Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 716/2023-T
Data da decisão: 2024-04-14  IRS  
Valor do pedido: € 7.798,29
Tema: IRS – Regime fiscal de Residentes Não Habituais – Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria 230/2019, de 23 de julho.
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SUMÁRIO:

 

  1. O regime fiscal aplicável a “residentes não habituais” foi instituído com o objetivo de atrair para Portugal profissionais não residentes, qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou de propriedade intelectual, industrial, ou know-how, atividades constantes da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria 230/2019, de 23 de julho.
  2. Esta Portaria veio regulamentar o artigo 72.º, n.º 10, e o artigo 85, n.º 5 do CIRS.
  3. Os sujeitos passivos cujas atividades não se enquadrem nas atividades de elevado valor acrescentado previstas na citada Portaria, no âmbito das categorias A e B, nem que tenham obtido rendimentos elegíveis para este efeito, não beneficiam do regime fiscal aplicável a “residentes não habituais.”

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

A... (doravante Requerente), com morada no ..., Rua ..., n.º ..., ...,  ...-... Lisboa,  sujeito passivo com número de identificação fiscal  ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante RJAT), conjugado com as normas ínsitas no artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade do ato tributário identificado abaixo.

Peticiona a título imediato que seja declarada a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que apreciou a legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2022.

Peticiona ainda a título mediato e enquanto objeto daquele, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., no valor de 7.798,29 € (sete mil setecentos e noventa e oito euros e vinte e nove cêntimos), referente ao ano de 2022, com as consequências legais previstas no artigo 24.º do RJAT e no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, designadamente a anulação do referido ato tributário e a devolução do montante em causa fixado pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal aplicável.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do n.º do processo atribuído, em 10-10-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 16-10-2023.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

Em 29-11-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

 

Síntese da posição das Partes:          

1.      Do Requerente

Alega o Requerente que se tornou fiscalmente residente em Portugal, desde 2021, na medida em que não só atualizou o seu domicílio fiscal, como preenche os requisitos de residência previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRC, desde aquele ano; e que não residiu em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores a 2021, nem em qualquer outro momento.

Razão pela qual estão preenchidos, quanto ao Requerente, todos os pressupostos de que depende a sua inscrição como “residente não habitual”.

Refere por sua vez que «(…) a temática da tempestividade do pedido de inscrição como residente não habitual, na exata medida em que é do conhecimento do Requerente que a Requerida interpreta o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS como uma norma preclusiva, no sentido de que a não apresentação do pedido de inscrição no prazo ali referido faz extinguir o (ou impede a constituição do) direito a ser tributado como residente não habitual. 

Sucede, porém, que tal interpretação tem vindo a ser reiteradamente afastada, nomeadamente pelas instâncias arbitrais (cfr. a título de exemplo, as decisões proferidas nos processos 188/2020-T, 777/2020-T e 815/2021-T, todos disponíveis para consulta integral em https://www.caad.org.pt/). 

Decorre daquela jurisprudência, a que se adere integralmente, que a inscrição como residente não habitual tem uma natureza meramente declarativa, pelo que não decorre dessa inscrição qualquer efeito constitutivo do direito a ser tributado ao abrigo desse regime. 

Logo, não há também nenhum efeito extintivo ou preclusivo que decorra da inobservância daquele prazo.»

E acrescenta que a aplicação do regime do residente não habitual conduziria a uma liquidação de valor diferente, em decorrência do disposto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, nos termos do qual: 

«Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes: 

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado;

b) (…)». 

Por outra banda e compulsando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, refere o Requerente que os rendimentos auferidos pelo Requerente no Brasil, a título de dividendos, poderiam ali ser tributados, ainda que com limites.

Nas palavras deste «É um caso manifesto de competência tributária cumulativa.  

Logo, por força do regime do residente não habitual, a tais rendimentos deverá aplicar-se o método da isenção, não havendo lugar, quanto aos mesmos, ao apuramento de IRS. 

Regime idêntico se aplica aos rendimentos auferidos pelo Requerente a título de juros, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento. 

Donde, também os juros auferidos pelo Requerente deverão estar abrangidos pelo método da isenção, previsto no regime do residente não habitual. 

Finalmente, quanto aos outros rendimentos de capitais, importa considerar o disposto no n.º 3 do artigo 22.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, nos termos do qual: 

«Não obstante as disposições dos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante provenientes do outro Estado Contratante e não tratados nos artigos anteriores desta Convenção podem também ser tributados nesse outro Estado».

De resto, foi precisamente ao abrigo dessa competência tributária cumulativa que os rendimentos em causa foram tributados na fonte».           

 

2. Da Requerida

Os argumentos apresentados na Resposta da AT sublinham o seguinte:

Segunda a Requerida «O impetrante salienta que o cerne da controvérsia, centra-se nos rendimentos de capitais de fonte brasileira, no montante de 33.244,73€. Quantia, à qual, na tese do Requerente, teria sido aplicada a taxa de 28%, prevista no artigo 72º, nº 1 al. d), do CIRS. Ao invés do método de isenção, inscrito na norma do artigo 81º, nº 5 do CIRS. Requerendo a anulação da liquidação, bem como o pagamento de juros indemnizatórios».

Refere ainda que «(…) o n.º 10 do artigo 16.º do CIRS (…) expressamente prevê que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, até 31 de março, inclusive do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal. A desconsideração desta norma, como sufragada pelo Requerente, retiraria qualquer sentido à citada disposição legal.

Por outras palavras, o legislador teria imposto naquele preceito uma obrigação absolutamente desnecessária e sem qualquer efeito legal. E, de acordo com o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim sendo, não restam dúvidas de que, para a concessão do estatuto de RNH, deve o contribuinte solicitar a sua inscrição no prazo legal.

O que o artigo 16.º do CIRS prevê, é um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais (ou condições), necessários, para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito do regime dos RNH.

Quais sejam: (i) que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português (TP), e, (ii) que a pessoa em causa não foi residente em TP em qualquer dos cinco anos anteriores. Este procedimento de reconhecimento administrativo é, ele próprio, um dos pressupostos (acessório) dos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, o que significa que este pressuposto tem de se verificar, nos exatos termos previstos na lei, para que a pessoa singular possa usufruir dos diversos benefícios fiscais associados ao regime dos RNH, em qualquer um dos 10 anos a que tenha direito ao regime. Concomitantemente, é necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o RNH opte expressamente na modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance.

Face ao exposto, no caso em apreço, a liquidação sub iudice encontra-se dentro da legalidade (…) e não poderá ser atendida a pretensão do Requerente.

Além disso (…) sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à aquisição do direito ao regime de benefício fiscal de RNH, e não tendo este sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade das liquidações contestadas.

 E mesmo que se pretenda, como defende o Requerente, que basta a verificação dos requisitos impostos no artigo 16.º do CIRS, para automaticamente beneficiar o estatuto estes obviamente não se verificam para o ano de 2022, visto que, desde de 2021, que é residente em Portugal.»

 

***

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 20-12-2023.

Em 26-12-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 02-02-2024, juntando Processo Administrativo (doravante PA), em 09-04-2024.

Através de despacho proferido pelo Tribunal Arbitral, em 12-04-2024, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, bem como a audição de testemunhas e a apresentação de alegações escritas.

Estimou-se, igualmente, a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, convidando-se o Requerente a pagar a taxa arbitral subsequente prevista no artigo 4.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. O Requerente exerce em Portugal a atividade de estudante. 
  2. O Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal, durante o ano de 2021, tendo ingressado em território nacional, no dia 23 de janeiro de 2021.
  3. Antes de 2021, o Requerente não foi residente fiscal em Portugal. 
  4. Anteriormente a 2021, o Requerente residiu no Brasil.
  5. Desde 29-09-2021, que o domicílio fiscal do Requerente consta da base de dados da AT, correspondendo a uma morada sita em Portugal. 
  6. A sua morada foi atualizada, em 7-12-2021, tal como consta da base de dados da AT.
  7. O Requerente não apresentou pedido de inscrição como “residente não habitual”, até ao dia 31-03-2022. 
  8. O pedido de inscrição do Requerente como “residente não habitual” foi submetido no dia 24 -11-2022, com solicitação da produção de efeitos, ao ano de 2021. 
  9. O Requerente entregou o pedido junto do Serviço de Finanças de Lisboa – ... .
  10. O Requerente não foi notificado de qualquer decisão relativamente ao requerimento apresentado, razão pela qual intentou ação administrativa de condenação à prática do ato devido, a qual corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa – Unidade Orgânica 1, sob o n.º …/23….BELRS.
  11. Nesta, o Requerente peticiona a condenação da Requerida à prática do ato devido, i.e., à inscrição daquele como “residente não habitual”, desde 2021, ou, subsidiariamente, à inscrição como “residente não habitual”, desde 2022.
  12. Com referência a 2022, o Requerente auferiu rendimentos de capital de fonte brasileira, totalizando 33.244,73 € (trinta e três mil duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e três cêntimos) – Dividendos, no valor de 31.012,19 € (trinta e um mil e doze euros e dezanove cêntimos), juros no valor de 159,05 € (cento e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) e outros rendimentos de capital, no valor de 2.073,49 € (dois mil e setenta e três euros e quarenta e nove cêntimos).
  13. Tais rendimentos foram discriminados no Anexo J submetido com a Declaração Modelo 3 a que corresponde o número de identificação ...-...-..., datada de 30-06-2023.

2. Factos não provados:

Não ficou provado que a atividade como estudante desenvolvida pelo Requerente se enquadre nas atividades de elevado valor acrescentado previstas na Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria 230/2019, de 23 de julho, nem que este tenha obtido rendimentos elegíveis para o regime em análise.

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).

Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III. DO DIREITO

 

  1. A questão a decidir

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral versa sobre a impugnação do ato de liquidação de IRS de 2022, sobre a qual o Requerente alega que não foi permitida a aplicação do regime de “residente não habitual” (ou RNH).

Perante a factualidade dada como provada suscetível de integrar a causa de pedir, e as normas legais em vigor à data dos factos, procede-se ao conhecimento do mérito da causa.

Sobre situações semelhantes às dos presentes autos já se pronunciou a jurisprudência proferida no CAAD. A este mesmo propósito veja-se o processo 777/2020-T, que parcialmente se transcreve:

«Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.

Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”

O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Apesar de haver uma conexão entre os dois pedidos, não se afigura prejudicial em relação à aplicação do regime do “residente não habitual” em cada ano fiscal, pois não há identidade entre os dois pedidos.»

Questão diferente, são os vícios e os fundamentos apontados pela Requerente para sustentar a ilegalidade do ato tributário.

O ato aqui impugnado é o ato tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., ao qual são imputados vícios específicos pelo que não podemos concordar com a Requerida quando afirma que “(…) a causa de pedir em apreço nos presentes autos, centra-se na condição de residente não habitual do autor».

Importa previamente aferir se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 10 do art.º 16.º (à data aplicável), que transcrevemos, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo:

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

(…)

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. 

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

Ora, o direito a ser tributado como residente não habitual, depende apenas de o sujeito passivo ser considerado residente não habitual (artigo 16.º n.º 10), devendo para esse efeito preencher dois requisitos, em concreto: o sujeito passivo ter-se tornado fiscalmente residente num determinado ano; e o sujeito passivo não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.” conforme dispõe o artigo 16.º n.º 8 e 9.

Aqui chegados, importa perguntar se a falta ou atraso na inscrição do RHN, constitui um fator de exclusão da aplicação do regime, ou seja, se o registo como “residente não habitual,” constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo, ou se é uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito.

No sentido de se tratar de uma mera declaração declarativa, veja-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 188/2020-T, cuja fundamentação acompanhamos e que é aplicável ao caso concreto que vimos analisando: “Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.

(...)

Não tendo, como acima se referiu, o pedido de inscrição como residente não habitual, natureza constitutiva do direito a ser tributado enquanto tal e, cumprindo o Requerente os requisitos materiais de que depende a aplicação daquele regime, sempre deveria o Requerente ser tributado de acordo com aquele regime.»

Assinala-se ainda que, de acordo com o Aviso publicado no Diário da República de 14-12-2001, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, entrou em vigor em 05-10-2001,com efeitos a 01-01-2000.

A razão de ser das Convenções sobre Dupla Tributação (doravante CDT), funda-se, como sabemos, precisamente na circunstância de vários Estados soberanos terem considerado que, as aplicações unilaterais das suas normas fiscais, consubstanciam uma potencial fonte de conflitos, criando regras especiais (de desempate) cuja aplicação determinará a residência em apenas um dos Estados que reclamam a residência fiscal de um sujeito passivo. 

Uma vez que as regras convencionais se sobrepõem às leis nacionais (artigo 8.º, n.º 1 e 2 da CRP) as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português não podendo por tal razão uma norma interna alterar uma norma constante da Convenção.

Ora, ficou demonstrado que o Requerente, não obstante não cumprir os formalismos previstos pelo regime em análise, poderia cumprir com os requisitos previstos nos n.ºs 8 e 9 do art.º 16.º do CIRS, e como tal, ser-lhe-ia, em tese, aplicado o método da isenção para evitar a dupla tributação internacional como método regra.

Com efeito, resulta do probatório que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal, em 2021.

Quanto ao segundo requisito, encontra-se igualmente cumprido, porquanto a Requerente não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Mas será que o Requerente poderia efetivamente ter adquirido os direitos que lhe atribui o estatuto de RNH preenchendo os referidos requisitos?

Em geral, que direitos adquiria, face ao regime então em vigor, o “residente não habitual” assim considerado?

- O de ser tributado a uma taxa de 20%;

- Durante 10 anos consecutivos;

- Incidindo sobre rendimentos líquidos das categorias A e B;

- Obtidos no exercício da atividade de elevado valor acrescentado nos termos da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria 230/2019, de 23 de julho;

- A possibilidade de optar pelo englobamento;

- A aplicação do método da isenção para evitar a dupla tributação internacional como método regra.

Recordemos que o regime fiscal aplicável a “residentes não habituais” foi instituído com o objetivo de atrair para Portugal profissionais não residentes, qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou de propriedade intelectual, industrial, ou know-how, atividades constantes da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria 230/2019, de 23 de julho[1].

Esta Portaria veio regulamentar o artigo 72.º, n.º 10, e o artigo 85, n.º 5 do CIRS.

Ora, não resulta do probatório que a atividade como estudante desenvolvida pelo Requerente se enquadre nas atividades de elevado valor acrescentado previstas na citada Portaria no âmbito das categorias A e B, nem que este tenha obtido rendimentos elegíveis para o regime em análise.

Perante o exposto, e não podendo o sujeito passivo beneficiar do estatuto de RNH, considera este Tribunal Arbitral sem mais delongas que a liquidação em análise se encontra dentro da legalidade, improcedendo o PPA, e não sendo devidos juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral singular: 

 

  1. Julgar improcedente a presente ação e absolver a Requerida de todos os pedidos.
  2. De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 7.798,29 € (sete mil setecentos e noventa e oito euros e vinte e nove cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada;
  3. Condenar o Requerente nas custas judiciais. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de abril de 2024     

 

A Árbitra

 

 

/Alexandra Iglésias/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Altera os n.ºs 1 e 2 do artigo único e a Tabela constante do anexo, e adita um n.º 3 ao referido artigo único da Portaria 12/2010, de 7 de janeiro, entrando em vigor a 24-07-2019, e produzindo efeitos a 01-01-2020, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º