Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 667/2023-T
Data da decisão: 2024-04-24  IRS  
Valor do pedido: € 11.148,18
Tema: IRS; Tonnage tax.
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Sumário:

I – O artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei 92/2018, de 13 de novembro, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, deve ser interpretado no sentido de exigir que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu;

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., pessoa singular, residente na Rua ..., n.º ..., na freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, com o número de identificação fiscal ..., (“Requerente”), veio, abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.os 1 e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral singular com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios n.º 2021..., respeitante ao ano de 2020, da qual resultou um valor a pagar de € 3.916,84  (três mil, novecentos e dezasseis euros e oitenta e quatro cêntimos), e n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021, da qual resultou um valor a pagar de € 7.231,34  (sete mil, duzentos e trinta e um euros e trinta e quatro cêntimos).

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral singular em 06-12-2023, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

O Requerente pretende, em síntese, que seja declarado ilegal o ato tributário de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2021..., respeitante ao ano de 2020, da qual resultou um valor a pagar de € 3.916,84, bem como o ato tributário de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021, da qual resultou um valor a pagar de € 5.236,26. O Requerente pede, ainda, a condenação da Requerida a restituir os montantes indevidamente penhorados / cobrados, acrescidos de juros indemnizatórios, contados, à taxa legal, sobre esses montantes, desde a data do pagamento indevido até ao momento do efetivo e integral reembolso desses montantes, tudo com as legais consequências.

Como fundamento da sua pretensão, o Requerente alega que tem enquadramento nos pressupostos, objetivos e subjetivos, exigidos pelo artigo 4.º do Decreto-Lei 92/2018, de 13 de novembro (“DL 92/2018”), podendo beneficiar, assim, da isenção do IRS aí prevista, relativamente aos anos de 2020 e 2021, pelo que os atos de liquidação em crise foram praticados em violação das normas legais aplicáveis, impondo-se a respetiva anulação. O Requerente defende, ainda, que as referidas liquidações traduzem um manifesto tratamento desigual de situações iguais.

O Requerente juntou procuração forense, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial e 16 (dezasseis) documentos.

Pelo Tribunal Arbitral, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que, deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

A Requerida apresentou resposta, alegando, enquanto questão prévia, que em virtude dos Serviços da Direção de Finanças de Braga da AT terem detetado um lapso na recolha do DCU de 2021 do ora Requerente (na sequência da decisão do processo de reclamação graciosa n.º ...2022...), mais concretamente no anexo H da declaração modelo 3, que veio a originar uma liquidação de imposto superior à efetivamente devida. Em consequência, a Direção de Finanças de Braga procedeu à revogação da aludida liquidação de IRS n.º 2023... e à subsequente emissão de uma liquidação corretiva (liquidação n.º 2023...). Nesta conformidade, a Requerida alega que a liquidação de IRS n.º 2023..., relativa ao ano 2021 já não subsiste na ordem jurídica, em virtude da revogação operacionalizada, e a liquidação de IRS originária n.º 2022..., referente ao ano de 2021, cuja anulação foi requerida pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral, não subsiste igualmente na ordem jurídica, em virtude da precedente reliquidação operacionalizada, com as devidas consequências legais. Relativamente ao alegado pelo Requerente, a Requerida refere que aquele não demonstrou, nem alegou, que os navios em que foi tripulante, optaram pelo regime especial de determinação da matéria coletável previsto no DL 92/2018, salientando, entre os outros, o facto de a entidade B... A/S (“B...”) não figurar sequer como um sujeito passivo de IRC. Nestes termos, a Requerida entende ser manifesta a legalidade da liquidação em causa, não sendo devidos juros indemnizatórios, e, em consequência, ser de improceder o pedido de pronuncia arbitral, por não provado, devendo manter-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolver-se, em conformidade, a Requerida do pedido formulado pelo Requerente.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Durante os períodos de 2020 e 2021, o Requerente desempenhou funções de marinheiro de 1ª classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho e ao serviço da entidade empregadora B..., sociedade de direito dinamarquês e com sede neste país;
  2. A B... optou pela aplicação do regime de tonnage tax dinamarquês, ao abrigo da lei dinamarquesa, para os anos fiscais de 2020, 2021 e 2022;
  3. O Requerente exerceu a sua atividade profissional a bordo do navio da B..., por um período superior a 90 dias em cada exercício de 2020 e 2021;
  • Do ato de liquidação n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021
  1. Em 10-10-2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021;
  2. Em 14-12-2022, o pedido formulado na referida reclamação graciosa apresentada pelo Requerente foi deferido, tendo sido emitida a liquidação de IRS n.º 2023...;
  3. Em 23-06-2023, o Requerente foi notificado da revogação do despacho de deferimento da reclamação graciosa apresentada referido no ponto anterior, tendo sido emitida a liquidação de IRS n.º 2023...;
  4. Em 24-07-2023, o Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão notificada através do despacho referido no ponto anterior;
  5. Contudo, na sequência da referida decisão, os Serviços da Direção de Finanças de Braga detetaram um lapso no anexo H da declaração modelo 3 do Requerente, que veio a originar uma liquidação de imposto superior à efetivamente devida;
  6. Em consequência, a Direção de Finanças de Braga procedeu à revogação da anterior liquidação (liquidação de IRS n.º 2023...) e à emissão da liquidação corretiva de IRS n.º 2023...;
  • Do ato de liquidação n.º 2021..., respeitante ao ano de 2020
  1. Em 02-02-2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, relativamente ao ato de liquidação de IRS n.º 2021..., a qual veio a ser convolada em reclamação graciosa;
  2. Em 07-07-2023, o Requerente foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior;
  3. Em 07-08-2023, o Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão do despacho do indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
  1. Matéria de Facto Não Provada

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Questão a decidir

A questão que cabe apreciar e decidir no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade do indeferimento tácito dos dois recursos hierárquicos apresentados e, consequentemente, com a legalidade das liquidações de IRS emitidas em nome do Requerente, respeitantes aos anos de 2020 e 2021, impondo-se determinar se o Requerente preenchia, naqueles períodos, os requisitos para beneficiar da aplicação do benefício fiscal de IRS aplicável aos tripulantes dos navios ou embarcações, nos termos do artigo 4.º do DL 92/2018.

  1. Matéria de direito
  1. Questão prévia

Com o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente pretende-se a anulação dos atos tributários de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2021..., respeitante ao ano de 2020, da qual resultou um valor a pagar de € 3.916,84, e n.º 2022..., respeitante ao ano de 2021, da qual resultou um valor a pagar de € 7.231,34.

Desta forma, é questão isenta de dúvidas que o pedido deduzido pelo Requerente visa a anulação das liquidações de IRS n.º 2021 ... e n.º 2022 ... que se encontram claramente identificadas no pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelo Requerente (e não a liquidação de IRS n.º 2023... que terá sido identificada no formulário do CAAD, conforme alega a Requerida na sua resposta).

Por outro lado, depreende-se do articulado, que o Requerente pretende, através da presente ação, contestar, a título imediato, os atos de indeferimento tácitos dos recursos hierárquicos apresentados em 24-07-2023 e em 07-08-2023 e, a título mediato, as liquidações que foram objeto dos referidos recursos.

  1. Legalidade do despacho de indeferimento tácito do recurso hierárquico

O Requerente invoca, em suma, que tem enquadramento nos pressupostos, objetivos e subjetivos, exigidos pelo artigo 4.º do DL 92/2018 e, com efeito, deverá aplicar-se-lhe o regime de isenção de IRS previsto naquele diploma legal para os períodos de 2020 e 2021.

Por sua vez, a Requerida alega que o Requerente não demonstrou que os navios em que foi tripulante, optaram pelo regime especial de determinação da matéria coletável previsto no DL 92/2018 e, em consequência, não figurando a entidade B..., como sujeito passivo de IRC, não tendo optado pelo aludido regime, não poderá o Requerente beneficiar da aplicação da referida isenção de IRS.

Neste contexto, a questão que cabe apreciar e decidir prende-se em determinar se o Requerente preenchia, para os períodos de 2020 e 2021, os requisitos para beneficiar da aplicação do benefício fiscal de IRS aplicável aos tripulantes dos navios ou embarcações, nos termos do artigo 4.º do DL 92/2018.

Ora, nos termos do preâmbulo do DL 92/2018, que institui um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes e um registo de navios e embarcações simplificado ( designado por “tonnage tax”), refere-se que este regime visa «(…) promover a marinha mercante nacional, com vista a potenciar o alargamento do mercado português de transporte marítimo e o desenvolvimento dos portos nacionais e da indústria naval, a criação de emprego, a inovação e o aumento da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa, com o consequente aumento da receita fiscal

Assim, nos termos do artigo 1.º do DL 92/2018, este regime «(…) institui um regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes e um registo simplificado de navios e embarcações.»

No que respeita aos benefícios fiscais aplicáveis a tripulantes, o artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018 determina que «Estão isentas do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações considerados para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável.»

Contudo, o artigo 4.º, n.º 2, do DL 92/2018, clarifica que «(…) quando estejam em causa navios que efetuam serviços regulares de passageiros entre portos do Espaço Económico Europeu, só podem beneficiar do regime previsto no presente artigo os respetivos tripulantes que tenham nacionalidade de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.». Nestes casos, a isenção fica condicionada à permanência do tripulante a bordo pelo período mínimo de 90 dias em cada período de tributação, nos termos do n.º 3 da referida disposição legal.

Por sua vez, no preâmbulo destaca-se que «A criação de um regime fiscal especial («tonnage tax») para as empresas detentoras de navios que sejam estratégica e comercialmente geridos a partir de um Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e estejam afetos ao exercício da atividade de transporte marítimo de mercadorias e pessoas incide num aspeto essencial da decisão dos agentes económicos e incentiva de forma direta o investimento, potenciando o alargamento do mercado português de transporte marítimo, a inovação, a criação de emprego e o aumento da receita fiscal e da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa, contribuindo igualmente para o aumento da competitividade do transporte marítimo europeu.

O regime fiscal proposto para os tripulantes e a fixação de uma taxa contributiva global reduzida visam incentivar o investimento e promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades para os jovens e fomentando a formação de um número suficiente de marítimos que obste à atual escassez de recursos humanos com as habilitações necessárias, devido em parte à inexistência de saídas profissionais

Importa, ainda, salientar que o artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018 explicita que o capítulo III (onde se insere o mencionado artigo 4.º) é aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações registados no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime.

Ora, conforme decorre dos factos assentes, o Requerente foi tripulante de um navio ou embarcação nos períodos de 2020 e 2021, tendo permanecido a bordo, em cada um daqueles períodos de tributação, pelo período igual ou superior a 90 dias, preenchendo, desta forma, os requisitos ínsitos no artigo 4.º, n.º 3, do DL 92/2018.

O navio ou embarcação, no qual o Requerente foi tripulante no referido período, é elegível para efeitos do regime de tonnage tax, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do DL 92/2018.

Por fim, a B..., nos períodos em referência, optou e encontrava-se abrangida pelo regime de tonnage tax dinamarquês.

Neste plano, conforme decorre do artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018, o artigo 4.º do DL 92/2018 é aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações registados no registo convencional português ou num outro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime.

Neste sentido, e ao contrário do que alega a Requerida, da leitura conjugada do artigo 2.º, n.º 2, do DL 92/2018 com o preâmbulo deste mesmo diploma, não resulta a obrigatoriedade de sujeição a imposto em Portugal, por parte das entidades responsáveis pelas atividades elegíveis.

Aliás, o preâmbulo do DL 92/2018 salienta que «O regime fiscal proposto para os tripulantes e a fixação de uma taxa contributiva global reduzida visam incentivar o investimento e promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades para os jovens e fomentando a formação de um número suficiente de marítimos que obste à atual escassez de recursos humanos com as habilitações necessárias, devido em parte à inexistência de saídas profissionais.» (sublinhado nosso)

Ou seja, no que ao regime fiscal especial para tripulantes diz respeito, o objetivo da sua aprovação foi o de promover o trabalho no setor do transporte marítimo em Portugal, criando oportunidades de trabalho, para os sujeitos passivos residentes em território nacional, independentemente de as entidades que exercem essas atividades se encontrarem, ou não, estabelecidas em Portugal ou serem aqui sujeitas a imposto.

Por outro lado, importa destacar que o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018, que prevê a isenção de IRS aplicável aos tripulantes, exige, apenas, que os navios ou embarcações se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável.

Deste modo, não especificando aquela disposição legal que as referidas entidades têm de ter exercido a opção pelo regime de tonnage tax português, o artigo 4.º, n.º 1 do DL 92/2018 deverá ser interpretado no sentido de o mesmo ser aplicável aos tripulantes de navios ou embarcações que se encontrem registados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime de tonnage tax português ou por um outro regime análogo em vigor num Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Ademais, entende este Tribunal que a eventual condição da sujeição a imposto em Portugal, apenas deverá reporta-se às disposições relativas à fiscalidade da atividade de transporte marítimo (i.e., ao artigo 3.º do DL 92/2018) e não, também, aos benefícios fiscais e contributivos aplicáveis aos tripulantes. Ou seja, apenas a aplicação do artigo 3.º do DL 92/2018, referente ao regime especial de determinação da matéria coletável aplicável às atividades de transporte marítimo, está dependente de a pessoa coletiva se encontrar sujeita a imposto em Portugal e ter optado pelo regime de tonnage tax português aprovado pelo DL 92/2018.

Face a tudo quanto ficou anteriormente exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pelo Requerente aos atos contestados nos presentes autos, impondo-se a sua anulação.

  1. Dos juros indemnizatórios

O Requerente pede ainda a condenação a restituir os montantes indevidamente penhorados / cobrados, acrescidos de juros indemnizatórios, contados, à taxa legal, sobre esses montantes, desde a data do pagamento indevido até ao momento do efetivo e integral reembolso desses montantes, tudo com as legais consequências.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto pago em excesso.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Em relação aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Assim, os sujeitos passivos têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios, designadamente, quando ocorra um erro sobre os fundamentos de facto ou de direito num ato de liquidação de um tributo imputável aos serviços reconhecido em processo de reclamação graciosa, impugnação judicial ou processo arbitral e do qual resulte o pagamento do tributo ou de outra dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 12-02-2015, proferido no âmbito do processo n.º 01610/13, quando refere que «O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT».

No caso sub judice, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de benefícios fiscais previstos no DL 92/2018, tendo ficado demonstrado que os atos contestados são ilegais nos termos supra. Com efeito, verifica-se a existência de um erro que resultou no apuramento de imposto superior ao legalmente devido, sendo tal erro unicamente imputável à Requerida.

Nestes termos, são devidos juros indemnizatórios ao Requerente, calculados à taxa legal em vigor sobre o montante de IRS indevidamente liquidado, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente;
  2. Anular as decisões de indeferimento tácito dos recursos hierárquicos apresentados pelo Requerente;
  3. Anular parcialmente os atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios objeto de impugnação, nos termos acima expostos;
  4. Condenar a Requerida a restituir aos Requerentes o montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor sobre o montante de IRS indevidamente liquidado, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de  11.148,18, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 918,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 24 de abril de 2024

O Tribunal Arbitral,

 

 

Sérgio Santos Pereira