Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 604/2023-T
Data da decisão: 2024-04-18   Outros 
Valor do pedido: € 433.075,19
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário. Inexistência de repercussão jurídica. Ilegitimidade processual e substantiva.
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Sumário

  1. Apesar do nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, a Contribuição de Serviço Rodoviário, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto, pois, não tem o caráter de comutatividade ou bilateralidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira, pelo que os tribunais arbitrais tributários são competentes para apreciar os respetivos atos de liquidação.
  2. Sendo dois os pedidos formulados pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, e faltando inteligibilidade apenas a um deles por falta de identificação concreta dos atos tributários impugnados, não se verifica ineptidão da petição inicial.
  3. Não sendo a Requerente sujeito passivo da CSR, a sua legitimidade processual só poderia advir-lhe da titularidade de “um interesse legalmente protegido” (artigo 9º n.º 1 do CPPT), conceito que terá de ser interpretado, na falta de norma especial que o concretize, de acordo com o conceito de “interesse direto em demandar” (artigo 30º do CPC).
  4. A Requerente teria que provar um interesse direto em demandar, o que não prova, pois, como se viu, nem prova que suportou efetivamente a repercussão, nem prova que não repercutiu, por sua vez, a CSR eventualmente suportada nos preços por si cobrados.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro-presidente), Prof. Doutor Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana (árbitro vogal) e Prof.ª Doutora Nina Aguiar (árbitro vogal e relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31.10.2023, acordam:

 

I - RELATÓRIO

  1. APRESENTAÇÃO DO PEDIDO

A..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em Rua ..., n.º ... ..., ..., ...-... ... (doravante, «Requerente») apresentou, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 28 de fevereiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Peniche, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas B..., S.A., C..., S.A. e D..., S.A. (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «Fornecedoras de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.ºA, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT»), pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos

É Requerida a Autoridade Tributária.

 

  1. CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

Em 03.10.2023, a Autoridade Tributária dirigiu ao Senhor Presidente do CAAD o seguinte requerimento:

“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 29/08/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., LDA., NIPC ..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;

A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;

b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

As juristas designadas

(...)”

 

Em 03.10.2023, o Presidente do CAAD deu sobre o requerimento antecedente o despacho seguinte, que foi na mesma data notificado à Requerente e à Autoridade Tributária:

“Ex.mo(a) Senhor(a) Requerente,

Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.

Notifique-se.

Com os melhores cumprimentos,

O Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)

(...)

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros, integrando um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 31.10.2023.

 

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO

A Requerente alicerçou o seu pedido nos fundamentos que a seguir se sintetizam:

  • Tendo a Requerente, no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022 efetuado compras de combustíveis à B..., S.A., à C..., S.A. e à D..., S.A., no preço dessas aquisições foi sido repercutida a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) liquidado a essas empresas fornecedoras de combustíveis, com base nas declarações de introdução no consumo (DIC) por elas submetidas;[1]
  • Assim, com a com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, inicialmente, a título de CSR, a quantia global de € 636.456,48;
  • Com base Regime de Reembolso de Impostos sobre combustíveis para as empresas de transportes de mercadorias,[2] a Requerente recuperou, no período em análise, por força deste mecanismo, a quantia total de € 203.381,29 que havia suportado a título de CSR, com o que o montante final suportado pela Requerente com a CSR repercutida foi de € 433.075,19;
  • A CSR é um imposto incompatível com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, por não prosseguir “motivos específicos”, o que era exigido para ser compatível com a Diretiva, de acordo com o artigo 1.º, n.º 2 da mesma, consubstanciando, desta forma, uma violação do direito da União Europeia;
  • Desta forma, os atos de liquidação praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstrata;
  • Uma vez que todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo a Administração pública, estão vinculados ao dever de garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do ordenamento europeu, desaplicando, se necessário, as nomas de fonte interna que com aquele se encontrem desconformes, a Administração Tributária e Aduaneira se encontra-se, em face da identificada antinomia entre as normas dispostas na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e a Diretiva 2008/118, vinculada a desaplicar as primeiras com fundamento na sua desconformidade com a segunda;
  • Não o tendo feito, as liquidações de CSR incorreram em “erro imputável aos serviços”, para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
  • Por conseguinte, os atos de liquidação, não tendo sido revogados pela Autoridade Tributária em procedimento de revisão oficiosa, devem ser agora anulados, e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € 433.075,19.
  • A anulação de tais atos confere ainda à Requerente o direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

Por despacho do tribunal de 31.10.23, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e para, no mesmo prazo, remeter cópia do processo administrativo.

A AT apresentou a sua resposta em 05.12.2023, contestando o pedido quer por exceção, quer por impugnação, nos termos que de seguida se sintetizam:

 

  1. Por exceção
  1. Ineptidão da petição inicial por falta de objeto da causa
  • A Requerente não identifica, em nenhum lado do seu pedido de pronúncia arbitral, qualquer ato tributário que a Requerente pretenda ver apreciado.
  • A Requerente suscita apenas a declaração da “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela requerente no decurso do período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”(…), limitando-se a identificar as faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, sem identificar qualquer ato tributário;
  • A Requerente nunca identifica as liquidações de CSR, efetuadas com base nas DIC alegadamente submetidas pelas fornecedoras de combustíveis;
  • A Requerente também não junta ao processo quaisquer elementos que demonstrem a alegada repercussão económica da CSR;
  1. Caducidade do direito de ação
  • Apesar de a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impedir a aferição da tempestividade do chamado “pedido de promoção de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente, certo é que não pode a Requerente valer-se do prazo de quatro anos previsto na segunda parte do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, pois a contagem do prazo para a apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global);
  • Tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições “no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022” – a 28/02/2023, data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT;
  • Razão pela qual a Requerente fundamenta os pedidos de revisão oficiosa em erro dos serviços a estes imputável, de modo a valer-se do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º n.º 1, segunda parte da LGT;
  • No entanto, estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo a Requerida efetuado toda e qualquer liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor e aplicáveis à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços;
  • Além disso, no caso da CSR, existe um regime próprio, estabelecido nos artigos 15º a 20º do Código dos IEC, para o pedido de reembolso com base em erro na liquidação, entre outros fundamentos, sendo, segundo esse regime, o prazo para o pedido de reembolso de três anos a contar da data da liquidação do imposto (art.º 15º do Código dos IEC);
  • A falta de identificação dos atos tributários tem como consequência a impossibilidade de aferir a tempestividade do pedido arbitral.
  • Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, na estrita medida do supra exposto constata-se caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia, salvo douto e melhor entendimento, uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido (cf. artigos 576.º, n.º 3 e 579.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

  1. Ilegitimidade processual da Requerente
  • nos termos do n.º 1 e 4 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido;
  • Por sua vez, na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT) é reconhecido o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário;
  • Ora, a lei é clara em afirmar que só a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitima o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido;
  • A CSR não é, no entanto, um tributo de repercussão legal, já que a sua incorporação pelo fornecedor no preço do combustível vendido não resulta de qualquer imposição ou faculdade que seja concedida àquele pelo legislador, mas de uma relação jurídica de direito privado, não estando, assim, abrangida pela parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT;
  • O artigo 5.º da Lei n.º 55/2007 - que criou a CSR - institui que: “1 - A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”;
  • Por sua vez, o CIEC, no artigo 4.º, define que são os sujeitos passivos do imposto os responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração e consequente pagamento do imposto correspondente;
  •  Atendendo às especificidades apresentadas, mostra-se claro que a Requerente não se enquadra como sujeito passivo de tal tributo, mas é, na verdade, uma consumidora final que adquiriu o combustível.
  • E mais, o n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, aplicável por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º;
  • Pelo que carece a Requerente de legitimidade ativa que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância (cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Ilegitimidade substantiva da Requerente
  • Conforme oportunamente referido, as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente.
  • Não integrou nem integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada (não era/é devedora nem era/é a entidade que estava obrigada a proceder ao pagamento ao Estado).
  • E, conforme se exporá infra, alega, mas não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR. Pelo que, salvo douto e melhor entendimento, carece a Requerente não só de legitimidade processual como também de legitimidade substantiva.

 

  1. Falta de interesse em agir
  • Salvo douto e melhor entendimento, não se concretizando, nem demonstrando, nem provando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, carece igualmente a Requerente de interesse em agir;
  • Não se verificando no caso em concreto a necessidade objetiva de tutelar qualquer direito legalmente protegido da Requerente.
  • Não sendo igualmente o meio utilizado pela Requerente o adequado para fazer valer a sua verdadeira pretensão, conforme supra exposto.
  • Não havendo, nessa medida e salvo douto e melhor entendimento, no momento de exercício do alegado “direito de ação” da Requerente, qualquer utilidade dos presentes autos, uma vez que, na prática, o deferimento ou indeferimento da pretensão não acarreta qualquer proveito ou prejuízo para a Requerente, porquanto não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR,

 

  1. Incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

  • A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

(A Requerida invoca neste ponto, e em favor da sua tese, as decisões arbitrais tomadas nos processos 48/2012-T, 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T, 585/2020-T, 31/2023-T e 508/2023-T).

  • De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação aplicável à data dos factos, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. Desta norma se infere que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, isto é, pretende-se com esta contribuição que a rede rodoviária nacional seja financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador pagador).

 

  1. Falta de pagamento dos valores peticionados

 

  • Alega a Requerente que adquiriu às fornecedoras de combustíveis, B..., C... e D..., 5.733.842,13 litros de gasóleo rodoviário, entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e que “as mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente este imposto”, ou seja, “com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou, assim, a título de CSR, a quantia global de € 636.456,48” – vide artigos 2.º, 3.º e 4.º do pedido arbitral.
  • Não obstante, a Requerente beneficiou de reembolso em sede de ISP, onde se inclui a componente da CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93º-A, do CIEC, pelo que “no período em análise a Requerente recuperou, por força deste mecanismo, a quantia total de € 203.381,29 que havia suportado a título de CSR” (valor este que não está correto, como veremos mais adiante), “Por conseguinte, com a aquisição do referido combustível a Requerente acabou, a final, por suportar a título de CSR tão só a quantia global de € 433.075,19” – vide artigos 7.º e 8.º do pedido arbitral.
  • Sucede que, salvo douto e melhor entendimento, não faz a Requerente prova do que alega. Porquanto dos alegados factos e da leitura dos Docs. 1 a 5 juntos aos presentes autos não decorre a consequência legal invocada pela Requerente, isto é, a repercussão económica e respetivo pagamento por parte da Requerente do valor de € 433.075,19.

 

  1. Incidente de intervenção provocada

A Requerida suscita ainda o incidente de intervenção provocada, nos seguintes termos:

  • De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”.
  • E conforme dispõe o artigo 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT,

“1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. (…)

3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.” 141.

  • Ora, a considerar-se que a Requerente tem legitimidade para interpor a presente ação, o que apenas por mera hipótese se coloca, é essencial para a descoberta da verdade a intervenção dos efetivos sujeitos passivos da espécie tributária em juízo.
  • Isto porque só os sujeitos passivos poderão afirmar e provar, nomeadamente, se houve a repercussão do tributo em causa, quais são, efetivamente, as liquidações, quanto foi pago a título de CRS, e não menos importante, se os sujeitos passivos pediram o reembolso.
  • Para além do referido, tanto a B... como a C..., têm interesse direto na ação em causa, na medida em que, caso a Requerente tenha sucesso na presente causa e obtenha o pretendido reembolso, os sujeitos passivos ficarão impedidos de o fazer.

 

  1. Por impugnação
  • Refira-se, a este propósito, que não se sabe, nem tem como se saber, se a Requerente abasteceu efetivamente, com gasolina e gasóleo rodoviário, adquiridos aos indicados fornecedores, para utilizar no âmbito e para o exercício da sua atividade comercial, nem que quantidades de combustível adquiriu, e que foram introduzidas e, consequentemente, consumidas.
  • Aliás, note-se que não se sabe, nem tem como se saber, qual o valor alegadamente pago pela Requerente pela alegada aquisição de gasóleo rodoviário entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, pois não refere a Requerente qualquer informação a esse respeito, nomeadamente como e a que título efetuou o alegado pagamento, quando é que alegadamente o fez, de que conta bancária terão sido retirados os alegados montantes em causa e a que entidade terão sido entregues;
  • Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão económica e, nessa sequência efetuou o pagamento e consequentemente suportou o valor da CSR.
  • Como já referido, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 55/20017, que cria a contribuição de serviço rodoviário, esta é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento, o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
  • Nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC) podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
  • A Requerente também não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo.
  • Mais ainda, não alega nem tão pouco invoca, ou informa, se o seu fornecedor não solicitou ele próprio a devolução da CSR, pelos mesmos factos, mesmos fundamentos e mesmo pedido da Requerente.

Em 11.12.2023, a Requerida remeteu ao Tribunal arbitral o processo administrativo.

 

  1. RÉPLICA

Na mesma data, em 11.12.2023, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório relativamente à matéria de exceção invocada pela Requerida, o que veio a fazer em 09.01.2024, tento sustentado, em síntese, o seguinte:

  1. Sobre a existência de uma relação de repercussão legal
  • Embora o plano de incidência subjetiva da CSR recortado pelo artigo 5.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, compreenda apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, o legislador determinou que o encargo económico da CSR devesse ser suportado pelos – e, nessa medida, devesse ser legalmente repercutido nos – respetivos utilizadores da rede rodoviária nacional, «tal como esta [utilização] é verificada pelo consumo dos combustíveis» (cf. artigo 3.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto).
  • Tendo o legislador determinado que a CSR deve constituir um encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível), a CSR liquidada pela AT (o identificado quid da repercussão) deve ser legalmente repercutida até atingir a entidade nomeada pelo legislador como devendo suportar, em termos finais, o encargo económico deste tributo: o apontado consumidor de combustível.
  • A relação de repercussão legal da CSR esgotar-se-á na venda realizada por uma entidade cuja atividade se recorte em torno da comercialização – venda ou revenda – de combustíveis, independentemente de ter sido, ou não, o sujeito passivo primário da CSR (como sucede com a entidade fornecedora de combustível nos presentes autos – entidade repercutente), a qualquer entidade cuja atividade, não sendo de comercialização de combustíveis, pressuponha o efetivo consumo do combustível adquirido (como a Requerente – entidade consumidora de combustível repercutida), com a inerente transferência para esta última da proporção devida do valor de CSR a repercutir;
  • Qualquer interveniente posterior (de entre os múltiplos intervenientes concebíveis em termos de destino ou de utilização do combustível) localizar-se-á a jusante daquele que foi nomeado pelo legislador como repercutido, sofrendo, por essa razão – e sendo esse o caso –, uma mera repercussão económica, e nunca legal, do encargo tributário associado à CSR, tornando tais (múltiplos) intervenientes totalmente irrelevantes no plano tributário.

 

  1. Sobre a natureza da CSR
  • A CSR é exigida, essencialmente, com o objetivo de «repercutir nos respetivos utilizadores os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional, tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível»;
  • Neste contexto, parece dever-se concluir pela subsunção da CSR no conceito de contribuição especial por maiores despesas, «em que é devida uma prestação em virtude das coisas possuídas ou da atividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa da entidade pública» ou seja, quanto maior for a utilização da rede rodoviária nacional (mensurada pelo maior consumo de combustível por parte do respetivo utilizador), maiores serão os custos de gestão da mesma e, nessa medida, maior será o encargo a suportar a título de CSR;
  • Em suma, fica demonstrado que a CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa), ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional.
  • Pelo que improcede a exceção de incompetência material do tribunal arbitral;

 

  1. Sobre as exceções de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
  • não é aplicável à CSR o regime especial de revisão oficiosa consagrado nos artigos 15.º e 16.º do CIEC;
  • A matéria relativa aos meios de reação aplicáveis à CSR não integra a norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, sempre se terá de concluir, liminarmente e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, pela improcedência do primeiro argumento invocado pela AT, bem como, em consequência, de todas as considerações tecidas nesse domínio a propósito do âmbito subjetivo de aplicação do regime especial recortado pelos referidos artigos 15.º e 16.º do CIEC;
  • A repercussão legal de tributos consubstancia o fenómeno através do qual um terceiro (o repercutido) é chamado a suportar (pagar) um tributo que lhe é, assim, qua tale, transferido pelos sujeitos repercutentes (vendedores/revendedores de combustível), revelando-se esta repercussão, quanto à sua forma, na fatura ou documento equivalente emitido pelo respetivo repercutente e dirigido ao repercutido, na qual se encontra incluído o tributo a repercutir (ou seja, o quid da repercussão);
  •  O mesmo é dizer, portanto, que em matéria de CSR a relação estabelecida entre a Requerente e o seu fornecedor de combustível não se traduz apenas numa mera relação privada entre particulares, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT;
  • Contrariamente ao que vem agora defendido pela AT, a repercussão da CSR nos consumidores de combustível tem − como decorre manifesto da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto − natureza legal e não, portanto, mera natureza económico-financeira;
  • Posto isto, resta, então recordar, que nos termos do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT «Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias»;
  • De onde se conclui pela improcedência das exceções de ilegitimidade processual e substantiva.
  • Em relação com esta questão, da legitimidade processual e substantiva da Requerente, esta solicita ao Tribunal arbitral que, caso subsistam dúvidas quanto à legitimidade da Requerente para solicitar, nos termos em que o fez, a restituição da CSR suportada em violação do direito da União, promova o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do TFUE;

 

  1. Sobre a exceção de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral
  • o presente processo arbitral foi proposto com vista à obtenção da declaração de ilegalidade – com todas as consequências legais – dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente às empresas comercializadoras de combustível B..., C... e D... no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das subjacentes liquidações de CSR praticadas pela AT.
  • Significa o que antecede, portanto, que o objeto da presente ação arbitral comporta: i) primordial e autonomamente, os atos de repercussão de CSR ínsitos nas faturas emitidas pelas fornecedoras do combustível adquirido pela Requerente; e, bem assim, ii) os atos de liquidação de CSR que deram origem àqueles atos de repercussão (e sem as quais estes não existiriam).
  • No que respeita aos primeiros, a Requerente procedeu à identificação dos mesmos através da junção aos autos das faturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras do combustível por si adquirido (cf. documento 3 junto com o pedido pronúncia arbitral) e, bem assim, por via da apresentação de listagens com todos os elementos identificativos de tais faturas (cf. documentos 1 e 2 juntos com o pedido pronúncia arbitral).
  • Consequentemente, no que aos atos de repercussão da CSR diz respeito – objeto principal do presente processo arbitral – nenhuma dúvida poderá subsistir de que os mesmos se encontram plena e devidamente identificados pela Requerente em cumprimento de todos os ónus probatórios que sobre si impendiam.
  • Já no que se refere aos segundos, a Requerente também procedeu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, à respetiva identificação, careando para o processo todos os elementos identificativos de que dispunha (rectius, de que podia dispor), indicando, expressa e claramente, que se trata dos atos de liquidação de CSR praticados pela AT com base nas DIC submetidas pelos respetivos sujeitos passivos, referentes ao gasóleo rodoviário e gasolina adquirido pela Requerente às referidas fornecedoras de combustível nas datas constantes das faturas e listagens juntas com o pedido de pronúncia arbitral.
  • Neste sentido, sempre se terá de concluir que a Requerente deu integral cumprimento ao disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, identificando no pedido de pronúncia arbitral, na medida do que estava ao seu alcance, todos os atos tributários cuja legalidade se contesta no âmbito do presente processo arbitral (seja os atos de repercussão de CSR, seja os atos de liquidação de CSR).
  • No âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os atos de repercussão legal consubstanciam atos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respetivos repercutidos (in casu, a Requerente), cabendo-lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes atos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas faturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes atos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria AT.

 

  1. Sobre a exceção de caducidade do direito de ação
  • O princípio geral de repartição do ónus da prova, consagrado no artigo 74.º da LGT, «está necessariamente limitado pela situação tributária em presença quando se constata que o contribuinte, embora possa impugnar o ato tributário de liquidação, não é o sujeito passivo do imposto e apenas figura como último responsável pelo seu pagamento, por virtude de o imposto lhe ser repercutido na sua esfera jurídica na qualidade de titular do interesse económico que está subjacente à liquidação (…) não lhe incumbindo a emissão das guias de pagamento. E, ao contrário, era a Autoridade Tributária que poderia ter realizado as diligências instrutórias tendentes a averiguar a correlação entre os contratos de financiamento e o imposto liquidado (…) apurar[ando] a realidade subjacente às operações em causa. Dito de outro modo, a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios» (cf. decisão arbitral de 14 de junho de 2021, proferida no processo n.º 467/2020; destacados da Requerente).
  • Daqui resulta, por conseguinte, uma evidente e inultrapassável incoerência do argumento aduzido pela AT: a AT invoca o incumprimento de um ónus que impende sobre si própria – i.e., o ónus de identificar os atos de liquidação de CSR – para fundamentar uma exceção que, por seu turno, imputa à Requerente e que tem por efeito a sua própria – i.e., a da AT – absolvição da instância.
  • Sem prejuízo de tudo o que ficou exposto, a Requerente solicita a este Tribunal Arbitral que, caso subsistam dúvidas quanto ao alcance a atribuir aos indicados ónus da prova à luz do princípio da efetividade [princípio que exige que os repercutidos tenham «a possibilidade de dirigir o seu pedido de reembolso diretamente contra as autoridades fiscais e que, para o efeito, o Estado‑Membro preveja os instrumentos e modalidades processuais necessários» (cf. acórdão do TJUE proferido no processo C-94/10, ponto 28; destacados da Requerente)], seja promovido o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do TFUE
  • Como observado, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, determina que a «contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações» (destacado da Requerente).
  • Significa, portanto, o que antecede que a remissão para o CIEC opera, exclusivamente, quanto às matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, deixando-se de fora – i.e., sujeitando ao respetivo regime geral – todas as restantes matérias, entre as quais as atinentes aos meios e prazos de reação para contestar este tributo;
  • O meio de reação identificado pela AT para aferir a tempestividade dos pedidos apresentados pela Requerente (o previsto no regime especial constante dos artigos 15.º e 16.º do CIEC) não é aplicável à CSR por expressa opção legislativa – i.e., em virtude de os meios de reação aplicáveis à CSR não terem sido integrados na norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto –, sendo aplicável no caso vertente, ao invés, o regime geral de revisão oficiosa consagrado no artigo 78.º da LGT.
  • Da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT resulta manifesto que a revisão oficiosa pode ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago), contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços;
  • Conquanto de natureza estritamente oficiosa, a revisão oficiosa é suscetível de ser impulsionada pelo próprio interessado, devendo, nesse caso, a AT dar-lhe seguimento;
  • O erro de direito imputável aos serviços − enquanto fundamento de revisão oficiosa nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT − abrange a aplicação de disposições normativas que degenere em ilegalidade abstrata.

 

  1. Sobre as invocadas exceções de falta de interesse em agir e de falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente
  • Contrariamente ao que vem defendido pela AT, a documentação junta aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, em concreto as faturas que foram emitidas à Requerente pelas fornecedoras de combustível B..., C... e D... (cf. documentos 3 e 4 juntos com o pedido pronúncia arbitral e que constituem, além do mais, os atos de repercussão impugnados) e, bem assim, as listagens com todos os elementos identificativos de tais faturas (cf. documentos 1 e 2 juntos com o pedido pronúncia arbitral) fazem prova bastante de que a Requerente adquiriu às referidas fornecedoras de combustível 5.733.842,13 litros de gasóleo rodoviário e de que suportou, nesse contexto, a quantia global de € 636.456,48 a título de CSR.
  • Acresce que, a prova de tais factos sai reforçada, se necessário fosse, pelos documentos juntos aos autos com o requerimento datado do dia 14 de dezembro de 2023, isto é, pelas declarações emitidas pela C... e pela D..., através das quais estas entidades vêm afirmar, expressa e claramente, terem repercutido na esfera da Requente a CSR referente ao combustível pela mesma adquirido.
  • Assim, não existindo qualquer razão para colocar em causa a veracidade ou autenticidade dos referidos documentos, impõe-se dar por provada a identificada factualidade e, portanto, a improcedência das invocadas exceções de falta de interesse em agir e de falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente.

 

  1. Necessidade de reenvio prejudicial
  • Sem prejuízo de tudo o que ficou exposto, a Requerente reitera a este Tribunal Arbitral que, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação que deve ser conferida a qualquer uma das disposições supra invocadas do direito da União, deve ser promovido o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do TFUE, que dispõe que «Sempre que uma questão desta natureza [i.e., «Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União»] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal»

 

  1. TRAMITAÇÃO SUBSEQUENTE: JUNÇÃO DE DECLARAÇÕES POR PARTE DA REQUERENTE; DESPACHO DO TRIBUNAL SOBRE TRAMITAÇÃO DO PROCESSO; PRONÚNCIA DA AT SOBRE DECLARAÇÕES JUNTAS PELA REQUERENTE; JUNÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL POR PARTE DA AT

Em 14.12.2023, a Requerente requereu a junção ao processo de dois documentos.

Um, consistente numa declaração emitida pela  D..., S.A., em que se lê:

“DECLARAÇÃO

D..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ... ... ...-... Caldas da Rainha, pela presente declara, para os devido efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A... (NIF –...), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.

Pela D..., S.A,

(...)”

E o segundo documento, consistente numa declaração emitida pela C..., S.A., com o seguinte conteúdo:

“DECLARAÇÃO

C..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na ..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos legais que a Contribuição de Serviço Rodoviário entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., LDA., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa:

NIF

Nome

...

A... LDA

 

(...)”

Em 16.12.2023, a Autoridade Tributária apresentou requerimento em que se pronunciou sobre as “declarações” juntas pela Requerente, nos seguintes termos:

“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante Requerida), notificada em 15/12/2023 do requerimento da Requerente de junção aos autos, das declarações emitidas pelas empresas fornecedoras de combustível C..., S.A. e D..., S.A., vem expor o seguinte:

1. As declarações apresentadas, assinadas por pessoas que alegadamente são representantes das empresas declarantes, mas que não consegue a Requerida atender de quem se trata, e se vincula as declarantes, são simples documentos sem qualquer efeito legal, que não comprovam os factos concretos que a Requerente se propõe provar.

2. As declarações nos moldes em que foram emitidas, isto é, sem identificação das liquidações e explicitação dos montantes alegadamente repercutidos, nomeadamente os períodos em que o foram, não podem ser consideradas como prova bastante, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar os montantes que a Requerente alega ter suportado a título de CSR.

3. Os documentos ora juntos apenas contêm meras declarações genéricas e vagas, sem qualquer informação que possa permitir estabelecer uma relação entre o combustível adquirido pela Requerente e as liquidações de CSR, nomeadamente, qualquer indicação

referente às datas das compras, períodos em causa, comprovativos de pagamento, entre outros.

4. As declarações foram, assim, solicitadas e realizadas exclusivamente de acordo com o pedido da Requerente. Menos imparcial não poderia ser a “informação” junta ao processo! Ora,

5. Ao contrário do que afirma a fornecedora D..., S.A., não foram processadas quaisquer declarações de introdução no consumo (DIC) em nome da D..., S.A., nem existem liquidações em que tal entidade figure como sujeito passivo de ISP/CSR, relativamente aos produtos e período considerado.

6. Já a C..., S.A. declara, por um lado, a repercussão integral da CSR na esfera da Requerente e, por outro lado, que suportou integralmente a CSR, não a tendo repercutido nos seus clientes, cfr. processos CAAD n.ºs 24/2023 e 31/2023. 7. Pelo que, reitera-se, as declarações apresentadas não tem qualquer valor probatório, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar os montantes que a Requerente alega ter suportado a título de CSR.”

 

Por despacho de 10.01.2024, o Tribunal Arbitral decidiu prescindir da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e convidou as Partes a apresentar alegações finais escritas.

Em 18.01.2024, a Requerente requereu a junção ao processo de um documento, consistente numa declaração emitida pela B... LDA., em que se lê:

“ B..., Lda, NIPC..., com sede na Av. ..., ..., ...-... Lisboa, declara que transmitiu onerosamente gasolinas e gasóleos rodoviários à A... DA, NIPC ...:

a) Nos casos em que atuou na qualidade de sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), submeteu as correspondentes declarações de introdução no consumo e pagou o correspondente tributo às taxas legais aplicáveis à data de ocorrência dos factos tributários.

Essas operações consistiram na alienação de 1.490.693 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde a CSR no valor de 165.467 Euros.

A B..., LDA apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR. Nenhum destes processos transitou em julgado.

b) Nos casos em que não atuou como sujeito passivo de CSR, alienou 3.184.983 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde um valor de CSR de 353.533 Euros.

Valor esse, que integrou o custo das existências vendidas, juntamente com o preço de aquisição dos produtos e demais encargos, tendo sido recuperado, no todo ou em parte, nas subsequentes transmissões onerosas à A... LDA.

(...)”

Em 12.01.2024, a AT requereu a junção ao processo da decisão arbitral proferida no processo nº 408/2023-T, e em 08.02.2024, a junção da decisão arbitral proferida no processo nº 332/2023-T.

 

  1. ALEGAÇÕES DA REQUERIDA

A Requerida apresentou as suas alegações em 29.01.2024, tendo, em síntese, alegado o que se segue:

  1. Quanto à existência de uma situação de repercussão legal do imposto
  • A repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto. A Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica,
  • A Lei n.º 55/2005, preconiza que a CSR tem como fim onerar os utilizadores da rede rodoviária nacional, sendo reconhecido, do ponto de vista doutrinário, que a CSR é uma contribuição economicamente repercutível, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos,
  • Logo, a repercussão da CSR tem uma natureza económico-financeira ou de facto e não uma natureza legal, jurídico-tributária.
  • Sendo este, também, o entendimento sufragado pelo TJUE, no despacho proferido em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, de onde resulta que: “44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.”
  • A Requerente enquanto operador económico (empresa sob a forma societária) que desenvolve uma atividade lucrativa relacionada com o transporte rodoviário de mercadorias, repassa, necessariamente no preço dos serviços praticados, os gastos em que incorre com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, são os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente. Pelo que, reitera-se, contrariamente ao alegado pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi “suportado pela Requerente enquanto consumidor final.

 

  1. Quanto à falta de legitimidade da Requerente
  • Nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis por força da alínea a) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 21. A parte final da alínea a) do nº 4 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT) reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.
  • A lei é muito clara ao afirmar que só a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitima o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido.
  • No que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação
  • Nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
  • No caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
  • A admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, poderia conduzir-se ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada no reembolso, aos sujeitos passivos do ISP/CSR, de elevados montantes cobrados a título de CSR, bem como dos correspondentes juros, no mesmo período, que pode mediar entre 2018 e 2022 (até à entrada em vigor das alterações decorrentes da Lei nº 24-E/2022, de 30 de dezembro).
  • A Requerente não é sujeito passivo da CSR, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos, não é um terceiro substituído, não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade para a ação arbitral tributária em questão, nos termos do artigo 18.º, n.º 3 e 4, al. a), da LGT.

 

  1. Quanto à incompetência material do tribunal
  • Encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, por se tratar de uma contribuição financeira e não de um imposto, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum;
  • Mesmo que se admitisse que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas a título de CSR, o que não se admite, mas por mero dever de raciocínio se equaciona, os montantes referenciados no PPA, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR, seriam sempre incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas das suas fornecedoras, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas;
  • Não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que, é impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber qual a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido;
  • Por outro lado, no período em causa, a Requerente beneficiou de reembolso em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93º-A, do CIEC, não tendo, todavia, tido em conta o efetivo valor de CSR que já foi objeto de reembolso, no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado.

 

  1. ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas em 30.01.2024, em que, prescindindo expressamente de repetir a argumentação jurídica, alegou o seguinte, em síntese, sobre a matéria de facto:

  • Como tem vindo a ser apontado pela doutrina e pela jurisprudência, verifica-se o fenómeno da repercussão legal de tributos quando um terceiro (o repercutido) é chamado, por determinação do legislador (ainda que não o faça de forma necessariamente impositiva) a suportar (pagar) um tributo que lhe é, qua tale, transferido pelo repercutente (normalmente, mas não necessariamente, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária subjacente), revelando-se esta repercussão, quanto à sua forma, na fatura ou documento equivalente emitido pelo respetivo repercutente e dirigido ao repercutido, na qual se encontra incluído o tributo a repercutir (ou seja, o quid da repercussão).
  • Noutros termos, verifica-se o fenómeno da repercussão legal quando o legislador determina que o encargo económico do imposto deve ser suportado por um terceiro (que não o sujeito passivo) por si nomeado, seja quando estipula uma obrigação legal stricto sensu nesse sentido, estabelecendo, inclusive, os termos formais como a mesma deve operar (por exemplo, como sucede no artigo 37.º do Código do IVA); seja quando se limita a afirmar ser esse o objetivo a alcançar (por exemplo, como sucede com a generalidade dos impostos especiais sobre o consumo e com a CSR).
  • Ora, esta autonomização legal do sujeito passivo do tributo (enquanto responsável primário pelo pagamento do tributo a repercutir) relativamente à entidade sobre a qual deve legalmente recair, em termos finais, o respetivo encargo económico – o repercutido –, verifica-se, inexoravelmente, no caso sob apreciação, sendo, portanto indubitável que a repercussão da CSR nos consumidores de combustível tem natureza legal.
  • no âmbito da repercussão legal de tributos consagrada no plano doméstico, a existência e a efetivação da repercussão constitui uma presunção (ainda que ilidível), na medida em que resulta de um dever legal projetado sobre os respetivos sujeitos passivos.
  • Quer isto dizer, por conseguinte, que na falta de evidência de que os sujeitos repercutentes (vendedor ou revendedor de combustíveis) não repercutiram efetivamente a CSR que foram chamados a suportar em primeira linha, presumir-se-á que, de acordo com a lei, o pertinente encargo económico foi efetivamente transferido para as entidades identificadas pelo legislador como devendo ser oneradas pelo tributo a repercutir
  • Assim, não se encontrando demonstrado, no caso sob apreciação, que os sujeitos repercutentes incumpriram o seu dever legal de repercussão, aplica-se aqui, de forma plena, a presunção de cumprimento daquele dever legal e inerente transferência da respetiva carga tributária da CSR para a Requerente na proporção do combustível por si adquirido (conforme detalhado nas faturas juntas aos autos).
  • A comprovação da repercussão da CSR sai reforçada no caso sob apreciação pelas declarações que a Requerente logrou obter junto das entidades fornecedoras de combustíveis e que atestam expressamente que foi efetiva e integralmente repercutida na Requerente a CSR incidente sobre o combustível consumido.
  • A presunção de repercussão que se infere dos atos de repercussão legal de CSR juntos aos autos pela Requerente, na qualidade de repercutida, não é prejudicada pela jurisprudência do TJUE invocada pela AT e vertida no despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, Vapo Atlantic, S.A., proc. C-460/21.
  • Naquele aresto, o TJUE decidiu ali, como não poderia deixar de fazer por imposição do indicado princípio da efetividade, que o Estado-Membro não poderia provar a exceção por si alegada – e, em consequência, eximir-se da sua obrigação de restituir um tributo cobrado em violação do direito da União – com recurso a uma (mera) presunção cujo efeito seria o de imputar à entidade requerente da restituição de tributo suportado em violação do direito da União um ónus impossível ou excessivamente difícil de cumprir;
  • Porém, o caso dos presentes autos é totalmente distinto do analisado pelo TJUE naquele processo C-460/21: não está em causa a comprovação de uma exceção invocada por um Estado-Membro para se eximir da obrigação de restituição de tributo desconforme com o direito da União, mas, antes, a prova de um facto positivo cujo ónus impende sobre as entidades requerentes da restituição de tributo cobrado em violação do direito da União, a saber, o facto da Requerentes assumir (ou não) a qualidade de entidade repercutida no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR
  • tal prova se encontra feita nos presentes autos mediante, desde logo, pela junção das faturas de consumo de combustível que lhes foram emitidas pelos sujeitos repercutentes e que corporizam os respetivos atos de repercussão legal da CSR de que a Requerente foi destinatária.
  • em face desta prova – já realizada e constante dos autos – que a Requerente vem observar que, por força do dever legal de repercussão que sobressai do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, deve inferir-se presuntivamente de tais atos de repercussão legal que a CSR que lhes está subjacente foi, efetivamente, transferida para a – i.e., repercutida na – Requerente.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções de i) incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria, ii) ineptidão da petição inicial por falta de objeto da causa, iii) ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, iv) caducidade do direito de ação e v) falta de interesse em agir, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

Será ainda decidido, se for caso disso, o incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

  1. A título prévio:
  1. Incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria
  2. Ineptidão da petição inicial por falta de objeto da causa
  3. Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
  4. Falta de interesse em agir
  5. Caducidade do direito de ação
  6. Incidente de intervenção provocada suscitado pela Requerida.

 

  1. A título de julgamento do mérito da causa:

Não se verificando-se nenhuma exceção dilatória que obste à apreciação do mérito da causa, deverão ser apreciadas as seguintes questões relativas ao mesmo:

  1. Se os atos de repercussão da Contribuição de Serviços Rodoviário no preço pago pela Requerente pelo combustível adquirido são ilegais e devem ser anulados, como consequência da ilegalidade das liquidações do mesmo tributo às empresas fornecedoras;
  2. Se, por força dessa anulação, a Requerente tem direito ao reembolso, pelo Estado, das quantias repercutidas.

 

IV - MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos considerados provados

Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente era, à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, uma sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal;
  2. A Requerente adquiriu às empresas B... Lda e C..., S.A., no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, a quantidade de 5.409.787,13 litros de gasóleos rodoviários;
  3. Durante o período compreendido entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2022, a Requerente adquiriu à D..., S.A, 324.055 litros de gasóleos rodoviários;
  4. Em 28.02.2023, a Requerente apresentou, junto do Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco, um pedido de promoção de revisão oficiosa, em que pedia a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira, refletidas nas faturas emitidas pela B... Lda. e pela C..., S.A., referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022 (documento constante do processo administrativo);
  5. Na mesma data, em 28.02.2023, a Requerente apresentou, junto do Diretor da Alfândega de Peniche, um pedido de promoção de revisão oficiosa, em que pedia a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira, refletidas nas faturas emitidas pela D..., S.A. referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2022 (documento constante do processo administrativo);
  6. Nos pedidos de revisão oficiosa a Requerente pediu também a anulação dos atos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos no período compreendido entre fevereiro de 2019 a dezembro de 2022;
  7. Até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, os pedidos de revisão oficiosa não foram objeto de decisão por parte da AT (facto afirmado pela Requerente e não contestado pela AT);
  8. A sociedade D..., S.A. emitiu uma declaração, sem data, com o seguinte teor (documento junto ao processo pela Requerente em 14.12.2023):

 “DECLARAÇÃO

D..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ... ... A ...-... Caldas da Rainha, pela presente declara, para os devido efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A... (NIF –...), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa.

Pela D..., S.A,

(...)”

  1. Em 02.10.2023, a C..., S.A., emitiu uma declaração com o seguinte teor (documento junto ao processo pela Requerente em 14.12.2023):

“DECLARAÇÃO

C..., S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na..., nº ..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos legais que a Contribuição de Serviço Rodoviário entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., LDA., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa:

NIF

Nome

...

A... LDA

 

(...)”

  1. Em 18.01.2024, a B..., Lda., emitiu uma declaração com o seguinte teor (documento junto ao processo pela Requerente em 14.12.2023):

 “A B..., Lda, NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, declara que transmitiu onerosamente gasolinas e gasóleos rodoviários à A... LDA, NIPC...:

a) Nos casos em que atuou na qualidade de sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), submeteu as correspondentes declarações de introdução no consumo e pagou o correspondente tributo às taxas legais aplicáveis à data de ocorrência dos factos tributários.

Essas operações consistiram na alienação de 1.490.693 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde a CSR no valor de 165.467 Euros.

A B..., LDA apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR. Nenhum destes processos transitou em julgado.

b) Nos casos em que não atuou como sujeito passivo de CSR, alienou 3.184.983 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde um valor de CSR de 353.533 Euros.

Valor esse, que integrou o custo das existências vendidas, juntamente com o preço de aquisição dos produtos e demais encargos, tendo sido recuperado, no todo ou em parte, nas subsequentes transmissões onerosas à A... LDA.

(...)”

 

 

  1. Factos considerados não provados

Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. Que as empresas B..., Lda.,  C..., S.A. e D..., S.A. entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, qualquer montante a título de Contribuição de Serviço Rodoviário;
  2. Que as empresas B..., Lda., C..., S.A. e D..., S.A. repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado a título de CSR, a quantia global de 636.456,48 euros;
  3. Que a Requerente suportou, em definitivo, por força das aquisições de combustível efetuadas à B..., Lda., C..., S.A. e D..., S.A., CSR no montante peticionado de € 433.075,19.

Relativamente à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC) e dizer se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), ex vi artigo 29º do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

Relativamente aos factos provados B) e C), a Requerente apresenta uma listagem com os números das faturas correspondentes às vendas, sem, contudo, juntar as faturas propriamente ditas (exceto para as compras efetuadas à empresa D..., para as quais são apresentadas faturas, cujos montantes excedem, aliás, os constantes da listagem). No entanto, considerando o elevado número de faturas que a Requerente teria de juntar ao processo, tendo a AT os meios para verificar a falsidade dos números de fatura indicados e não tendo contestado a sua veracidade, dá-se como provado que as faturas referidas foram efetivamente emitidas e as vendas realizadas.

Relativamente ao facto não provado K), considerou-se que as declarações juntas pelas empresas fornecedoras, desacompanhadas das DIC globalizadas, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento não permitem certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referidas nos pontos B) e C) da matéria de facto dado como provada.

É certo que a Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, requer que “nos termos do disposto nos artigos 84.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 429.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 29.º, alíneas c) e e), do RJAT,  a entidade demandada seja notificada para juntar aos autos (...) todos os demais documentos respeitantes à matéria do presente processo arbitral de que é a mesma detentora, em particular as liquidações de CSR aqui impugnadas (...).

Contudo, a AT, na sua contestação, já responde a este requerimento da Requerente, dizendo que não lhe é possível juntar as liquidações CSR que a Requerente pede, por não lhe ser possível identificá-las, através de um cruzamento, que também não lhe é possível efetuar, entre as liquidações de CSR que efetivamente tem em seu dispor referentes às entidades em causa, e as aquisições de combustível que a Requerente alega ter efetuado e comprova através de uma listagem de faturas.

Acresce que, no que diz respeito a uma das fornecedoras – a D..., S.A. – que declara [na “Declaração junta ao processo constante do facto provado H)] haver repercutido sobre a Requerente a totalidade da CSR por si suportada no combustível vendido àquela, a AT afirma que esta empresa não é sujeito passivo de CSR e a Requerente não faz prova do contrário.

Relativamente à B..., Lda., esta afirma [“Declaração junta ao processo constante do facto provado J)] que, do total de 4.675.676 litros de combustíveis que forneceu à Requerente, apenas a quantidade de 1.490.693 litros corresponde a combustível adquirido em que a B..., Lda. atuou como sujeito passivo de CSR. E, portanto, apenas sobre essa parte do total do combustível vendido à Requerente poderia ter incidido CSR. Acresce que nenhum destes valores coincide com o valor constante do documento 1 junto com o ppa, referente a litros de combustível fornecido pela B..., Lda à Requerente. Esta entidade não afirma ter repercutido a CSR por si suportada sobre a Requerente.

Relativamente à C..., S.A., esta empresa [na sua “Declaração” transcrita no facto provado I)] afirma que repercutiu sobre a Requerente a totalidade da CSR por si suportada. Mas não indica o montante de combustível vendido sobre o qual suportou CSR a título de sujeito passivo, tornando-se assim impossível cruzar esta informação com a listagem de compras fornecida pela Requerente.

Em face da dificuldade, claramente evidenciada, por parte da AT em selecionar as liquidações de CSR a fornecer ao processo, cabia à Requerente, pelo mesmo meio pelo qual obteve as faturas de compras e as declarações, ie junto das fornecedoras, obter cópias das liquidações de CSR, pois são essas as únicas entidades que poderão, eventualmente, obter informação de quais as liquidações de CSR que correspondem às vendas efetuadas.

Relativamente ao facto não provado K, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos, o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Tal como se disse, a propósito da mesma questão concernente à matéria de facto, na decisão do processo 467/2023-T:

“Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte: «(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).»

Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:

«A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transação».

25. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.”

E tal como se concluiu na decisão citada, também é válido concluir aqui que este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

E tal como se afirmou na decisão citada, também aqui cabe acrescentar que, mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

  1. Questões prévias

 

  1. Questão da competência relativa do tribunal arbitral

 

A Requerida suscita a exceção de incompetência relativa do tribunal arbitral, alegando que a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada pelo artigo 2º do RJAT nos seguintes termos:

Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Embora a disposição legal mencione atos de liquidação de tributos, o artigo 2º Portaria de Vinculação veio posteriormente restringir o âmbito material da arbitragem tributária, por via da prévia vinculação da AT, ao dispor:

Artigo 2.º

Objeto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.

Em vez do termo “tributos”, abrangente de todas as espécies tributárias, a Portaria de Vinculação usa o termo “impostos”, restringindo assim, por via da vinculação, a competência dos tribunais arbitrais.

Desta forma, a qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário como imposto ou como contribuição financeira é, efetivamente a questão decisiva para aferir a competência do tribunal arbitral.

A qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário tem vindo a ser debatida pelos tribunais arbitrais e a jurisprudência tem-se dividido.

As decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T consideraram a CSR como uma contribuição financeira, o que levou os respetivos tribunais arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

No sentido oposto pronunciaram-se as decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na como objeto suscetível de ser julgadas pelos tribunais arbitrais.

Por concordarmos com o pensamento exposto acerca da questão na decisão proferida no processo arbitral nº 304/22, reproduzimos aqui o que aí se disse sobre esta matéria:

Desde a revisão constitucional de 1997, que deu à alínea i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP a sua atual redação, não pode restar mais qualquer dúvida de que o sistema tributário português comporta três categorias de tributos: os impostos, as taxas e as “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (acórdãos TC n.º 365/2008, de 02.07.2008; e n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15).

Quanto à taxa, ela consiste numa prestação pecuniária, definitiva, sem caráter sancionatório, que forma o objeto de uma obrigação ex lege, e que se destina ao financiamento dos gastos públicos; esta espécie de tributo distingue-se do imposto pelo caráter bilateral, ou sinalagmático da relação jurídica da qual é o objeto, na medida em que o sujeito passivo da taxa tem um direito especificamente ligado ao seu pagamento, direito esse a que corresponde um dever jurídico por parte do sujeito ativo, sendo que um e outro se contêm na estrutura da relação jurídica tributária (vd. acórdãos do TC nº 20/2003, de 15.01.2003, proc. 327/02; n.º 461/87, de 16.12.1987, proc. 176/87; n.º 76/88, de 07/04/1988, proc. 2/87; n.º 67/90, de 14.03.1990, proc. 89/89; 297/2018, de 07/06/2018, proc. 1330/17, entre muitos outros).

Quanto ao imposto, ele consiste numa prestação pecuniária, que forma o objeto ou conteúdo material de uma obrigação ex lege, com caráter definitivo, mas sem caráter sancionatório, e que se destina “à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” (acórdãos TC n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15; nº 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21). O imposto caracteriza-se ainda por se inserir numa relação tributária unilateral, não sinalagmática, o que significa que não existe, pela  parte do sujeito passivo, nenhum direito específico correlacionado com a obrigação tributária, nem da parte do sujeito ativo, nenhuma obrigação específica para com o primeiro, que tenha o caráter de contrapartida pelo pagamento do imposto (esta conceção do imposto encontra-se plenamente sancionada por uma vasta e consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo citar-se os acórdãos  nº 582/94, de 26.10.1994, proc. 596/93; n.º 583/94, de 26.10.1994, proc. 536/93; n.º 584/94, de 26.10.1994, proc. 540/93; n.º 1140/96, de 06.11.1996, proc. 569/96; n.º 274/2004, de 20.04.2004, proc. 295/03, entre muitos outros).

Dada a estrutura unilateral, não sinalagmática, da relação tributária que tem como objeto o imposto, a definição do respetivo quantum baseia-se na capacidade contributiva dos sujeitos passivos (acórdão TC n.º 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21); já no caso da taxa, dada a estrutura bilateral ou sinalagmática da relação jurídica tributária da qual aquela é objeto, a definição do respetivo quantum baseia-se numa aproximação ou estimativa do valor da contraprestação (princípio da equivalência jurídica) (acórdão TC n.º 301/2021, de 13.05.2021, proc. 181/20), podendo esse valor ser definido pelo custo que a prestação tem para o sujeito ativo, pelo valor do benefício que o sujeito passivo obtém, ou ainda por outras grandezas sempre estreitamente correlacionadas com a prestação pública individualizada que integra o sinalagma.

Quanto à “contribuição financeira” (designemo-la assim, ficando entendido que nos referimos às “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” referidas na al. i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP, e salvaguardando que não se encontra doutrinal ou jurisprudencialmente encerrada a questão da designação, única ou plural, desta categoria de tributos bem como das espécies que ela possa comportar), o Tribunal Constitucional tem optado por não adotar uma definição fechada, recorrendo antes a vários contributos que vão sendo desenvolvidos pela doutrina.

No acórdão nº 7/2019 (de 13.05.2021, proc. 301/21, relator Almeida Ribeiro), o Tribunal Constitucional diz:

“Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários» (...).”

No mesmo aresto o tribunal cita também Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:

“E de acordo com Suzana Tavares da Silva estes tributos podem «agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumento de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados (ex. prevenção de riscos naturais) - contribuições especiais financeiras; 2) como instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) — contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) — contribuições orientadoras de comportamentos ou (...) contribuições especiais extrafiscais» (...)”

Finalmente, no mesmo aresto, o Tribunal cita a sentença do tribunal a quo, nos seguintes termos:

 “(...) [E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade /causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública — mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas - sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.”

Não há, pois, dúvida de que a “contribuição financeira” é hoje entendida, consensualmente, como uma prestação pecuniária coativa definitiva e não sancionatória (um tributo, portanto) que forma o objeto de uma relação jurídica tributária com uma estrutura de “bilateralidade ou comutatividade coletiva ou grupal”, na medida em que a obrigação tributária impende individualmente sobre os membros de um grupo de sujeitos passivos, mas tendo essa obrigação uma contrapartida, a qual consiste numa prestação, de caráter público, a que está obrigado o sujeito ativo, não individualizada, mas coletiva, na medida em que a atividade é prestada de forma difusa ao grupo de sujeitos passivos.

Sendo, assim, a comutatividade coletiva o traço distintivo que caracteriza a contribuição financeira, a dificuldade está em concretizar em que se traduz essa comutatividade coletiva que não assenta, como na taxa, numa contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo.

O Supremo Tribunal Administrativo já por várias vezes analisou a questão e, sem em nenhum momento se afastar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem caraterizado o “nexo de bilateralidade ou comutatividade coletiva” nos seguintes termos (STA 2 Sec. ac. de 04.07.2018, proc. 01102/17, relator Casimiro Gonçalves):

 “(...) quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”

Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC nº 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC nº 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”

Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.

Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental[3]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC nº 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).

Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.

O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.

A mesma conceção encontra-se plasmada no acórdão do TC nº 232/2022 (de 31.03.2022, proc. 105/22, relator J.E. Figueiredo Dias), em que o tribunal afirma:

“[E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

E o tribunal acrescenta nesse mesmo aresto, com particular importância para a questão que nos ocupa no presente processo:

“(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários”.

Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.

Confrontemos esta construção, totalmente amparada na jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, bem como na doutrina por estes citada, com o decidido no processo arbitral nº 629/2021-T (decisão de 03.08.2022, relator Vítor Calvete) sobre a mesma questão de que se ocupa o presente processo arbitral.

A decisão arbitral cita Filipe de Vasconcelos, nos seguintes termos:

“(...) [O] nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, (...) “homogeneidade de interesses” e (...) “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem.”

Cita ainda Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:

“(...) [A] A. recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:  “1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”

Concluindo o Tribunal:

“(...) o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”

A conclusão a que chegámos acima, com base na jurisprudência quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, mostra-se plenamente coincidente com a decisão arbitral citada.

Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.

A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o  grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

Nos termos do nº 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.

Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.

Sobre o conceito de contribuintes, o nº 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis.

Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

É ainda relevante a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, onde se lê:

 “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito ativo da respetiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(...)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga diretamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”

A posição do Tribunal de Contas apenas reforça a conclusão do Tribunal, já anteriormente enunciada, de que a CSR é um imposto de receita consignada.

A interpretação que adotamos é igualmente corroborada por Casalta Nabais, J., Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, em que o Autor afirma que  “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efetivos impostos, muito embora dada a titularidade ativa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”

Tendo por base toda a argumentação expendida, que perfilhamos integralmente, conclui-se pela não procedência da alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos”, uma vez que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto.

 

  1. Questão da ineptidão da petição inicial

A Requerida invoca ainda, a título de exceção, a ineptidão da petição inicial, alegando que a Requerente não identifica, em nenhum lado do seu pedido de pronúncia arbitral, qualquer ato tributário que a Requerente pretenda ver apreciado. Suscita apenas a declaração da “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela requerente no decurso do período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis (…), limitando-se a identificar as faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, sem identificar qualquer ato tributário”.

Vejamos:

O artigo 98º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea d) do RJAT, indica com uma das nulidades insanáveis do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Por seu turno, sobre o que se considera ser ineptidão da petição inicial, dispõe o artigo 186º, n.º 1 do CPC, também subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, que se diz inepta a petição inicial:

  1. Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir
  2. Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
  3. Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

No caso vertente estão à partida excluídas as causas das alíneas b) e c), pelo que haverá que averiguar se se verifica a situação prevista na al. a): falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir.

O pedido existe. A Requerente pede que o Tribunal arbitral declare a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, bem como das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC (declarações de introdução no consumo) submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.

Contudo, o pedido compreende vários elementos.

Em primeiro lugar pede-se a anulação dos atos de repercussão consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo adquirido pela Requerente às suas fornecedoras. Como ficou já evidenciado através da exposição das posições das partes, é controverso se existem verdadeiros atos de repercussão. Mas esta é uma questão de qualificação jurídica, suscetível de ser debatida e analisada, não sendo, certamente, causadora de ininteligibilidade do pedido.

Em segundo lugar pede-se a anulação das liquidações de CSR “praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC (declarações de introdução no consumo) submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”.

A causa de pedir de ambos os pedidos é a ilegalidade da própria CSR, por violação do Direito da União Europeia, nomeadamente da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, por não prosseguir “motivos específicos”. A causa de pedir é, pois, claramente inteligível.

O problema de inteligibilidade do pedido pode residir, no entender do Tribunal, no pedido de anulação das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC (declarações de introdução no consumo) submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”. Isto porque não basta que o pedido seja claro em abstrato na sua formulação, mas é ainda necessário que ele seja suficientemente concretizado para poder servir de base ao processo, ie, para que o Tribunal possa efetivamente conhecer o objeto do processo.

Concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de atos administrativos, significa necessariamente identificar os atos cuja anulação se pretende, como, aliás decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “[A] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.

A Requerente propõe-se identificar os atos de liquidação a partir das faturas.

A Requerente começa por dizer no início do seu ppa que pretende a apreciação das “liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas B..., S.A., C..., S.A. e D..., S.A. (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «fornecedoras de combustíveis») e, bem assim, relativo aos consequentes[4] atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022.

No final do ppa, a Requerente pede que se declare a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela requerente no decurso do período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes[5] liquidações de CSR.

É clara e compreensível a intenção da Requerente de identificar as liquidações de CSR impugnadas através da sua correspondência com os atos de repercussão da mesma CSR no preço das aquisições de combustível efetuadas pela Requerente às suas fornecedoras. O que seria, aliás, perfeitamente viável se estivéssemos perante uma repercussão formal, como existe no IVA.

O problema está em que uma tal correspondência, entre a liquidação de CSR e a repercussão da mesma no preço das aquisições a jusante, não é suscetível de ser realizada. Ao contrário do que acontece no IVA, em que são os atos de repercussão do IVA (no preço cobrado ao adquirente), efetuados anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, que determinam esta, quanto ao seu montante e quanto ao seu período temporal, existindo uma correspondência exata entre o ato de repercussão e a liquidação de IVA, na CSR (mesmo admitindo, a priori, que existem atos de repercussão, estes não estão formalmente ligados ao ato de liquidação. Pelo que é teoricamente possível a um fornecedor de combustível entregar uma declaração de introdução no consumo (DIC), dando origem a uma liquidação de CSR, no dia 1 de março, e no final desse mês ainda estar a vender combustível adquirido em fevereiro, “repercutindo” nessas vendas a CSR que suportou em fevereiro. Acresce que, como também ficou demonstrado na matéria de facto, nem sempre as entidades fornecedoras de combustível são sujeitos passivos da CSR liquidada relativamente à introdução do combustível no consumo, o que torna virtualmente impossível estabelecer um nexo seguro entre uma determinada venda de combustível e uma liquidação de CSR.

Como se assinalou quanto à matéria de facto considerada provada, só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efetuar a correspondência entre as faturas emitidas e as liquidações de CSR. Mas tal correspondência não foi realizada.

Assim sendo, verifica-se efetivamente uma falta de concretização de uma parte do pedido, por falta de identificação dos atos de liquidação da CSR.

No entanto, só existe ineptidão da petição inicial quando a ininteligibilidade do pedido (ou da causa de pedir) for absoluta, o que não é o caso. Pois, como vimos, uma parte do pedido é perfeitamente inteligível, mesmo no que diz respeito à sua concretização: a Requerente pretende a anulação dos atos de repercussão da CSR em cada uma das faturas que identifica pelos seus números. A Requerente, além de identificar as faturas pelo seu emitente e pelo seu número, aplica a taxa da CSR e calcula o montante da repercussão. Pelo que se considera improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial.

Outra questão, não despicienda, é a de saber se um pedido pode subsistir sem o outro. Mas essa é uma questão cuja resposta depende da apreciação do mérito da causa, pelo que não deve determinar a resposta a dar à exceção de ineptidão da petição inicial.

 

  1. Exceções de falta de legitimidade processual, falta de legitimidade substantiva e falta de interesse em agir

 

A Autoridade Tributária alega ainda a ilegitimidade processual e substantiva bem com a falta de interesse em agir da Requerente.

Sobre esta mesma questão, pronunciou-se a decisão prolatada no processo arbitral nº  375/2023-T, nos seguintes termos:

“20. Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto na closure rule do art. 29.º, n.º 1, do RJAT, em concreto e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

21. A regra geral do direito processual, que emana do art. 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar1 , sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (vd. art. 9.º, n.º 1, do CPTA).

22. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário2, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”

23. No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vd. art. 1.º, n.º 2, da LGT).

24. O CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT). No mesmo sentido, ainda que referindo-se somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu art. 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”

25. De notar que, em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vd. art. 9.º, n.º 2, do CPPT). No tocante aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vd. art. 9.º, n.º 3, do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

26. Na situação em análise, as Requerentes invocam a qualidade de repercutidos legais para deduzirem a acção arbitral.

27. Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado art. 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT).

28. Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do art. 18.º da LGT pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vd. art. 9.º, n.os 1 e 4, do CPPT).

29. Neste âmbito, assinala JORGE LOPES DE SOUSA: “nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.º, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do respectivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” – vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115.

30. JORGE LOPES DE SOUSA assinala ainda que, em matéria tributária, “é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.” – vd. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120. Raciocínio que, atenta a identidade de razões, deve considerar-se aplicável ao processo judicial tributário.

31. Com posição similar, LIMA GUERREIRO, em anotação ao art. 18.º, n.º 4, da LGT, refere que o preceito “admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido (é no mesmo sentido a anotação de Saldanha Sanches ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, in ‘Fisco’, número 28, pgs. 29 e sgs.). Essa lesão será suficiente para a fundamentação de impugnação judicial ou, se verificasse que este não era o meio apropriado dado o princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. A fórmula utilizada declara expressamente, no entanto, a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efectuada pelo sujeito passivo do IVA, imposto de selo ou de outros tributos sujeitos a mecanismo idêntico, pelo que se infere implicitamente não ser em geral a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse, mas a impugnação judicial o meio adequado para reacção contra a repercussão ilegal do imposto, por razões certamente resultantes da similitude da lesão causada por acto ilegal de liquidação e da lesão resultante de repercussão ilegal e do facto de, no nosso sistema processual tributário, a impugnação não visar necessariamente efeitos meramente demolitórios do acto tributário mas também a reparação de qualquer lesão sofrida pelo impugnante. [...]. O não ser sujeito passivo não quer dizer obrigatoriamente ilegitimidade para intervir no procedimento, em caso de lesão de direito ou interesse legalmente protegido de qualquer natureza.”

32. No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31/8, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vd. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

33. Infere-se do articulado das Requerentes que estas legitimam a sua intervenção processual no facto singelo de lhes ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 31.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo”.

34. Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, e começando por esta última parte, as Requerentes são sociedades que se dedicam ao transporte, nacional e internacional, de mercadorias. Desta forma, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens), um gasto da actividade de prestação de serviços de transporte realizada pelas Requerentes, não configurando um consumo final. Nestes termos, se a CSR, conforme alegam as Requerentes, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida estas não fazem parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

35. Acresce que, nos termos da Lei que prevê a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31/8), não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação das Requerentes de que é sobre as mesmas que “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo [da CSR]”. Basta atentar, para esta conclusão, no art. 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”4 Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Nem se identifica como prevendo tal repercussão a norma do art. 3.º, n.º 1, da mesma lei que diz que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

36. Importa também assinalar, com relevância para esta questão, que a remissão para o Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”) efectuada pela Lei da CSR é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte: i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica; ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços; iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às ora Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes)

38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende. 39. Contudo, o único facto que as ora Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe). O paralelismo que as Requerentes estabelecem entre a CSR e o IVA não tem qualquer suporte jurídico, pois a repercussão neste último imposto tem previsão legal expressa no art. 37.º do Código do IVA, permitindo o seu controlo e prova, dado que o imposto e respetivo montante são mencionados na factura emitida pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços.

40. Também não tem qualquer pertinência a equiparação que as ora Requerentes pretendem estabelecer entre a CSR e o Imposto do Selo que tanto pode incidir sobre o sujeito passivo originário (em relação ao qual se verifica a capacidade contributiva) como sobre outra entidade. Neste último caso, como sucede de forma paradigmática com as operações financeiras, a doutrina e jurisprudência têm qualificado o fenómeno como substituição tributária sem retenção (vd., a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de março de 2015, processo n.º 01080/13). Conforme atrás referido, o substituto é uma espécie do género “sujeito passivo”, logo dispõe de legitimidade activa para demandar o Estado, além de que, à semelhança do IVA, a liquidação do imposto é perfeitamente controlável através da documentação emitida, pois, nos termos do art. 23.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo, “nos documentos e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, com exceção dos contratos previstos na verba 2 da tabela geral [arrendamento e subarrendamento], cuja liquidação é efetuada nos termos do n.º 8.”

41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).

42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas: i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos; ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.

43. As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR. 44. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição). 46. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).

47. Em face do exposto, deve julgar-se verificada a excepção de ilegitimidade das Requerentes, constituindo a mesma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.

 

É esta também a posição que adotamos no caso sub judice, que é em tudo semelhante ao do acórdão citado.

Com efeito, a Requerente não é sujeito passivo do imposto, pois não está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável (artigo 18º, n.º 3 da LGT).

Não sendo sujeito passivo do imposto, nem “parte em contrato fiscal”,  das categorias às quais o artigo 9º n.º 1 do CPPT (aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º. n.º 1, al. a) do RJAT) atribui legitimidade processual, apenas restaria a de “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

Não se vendo norma legal que diretamente trate de assegurar o interesse que se encontra em causa (o do reembolso do imposto), haveria efetivamente que recorrer ao conceito de “interesse direto em demandar” do artigo 30º do CPC (aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º. n.º 1, al. e) do RJAT), que estabelece como critério supletivo de aferição da legitimidade processual o interesse em demandar ou contradizer, face ao objeto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o autor a configura (Ac. STA de 28-10-2020, proc. 581/17.0BEALM. Rel: Joaquim Condesso).

A Requerente mantém que o seu interesse em agir advém do facto de ter suportado a CSR por repercussão legal. Mas além de já ter sido afastado o caráter legal da eventual repercussão, haverá que lembrar que não existe na CSR uma obrigação formal de repercussão. Acontece que só a obrigação de repercussão formal permite estabelecer uma ligação direta entre uma fatura e o imposto indireto liquidado. Não existindo obrigação formal de repercussão, a Requerente teria que fazer prova do seu interesse direto provando a própria repercussão, por referência a atos de liquidação de CRS concretos, o que não prova.

Por último, cumpre afastar a tese da Requerente de que resulta da jurisprudência do TJUE, nomeadamente do despacho do Tribunal no processo C-460/21[6], que a Administração Tributária está obrigada a reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efetivamente os suportou, pelo que no caso de tributos suscetíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso caberia ao repercutido.

Não fazemos essa leitura do referido despacho. O que este afirma é que, (par. 39) quando o imposto indireto tenha sido repercutido pelo sujeito passivo a outras pessoas, cessa a obrigação de reembolso, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito.

No parágrafo 42 o Despacho acrescenta, reafirmando a ideia anterior: “42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido”. Em nenhuma passagem do Despacho se lê explicita ou implicitamente o reconhecimento de um direito do repercutido ao reembolso. Que, reitera-se, ainda que se defenda a sua existência, sempre dependeria de pressupostos de facto não demonstrados na presente ação: que foi suportado definitivamente imposto pela Requerente e a medida em que o foi.

Conclui-se assim pela procedência da exceção de legitimidade processual da Requerente, com o que fica prejudicado quer o conhecimento das restantes exceções e questões prévias, quer o conhecimento do fundo da causa.

Sobre o pedido da Requerente para o Tribunal efetue um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal entende que tal reenvio não se justifica, uma vez que a questão da legitimidade processual de uma entidade no processo que tenha por objeto a anulação de um ato de liquidação de um tributo é uma questão de direito interno, não afetada nem direta nem indiretamente pela Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.

 

VI – DECISÃO

Por tudo o exposto, o Tribunal Arbitral julga verificada a exceção dilatória de ilegitimidade (activa) da Requerente, que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, e condena a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 433.075,19 € (quatrocentos e trinta e três mil e setenta e cinco euros e dezanove cêntimos).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.038,00 € (sete mil e trinta e oito euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 18 de abril de 2024

 

Os Árbitros

 

(Alexandra Coelho Martins - presidente)

 

 (Nina Aguiar – árbitro vogal, relatora)

 

 

(Rui Miguel Marrana – árbitro vogal)

 

 



[1] O artigo 8º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de junho, dispõe que “o imposto é exigível em território nacional no momento da introdução no consumo dos produtos referidos no artigo 5º ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o  presente Código. O nº 1 do artigo 10º do mesmo código estipula que “a introdução no consumo deve ser formalizada através da declaração de introdução no consumo (DIC) ou, no ato de importação, através da respetiva declaração aduaneira”.

[2] Aprovado pela Lei n.º 24/2016, de 22 de agosto.

[3] Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto.

[4] Sublinhado nosso.

[5] Sublinhado nosso.

[6] Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 7 de fevereiro de 2022, Processo C-460/21, Vapo Atlantic SA contra Autoridade Tributária e Aduaneira. ECLI:EU:C:2022:83