Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 678/2023-T
Data da decisão: 2024-04-17  IRC  
Valor do pedido: € 39.189,64
Tema: IRC. Procedimento de inspecção interno versus externo. Perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa. Periodização do lucro tributável, art.º 18.º do CIRC. Princípio da especialização dos exercícios e Princípio da justiça.
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SUMÁRIO:

1) Um procedimento de inspecção não deixa de ser interno por serem solicitados ao contribuinte documentos/informações/elementos no decurso do mesmo, sem deslocação às instalações daquele ou de terceiros, e que antes não estavam na posse da AT – v., entre o mais, art.º 13.º/1 do RCPITA; 2) o regime fiscal da dedutibilidade de perdas por imparidades em dívidas a receber tem apoio no normativo contabilístico, sem prejuízo de requisitos adicionais da lei fiscal – v. art.ºs 28.-A e 28.º-B do CIRC; 3) da aplicação conjugada do disposto nestes artigos com o os art.ºs 23.º/1 e 2, al. h), e 18.º, todos do CIRC, resulta que as perdas por imparidade são uma componente negativa do lucro tributável do exercício em que devam ser reconhecidas; 4) O art.º 18.º do CIRC corporiza o Princípio da especialização dos exercícios, que traduz a necessidade de definir regras orientadoras da imputação a cada período das componentes, positivas e negativas, que permitem a determinação do rendimento que lhe corresponde, e devem ser contabilizados e considerados num certo período todos os créditos e débitos respeitantes a esse período; 5) Se o SP simplesmente opta por não aplicar o art.º 18.º não ocorre erro involuntário e não intencional; 6) A impossibilidade de “correcções simétricas” às correcções em perdas por imparidade não determina necessariamente uma situação de violação do Princípio da justiça.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., S.A., nipc..., com sede na Rua ..., ...,  ..., doravante designada por “Requerente”, “Req.te” ou “A...”, veio, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a), 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), doravante “RJAT”, submeter ao CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de acto de liquidação de IRC reportado ao exercício de 2019, e da correspectiva liquidação de juros compensatórios (em conjunto doravante também “a Liquidação”).

 

Da Liquidação resultou um montante total a pagar de € 39.189,64 (juros compensatórios incluídos).

 

A Liquidação foi emitida na sequência de acção de inspecção à sociedade B..., S.A., nipc … (“B...”), sociedade que, juntamente com a C..., S.A., nipc ... (“C...”), foi incorporada na Requerente.

 

Em consequência da fusão, refere, deu-se a extinção imediata da B... e da C..., transferindo-se os respectivos activos e passivos para a Requerente, sociedade incorporante, que passou a assumir todos os direitos e obrigações daquelas. E que, assim, tem legitimidade para assumir a posição da B... nestes autos.

 

A acção de inspecção teve origem na Ordem de Serviço n.º OI2023..., decorreu de forma interna, tem que classificar-se, quanto aos seus fins, como de comprovação e verificação, e no seu âmbito a Autoridade Tributária e Aduaneira solicitou a apresentação de um vasto leque elementos contabilísticos, expõe.

 

A Liquidação decorre das correcções operadas, no âmbito da dita inspecção, aos elementos da contabilidade e à declaração de rendimentos da Requerente quanto a gastos relevados como imparidades em dívidas a receber de clientes.

 

A Requerente registou um gasto no valor global de € 164.234,81 por imparidades em relação a vários clientes. E a Autoridade Tributária e Aduaneira, na inspecção, e perante os elementos remetidos, analisou os gastos um a um e desconsiderou, daquele valor global, o valor de € 160.715,82, para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício (2019).

 

Segundo também refere, a fundamentação exclusiva de todas as correcções é a de que os gastos contabilizados não podiam ser imputados ao exercício de 2019 por respeitarem a exercícios fiscais diversos. A Liquidação desconsidera os gastos em questão, expõe, tão só por considerar, à luz do princípio da especialização dos exercícios, respeitarem a outros exercícios.

 

Quanto especificamente ao procedimento de inspecção, defende que se tratou materialmente de um procedimento de inspecção externa. Com efeito, dada a extensão dos elementos solicitados, a acção inspectiva desenvolveu-se, refere, com a profundidade que alcançaria se tivesse decorrido nas suas (da Requerente) instalações.

 

Cabe questionar quanto ao cumprimento das formalidades previstas por lei para esta forma de procedimento (externo). Os requisitos a este aplicáveis são mais exigentes e não foram cumpridas as normas aplicáveis, com a consequente ilegalidade da Liquidação, defende.

 

No referente, por sua vez, ao princípio da especialização dos exercícios e à sua não observância, única fundamentação do acto em crise, reconhece o dito princípio e a disciplina do art.º 18.º do CIRC não terem sido por si respeitados para efeitos do regime do art.º 28.º-B do CIRC.[1]

 

Porém, defende, a AT deveria ter-se interrogado - à luz, por sua vez, dos princípios da justiça e da boa-fé/interesse público - sobre a derrogação daquele princípio ter ou não causado efectivo prejuízo para a economia do IRC e, assim, para os cofres do Estado. Nota, neste contexto, que já não lhe era possível, quando questionada a respeito pela Autoridade Tributária e Aduaneira, corrigir as declarações dos exercícios anteriores.

 

Do montante corrigido, de € 160.715,82, aceita a correcção no valor de € 2.395,39, referente a gasto com imparidade que contabilizou em 2019 e que respeita ao exercício de 2020.

 

Comparando a tributação resultante do seu comportamento e aquela que resultaria da aplicação do princípio da especialização dos exercícios na contabilização e declaração das imparidades tal como no RIT, e tendo por referência imparidades no valor de € 158.320,43 (i.e. no valor das correcções com que - do total das correcções operadas - não se conforma), conclui: “ao nível da matéria coletável nenhum prejuízo ocorreu para a economia do imposto com o diferimento da contabilização dos gastos com imparidades”.

 

Conjectura, ainda, sobre a possibilidade de uma alteração nas taxas de IRC ter diminuído a carga fiscal a seu favor. E conclui que, sendo em 2013 a taxa de IRC de 25%, e, assim, superior à de 21% vigente no exercício em que contabilizou os gastos (2019), o valor global de IRC pago (“€ 219.294,65”) é superior ao que pagaria “caso tivesse seguido a especialização dos exercícios conforme o critério definido pela AT (€ 218.925,62).”

 

Alega que o Estado teve ainda um benefício financeiro acrescido, por os impostos terem entrado mais cedo nos seus cofres. E há uma oneração artificial da sua carga fiscal pelo critério seguido pela AT, pois o gasto não pode já relevar nos exercícios anteriores a 2019, como também já sucedia aquando da inspecção.

 

Deve julgar-se não haver indícios de manipulação de resultados fiscais no critério que adoptou, e constatar-se que o Estado foi globalmente beneficiado. Por tudo o que expõe, defende, há erro de direito na correcção correspondente ao valor de € 158.320,43, devida anular.

 

Por fim, e para o caso de o Tribunal não entender naquele sentido, deverá ser declarada a inconstitucionalidade do bloco normativo composto pelo art.º 18.º e pela al. a) do n.º 1 do art.º 28.º-B, todos do CIRC, nos termos que expõe.

 

Requer, assim, (i) seja declarada a ilegalidade e anulado o acto tributário na parte correspondente ao gasto de € 158.320,43 e juros compensatórios; (ii) subsidiariamente, seja declarada a inconstitucionalidade do bloco normativo que identifica; (iii) seja a Requerida condenada a restituir-lhe os montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a  27.09.2023 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 15.11.2023 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 06.12.2023.

 

Notificada para o efeito, a AT juntou o PA e apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”) e consequente manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

 

Defendendo-se por impugnação, entre o mais refere que os SIT concluíram, como descrito no RIT, que tinham sido contabilizadas, e consideradas no apuramento do resultado fiscal do período tributário de 2019, perdas por imparidade que consubstanciam gastos específicos de outros períodos tributários à luz do princípio da especialização dos exercícios.

 

No Direito, por sua vez, e no que aos alegados vícios do procedimento inspectivo respeita, nota que o pedido de elementos contabilísticos não tem a virtualidade de alterar, de per si, a classificação do procedimento.

 

Mais que este foi classificado como interno, e que tal classificação não está na sua discricionariedade. No procedimento não fez qualquer diligência fora das suas instalações, e um pedido de esclarecimentos, informações e/ou elementos não transforma o procedimento em externo. Nem da legislação em vigor se retira qualquer obstáculo a tal solicitação no tocante ao decurso da acção inspectiva interna.

 

Acrescenta que mesmo que se entendesse ter ocorrido erro na qualificação do procedimento, só na hipótese de violação de formalidade essencial, do procedimento externo, tal poderia relevar. Em qualquer caso, foi dado conhecimento da existência do procedimento à B..., além de que esta foi notificada para o exercício do direito de audição, que não exerceu. E foi também notificada do RIT, o que marca o fim do procedimento inspectivo.

 

Os argumentos da Requerente, conclui, não procedem.

 

No que respeita, por sua vez, à invocada ilegalidade por violação do princípio da justiça versus princípio da especialização dos exercícios, após convocar normativos do SNC e sua Estrutura Conceptual, e dar nota de que a Requerente utiliza tais normativos, passa a reportar-se ao CIRC.

 

Salienta que na matéria em questão as regras para efeitos fiscais são ainda mais restritivas que as contabilísticas, e que, como melhor expõe, as perdas por imparidade em dívidas a receber devem ser relevadas fiscalmente nos períodos de tributação a que de facto respeitam.

 

Os SIT constataram, e a Requerente aceitou, que, quanto aos dezassete créditos de clientes em questão, deveria ter reconhecido perdas por imparidade em períodos de tributação anteriores, e não em 2019. E tal como verificado, detalhadamente, pelos SIT, a Requerente não só contrariou o disposto no normativo contabilístico como, ainda, considerou dedutíveis as perdas sem que estivessem reunidas as condições da dedutibilidade fiscal. Remete para a fundamentação de facto e de direito do RIT.

 

Quanto à articulação do princípio da especialização dos exercícios com os princípios invocados pela Requerente, convoca jurisprudência arbitral no sentido da aplicação que defende.

 

Nota, por fim, que do apurado em sede inspectiva se constata a Requerente não só não ter respeitado o princípio da especialização dos exercícios, como, também, ter reconhecido perdas por imparidade em créditos em mora há mais de seis meses sem apresentar comprovativo de diligências para o seu recebimento.

 

Conclui que os gastos, contabilizados em 2019, respeitam a exercícios anteriores em que eram conhecidos e previsíveis, não sendo aceitável reconhecer-se-lhes dedutibilidade fiscal. E que as correcções devem por isso manter-se, e a Requerida ser absolvida dos pedidos.

 

*

Por despacho de 19.02.2024, atentos os elementos nos autos, e não ter sido solicitada produção de prova adicional, o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT e para apresentarem alegações escritas facultativas.

 

Por requerimento de 23.02.2024 a Requerente veio juntar aos autos substabelecimento sem reserva a favor de novo mandatário.

 

Decorrido o prazo para alegações apenas a Requerida as apresentou, remetendo para a Resposta.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, legitimidade (v., no que à Requerente respeita, o ponto prévio que segue) e estão devidamente representadas (cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

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Ponto prévio.

Vem alegado pela Requerente ter incorporado a sociedade B..., e assim ter legitimidade processual nos autos. Dilucidando (v. art.ºs 577.º, al. e) e 578.º do CPC[2]), como segue.

Compulsados os autos verifica-se constar dos mesmos: (i) Cópia de escritura pública de fusão por incorporação, de 17.07.2023, nos termos da qual a totalidade do activo e do passivo da B... é incorporada na (aqui) Requerente, e aquela é, em consequência da fusão, extinta (Doc. A junto pela Req.te); (ii) Certidão Permanente da Requerente, com registo da fusão por incorporação com transferência global do património, cfr. inscrição de Ap. de 17.07.2023 (Insc.22, AP. 15) – em que é incorporante a Requerente, e uma das incorporadas a B... (Doc. B junto pela Req.te). Considera-se consequentemente provado o facto de que depende a legitimidade da Requerente. A Requerente tem interesse directo em demandar, e, assim, legitimidade processual.

 

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O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias – cfr. duas últimas al.s dos factos provados, infra, e art.º 10.º, n.º 1, al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT).

 

O Processo não enferma de nulidades, e a Requerida não invoca matéria de excepção.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob o tipo de sociedade anónima ao abrigo da lei portuguesa, tem por objecto social “produção e comercialização de materiais e equipamentos para construção civil, para o ambiente e para a reabilitação de edifícios, construção e obras públicas, nomeadamente fabricação e comercialização de argamassas, fabricação e comercialização de outros produtos minerais não metálicos diversos e fabricação e comercialização de produtos de gesso para a construção”, e está registada com o CAE Principal 23640-R3 - Fabricação de Argamassas, e o Secundário (1) 23620-R3 – Fabricação de produtos de gesso para construção; (cfr. Doc. B junto pela Req.te)

 

c) A Requerente está enquadrada em IRC no regime geral, utiliza o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e organiza a sua contabilidade segundo as respectivas NCRF; (cfr. PA)

 

d) A 17.07.2023 a Requerente incorporou por fusão a sociedade B..., S.A., nipc ... (“B...”); (cfr. Doc.s A e B, juntos pela Req.te)

 

e) A B... foi constituída em 1999, sob o tipo de sociedade anónima, ao abrigo da lei portuguesa, para o exercício da actividade de “fabricação de produtos de gesso para a construção” – CAE 23620, enquadrando-se em IRC no regime geral; (cfr. PA)

 

f)  A B... submeteu a declaração Mod. 22 de IRC reportada ao período tributário de 2019 a 14.07.2020, n.º de identificação...; (cfr. PA)

 

g)  A declaração Mod. 22 de IRC da B... referida na alínea anterior deu origem à liquidação n.º 2020 ..., com a matéria colectável de € 304.469,78; (cfr. PA)

 

h) A B... foi alvo de uma acção de inspecção a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2023..., de 18.01.2023, de âmbito parcial em IRC, extensão exercício de 2019; (cfr. PA)

 

i) A B... foi notificada do início do procedimento inspectivo por via electrónica, “Via CTT”, por comunicação de 19.01.2023; (cfr. PA, e PPA)

 

j) A 02.02.2023 a Requerida enviou notificação por via electrónica à entidade inspeccionada B... a solicitar elementos e esclarecimentos com referência ao período em análise, na qual se lê, entre o mais: “Assunto: Pedido de elementos e/ou prestação de esclarecimentos/Artigo 59.º e 63.º da LGT e artigos 29.º e 48.º do RCPITA”; (cfr. Doc. 4 junto pela Req.te, e PA)

k) Os SIT verificaram, pela análise conjunta da declaração Mod. 22, da IES e dos elementos remetidos pela B... em resposta à notificação referida na alínea anterior, que a B... tinha considerado como gasto fiscal global, no período de 2019, o valor de € 164.234,81 reportado a créditos de cobrança duvidosa, de 17 clientes, relevado na conta SNC 6511 – Perdas por imparidade/Perdas por imparidade - Dívidas a receber/Clientes, e concluíram que os gastos em questão deveriam ter sido imputados a outros períodos tributários; (cfr. PA)

 

l) Na sequência (v. al. anterior), foram propostas pelos SIT correcções aritméticas em imparidades efectuadas pela B... sobre dívidas de clientes, com a desconsideração de gastos no valor total de € 160.715,82 e consequente correcção, no mesmo valor, ao resultado tributável declarado; (cfr. PA)

 

m) A 24.03.2023 foi enviada comunicação à B..., “Via CTT”, a notificar do Projecto de Relatório, e para o exercício do direito de audição; (cfr. PA, e PPA)

 

n) A B... não exerceu direito de audição, e o Projecto foi convolado em Relatório Final, mantendo-se as correcções propostas; (cfr. PA)

 

o) A 04.05.2023 o Relatório de Inspecção Tributária foi notificado à B...; (cfr. PA)

 

p) Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, entre o mais, o seguinte (tudo se dando por reproduzido):

“(...) I.4. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção

No âmbito da análise efetuada no decurso do procedimento inspetivo ao sujeito passivo “B... SA”, NIPC ... e conforme decorre da matéria exposta no presente documento, apuraram-se as seguintes correções fiscais, relativamente ao período de 2019.

 

Resumidamente:

Em sede de IRC (Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas)

Foram efetuadas correções com a subsequente alteração ao lucro tributável, conforme resumo nos quadros seguintes:

 

Ponto da Informação    -    Descrição   -   Valor

V.1 - Imparidades sobre créditos de cobrança duvidosa

V.1.1.1 D..., S.A. 28.310,38€

V.1.1.2 E..., S.A. 33.763,23€

V.1.1.3 F..., LDA. 3.504,69€

V.1.1.4 G..., UNIPESSOAL, LDA. 920,76€

V.1.1.5 H…, S.L. 6.279,38€

V.1.1.6 I…, S.L. 47.805,43€

V.1.1.7 J..., S.L. 13.013,47€

V.1.1.8 K..., S.L. 16.369,59€

V.1.1.9 L..., S.L. 2.672,35€

V.1.1.10 M..." S.A. 1.141,84€

V.1.1.11 N..., S.L. 214,56€

V.1.1.12 O..., S.L. 34,50€

V.1.1.13 P..., S.L. 323,74€

V.1.1.14 Q... 1.326,75€

V.1.1.15 R…, S.L. 874,22€

V.1.1.16 S... 2.287,48€

V.1.1.17 T..., S.L. 1.873,45€

Total 160.715,82€

 

1 - Resultado tributável declarado 304 469,78€

2 - Correção proposta (linha 718 do quadro 07) 160 715,82€

1+2 - Resultado tributável proposto 465 185,60€

 

(…)

Esta ação de inspeção foi executada com base na Ordem de Serviço Interna n.º OI2023..., datada de 18 de janeiro de 2023, com o código de atividade 128-12, tendo o sujeito passivo sido notificado via eletrónica do “Início de procedimento inspetivo interno” nos termos do n.º 2 do artigo 69.º da LGT em 19 de janeiro de 2023.

O procedimento interno de inspeção incidiu sobre o período de 2019, de âmbito parcial abrangendo o IRC, tendo como objetivo verificar o cumprimento declarativo por parte do sujeito passivo.

 

(...)

No que respeita ao imposto sobre o rendimento, está enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável.

(...)

Em cumprimento do disposto no artigo 44.º do RCPITA - Preparação, programação e planeamento do procedimento de inspeção, procedeu-se à análise das declarações submetidas pelo sujeito passivo, nomeadamente à declaração anual de rendimentos e à Informação Empresarial Simplificada (IES).

A demonstraç[ão] de resultados declarada para o período alvo de análise foi a seguinte:

 

Demonstração dos Resultados por Naturezas - Período 2019

(...)

Imparidade de dívidas a receber (perdas /reversões) 164 234,81€

(...)

Os valores declarados no quadro 07 da declaração anual de rendimentos foram os seguintes:

(...)

 

Em 02/02/2023 foi enviada ao sujeito passivo uma notificação eletrónica, ao abrigo do dever de colaboração previsto no n.º 4 do artigo 59.º da LGT e no artigo 48.º do RCPITA, para no prazo de 10 dias, apresentar, no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço acima identificada, os elementos e/ou prestar os esclarecimentos a seguir indicados, com referência ao exercício/período de 2019:

(...)

4. Consta no campo A5010 da IES imparidades de dívidas a receber de clientes o valor de 164.234,81€, não tendo sido acrescido para efeitos de apuramento do resultado tributável qualquer valor no quadro 07 da declaração de rendimentos e por conseguinte considerou que reúne as condições da dedutibilidade fiscal nos moldes dos artigos 18.º, 23.º, 28.º-A e 28.º-B, todos do CIRC (Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas) para o referido valor de 164.234,81€.

Assim sendo, no sentido de comprovar a dedutibilidade fiscal nos termos acima referidos das perdas por imparidade de dívidas a receber dos clientes acima referidas, solicita-se mapa resumo nos moldes do indicado no anexo 1, acompanhado dos documentos de suporte aos débitos efetuados na conta SNC (Sistema de Normalização Contabilística) 65, bem como, os documentos de suporte à sua aceitação para efeitos de determinação do lucro tributável (comprovativos do cumprimento dos requisitos previstos nos artigos 18.º, n.º 1, 28.º-A, n.º 1, al. a) e 28.º-B, todos do CIRC), ou seja:

a) Documento (mapa/quadro) que identifique a que clientes respeita o saldo inicial das perdas por imparidade acumuladas, o saldo final das mesmas, bem como a variação ocorrida entre ambos (constituições/reforços/reversões efetuados durante o ano), com a demonstração dos respetivos cálculos;

b) Todos os documentos/faturas que titulam os valores em dívida (e aqueles que eventualmente tenham sido substituídos por eles) por parte dos clientes relativamente aos quais respeitam as constituições/reforços de perdas por imparidade efetuados no ano;

c) Extratos de todas as contas SNC respeitantes aos devedores em questão (211, 212, 217, etc.), com todos os registos efetuados desde a data em que o documento mais antigo foi lançado;

d) Documentos que comprovam objetivamente a realização de diligências com vista à cobrança e/ou documentos comprovativos da existência de PER, processo de insolvência, etc., com referência aos clientes referidos;

e) Caso tenha programa informático relativo à gestão de clientes, ou mapas auxiliares, listagem do vosso programa informático com a identificação de todos os documentos em mora por cliente à data de 31/12/2019 e listagem do “cadastro de clientes” onde constam todas as diligências efetuadas para a cobrança.”.

 

Da análise efetuada aos elementos solicitados e disponibilizados pelo sujeito passivo, propõem-se a[s] correç[ões] descriminada[s] no capítulo seguinte.

 

V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

V.1 IRC

V.1.1 Imparidades efetuadas sobre dívidas de clientes

Da análise conjunta da IES com a declaração anual de rendimentos, verificou-se que o sujeito passivo considerou como gasto fiscal do período de 2019, o montante de 164.234,81€ relevados na conta SNC 6511 - Perdas por imparidade/ Perdas por imparidade - Em dívidas a receber/Clientes, referente ao reconhecimento de perdas por imparidade em créditos detidos sobre seus clientes.

O modelo de normalização contabilística português vigente à altura dos factos era o aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho e republicado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, designado por Sistema de Normalização Contabilística (SNC), de aplicação obrigatória, entre outras entidades, às abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais, conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 3º.

 

(...)

Conforme quadro 02-A do anexo A da IES, o sujeito passivo organiza a sua contabilidade de acordo com as NCRF’s (...) do SNC. (...)

 

(...)

No que toca às situações abarcadas pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, a perda por imparidade a reconhecer corresponderá à totalidade do crédito (...). / Já no que respeita ao regulamentado pela alínea c) do n.º 1 e pelo n.º 2, ambos do artigo 28.º-B do CIRC, ressalta a necessidade de articulação com o disposto no artigo 28.º-A do mesmo Código, para se aferir do reconhecimento, ou não, de perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa. (...)

Assim sendo, o sujeito passivo deverá avaliar o risco de incobrabilidade dos créditos com base nas diligências executadas para o seu recebimento, devendo estar munido das provas necessárias dessas diligências, e, com base nessa avaliação, admitindo que existe risco de não cobrança, deverá relevar contabilisticamente o crédito como de cobrança duvidosa e reconhecer a perda por imparidade pelo montante que considere previsivelmente incobrável, tendo como limites para efeitos fiscais os estabelecidos pelo n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC.

Acresce ainda que, a dedutibilidade dos gastos em questão está dependente do cumprimento da periodização do lucro tributável prevista no artigo 18.º do CIRC, normativo que acolhe no ordenamento fiscal o regime contabilístico de acréscimo (ou de periodização económica). Tal preceito, designadamente o seu n.º 1, determina que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”. O regime de exceção introduzido pelo seu n.º 2, que admite a inclusão no resultado do período de rendimentos e de gastos respeitantes a períodos anteriores, somente é aplicável quando tais componentes, à data do encerramento das contas do período a que respeitam, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

Face ao exposto encontra-se definido na normalização contabilística, bem como, na legislação tributária, quando são reconhecidas as perdas por imparidade. Assim sendo, o legislador não deixou ao livre arbítrio dos sujeitos passivos a decisão [de] reconhecer ou não as perdas por imparidade, nem qual o período desse reconhecimento.[3]

 

Exposta de forma sumária a legislação contabilística e fiscal proceder-se-á à análise dos créditos de clientes que foram objeto de constituição de perda de imparidade e que foi considerada pelo sujeito passivo como encargo dedutível fiscalmente, no período de tributação de 2019, muito embora se tenha apurado que parte não reúne condições para o efeito.

 

V.1.1.1 Cliente D... SA

O sujeito passivo em 31/12/2019, através do movimento contabilístico 2019-12-31 50DIV 19120080, reconheceu relativamente ao seu cliente acima mencionado um crédito de cobrança duvidosa, assim como perdas por imparidade, ambos no valor de 28.310,38€.

Através da resposta à notificação mencionada no capítulo IV desta informação, referiu que a imparidade diz respeito a dívidas tituladas pelas seguintes faturas e pela nota de débito, emitidas no ano de 2012:

(...)

Apresentou as referidas faturas e nota de débito, assim como as folhas de liquidação de valores relativos a seguros de cobertura de dívidas referente a faturas por ele emitidas a este cliente, onde se verifica que, no início do ano de 2013, parte das dívidas foram cobertas por estes seguros. De referir ainda, que o valor da imparidade foi efetuado pela diferença entre o valor total da dívida e o valor liquidado/pago ao sujeito passivo por este seguro. Apresentou também uma correspondência para citação de credores, com data de 8 de abril de 2014, referente ao processo PIRE ...12...TYLSB relativo à “Insolvência Pessoa Coletiva-Requerida” que diz respeito ao insolvente D... SA, NIPC ....

Conforme acima descrito, o referido documento de citação é o seguinte:

(...)

Ora, através da consulta do processo PIRE .../12...TYLSB, obtida no portal https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspx, verificou-se que se trata de um processo de insolvência de pessoa coletiva que recaía sobre o seu cliente, cuja data de propositura, conforme abaixo se pode observar, foi de 05/12/2012:

(…)

Assim sendo, esta perda por imparidade devia estar totalmente reconhecida em 2012, nos termos conjugados da alínea a) do nº1 do artigo 28º-B e nºs 1 e 2 do artigo 18º, ambos do CIRC. Desta forma, não releva fiscalmente o valor de 28.310,38€ reconhecido como perda em imparidades no período de 2019.

 

V.1.1.2 Cliente E... AS

O sujeito passivo em 31/12/2019, através do movimento contabilístico 2019-12-31 50DIV19120079, reconheceu relativamente ao seu cliente acima mencionado um crédito de cobrança duvidosa, assim como perdas por imparidade, ambos no valor de 33.763,23€.

Através da resposta à notificação mencionada no capítulo IV desta informação, referiu que a imparidade diz respeito a dívidas tituladas pela seguinte fatura e notas de débito emitidas no ano de 2012, enviando as mesmas: / (...)

Apresentou a referida fatura e notas de débito, assim como um comprovativo de um cheque devolvido, folhas de liquidação de valores relativos a seguros de cobertura de dívidas relativamente a faturas por ele emitidas a este cliente, onde se verifica que, no início do ano de 2013, parte das dívidas foram cobertas por este seguro. De referir que o valor da imparidade foi efetuado pela diferença entre o valor total da dívida e o valor liquidado/pago ao sujeito passivo por este seguro. Apresentou também uma notificação por carta registada com AR datada de 18 de junho de 2013 do seu cliente E... SA, NIPC ...  a informá-lo que se encontra em curso no Tribunal Judicial de Barcelos, 3.º Juízo Cível, identificado através do processo n.º .../13...TBBCL, um processo de revitalização que recaia sobre ele, assim como uma notificação desse tribunal ao sujeito passivo datada de 16/07/2013 relativa a esse PER.

Conforme acima descrito, os documentos acima referidos referentes ao PER são os seguintes: / (...)

Ora, através da consulta do processo .../13...TBBCL, obtida no portal https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/..., verificou-se que se trata de um processo especial de revitalização que recaía sobre o seu cliente, cuja data de propositura, conforme a seguir se pode observar, foi de 11/07/2013. / (...)

Assim sendo, esta perda por imparidade devia estar totalmente reconhecida em 2013, nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do artigo 18º e a alínea a) do nº 1 do artigo 28º-B, ambos do CIRC. Desta forma, não releva fiscalmente o valor de 33.763,23€ reconhecido como perda em imparidades no período de 2019.

 

V.1.1.3 Cliente F... Lda

O sujeito passivo em 31/12/2019, através do movimento contabilístico 2019-12-31 50DIV19120084, reconheceu relativamente ao seu cliente acima mencionado um crédito de cobrança duvidosa, assim como perdas por imparidade, ambos no valor de 3.504,69€.

Através da resposta à notificação mencionada no capítulo IV desta informação, referiu que a imparidade diz respeito a dívidas tituladas pelas seguintes faturas, emitidas no ano de 2015: / (…)

O sujeito passivo enviou as referidas faturas e referiu apenas que o motivo da aceitação fiscal da imparidade é a “Mora”, mas não envia qualquer documento comprovativo dessa dedutibilidade, conforme solicitado na alínea a) do ponto 4 da notificação acima referida, designadamente os “Documentos que comprovam objetivamente a realização de diligências com vista à cobrança e/ou documentos comprovativos da existência de PER, processo de insolvência, etc., com referência aos clientes referidos”.

Ainda assim, estes elementos foram novamente solicitados, agora através do e-mail pelo qual foi recebido a resposta à notificação eletrónica, conforme a seguir se segue: / (…)

Em resposta ao solicitado, foi referido o seguinte: / (…)

Também se verifica pelos extratos das contas SNC 21111 que a relação comercial finalizou logo no início do período de 2016: / (…)

Assim, atendendo ao acima exposto, designadamente:

> a ultrapassagem do prazo de vencimento em anos das faturas relativamente à data do reconhecimento da imparidade;

> as últimas vendas foram efetuadas a pronto pagamento (vide fatura 1683 de 2015);

> a inexistência de relação comercial de 2016 a 2019, conclui-se que pelo menos desde a data em que o sujeito passivo deixou de efetuar vendas a crédito a este cliente reconhece a existência de risco de cobrabilidade das dividas vencidas.

Face ao exposto e tomando por referência a data da última fatura não paga pelo cliente [fatura A2015/1641 de 2015], de acordo com a normalização contabilística e legislação de natureza fiscal, a 31/12/2018 a imparidade de créditos era para estar reconhecida na integra, ou seja, a imparidade deveria ser reconhecida 50% do valor no período de 2016 e outra parte igual no de 2017, com exceção da fatura A2015/1577 emitida em 03/12/2015, cujo vencimento era 03/01/2016, onde a imparidade deveria ser reconhecida 25% do valor no período de 2016, 50% no período de 2017 e 25% no período de 2018.

Nestas circunstâncias o valor da imparidade reconhecida pelo sujeito passivo no montante de 3.504,69€ não é dedutível fiscalmente para efeitos de apuramento do resultado tributável do período de tributação 2019 nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do artigo18º e do nº 2 do artigo 28º-B, ambos do CIRC.

 

V.1.1.4 Cliente (...) / V.1.1.5 Cliente (...) / V.1.1.6 Cliente (...) / V.1.1.7 Cliente (...)  / V.1.1.8 Cliente (...) / V.1.1.9 Cliente (...) / V.1.1.10 Cliente (...) / V.1.1.11 Cliente (...) / V.1.1.12 Cliente (...) / V.1.1.13 Cliente (...) / V.1.1.14 Cliente (...) / V.1.1.15 Cliente (...) / V.1.1.16 Cliente (...) / V.1.1.17 (...)”;

(cfr. PA)

 

 

q) Em resultado da acção inspectiva foi emitida a liquidação com o n.º 2023...  (a “Liquidação”), de 09.05.2023, e a Demonstração de acerto de contas, de 11.05.2023, com o valor a pagar de € 39.189,64 (juros compensatórios incluídos) e data limite de pagamento 28.06.2023; (cfr. doc.s 2 e 3 juntos pela Req.te, e PA)

 

r) A 26.09.2023 a Requerente interpôs o Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem factos não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos concretamente os juntos com o PPA e os que integram o PA (todos se dando por integralmente reproduzidos) e, bem assim, com base nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados - factos não controvertidos, tudo concatenado e criticamente apreciado (e cfr. indicado supra por referência a cada facto). 

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa, perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[4]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[5]).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

 

3. Matéria de Direito

 

Recapitulando, numa súmula.

 

A Requerente entende (i) que o Procedimento inspectivo na origem das correcções teve natureza materialmente externa e, em assim sendo, que foram violadas normas legais aplicáveis em matéria de Procedimentos inspectivos externos, e que (ii) relativamente às correcções em questão, o Princípio da especialização dos exercícios deveria ter cedido, na sua aplicação, em consideração do Princípio da justiça.

Sempre, com a consequente ilegalidade da Liquidação em crise.

 

A Requerida, de seu lado, defende que as correcções na base da Liquidação fizeram a correcta aplicação da lei aos factos. Em suma, que: (i) o Procedimento inspectivo foi efectivamente interno, e que, mesmo que o não fosse, inexistem formalidades essenciais que pudesse entender-se terem sido violadas, e (ii) as correcções fizeram a aplicação da lei/do Princípio da especialização dos exercícios tal como devido.

Pelo que a Liquidação é legal.

 

Subjaz às posições das Partes entendimento divergente sobre a interpretação/aplicação devida, por um lado, das normas de qualificação do Procedimento inspectivo quanto ao local da sua realização (maxime art.º 13.º do RCPITA) e, bem assim, das normas que no CIRC consagram o Princípio da especialização dos exercícios (maxime art.º 18.º do CIRC). Como melhor veremos.

 

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir prendem-se, assim, com

  1. a qualificação de interno conferida ao Procedimento inspectivo e a virtualidade de, a ter sido errada, e a concluir-se ter havido violação de normas aplicáveis em Procedimento de natureza externa, a Liquidação padecer de vício de violação de lei por essa via;
  2. a aplicação do Princípio da especialização dos exercícios na dedutibilidade fiscal de perdas por imparidades em dívidas a receber de clientes, sua compatibilização com o Princípio da justiça, e eventual ilegalidade da Liquidação por violação deste último;

 

Subsidiariamente, haverá, ou não, que conhecer da invocada “inconstitucionalidade do bloco normativo composto pelo art.º 18.º e pela al. a) do n.º 1 do art.º 28.º-B, todos do CIRC”.

 

Por fim, caso se decida pela anulação da Liquidação, haverá ainda que conhecer dos pedidos de devolução das quantias pagas e juros indemnizatórios.

 

*

 

3.2. Qualificação do Procedimento inspectivo quanto ao lugar da sua realização e violação de normas legais aplicáveis ao Procedimento externo

 

Como vimos, a acção inspectiva na origem das correcções, de âmbito parcial em IRC e com o fim de comprovação/verificação e controlo declarativo, foi qualificada pela Requerida como interna. E vem assente que não foram praticados quaisquer actos em instalações ou dependências da inspeccionada nem de terceiros.

 

Alega a Requerente que deve entender-se, ainda assim, ter-se tratado, no caso, de uma verdadeira inspecção externa, dada “a extensão dos elementos solicitados”, que permitiu à Requerida “em termos materiais” “desenvolver a sua acção com a profundidade que alcançaria caso a inspeção tivesse decorrido nas instalações da Requerente”.

 

Refere ainda que a Requerida se baseou apenas no facto de não ter sido realizado qualquer acto de inspecção nas instalações da Requerente ou de outro contribuinte para assim qualificar o Procedimento de interno. Mas, defende, a Requerida não o podia ter feito, pois que o art.º 13.º do RCPITA não pode continuar a interpretar-se literalmente.

 

Para a Requerente, o Procedimento é de qualificar como externo sempre que tenha por objecto investigar factos/realidades que não resultam de imediato das declarações que os contribuintes têm que regulamente entregar e, assim, careça de elementos a ser obtidos junto dos mesmos, seja por deslocação às respectivas instalações, seja por remessa física ou através de meios informáticos.

 

Vejamos, agora, o que nos diz o legislador.

 

Desde logo, no Diploma legal que regula o Procedimento de inspecção tributária e define os princípios e as regras aplicáveis aos seus actos, a saber, o RCPITA.[6]

 

Dita o referido art.º 13.º deste Diploma, sob a epígrafe “Lugar do procedimento de inspecção”, que o procedimento se pode classificar, quanto ao lugar da sua realização, em: “a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; / b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso[7].

 

No mesmo Diploma, determinou também o legislador, entre o mais, em sede de Princípios e disposições gerais, no art.º 2.º - “Âmbito”, assim: “1. O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias./ 2. Para efeitos do número anterior, a inspecção tributária compreende as seguintes actuações da administração tributária: / a) A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos (...); / b) A indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos (...)”.

 

Por sua vez, em sede concretamente de Princípios, e no que mais releva aos autos, no art.º 5.º - “Princípios”, assim: “O procedimento de inspecção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação”. Especificando, depois, nos art.ºs 7.º e 9.º, assim:

 

Artigo 7.º - Princípio da proporcionalidade

As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária.

Artigo 9.º - Princípio da cooperação

1. A inspecção tributária e os sujeitos passivos ou demais obrigados tributários estão sujeitos a um dever mútuo de cooperação. (…)

 

Ainda com relevo para os autos, dispõe o art.º 28.º, sob a epígrafe “Garantias de eficácia”, que os funcionários em serviço de inspecção têm direito, entre o mais que aí se elenca, ao “exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos (…) para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos”. Dispondo, por sua vez, o artigo 29.º, no seu n.º 1, sobre as faculdades dos funcionários dos SIT através das quais se poderá concretizar o exercício daquela garantias. Entre o mais, assim: “a) Examinar quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade, (…) e solicitar ou efectuar, designadamente em suporte magnético, as cópias ou extractos considerados indispensáveis ou úteis”. E, no n.º 2, os elementos subsumíveis nesta al. a), assim: “a) Os livros obrigatórios previstos na legislação comercial e fiscal; b) Os registos contabilísticos e os documentos com eles relacionados, incluindo os programas e suportes magnéticos; c) Os registos auxiliares da contabilidade; d) Os documentos e registos relativos ao custeio dos inventários ou à contabilidade analítica; (...)

 

Por fim, no art.º 48.º, lê-se, no n.º 1, que “a administração tributária procurará, sempre que possível, a cooperação da entidade inspeccionada para esclarecer as dúvidas suscitadas no âmbito do procedimento de inspecção”.

 

Ora, de tudo quanto vem de percorrer-se no Diploma que por excelência trata a matéria, evidente se torna que cabe também no âmbito do Procedimento de inspecção interna (v. al. a) do art.º 13.º) a possibilidade, por parte dos SIT, de solicitar os elementos, informações e documentos tidos por necessários ou convenientes no âmbito e para os efeitos da inspecção. Tal assim sucede, independentemente de se tratar de um Procedimento interno ou externo. Nada nas normas que tratam das prerrogativas em questão, incluindo a sua inserção sistemática, leva a concluir que as mesmas sejam de aplicar apenas quando se trate de Procedimento externo. Cfr. supra, artigos transcritos.

 

Mais, a documentação que pode ser solicitada é vasta. E isso, independentemente da forma e/ou suporte pelos quais a mesma pode sê-lo, solicitada, bem como facultada. Cfr. supra, artigos transcritos (em especial art.s 28.º, 29.º e 48.º).

 

Tudo, como bem se compreende.

 

Em coerência, estabeleceu o legislador também na LGT, no art.º 63.º, sob a epígrafe “Inspecção”, no seu n.º 1, que “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: (...) f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.” E, por sua vez, no seu n.º 4, assim: “O procedimento de inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir (...)”.

 

Regendo, no Procedimento de inspecção, entre outros, os Princípios da proporcionalidade e da cooperação (cfr. artigos supra – RCPITA, e LGT), não só os envolvidos devem cooperar reciprocamente como, ainda, a medida dos actos a que os SIT recorram deve ser a adequada/proporcional aos fins visados.

 

Acrescendo referir, neste contexto, que o Procedimento de inspecção externo é potencialmente mais gravoso para os contribuintes, pelo que a respectiva efectiva necessidade há-de ser devidamente ponderada pelos Serviços antes de o despoletarem. Desde logo, o Procedimento externo é o único que permite suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação (cfr. art.º 46.º, n.º 1 da LGT), aportando implicações acrescidas, com consequências relevantes na esfera dos contribuintes. Que, também por isso, levam a uma maior exigência de rigor aquando da opção pelo recurso ao mesmo. Implicações estas que, arrisca-se, a Requerente - como o comum dos contribuintes - não teria querido para si, fora essa uma questão. Nem o legislador quis para vigorar como regra nos Procedimentos inspectivos, mas sim e apenas nos Procedimentos inspectivos de natureza externa - v. art.ºs 13.º/al. b) do RCPITA e 46.º/1 da LGT.

 

Consagrando-o seja na LGT, seja no RCPITA,[8] o legislador pretendeu pautar a actuação da Administração Tributária por critérios e Princípios de proporcionalidade, adequação e razoabilidade (a par dos de eficiência e outros). E no que à natureza/lugar da realização das inspecções respeita distingiu as duas situações – interna/externa – baseado num critério de localização dos actos praticados, cfr. art.º 13.º do RCPITA. Norma que, como é bom de ver, como as demais, terá que ser interpretada à luz dos referidos Princípios, em particular o da proporcionalidade (v. art.º 7.º RCPITA).

 

No caso dos autos, em que a Requerida obteve os elementos de que necessitava, e que considerou suficientes sem necessidade de se deslocar às instalações da inspeccionada, tendo-os solicitado, pois, sem sair das suas próprias instalações - v. no probatório al.s j) e k), e p) - não se vê em que medida poderia ter ficado desvirtuada a natureza de Procedimento de inspecção interna, como aventa a Requerente, em virtude de os documentos não estarem ab initio na posse da Requerida, da extensão dos documentos solicitados e/ou da via pela qual os mesmos foram obtidos. Em face do percorrido na lei, supra. E, em especial, do art.º 13.º do RCPITA - cuja letra (se dúvidas houvesse) ademais o legislador aditou, em 2016, com o segmento “por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento”[9].

 

Assim, e não obstante dever entender-se a qualificação dada pela Administração Tributária não determinar definitivamente, sem mais, a natureza do Procedimento como interno ou externo, a tese da Requerente no sentido de que a inspecção no caso se deveria considerar como externa não encontra respaldo seja na letra, seja no espírito da lei.

 

Improcede, assim, o vício de violação de lei invocado pela Requerente em primeiro lugar.

 

O Procedimento foi efectivamente interno. Não foram violadas normas aplicáveis ao Procedimento externo, desde logo por esta razão.

 

Sem prejuízo do que, sempre se diga, nem mesmo se fosse esse o caso, que não é (estarmos perante um Procedimento externo), daí se retiraria a consequência por que pugna a Requerente, da anulabilidade da Liquidação: apenas tendo sido preteridas formalidades essenciais, como bem refere a Requerida, tal poderia relevar. O que, também se concluiria (fosse tal devido apreciar, que não é) não suceder, face à factualidade provada (v. al.s i), m) o) e p) do probatório).

 

3.3. A aplicação do princípio da especialização dos exercícios na dedutibilidade de perdas por imparidades em dívidas a receber

 

Em 2019 a Requerente contabilizou, e deduziu para efeitos de apuramento do lucro tributável (i.e., considerou como gasto fiscal), tudo no exercício de 2019, perdas por imparidade em dívidas a receber. A saber, relacionadas com créditos, de clientes, de cobrança duvidosa.

 

Concretamente, a 31.12.2019 reconheceu na sua contabilidade, através de dezassete movimentos contabilísticos, relativos a dezassete clientes, um crédito de cobrança duvidosa por cliente, e perdas por imparidade em igual valor, perfazendo um valor global de € 164.234,81. Nada acrescendo no Quadro 07 da Declaração de rendimentos (cfr. RIT, v. supra al. p) factos provados). Considerou, pois, reunir as condições para a dedutibilidade fiscal naquele montante.

 

Reconhece que não cumpriu o Princípio da especialização dos exercícios e a disciplina do art.º 18.º para efeitos do regime do art.º 28.º-B, todos do CIRC, e que o deveria ter feito.

 

Porém, defende que, à luz dos Princípios da justiça e da boa-fé/interesse público, cabia à Requerida ter-se interrogado sobre a derrogação daquele Princípio ter ou não causado efetivo prejuízo para a economia do IRC e, consequentemente, para os cofres do Estado.

 

Aquando da acção inspectiva já não podia corrigir, “nem que quisesse”, as suas declarações fiscais dos exercícios anteriores, por ultrapassados os prazos. E, segundo defende, é de entender que “a economia do IRC” não sofreu prejuízo, e assim também não os cofres do Estado, e que não há indícios de manipulação de resultados fiscais de que tivesse aproveitado. Pelo que, entende, à luz dos Princípios da justiça e da boa-fé/interesse público a que a Requerida também está obrigada, a Liquidação enferma de erro de direito, e deve ser anulada. Refere “os princípios elencados no art.º 55.º da LGT” bem como “os que decorrem da Constituição”.

 

A Requerida - e conforme fundamentação detalhada nos pontos V.1.1.1 a V.1.1.1.17 do RIT - constatou, caso a caso, que, a ser dado cumprimento às normas aplicáveis, desde logo contabilísticas, as dívidas de clientes em questão deveriam ter sido reconhecidas em anos anteriores. Em diversos casos em anos bastante anteriores (2011, 2012, 2013, 2014). Em alguns casos tendo havido processos de insolvência e/ou de revitalização dos clientes, noutros processos judiciais, e, noutros, a dívida ficado a seu tempo em mora, mas sem que a Requerente tenha apresentado, mesmo solicitada segunda vez para o efeito, qualquer documento comprovativo de diligências com vista à cobrança (v. supra al. p) do probatório).

 

Face ao que, a final, pela aplicação conjugada das normas dos art.ºs 28.º-A, n.º 1, al. a), 28.º-B, 18.º e 23.º, todos do CIRC, os SIT propuseram a uma correcção no montante total de € 160.715,82, confirmada no RIT. Com a qual a Requerente não se conforma em € 158.320,43.

 

Vejamos.

 

A matéria em questão vem regulada, desde logo, nas normas contabilísticas aplicáveis à Requerente. Cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. a) do SNC[10] este é obrigatoriamente aplicável, entre o mais, às “entidades abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais” (e v. al. b) do probatório).

 

Na Estrutura Conceptual do SNC, § 22, lê-se que, a fim de satisfazerem o seu objectivo, as demonstrações financeiras são preparadas segundo o regime contabilístico do acréscimo. Nos termos do qual os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando ocorram, sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. Com relevo ao tema também, no § 37 vem tratada a característica da prudência. Depois, nos § 77 e § 78, lê-se que as perdas representam diminuições em benefícios económicos e como tal não são na sua natureza diferentes de outros gastos, e que, quando reconhecidas na demonstração de resultados, são geralmente mostradas separadamente pois o seu conhecimento é útil para finalidades de tomar decisões económicas.

 

Por sua vez nas NCRF, que a Requerente aplica, os créditos a receber de clientes são tratados na Norma 27 – “Instrumentos Financeiros”, uma vez que são activos financeiros. Donde, são reconhecidos e mensurados com base nesta NCRF. Nos termos das disposições conjugadas dos seus § 24 e § 28 a imparidade corresponderá “à diferença entre a quantia escriturada e o valor presente dos fluxos de caixa futuros estimados (...)” e, em cada data de relato, a entidade deve avaliar a imparidade dos seus activos financeiros, sendo que “se existir uma evidência objectiva de imparidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados”. A “evidência objectiva” de que um activo está em imparidade é ali, de seguida, identificada como a situação em que haja dados observáveis para o credor sobre qualquer dos múltiplos “eventos de perda” ali também indicados.

 

Dito isto. E lembrando que, nos termos do SNC, presume-se que da aplicação adequada das normas contabilísticas resultam demonstrações financeiras que alcançam uma apresentação apropriada, e que esta apresentação “exige a representação fidedigna dos efeitos das transações, outros acontecimentos e condições, de acordo com as definições e critérios de reconhecimento para ativos (...) estabelecidos na estrutura conceptual”.

 

Passando agora às normas fiscais.

 

No CIRC o legislador estabeleceu, quanto à “Determinação do lucro tributável” (cfr. art.º 17.º), que o mesmo[11] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC (v. n.º 1). E, ainda, que, de modo a permitir aquele apuramento ali referido, a contabilidade deve “estar organizada de acordo com a normalização contabilística”, “sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código” (v. n.º 3).

 

Por sua vez, quanto à “Periodização do lucro tributável”, assim:

Artigo 18.º - Periodização do lucro tributável

1. Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2. As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. / (...)

 

Com interesse, lê-se ainda, no art.º 8.º - “Período de tributação”, no n.º 1, que o IRC é devido por cada período de tributação (em regra, coincidente com o ano civil). E no Preâmbulo do Código, assim: “7. (...) A periodização do lucro tributável é origem de outros complexos problemas, estando o principal relacionado com o facto de cada exercício ser independente dos restantes para efeitos de tributação.”

 

Temos, pois, que o legislador fiscal consagra, também ele, o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, cfr. art.º 18.º, n.º 1, supra. Segundo o qual devem ser considerados para o apuramento do lucro tributável os proveitos e os custos correspondentes a cada ano económico - independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento. E a imputabilidade de componentes positivas ou negativas respeitantes a exercício anterior só é permitida - em excepção àquela regra - se à data do encerramento das contas daquele eram “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”, cfr. n.º 2.

 

Como também se lê no Preâmbulo, manteve-se a metodologia de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício da demonstração de resultados, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não reflectidas naquele. Sendo que “nas demais regras enunciadas a propósito dos aspetos que se entendeu dever regular refletiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade” (10. Preâmbulo). Como se vê suceder em sede de perdas por imparidade em dívidas a receber.

Senão vejamos, aqui chegados.

Consideram-se abrangidas nos gastos e perdas dedutíveis para determinação do lucro tributável as perdas por imparidade (v. al. h) do n.º 2 do art.º 23.º).

As perdas por imparidade em dívidas a receber vêm reguladas nos art.s 28.º-A e 28.º-B.

 

Estabelecem estes normativos, no que aos autos mais releva:

Artigo 28.º-A - Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal (...) que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; / (...)

2 - (...)

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.

 

Artigo 28.º-B - Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; 

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior (…).

 

Dos normativos percorridos, e sua articulação, ressalta um regime fiscal apoiado no regime contabilístico. Na prática, contabilisticamente é devido assegurar que os ativos não estão mensurados por uma quantia superior à recuperável, o que implica a contabilização atempada das perdas - cfr. supra, normativos contabilísticos. E para efeitos de apuramento de lucro tributável a perda relevará (será dedutível) desde que, cumulativamente, (i) contabilizada no período ou em períodos anteriores e (ii) no fim do período possa ser considerada como “crédito de cobrança duvidosa”,[12] i.e., como crédito em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado. O que sucede, determinou-o o legislador fiscal, nas situações subsumíveis nas al.s do n.º 1 do art.º 28.º-B. Tratando-se de qualquer uma das situações aqui previstas, a dívida - a perda por imparidade nessa dívida de cliente - será fiscalmente dedutível.

 

O que, na devida conjugação com o art.º 23.º, n.º 1 e n.º 2, al. h), e com o art.º18.º, determina que as perdas por imparidade constituem uma componente negativa do lucro tributável do exercício em que devam ser reconhecidas.

 

Retornando ao caso dos autos, verificaram os SIT que uns casos se subsumiam nas al.s a) e b) (art.º 28.º-B, n.º 1), mas tendo os processos tido início em anos muito anteriores ao de 2019. E, outros, se reportavam a dívidas que estariam em mora (v. al. c) do mesmo n.º 1), facturas e prazos de vencimento sendo de anos muito anteriores a 2019, e sem que a Requerente fizesse qualquer prova de diligências de cobrança.

 

Tinham, pois, sido incumpridos não só os normativos contabilísticos (cfr. supra) - as evidências objectivas de que aqueles activos estavam em imparidade haviam ocorrido muito antes, pelo que o reconhecimento contabilístico era devido muito antes. Como, bem assim, as normas fiscais. Da aplicação conjugada do disposto nos art.ºs 23.º-A e 23.º-B com os art.ºs 18.º e 23.º, aquelas perdas, só então (2019) reconhecidas na contabilidade, não reuniam as condições de que o legislador fiscal faz depender, conexamente ao normativo contabilístico, e com adicional especificidade no caso da al. c) do n.º 1 do art.º 28.º-B, a respectiva dedutibilidade.

Além do mais, não estavam a ser imputadas ao período de tributação em que foram efectivamente suportadas, de acordo com o regime da periodização económica - cfr. art.º 18.º, n.º 1 do CIRC. E não se preenchendo, como decorre do que antecede, o n.º 2 do mesmo art.º 18.º (que abre a excepção possível ao n.º 1), pois que na data de encerramento das contas dos exercícios anteriores em questão aquelas componentes negativas do lucro tributável eram previsíveis e conhecidas. E, assim, as correcções, ao não as aceitarem para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2019, fizeram a correcta aplicação da lei.

 

O art.º 18.º (v. supra) corporiza o denominado Princípio da especialização dos exercícios.

A respeito da periodização do lucro tributável e da especialização dos exercícios a que a mesma obriga se refere expressivamente Henrique Freitas Pereira, assim: “A periodização do rendimento implica a especialização dos exercícios, ou seja a necessidade de definir um conjunto de regras que orientam a imputação a cada período das componentes, positivas ou negativas, que tornam possível a determinação do rendimento que lhe corresponde.”[13]

 

Tendo o legislador determinado que a imputação de um rendimento ou de um gasto a um certo período obedece a um critério económico e não financeiro – cfr. art.º 18.º.

 

Em rigor não se questiona, nos autos, ser devida a aplicação da norma – art.º 18.º. O que vem questionado pela Requerente é que tal aplicação se não deva considerar de afastar, em nome do Princípio da justiça. Como defende.

Argumenta que o Princípio da justiça resultaria, no caso, violado. Pela aplicação do art.º 18.º.

 

No caso, o risco de incobrabilidade estava devidamente justificado/a componente negativa do lucro tributável era conhecida em exercícios anteriores, como vimos. E não se questiona (a Requerente aceita) que deveria, diferentemente, ter dado cumprimento ao art.º 18.º. Que foi violado o Princípio da especialização dos exercícios. A Requerente violou-o (aceita).

 

E como já não era possível, à data da inspecção, fazer a correcção simétrica nos anos a que a perda respeita (o que aceita) então, argumenta, sofreu um prejuízo financeiro, e o Estado, de seu lado, teve um benefício financeiro (por “os impostos terem dado entrada mais cedo”, “o comportamento da Requerente não arrastou qualquer prejuízo para o Estado”, “ao nível da matéria colectável nenhum prejuízo ocorreu para a economia do imposto”, “a taxa de IRC do exercício de 2013 era superior”, “o valor global do imposto pago mostra-se superior ao que pagaria”- v. supra Relatório, pág. 4). Pelo que “deverá julgar-se que não existem quaisquer indícios de manipulação de resultados fiscais de que tivesse aproveitado” e que “o Estado foi beneficiado globalmente”.

 

Vejamos então.

 

A Jurisprudência dos nossos Tribunais tributários tem efectivamente vindo a considerar, em determinadas situações de correcções com aplicação do art.º 18.º, que os contribuintes não deverão ser prejudicados pelo seu erro. Assente que é a rigidez com que o Princípio da especialização dos exercícios vem consagrado pelo legislador fiscal, procura-se mitigá-la, em certas situações, convocando o Princípio da justiça. A saber, quando da aplicação do Princípio da especialização dos exercícios decorra um resultado manifestamente injusto. E desde que a imputação da perda em exercício posterior não resulte de omissão voluntária/intencional, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios, nem dela resulte prejuízo para o erário público.

 

A esta Jurisprudência subjaz a consideração de o contribuinte ter sido prejudicado, ou não ter tido vantagem com o atraso em relevar a perda, entendendo-se que se assim for, então será de presumir o seu erro ter sido involuntário/não intencional. Sendo que se entende que o contribuinte é desde logo prejudicado quando não for possível fazer a “correcção simétrica”.

 

Assim – cfr. Acórdão do STA de 13.10.1996, proc. 20.404 - se decidiu dever ser dada prevalência ao Princípio da justiça quando não resulte prejuízo para a Fazenda Nacional da errada imputação dos proveitos ou custos, podendo a correcção vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte. E não tendo aquela imputação resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios (refere-se que será este o caso quando prestes a acabar ou iniciar período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de um exercício ou retirar benefícios do seu reporte, ou quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis).

Neste mesmo entendimento podem ver-se também, entre outros, os Acórdãos do STA de 05.02.2003 - proc. 01648/02, de 02.04.2008 - proc. 0807/07, de 25.06.2008 - proc. 0291/08. Ou, mais recente, o Acórdão de 14.03.2018, proc. 0716/13 (numa situação em que já não era possível a “correcção simétrica” por razões de tempestividade, e entendendo-se não ter havido intenção deliberada de proceder à transferência de resultados), em que se decidiu anular as liquidações decorrentes de correcções que aplicavam o Princípio da especialização dos exercícios e dar prevalência ao Princípio da justiça – como se entende ser devido em situações de incompatibilidade entre os dois Princípios/nos casos em que da aplicação do Princípio da especialização dos exercícios resulte situação de flagrante injustiça.

 

À luz do referido entendimento jurisprudencial subsiste naquelas situações erro do contribuinte, que não traduza uma omissão voluntária/intencional (e que não será enquadrável no n.º 2 do art.º 18.º, pois que aí se trata de situações que não dependentes dos contribuintes).

 

Ora, volvendo ao caso.

 

Em momento algum a Requerente alega, ou se propõe provar, qualquer razão para não ter dado cumprimento ao Princípio.[14] Limita-se a referir que, de facto, não cumpriu com o normativo aplicável ainda que tanto lhe fosse devido. E a apelar ao Princípio da justiça. Sendo que, como realça, já não lhe era possível operar as “correcções simétricas” aquando da inspecção. Tudo como melhor vimos supra (v. pp. 22-23 e Relatório).

 

Ora.

 

A Requerente pretende ver aceite como dedutível ao seu lucro tributável (deduzir ao lucro tributável) o montante daquelas perdas. Que imputou ao exercício de 2019, quando o deveria ter imputado a exercícios anteriores em cumprimento do Princípio da especialização dos exercícios (do art.º 18.º na conjugação com as demais normas aplicáveis). E não faz qualquer prova (sequer alega) de razões, que seriam de natureza factual, que pudesse ter tido para não proceder ao reconhecimento das perdas no exercício no qual tal lhe era devido fazer, em aplicação da lei. De razões para ter violado o Princípio, diferindo a componente negativa do lucro tributável para o exercício de 2019.

 

Assim sendo, há que concluir, face aos elementos nos autos, que a Requerente optou por não dar cumprimento ao princípio da periodização económica, em manifesta violação do disposto no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC.[15] Sem que em tal tenha incorrido por erro.

 

Pelo que há que decidir, logo por aqui, que não ocorre erro de direito na aplicação do Princípio da especialização dos exercícios.

 

Sem prejuízo do que fica dito, ainda se refira em qualquer caso.

 

Para concluir pela violação do Princípio da justiça por aplicação do Princípio da especialização, vem-se considerando (v. supra Jurisprudência referida) que não há omissão voluntária e intencional desde que o contribuinte tenha ficado prejudicado pelo seu erro, ou pelo menos não tenha tido vantagem com o diferimento da imputação. E considera-se em geral que o contribuinte fica prejudicado pelo seu erro sempre que não seja já possível a “correcção simétrica”.

 

Pois bem.

 

Num caso como o dos nossos autos - e mesmo que se tivessem provado (o que não sucedeu, vimos) razões de facto que de alguma maneira tivessem justificado um erro - não cremos que o referido entendimento Jurisprudencial fosse com inteira propriedade aplicável.

Isto, apesar de não ser já possível a “correcção simétrica”, também no nosso caso. Facto que levaria, em tese, vimos, a presumir o erro, involuntário/não intencional.

 

Porém, assim o vemos, tal não seria de entender, nas circunstâncias do nosso caso.

 

Com efeito, se bem atentarmos nos elementos constantes dos autos e, bem assim, ao regime legal aplicável nesta matéria - perdas por imparidade - quando em contexto de regime especial aplicável a fusões, cisões e entradas de activos, rapidamente constataremos que sim pode, também em tese geral, considerar-se a possibilidade de haver implicada no diferimento das perdas da inspeccionada B... omissão voluntária ou intencional, com vista a manipular resultados. Relembrado que aquela foi entretanto incorporada por fusão na Requerente (v. supra Relatório, ponto prévio). E tendo em mente o regime constante do art.º 74.º, n.º 1 do CIRC e, assim, o evitar-se o regime constante do n.º 3 do art.º 28.º do mesmo Código. Evitar-se por este caminho que as perdas, caso depois haja reversão, concorram para a formação do lucro tributável.

 

De outro lado, ainda, tendo sido o contribuinte quem não aplicou o Princípio da especialização dos exercícios. Concluir-se que há que tê-lo (ao contribuinte) por prejudicado pela simples constatação de não ser já possível operar as correcções simétricas poderia conduzir a situações não desejadas pelo legislador. Como o caso dos autos demonstra. Vimos de ver. (E, vimos também, as correcções simétricas já não eram possíveis aquando da inspecção). Sendo que não cremos ter sido querido pelo legislador conceder aos contribuintes simplesmente optar entre aplicar ou não aplicar normativos a que estão obrigados em matéria contabilística e fiscal (obrigados por razões de relevo, sempre se diga), ficando depois a aguardar a Administração Tributária não promover uma inspecção a tempo de “correcções simétricas”, no seu caso, para, facilmente, de nada servirem as percorridas normas legais. De nada servirem no que respeita àqueles contribuintes que as violassem deliberadamente. Porém continuando os demais contribuintes, cumpridores da lei, em situação de tratamento desigual, bem se vê.

 

Ora, do conjugar dos falados Princípios - a Requerente convoca o Princípio da justiça, da boa-fé e do interesse público - não resulta, no caso dos autos, que deva ser preterido o Princípio da especialização dos exercícios. Da aplicação das normas que percorremos supra não resulta violado o Princípio da justiça. Desde logo pelas razões que acabámos de ver.

 

E v. como se lê no art.º 55.º da LGT, convocado pela Requerente: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.” Nenhum nos parece resultar violado - mediante precisamente a aplicação devida das normas que percorremos acima, art.º 18.º incluído.

 

Pelas mesmas razões, não se verifica, no caso, situação de injustiça ou “situação de injustiça repudiada pela Constituição”, contra o invocado pela Requerente (e v. art.º 266.º da CRP).

 

Em situação na qual se decidiu não haver violação do Princípio da justiça muito embora também as correcções simétricas não fossem já possíveis aquando da inspecção, v. o recente Acórdão do STA de 08.11.2023, proc. 0655/16.

 

Em conclusão, o Pedido também neste ponto não pode proceder.

 

 

3.4. Da invocada “inconstitucionalidade do bloco normativo composto pelo art.º 18.º e pela al. a) do n.º 1 do art.º 28.º-B, todos do CIRC”

 

Subsidiariamente, requer a Requerente “ser declarada a inconstitucionalidade do bloco normativo composto pelo art.º 18.º do CIRC e na alínea a) do n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC, para efeitos de Imparidades de créditos de cobrança duvidosa, quando interpretado no sentido de que a correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios encerra um poder vinculado, porquanto tal interpretação conduz a uma situação flagrantemente injusta e por isso violadora do princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT”. (sublinhado nosso)

 

Refira-se, a começar, que o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).

 

O Tribunal não fez a interpretação que a Requerente indica (v. nossos sublinhados). Não interpretou as normas, ou o bloco normativo, com o sentido ora invocado. Fez-se a interpretação e aplicação das normas entendida ser a devida, independentemente de quaisquer ponderações sobre estar ou não a Requerida, ao proceder às correcções aplicando as referidas normas, no exercício de um poder vinculado.

 

O Princípio da justiça não afastou a aplicação do Princípio da especialização dos exercícios, na presente Decisão, pela simples e imediata razão de que da aplicação deste último não decorreu qualquer situação de injustiça. Como vimos.

 

Não tendo sido seguida pelo Tribunal a dimensão normativa que se invoca ser inconstitucional não há que tomar conhecimento de qualquer questão de Inconstitucionalidade.

 

 

3.5. Pedidos de devolução de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Por tudo o visto, a Liquidação é conforme à lei. Como se decidirá.

 

Ficam, assim, sem condições de procedência os pedidos aqui em referência, pois não sendo a Liquidação de anular, não houve pagamento indevido de quantias, que houvesse que devolver, nem serão, pela mesma razão, devidos juros indemnizatórios (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT).

 

 

4. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

Absolver a Requerida do pedido de anulação da Liquidação, melhor identificada supra.

 

5. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 39.189,64, que foi indicado pela Requerente.

 

6. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 17 de Abril de 2024

 

O Árbitro,

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 



[1] Sempre que nos referirmos a artigos sem identificação de Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRC.

[2] Aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.

[3] Negritos e/ou sublinhados na transcrição do RIT conforme o original.

[4]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[5]Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para Outros quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).

[6] Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira

[7] Quaisquer sublinhados e/ou negritos na presente são nossos, salvo se indicado em contrário.

[8] V. também CRP, art.º 266.º

[9] cfr. DL n.º 36/2016, de 1 de Julho

 

[10] Sistema de Normalização Contabilística - DL n.º 158/2009, de 13 de Julho, republicado pelo DL n.º 98/2015, de 2 de Junho.

[11] (no que aos autos releva)

[12] (tratando-se de créditos relacionados com a actividade normal, o que nos autos vem assente; e sejam evidenciados como de cobrança duvidosa na contabilidade)

[13] Manuel Henrique de Freitas Pereira in “A periodização do lucro tributável”, CTF N.º 349, DGCI, 1998

[14] Quando nos referirmos a “Princípio” estaremos a referir-nos ao Princípio da especialização dos exercícios.

[15] V., em situação aproximada e com as devida adaptações, o Acórdão Arbitral no Proc. 29/2019-T (CAAD).