dos fundos de investimento em causa por parte do B... . Assim, sempre que, num dado ano, seja alcançado um patamar de comercialização / volume de vendas das unidades de participação a subscrever, o B... é, por isso, remunerado adicionalmente – cf. Documentos 1 e 2, corroborados pelo depoimento da testemunha e pelo Documento junto ulteriormente (cláusula do contrato de distribuição) a pedido do Tribunal Arbitral.
  6. Entre 2020 e 2023, o B... emitiu ao Requerente faturas relativas às comissões adicionais/de ajustamento anuais de comercialização de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário abertos geridos pelo Requerente, sobre as quais liquidou e entregou ao Estado o Imposto do Selo, à taxa de 4%, previsto na verba n.º 17.3.4 da TGIS, conforme quadro infra – cf. Documentos 1 e 2.

Período

Comissão Adicional

Imposto do Selo

N.º da Fatura

Data da Fatura

N.º da Guia do Imposto do Selo

Data de pagamento

2020

212.451,67

8.498,07

91002020/00259

23/01/2020

...

20/04/2020

2021

712.938,34

28.517,53

91002021/00434

03/02/2021

...

22/03/2021

2022

1.046.778,78

41.871,15

91002022/00045

06/01/2022

...

21/02/2022

2023

1.611.896,48

64.475,86

91002023/00073

11/01/2023

...

20/02/2023

Totais

3.584.065,27

143.362,61

 

 

  1. O Imposto do Selo do ponto que antecede foi mencionado nas faturas emitidas pelo B... ao Requerente, referentes às comissões adicionais/de ajustamento anuais, com a menção à verba 17.3.4 da TGIS e com os seguintes descritivos – cf. Documento 2:
  • Fatura de 2020 – “Acerto do ajustamento anual, conforme cláusula 2.1 do Apêndice 9 do contrato de Distribuição.”;
  • Fatura de 2021 – “Acerto do ajustamento anual 2020, conforme cláusula 2.1 do Apêndice 9 do contrato de Distribuição.”;
  • Fatura de 2022 – “Ajustamento anual 2021, Cl 2.1 Contrato de Distribuição”;
  • Fatura de 2023 – “Ajustamento anual 2022, Cl 5.1 do Anexo da Adenda Contrato Distribuição”.
  1. Entendendo não ser devido Imposto do Selo sobre estas comissões, o Requerente apresentou, em 2 de junho de 2023, um pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de 2020 e de 2021, no valor de € 37.015,60, e uma reclamação graciosa em relação às liquidações de 2022 e 2023, no valor de € 106.347,01 – cf. Documentos 4 e 5 e PA.
  2. O pedido de revisão oficiosa foi rejeitado liminarmente, com fundamento em intempestividade, por despacho de 27 de julho de 2023 do Chefe de Divisão, por subdelegação e competência, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, e notificado por via eletrónica por ofício datado de 27 de julho de 2023 – cf. Documento 4 e PA.
  3. Para tanto, a AT considera que não estão preenchidos os pressupostos contidos no artigo 78.º, n.º 1, II parte e n.ºs 4 e 5 da LGT, porquanto:

27.   Ao abrigo deste regime o dirigente máximo serviço, pode autorizar, no prazo previsto de 3 anos, a contar da liquidação, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, conceito que é densificado no número seguinte (n.º5) do 78.º da LGT, onde se consagra que «apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.»

28.     A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado.

29.     Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no art.º 78º da LGT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.

          Senão vejamos,

30.     A existência de limites temporais cumpre a função de conferir segurança às relações jurídico-tributárias, consubstanciadas nos atos praticados pelas partes intervenientes, sob pena de nunca se vislumbrar um fim certo e definitivo para as situações em causa especialmente quando o tributo já foi pago.

31.     Esse é um corolário do princípio da segurança jurídica, corporizado na estabilidade dos atos de liquidação de tributos, pois a possibilidade de utilização do regime da revisão oficiosa do ato tributário como meio de impugnação indireta de atos de liquidação já há muito estabilizados tem como consequência a total supressão dos prazos de impugnação e reclamação para todos os atos da Administração Tributária praticados em violação de lei, mormente naqueles casos em que o tributo não tenha sido pago, em que a revisão se pode fazer a todo o tempo.

          E,

32.     De modo algum está em causa a limitação ou até o impedimento do exercício de garantias dos contribuintes, o que, consabido, seria mais que manifestamente inconstitucional, mormente face ao consagrado nos art.ºs 20.º, 266.º e 268.º, todos da nossa Lei Fundamental.

          Aliás,

33.     Pelo contrário, os meios para reagir continuam disponíveis para os próprios interessados, sem prejuízo da menção de que aqueles devem é, no entanto, ser exercidos dentro dos prazos legais o que, na verdade, não sucede no caso em apreço uma vez que se esgotou o prazo de uso do meio idóneo para reagir contra um ato de “autoliquidação” nos termos e com os fundamentos alegados pela Contribuinte, aqui Requerente.

34.     Contudo, conjugado os prazos legais referidos, no que toca ao imposto do selo de janeiro de 2020 e fevereiro de 2021, resulta que a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo que dispunha para o efeito, constituindo-se como intempestiva esta e todas as contestadas.

          Portanto,

35.     É nosso entender que, face à situação subjuditio, não tem acolhimento legal a invocação do mecanismo previsto no atual art.º 78.º da LGT, por não preencher os seus pressupostos.

36.     Pelo que, no caso em apreço, o requerimento no qual se consubstancia o presente pedido revisão oficiosa dos atos tributários contestados é, com efeito, intempestivo, dado ter sido apresentado em 02.06.2023, em consonância com o estabelecido no mencionado art.º 78.º da LGT vigente, conjugado com o artigo 131.º do CPPT, pelo que resulta que, a presente revisão oficiosa não foi apresentada dentro do prazo de 2 anos de que dispunha para o efeito.

37.     Aqui chegados, a nossa conclusão não pode ser outra que não aquela que comporte a rejeição liminar por intempestividade do pedido de revisão ora formulado nos autos pela Contribuinte, ora Requerente, uma vez que o pedido se encontra insindicável por se encontrar esgotado o prazo vertido no art. 78.º da LGT para o efeito.

– cf. Documento 4.

  1. Em relação à reclamação graciosa, o pedido foi indeferido por despacho de 6 de setembro de 2023, do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por subdelegação de competência, e notificado por via eletrónica por ofício datado de 7 de setembro de 2023 – cf. Documento 5 e PA.
  2. Constituem fundamentos do indeferimento, os que, de seguida, se transcrevem parcialmente, na parte relevante – cf. Documento 5 e PA:

“V. DA ANÁLISE DA MATÉRIA DE FACTO E DO PEDIDO

 

24.     Pela presente reclamação graciosa, cuja petição consta nos autos, contesta-se os atos tributários de liquidação de imposto do selo (verba 17.3.4 da TGIS) sobre as “comissões extraordinárias de comercialização”, pagas pela Reclamante, relativamente aos meses de janeiro de 2022 e janeiro de 2023, na qualidade de responsável pela gestão das unidades de participações de diversos fundos de investimento mobiliários, pelo que requer a anulação das liquidações em análise, e o reembolso do montante de IS por si indevidamente pago no montante de € 106.347,01.

25.     A Reclamante é uma sociedade que tem por objeto social o exercício da atividade das sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo, no âmbito da qual gere diversos fundos de investimento mobiliário comercializados aos balcões das redes de diversas instituições financeiras.

26.     A 1 de janeiro de 2020 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 144/2019, que procede à transferência para a CMVM das competências de supervisão sobre as Sociedades Gestoras de Fundos de Investimento e de Fundos de Titularização de Créditos, alterando, entre outros diplomas, o RGOIC - Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, nomeadamente o seu artigo 139.º, nos termos do qual passou a permitir-se que as comissões de comercialização cobradas pelas entidades comercializadoras (i. e. os Bancos) pudessem ser diretamente suportadas pelos fundos de investimento.

27.     Ou seja, até ao período de 2019, as entidades comercializadoras cobravam a componente correspondente às comissões de comercialização à Reclamante, a qual por sua vez imputava aqueles custos aos fundos de investimento por si geridos.

28.     Após 1 de janeiro de 2020, as entidades comercializadoras passaram a cobrar as comissões de comercialização diretamente aos fundos de investimento geridos pela Reclamante, sobre as quais liquidam IS, à taxa de 4%, nos termos da verba 17.3.4 TGIS.

29.     A Reclamante recorre a entidades comercializadoras para a comercialização das suas unidades de participação, por não prestar esse serviço, pelo que supostamente a referida comissão é cobrada unicamente pelas referidas entidades, diretamente aos fundos, assumindo uma posição externa ou terceira a esta relação. Já quantos às “comissões extraordinárias de comercialização” as mesmas foram cobradas à ora Reclamante diretamente.

30.     Porém, entende que a liquidação de imposto do selo sobre as “comissões extraordinárias de comercialização”, se encontram desconforme a legislação fiscal em vigor, devido a, no seu entendimento, existir violação do Direito da União Europeia, invocando para o efeito a Diretiva nº 2008/7/CE, que versa sobre a impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

DA MATÉRIA DE DIREITO

 

31.     Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do CIS, com a verba 17.3.4 da TGIS encontram-se sujeitas a IS, à taxa de 4%, as “comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.

32.     Não obstante, só há sujeição a imposto se as operações financeiras em causa forem “realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, conforme estabelece o introito da respetiva verba.

33.     O que se aplica ao caso concreto, pois na situação particular dos fundos geridos pela Reclamante, a atividade de comercialização das respetivas unidades de participação encontra-se a ser desenvolvida por instituições financeiras, que cobram uma comissão para o efeito, diretamente aos fundos.

34.     Nestes termos, a Reclamante assume uma posição externa ou terceira àquela relação.

35.     Resulta assim, e nas palavras da própria Reclamante que, “as comissões em análise, preenchem cumulativamente os elementos de natureza objetiva e subjetiva previstos na verba 17.3.4 da TGIS e, em conformidade estão, em princípio, sujeitas a imposto do selo, por força do disposto no n.º 1 do artigo 1.º daquele Código”

36.     Todavia a Reclamante entende que a referida sujeição a IS das “comissões extraordinárias de comercialização” cobradas pelas entidades comercializadoras a si diretamente, não se encontra em linha com as disposições da Diretiva n.º 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, relativas aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

37.     Desde já, fazemos constar, que não lhe assiste razão.

38.     Sendo assim, está a Reclamante abrangida sem qualquer dúvida pela incidência da verba 17.3.4 da TGIS, preenchendo cumulativamente os requisitos de natureza objetiva e subjetiva.

39.     Nos termos das alíneas u) e aa) do artigo 2.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo - Lei n.° 16/2015, de 24 de fevereiro - são definidos, respetivamente, «fundo de investimento», os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral e os «organismos de investimento coletivo» como sendo instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.

40.     Pelo que, os «organismos de investimento coletivo» são subdivididos em diferentes tipos de organismos […]

41.     Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo [o artigo 5.º da Lei n.º 16/2015 esclarece que os OIC assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário)], sendo que, como dispõe o n.º 2 do artigo 6.º, ao fundo de investimento fica reservada a expressão «fundo de investimento», acrescida da expressão «imobiliário» no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.

42.     No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete às entidades gestoras gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial, à gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; a gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento, emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação entre outros.

[…]

44.     Sendo que constituem encargos do organismo de investimento coletivo a comissão de gestão e a comissão de depósito, destinadas a remunerar os serviços prestados pela entidade responsável pela gestão e pelo depositário do organismo de investimento coletivo, respetivamente.

 

45.     Assim, os atos inerentes às entidades gestoras e às entidades depositárias dos referidos fundos, cabem na previsão na norma, pois envolvem uma atividade de intermediação financeira justificativa da sujeição a imposto do selo.

46.     Sendo o entendimento vigente de que o conceito sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento abrange tanto as comissões cobradas aos fundos de investimento pelas respetivas sociedades gestoras, como pelas entidades depositária, conforme Parecer n.º 183/95, elaborado, em 22 de dezembro de 1995, pelo Centro de Estudos Fiscais e Informação vinculativa n.º 10848.

47.     Todas as operações sobre certificados representativos de unidades de representação emitidos por fundos de investimento, tem incidência na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) sujeita a tributação «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros (…)».

48.     Deste modo, deve entender-se, em face do entendimento anteriormente referido sobre o conceito de operações sobre certificados representativos de unidades de participação, que estas situações integram atualmente o âmbito de previsão desta verba.

49.     Contudo, a Reclamante vem alegar a incompatibilidade com o direito europeu, designadamente com a Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008e identifica o processo C-656/21 que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, no âmbito do processo 88/2021-T.

50.     Esta Diretiva, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, visa eliminar fatores suscetíveis de distorção de concorrência ou obstar à livre circulação de capitais. No preâmbulo deste instrumento comunitário, esclarece-se que “[n]ão deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência”.

51.     Na Diretiva ora em análise, a al. a) do n.º 1 do art.º 5.º estipula que os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto as entradas de capital, especificando na al. a) do seu n.º 2 a proibição do estabelecimento destes impostos sobre a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

52.     Por sua vez, a al. a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva dispõe que, em derrogação ao estabelecido no art.º 5.º, os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre a transmissão de valores mobiliários cobrados forfetariamente ou não.

53.     Cumprindo clarificar que, não obstante o art.º 6.º da Diretiva permitir a tributação da transmissão de  valores mobiliários, no caso de uma aquisição de UP's no contexto de um aumento de capital não está em causa a transmissão de valores mobiliários ou partes sociais, mas antes a entrada de capital por via da emissão de unidades de participação. E, a Diretiva não só não proíbe como permite, no artigo 6.º, que os Estados-Membros cobrem impostos sobre a transmissão de valores mobiliários (cf. alíneas a) do n.º 1 do art.º 6.º da Diretiva, pelo que tal argumentação não nos parece sustentável.

54.     Com efeito, não existe paralelismo entre uma comissão de comercialização, que representa a remuneração pelo exercício de uma atividade de intermediação financeira, e operações de entradas de capital numa sociedade de capitais, de reestruturação ou emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva.

55.     Ou seja, nenhuma das realidades elencadas no artigo 5.º da Diretiva, nome[a]damente as operações na alínea a) do seu n.º 2, têm aderência ao caso concreto, em análise.

56.     Neste sentido, conclui a ficha doutrinária n.º 19150, emitida no âmbito do processo n.º 2020001071-IV, pela Diretora-Geral da AT, a 15.04.2021, na qual refere que “(...) o imposto do selo previsto na verba 17.3.4 da TGIS não incide sobre qualquer operação de criação, emissão, admissão, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, mas sim sobre comissões cobradas por instituições de crédito pela prestação de um serviço financeiro, realidade bem distinta daquelas.”

57.     Acrescentamos ainda que, a AT emitiu uma Informação Vinculativa Ficha Doutrinária referente ao Processo 2020000471 - IV n.º 17644, com despacho concordante de 2021.04.18, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência de Pedido de Informação Vinculativa (PIV) submetido pela ora Reclamante.

          Que concluiu que “… sendo as SGOIC instituições financeiras estão sujeitas ao Imposto do Selo, nos termos previstos na Verba 17.3.4 da Tabela Geral do CIS.»

          5. Resultando claro do acima exposto que a SGOIC, ora Requerente, é uma “instituição financeira”, estando por isso as comissões que cobra aos Fundos por si geridos sujeitas a Imposto do Selo, nos termos do disposto na verba 17.3.4 da TGIS, resta analisar a alegada “não sujeição a Imposto do Selo estabelecida pela Diretiva n.º 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008”, questão que não foi abordada no Parecer, na medida em tal também não lhe foi solicitado.

          DA DIRETIVA 2008/7/CE

          6. Também neste capítulo discordamos dos argumentos da Requerente, que defende a não sujeição a imposto do selo das comissões gestão por si cobradas aos Fundos que gere.

          7. De facto, não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva, e a tributação das comissões cobradas pela gestão de Fundos, que é a realidade aqui sob apreço, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais. 8. Pelo que, as comissões de gestão cobradas pela SGOIC, ora Requerente, aos Fundos sob sua gestão, encontram-se sujeitas a imposto do selo, conforme decorre das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS.”

58.     Tendo obtido da AT entendimento consonante com as liquidações de IS, qual seja o de que as SGOIC se enquadram no âmbito de incidência subjetiva da verba. 17.3 da TGIS, conformou-se com tal entendimento, não fazendo uso da faculdade de impugná-lo mediante o recurso autónomo, previsto na alínea c) do n.º 20 do artigo 68.º do artigo da LGT.

59.     Pelo que, a Reclamante subcontratou a prestação de serviços das instituições de crédito com o objetivo de estas promoverem a comercialização das UP dos Fundos por si geridos, sendo que a comercialização inclui toda a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação, conforme o disposto no artigo 2º, nº1, alínea c), do RGOIC.

60.     E nos termos da interpretação do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 não nos parece que, as unidades de participação dos fundos não revestem a mesma natureza de partes sociais resultantes de uma operação prevista no nº1 ou análoga (não revestem a natureza de uma participação no capital de uma pessoa coletiva, mas, como, partes de “patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão”, compostos nomeadamente por valores mobiliários como as ações ou obrigações e mesmo outras Unidades de Participação, instrumentos dos mercado monetário ou instrumentos financeiros derivados (artigo 2º, nº1, alínea u) do RGOIC).

61.     Assim sendo, vemos que a Diretiva não visa isentar de impostos o mercado de capitais ou os serviços de investimento prestados pelos profissionais que nele operam (“intermediários”), mas sim as operações de capital que se destinem a fomentar, concentrar, reestruturar empresas.

62.     E sendo as unidades de participação partes representativas de um património autónomo (que pode ser composto por partes sociais de muitas empresas, nacionais ou estrangeiras) gerido por uma sociedade comercial anónima. Assim, o artigo 7º, nº1, do RGOIC, “O património dos fundos de investimento é representado por partes de conteúdo idêntico que asseguram aos seus titulares direitos iguais, sem valor nominal, que se designam unidades de participação”. Termos em que, ao contrário do que se pretende, salvo melhor juízo, o legislador comunitário tem um escopo preciso na sua isenção tributária, relativo ao fomento e concentração e reestruturação de sociedades permitindo para isso a livre circulação de capitais, o que é mais restrito do que toda e qualquer “reunião de capitais”.

63.     E somos da mesma opinião expressa na declaração de voto da Sra. Presidente do Tribunal Arbitral. Exma. Sra. árbitra Dra. Fernanda Maças, acompanhada pelo Dr, Martins Alfaro (árbitro vogal), expressou na sua declaração de voto no CAAD 87/2021 […]

64.     No mesmo sentido se pronunciou a decisão proferida no Processo n.º 742/2021-T CAAD, que nos permitimos transcrever:

          «A Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, às comissões de gestão, proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta sobre as operações de reunião de capitais, nas quais entende incluírem-se as comissões de gestão suportadas por OIC.

          Através desta Diretiva o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à captação de financiamento ou reunião de capitais.

          Ora, não há qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, vedada pela Diretiva, com a tributação das comissões cobradas pela gestão de OIC, que se aprecia na presente decisão. […]»

65.     E conforme Declaração de voto, do [á]rbitro Dr. António Barros Lima Guerreiro, no CAAD 88/2021:

          (…) Contrariamente a essa posição, o Acórdão no proc. C-656/21 , que vincula o Tribunal Arbitral no caso concreto, sustentaria a alínea a) do nº 2 do art. 5º dessa Diretiva 2008/7/CE ,dever ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

          (…) Está em causa, com efeito, não qualquer contrapartida da entrega ou transmissão de unidades de participação e os serviços acessórios, mas toda a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação a que se refere a alínea c) do nº 1 do art. 2º do RGOIC, efetuada por um terceiro.

          É, pelo menos, discutível, aliás, que essa comercialização se insira na administração e gestão dos fundos de investimento, ao contrário da emissão “stricto sensu” e dos serviços que a compõem, para efeitos da isenção da alínea a) do 27º do art. 9º do CIVA. Caso, assim, se entendesse, aliás, as operações em causa estariam sujeitas a IVA e não a imposto de selo, nos termos do nº 2 do art. 1º do Código do Imposto de Selo, mas não é essa questão que se discute no presente processo arbitral, já que não está em causa qualquer liquidação adicional de IVA.

          Nos termos dos arts. 26º e 52º do Regulamento da CMVM 2/2015, o intermediário financeiro pode cobrar aos subscritores , representados pela sociedade gestora, comissões de subscrição desde que a cobrança dessas comissões estiver prevista no contrato de comercialização.

          Tais comissões são custo do fundo, não elemento do ativo deste, entrando no cálculo do rendimento líquido distribuídos aos participantes.

          Não constituem, salvo quando a sociedade gestora prove o contrário, qualquer parcela das comissões de gestão, o que é particularmente evidente nos casos em que estas sejam fixas ou não sejam determinadas em função da “performance” do fundo. No presente caso, aliás, as comissões invocadas pela Requerente foram faturadas como de venda e não de subscrição dos títulos, sendo que, como resulta do art. 3º da Diretiva 2008/7/CE, apenas a subscrição, ainda que no sentido amplo de compreender a subcontratação das operações de divulgação pública, está abrangida pelas proibições dessa Diretiva.”

66.     Ora, reforçamos que a Reclamante tipifica as comissões pagas como “comissões extraordinárias de comercialização”, desconhecendo a sua natureza, origem ou até previsão contratual e até mesmo a existência ou não de redébito aos fundos por si geridos.

67.     Não foi feita prova que tenham sido pagas, pelos OIC, comissões devidas pela prestação individualizada de específicos serviços de gestão ou de comercialização ou até de administração ou sequer que essa hipotética prestação individualizada e específica de serviços tivesse sido sujeita a Imposto do Selo.

68.     A Reclamante defende que as referidas comissões extraordinárias, detém a mesma natureza das comissões de comercialização, mas desconhecemos se poderão incluir serviços jurídicos, de contabilidade, de esclarecimento e análise das questões e das reclamações dos participantes, de avaliação da carteira e determinação do valor das unidades de participação, da emissão de declarações fiscais aos participantes, de controlo da observância das normas aplicáveis, de registo e conservação dos documentos, de direitos com carater remuneratório entre outros serviços.

69.     Nestes termos, concluímos que estamos perante comissões que não foram tratadas nas instâncias jurídicas invocadas, que não se viola o principio do primado, pois estamos perante comissões que levantam dúvidas quanto à sua interpretação.

70.     Cabendo à Reclamante o ónus de prova sobre a diferenciação dos serviços em causa, nos termos do artigo 74.º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária Ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

71.     A determinação legal do ónus da prova orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual a parte que deve ser afetada pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova interessa à apreciação do decisor que, perante uma situação de inexistência de prova de determinado facto, decidirá, contra quem tem o ónus da prova.

72.     Não obstante o princípio do inquisitório, segundo o qual cabe à Administração Tributária o dever de procurar a verdade material, continuam a ser os particulares (quando o ónus da prova lhes é atribuído) com o dever de demonstração de determinados factos. A inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá como não verificado.

73.     Neste sentido decidiu o Ac. STA de 01-06-2011, (Processo nº 0211/11), do qual consta no Sumário “I – Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito (…)” – citado no Sumário do Acórdão do STA, processo nº 060/13, de 03-04-2013.

74.     Concluímos que o caso em apreço não tem aplicação na jurisprudência do TJUE, pelo que a verba 17.3.4. da TGIS, que prevê a sujeição a imposto do selo de comissões e contraprestações por serviços financeiro não é ilegal, e desse modo, as liquidações de imposto do selo impugnadas, tendo tido por base aquela disposição da TGIS, não enfermam de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de direito.

75.     Face ao exposto, concluímos pela improcedência do pedido, referente ao montante total de € 106.347,01, com referência aos meses de janeiro de 2022 e janeiro de 2023, não se vislumbra qualquer ilegalidade referente aos atos tributários de liquidação de imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS, suportados pela ora Reclamante. […]”

  1. Inconformado com a decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa e de  indeferimento da reclamação graciosa, bem como com as liquidações de Imposto do Selo supra identificadas, o Requerente apresentou no CAAD, em 11 de outubro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros teve em conta a posição assumida pelas Partes em relação à matéria de facto e fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que foi corroborada pelo depoimento da testemunha inquirida, funcionário do Requerente, Diretor de Operações, que respondeu de forma objetiva e revelou conhecimento direto dos factos relatados.

 

Em relação à oposição deduzida pela Requerida por ter sido solicitada, por este Tribunal Arbitral, no decurso da diligência de inquirição da testemunha, prova complementar documental sobre as comissões faturadas pelo Banco ao Requerente, em concreto, um excerto do contrato de distribuição na parte referente à remuneração dos serviços, a mesma não tem fundamento, tendo em conta que:

 

  1. A junção desse documento não implicou qualquer alegação de factos novos – essenciais, complementares ou instrumentais –, respeitando apenas à questão de facto das comissões sujeitas a Imposto do Selo e da sua razão de ser/natureza, que está amplamente, e de forma detalhada, alegada no pedido de pronúncia arbitral;
  2. Sem prejuízo de o artigo 10.º, n.º 2 do RJAT prever que o pedido arbitral deve ser instruído com os elementos de prova a produzir, isso não significa que não possam ser juntos documentos em fase posterior; 
  3. Só assim se compreende que, nos termos da alínea e) do artigo 16.º do RJAT, se preveja, como princípio do processo arbitral, “[a] livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros”;
  4. O que não constitui privilégio ou particularismo da jurisdição arbitral, pois sendo a matéria de incidência fiscal submetida ao princípio da legalidade, as manifestações do princípio do dispositivo que vigoram no processo civil ficam infra ordenadas e comprimidas pelo princípio da verdade material, que impregna todo o contencioso tributário;
  5. Veja-se, neste âmbito, o disposto no artigo 13.º, n.º 1 do CPPT que, sobre os poderes do juiz, determina que “[a]os juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”;
  6. A descoberta da verdade material não viola o princípio de igualdade das partes, tendo sido concedida à AT a possibilidade de se pronunciar em fase de alegações sobre os documentos juntos;
  7. Sendo o documento junto por solicitação do Tribunal Arbitral, afiguram-se inaplicáveis as normas do processo civil relativas à junção de documentos pelas (por iniciativa das) partes, no âmbito de litígios de direito privado;
  8. Não ocorreu propriamente uma falta do Requerente, pois este juntou ab initio: (i) a declaração do prestador de serviços, que é uma entidade terceira e uma instituição de crédito de referência em Portugal sobre as operações realizadas nas quais liquidou o Imposto do Selo em causa; (ii) as faturas que contêm os débitos nos quais foi liquidado o Imposto do Selo, com referência expressa às comissões e à cláusula do contrato de distribuição; além de que (iii) arrolou uma testemunha que explicou de forma circunstanciada a que é que as mencionadas comissões respeitavam;
  9. Deste modo, o documento junto em fase posterior representa uma prova complementar, em reforço do que já resultava dos documentos emitidos de fonte externa (faturas), por uma entidade terceira que, como referido, é uma instituição de crédito credível e de considerável dimensão no mercado português (documento de fonte externa, portanto), e da sua confirmação e detalhe fornecidos pela prova testemunhal;
  10. De notar que o prestador (B...) não tem qualquer interesse direto no desfecho do litígio, porquanto repercutiu o Imposto do Selo (não o tendo suportado economicamente), nem irá beneficiar se este Imposto for restituído pela Requerida, uma vez que o seu destinatário, nesse caso, será o Requerente.

 

De notar que, apesar de a Requerida defender, como fundamento da improcedência da ação, a falta de prova sobre a natureza dos serviços prestados pelo B... sujeitos a Imposto do Selo (cujo ónus seria do Requerente), veio opor-se à inquirição da testemunha. Funda essa oposição no argumento, contraditório com a tese por si preconizada de falta de prova, de que a “a qualificação jurídica da matéria é meramente de direito” (parecendo deslocar o centro do dissídio para a questão de direito), e, ainda, na tese de que a natureza dos serviços não é passível de prova testemunhal.

 

Contudo, ao contrário do que a Requerida afirma, o teor/natureza dos serviços prestados a que as faturas juntas aos autos respeitam é passível de qualquer meio de prova. Acresce que, nesse âmbito, o Requerente juntou vários elementos documentais com o pedido arbitral: declaração do prestador e cópia das faturas. Elementos que, em conjunto com o depoimento da testemunha, são, por si, suficientes para fixar a matéria factual supra, que os documentos juntos ulteriormente apenas vieram reforçar.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. Enquadramento da Questão

 

Como atrás assinalado, discute-se na presente ação a incidência de Imposto do Selo relativamente às comissões adicionais de comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento mobiliários abertos ao Requerente por uma instituição de crédito (Banco) com sede em Portugal.

 

Os serviços prestados consubstanciam-se na colocação dessas novas unidades de participação junto dos clientes do Banco, que beneficia de uma rede de balcões e agências por todo o país e do acesso a um universo alargado de clientes. Na prática, o Banco informa os clientes dos produtos (unidades de participação a subscrever) e recebe destes as ordens de subscrição. Por esta intermediação cobra uma comissão mensal e, caso seja atingido um dado limiar de comercialização, numa base anual, tem direito a debitar uma comissão adicional por ter sido ultrapassado o objetivo traçado.

 

A Requerente alega que estas comissões estão abrangidas pela proibição constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de Reunião de Capitais. A Requerida entende ser devida a tributação em Imposto do Selo, ao abrigo do disposto na verba 17.3.4 da TGIS, para o que invoca falta de prova em relação às comissões de comercialização e o facto de existir um leque de serviços vasto não abrangido por aquela proibição.

 

  1. Quadro Legal

 

Para apreciar a questão a decidir importa atender ao disposto nas normas aplicáveis de direito interno e da União Europeia, que infra se transcrevem na parte relevante:

 

Código do Imposto do Selo

Capítulo I - Incidência

Artigo 1.º

Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

Tabela Geral do Imposto do Selo

 

17 Operações financeiras

[…]

17.3     Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:

17.3.1  Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação  4%          

17.3.2  Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências  4%           

17.3.3  Comissões por garantias prestadas  3%      

17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões  4%

           

Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008,

relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais

Artigo 5.º

Operações não sujeitas a impostos indirectos

1.   Os Estados-Membros não devem sujeitar as sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indirecto sobre:

  1. Entradas de capital;
  2. Empréstimos ou prestações de serviços, efectuadas no âmbito das entradas de capital;
  3. Registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade de capitais esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica;
  4. Alterações do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente as seguintes:
  1. a transformação de uma sociedade de capitais numa sociedade de capitais de tipo diferente,
  2. a transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade de capitais,
  3. a alteração do objecto social de uma sociedade de capitais,
  4. a extensão do período de duração de uma sociedade de capitais;
  1. As operações de reestruturação referidas no artigo 4.º

2.   Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

  1. A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
  2. Os empréstimos […].

Artigo 6.º

Impostos e direitos

  1. Em derrogação ao disposto no artigo 5.º, os Estados-Membros podem cobrar os seguintes impostos e direitos:

[…]

            f)     Imposto sobre o valor acrescentado.”

 

  1. Análise Concreta: Proibição do Artigo 5.º, n.º 2, al. a) da Diretiva de Reunião de Capitais

 

            Resulta dos autos que estão em causa comissões, debitadas e cobradas por uma instituição de crédito ao Requerente, relativas à comercialização de subscrições de unidades de participação em fundos de investimento abertos, ou seja, devidas pela distribuição e concretização da venda das novas unidades de participação junto dos clientes, ou aos balcões do Banco. No caso concreto, estas comissões são adicionais à comissão mensal cobrada pelos referidos serviços (de comercialização) e cobradas numa base anual, na condição de ser atingido um determinado limiar de vendas.

 

            Precisamente sobre questão idêntica num processo com as mesmas Partes, o Tribunal de Justiça pronunciou-se por Acórdão de 22 de dezembro de 2022, C-656/21, IM Gestão de Ativos e O., no sentido da incompatibilidade da tributação em Imposto do Selo face ao disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de reunião de capitais (2008/7/CE). 

           

            Para o Tribunal de Justiça, os fundos de investimento consubstanciam acervos patrimoniais, sem personalidade jurídica, que pertencem aos participantes segundo o regime geral de comunhão, pelo que devem ser equiparados a sociedades de capitais, de acordo com a Diretiva 2008/7/CE (v. p. 24-26 do Acórdão proferido no processo C-656/21 e Acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, p. 13).

 

           

            Os fundos geridos pelo Requerente, como é, aliás, reconhecido na fundamentação do despacho de indeferimento do pedido deduzido na reclamação graciosa, são abrangidos pelo regime geral dos organismos de investimento coletivo, que transpôs (parcialmente) as Diretivas 2011/61/EU e 2013/14/EU.

 

            Neste âmbito, reconduzindo-se a questão controvertida à aplicação do direito da União Europeia/Diretiva de Reunião de Capitais, em concreto ao artigo 5.º, n.º 2, alínea a), o Tribunal de Justiça começa por salientar que esta norma proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto (exceto o IVA) a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

 

            Adicionalmente, considera aquele Tribunal europeu que o citado artigo 5.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva de reunião de capitais deve ser objeto de uma interpretação lato sensu, abrangendo, de igual forma, operações que não estão aí expressamente referidas, desde que façam parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais, para evitar que as proibições que a norma prevê sejam privadas de efeito útil (v. p. 27-28 do Acórdão proferido no processo C-656/21 e Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, p. 31-32).

 

            Considerando que os serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no presentes autos, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de unidades de participação, equiparadas a “partes sociais”, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE (uma vez que as novas unidades de participação são “títulos” representativos do património do fundo e da quota parte que cabe ao respetivo financiador, no âmbito de financiamento dos fundos pelo mercado de capitais), “devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais” (v. p. 29-31 do Acórdão proferido no processo C-656/21).

 

            O facto de o Banco dar a conhecer junto do público e da sua clientela a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos. Mais, dada a estreita ligação dos serviços de comercialização com as operações de emissão e de colocação em circulação das novas unidades de participação, não é relevante se essa comercialização é efetuada diretamente ou por terceiros, nomeadamente, como ocorre in casu, por bancos (v. p. 31-34 do Acórdão proferido no processo C-656/21).

 

            Concluindo o Tribunal de Justiça, de forma assertiva, nos seguintes moldes:

            “

            36   Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

            37   Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

            38   Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo […] sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas […].” (realce nosso)

 

            Resulta do exposto que a Diretiva de reunião de capitais inclui na sua previsão [artigo 5.º, n.º 2, alínea a)] as operações em presença e proíbe a sua tributação, com a consequente incompatibilidade da incidência do Imposto do Selo sobre as mesmas resultante da aplicação literal das normas de direito interno.

 

            Inexiste fundamento para o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, uma vez que a questão de direito está devidamente aclarada pela jurisprudência daquele Tribunal, nomeadamente no Acórdão de 22 de dezembro de 2022, proferido no processo C-656/21, de que foi Parte o aqui Requerente.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            À face do exposto, conclui-se, em síntese, que:

  • Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça, declarativa da incompatibilidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, da incidência de Imposto do Selo sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de (novas unidades de) participações de fundos; e
  • Atento o princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição,            são inválidas as (auto)liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos autos, porque contrárias ao direito da União Europeia (violação de lei), pelo que as mesmas vão anuladas, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia confere o direito a juros, nos termos a regular pelos Estados-Membros (v. a título de exemplo, o Acórdão de 18 de abril de 2013, processo C-565/11, Mariana Irimie.

 

            A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT. 

 

            Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

Na situação vertente, em relação aos atos de liquidação controvertidos, verificou-se erro de direito (por violação do direito da União Europeia) para o qual o Requerente não contribuiu, tendo o Imposto do Selo sido liquidado por uma terceira entidade, o Banco, na qualidade de substituto tributário e no interesse da Autoridade Tributária. Pelo que o erro da liquidação não pode deixar de ser imputável aos “serviços” nos termos e para os efeitos do artigo 43.º da LGT.

 

Aliás, a partir do momento em que, tendo havido pedido de revisão oficiosa e reclamação graciosa, e que estes foram decididos no sentido da manutenção das liquidações ilegais, é pelo menos imputável à Requerida a manutenção dos atos ilegais.

 

Sobre a contagem dos juros, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para as situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, como sucede nos presentes autos em relação ao Imposto do Selo dos anos 2020 e 2021. Neste caso, a obrigação de indemnizar apenas se constitui depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão (v., a título ilustrativo, o Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4 de novembro de 2020[9]).

 

Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 2 de junho de 2023, a contagem dos correspondentes juros indemnizatórios, calculados com base no valor de Imposto do Selo pago em 2020 e 2021, de € 37.015,60, só se inicia a partir de 28 de junho de 2024, pelo que, à data da decisão, não estão reunidas as condições para a exigibilidade de juros indemnizatórios. 

 

Em relação à reclamação graciosa e ao Imposto do Selo dos anos 2022 e 2023, na importância de € 106.347,01, conforme atrás referido os atos de autoliquidação controvertidos enfermam de erro de direito que, ao não ser reconhecido em fase de reclamação graciosa, configura erro imputável à AT. Sobre este valor, são, desta forma, devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100 da LGT, contados a partir do dia 7 de setembro de 2023, tendo em conta que o despacho de indeferimento daquela reclamação data de 6 de setembro de 2023.

 

 

            VI.       Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a presente ação e, em consequência:

  1. Anular as (auto)liquidações de Imposto de Selo objeto dos autos, referentes a 2020, 2021, 2022 e 2023, no valor de € 143.362,61;
  2. Anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa que manteve tais atos;
  3. Determinar o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o valor de € 106.347,01 (Imposto do Selo dos anos 2022 e 2023), contados a partir de 7 de setembro de 2023, nos termos legais.

 

 

VII.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de 143.362,61, indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido, i.e., ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VIII.   Custas

 

            Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros) a cargo da Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de abril 2024

 

Os árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

                                                          

 

Sérgio de Matos

 

 

 

José Coutinho Pires

 



[1] No mesmo sentido, podem citar-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2020, processo n.º 0608/13.4BEALM, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (Norte) de 27 de janeiro de 2021, processo n.º 00175/21.5BECBR.

[2] Dispõe a citada norma que “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta […]”.

[3] Quanto aos anos 2022 e 2023 não é suscitada (nem foi identificada) matéria de exceção neste âmbito.

[4] V. pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

[5] O que sucede quando o contribuinte é a fonte de rendimentos do substituto, pelo que a tarefa deste é a de cobrar o imposto juntamente com os valores que tem a haver. Sobre esta qualificação v. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 341, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de março de 2015, no processo 1080/13, que salienta que a mesma posição é sufragada por Saldanha Sanches e Casalta Nabais.

[6] V. “A Revisão do Acto Tributário: Requiem pela Autoliquidação?”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal do IDEFF, Ano 9, N.º 1, Primavera, pp. 209 a 229.

[7] Idêntica posição adota a decisão do processo arbitral n.º 9/2021-T, de 13 de setembro de 2021, sobre o mesmo problema.

[8] Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 2 de junho de 2023 e sendo as liquidações de Imposto do Selo de 2020 e de 2021 não estava esgotado o prazo de quatro anos. 

[9] Sobre a mesma questão podem ver-se também os Acórdãos de 28/01/2015, no processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no processo n.º 05/19.8BALSB, e de 26/05/2022, no processo n.º 159/21.3BALSB, todos do Supremo Tribunal Administrativo.