Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 649/2023-T
Data da decisão: 2024-04-22  IRC  
Valor do pedido: € 60.433,23
Tema: IRC - Tributação Autónoma – Encargos portagens e estacionamento
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Sumário

As despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no artigo 88.º n. º 3 do Código do IRC – Cfr. Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), acórdãos de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr. José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21-11-2023, acordam no seguinte:

 

I.         Relatório

A..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede na Rua ..., nº ..., ..., ...-... ..., Porto, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento do pedido de reclamação graciosa n.º ...2023... deduzida do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referentes aos anos de 2020 e 2021, no montante total de 60.433,23€.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 14 de Junho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar, pelo que o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21 de Novembro de 2023.

Em 21 de Novembro de 2023, a Requerida no seguimento da notificação apresentou resposta e juntou o processo administrativo no prazo de 30 dias previsto no artigo 17.º do RJAT.

No dia 21 de Março de 2024, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com a inquirição do rol de testemunhas apresentado pela Requerente. As Partes foram notificadas para querendo apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência à Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente. (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

A Requerente não apresentou alegações escritas e Requerida apresentou as suas alegações escritas em 22-04-2024.

Posição da Requerente

A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades – que se  encontra enquadrada, em termos do IRC, no RETGS – do qual faziam parte, por referência ao período de tributação de 2020, e para além de si, as seguintes sociedades:  B..., S.A.;  C..., S.A.;   D..., S.A.;   E..., S.A.;   F..., S.A.;   G..., S.A.;   H..., S.A.;    I..., S.A.;   J..., S.A.;   K..., S.A.;   L..., S.A.;   M..., S.A.; e   N..., SGPS, S.A.. 
  2. Por referência ao período de tributação de 2021, passaram a integrar o referido grupo de sociedades, para além das sociedades supra referidas, as seguintes sociedades:  O... – SGPS, S.A; e,  P..., S.A.. 
  3. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades cuja atividade se encontra vocacionada, essencialmente, nos sectores do comércio e distribuição de veículos automóveis, do comércio e distribuição de peças e componentes automóveis, da prestação de serviços de reparação e assistência técnica, do imobiliário, da formação e desenvolvimento profissional, da consultoria de negócios e gestão, da mediação de seguros e da gestão de participações sociais.
  4. Sustenta que estão em causa despesas com estacionamentos e portagens associados a viaturas ligeiras de passageiros.
  5. No âmbito do cumprimento das suas obrigações fiscais, a A..., S.A., enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo, com referência ao período de tributação de 2020, com o número de identificação ..., a qual veio a ser posteriormente substituída pela declaração de rendimentos com o número de identificação ... .
  6. A Requerente procedeu, igualmente, à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2021, com o número de identificação ..., a qual veio a ser posteriormente substituída pela declaração de rendimentos com o número de identificação ... .
  7. Conforme resulta visível das declarações de rendimento em apreço, o Grupo Q... apurou, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, o montante de € 459.800,39 e de € 482.188,49, respetivamente, a título de tributação autónoma. 
  8. Neste sentido, tal como se pode constatar do detalhe do apuramento da tributação autónoma no âmbito do Grupo sujeito ao RETGS, o valor global deste encargo apurado no período de tributação de 2020 (que ascendeu a € 459.800,39), teve por referência uma base tributável no montante de € 1.995.382,25, conforme tabela:

 

  1. No que se refere ao período de tributação de 2021, como se pode constatar do detalhe do apuramento da tributação autónoma no âmbito do Grupo sujeito ao RETGS, o valor global deste encargo apurado no período de tributação de 2021 (que ascendeu a € 482.188,49), teve por referência uma base tributável no montante de € 2.171.433,69, conforme tabela:

 

  1. Defende que dos referidos encargos incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, uma parte foi incorrida com estacionamentos e portagens, conforme tabelas:

 

 

 

  1. No que respeita aos gastos incorridos com portagens e estacionamentos, a respetiva tributação autónoma ascendeu, por referência ao período de tributação de 2020 e 2021, a € 28.948,07 e a € 31.485,16, respetivamente.
  2. No âmbito de uma revisão interna de procedimentos, a Requerente concluiu que, aquando do apuramento das suas tributações autónomas nos períodos de tributação em causa, no âmbito dos gastos respeitantes a portagens e estacionamento, foi cometido um erro – na medida em que sujeitou indevidamente estes encargos a tributação autónoma.
  3. A Requerente verificou que, na medida em que os aludidos encargos respeitam a portagens e estacionamentos, não preenchem a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC.
  4. Assim, considerou a Requerente que se impunha a anulação parcial da autoliquidação de IRC ora em apreço, por forma a corrigir o montante de tributação autónoma apurado e pago, particularmente, não se sujeitando a tributação autónoma os encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos. 
  5. A Requerente apresentou tempestivamente reclamação graciosa relativamente à mencionada autoliquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a fim de solicitar a devida correção.
  6. Não obstante, com data de 16.06.2023, veio a Requerente a ser notificada da decisão final da reclamação graciosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão, reiterando assim o teor do projeto de decisão anteriormente notificado à Requerente.
  7. Nesse projeto de decisão, para além de infirmar a argumentação jurídica aduzida  pela Requerente, a UGC decide também invocar que os valores apurados, a título de despesas com portagens e estacionamentos sujeitos a tributação autónoma, não se podem considerar demonstrados, dada a invocada ausência de documentação de suporte às despesas em apreço.
  8. A Requerente defende que o que está em causa nos autos a incidência de tributação autónoma sobre os encargos com portagens e estacionamentos. 
  9. É entendimento da Requerente que, ao invés do erradamente pressuposto na declaração de rendimentos “Modelo 22” de IRC, não pode considerar-se que tais encargos se assumam como “encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros” na aceção dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC, porquanto aqueles não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa, pelo que este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código  do IRC.
  10. Conclui a Requerente peticionando, a procedência da presente impugnação, seja:  a) anulada a decisão administrativa ora impugnada, com as legais consequências, mormente; b) a anulação parcial das autoliquidações de IRC ora impugnadas, relativas ao exercício de 2020 e 2021; c) a restituição à Requerente do montante  de tributação autónoma excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a  utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de € 60.433,23; d) o arbitramento de juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa; e) a condenação da AT no pagamento das custas processuais.

 

Posição da Requerida

A Requerida apresentou a sua Resposta, sustentando o seguinte:

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades cuja atividade se encontra vocacionada, essencialmente, nos sectores do comércio e distribuição de veículos automóveis, do comércio e distribuição de peças e componentes automóveis, da prestação de serviços de reparação e assistência técnica, do imobiliário, da formação e desenvolvimento profissional, da consultoria de negócios e gestão, da mediação de seguros e da gestão de participações sociais.
  2. No âmbito da sua atividade, as aludidas sociedades incorreram, nos períodos de tributação de 2020 e de 2021, num conjunto de despesas indispensáveis à sua atividade e intrinsecamente conexas com a normal prossecução do seu objeto social, ou seja, em concreto, estão em causa despesas com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros.
  3. Conforme resulta das declarações de rendimento modelo 22 do IRC, apresentadas pela requerente, enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, este apurou, por referência ao período de tributação de 2020, o montante total de 459.800,39 €, a título de tributação autónoma.
  4. Em sede de reclamação graciosa, após consulta dos dados disponibilizados pelo sistema informático da AT, bem como da documentação fornecida pela Reclamante, consideraram-se comprovados os seguintes factos: Em 16-07-2021, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 IRC do grupo tributado ao abrigo do RETGS, relativamente ao período de 2020, a qual deu azo à liquidação de IRC n.º 2021..., de 05-08-2021 e liquidações referentes ao período de 2020.Em 22-05-2022, a Requerente apresentou uma declaração de substituição para o período de 2020, da qual resultou a liquidação de IRC n.º 2022..., de 24-05-2022 e declarações e liquidações referentes ao período de 2020. No campo 365 do quadro 10 da referida declaração de rendimentos, foi inscrito o montante global de € 459.800,39, referente à tributação autónoma apurada no período em questão. No quadro 13 (tributações autónomas) da citada declaração de rendimentos, foram declarados os seguintes valores referentes a encargos com viaturas: € 1.487.132,05 (campo 426), relativas a encargos com viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. a); € 99.322,76 (campo 427), referentes encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 27. 500,00 e inferior a € 35.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. b);  € 97.014,49 (campo 428), relativos a encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. c).
  5. Em 01-06-2022, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 IRC do grupo tributado ao abrigo do RETGS, relativamente ao período de 2021, a qual deu azo à liquidação de IRC n.º 2022..., de 05-08-2022 e de liquidações referentes ao período de 2021; No campo 365 do quadro 10 da referida declaração de rendimentos, foi inscrito o montante global de € 492.477,81, referente à tributação autónoma apurada no período em questão. No quadro 13 (tributações autónomas) da declaração de rendimentos Mod.22 IRC apresentada para o período de 2021, foram declarados os seguintes valores referentes a encargos com viaturas: €1.610.478,32 (campo 426), relativas a encargos com viaturas com um custo de  aquisição inferior a € 25.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. a); €43.924,82 (campo 427), referentes encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 27. 500,00 e inferior a € 35.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. b); €112.035,85 (campo 428), relativos a encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000,00 (art.º 88.º n.º 3, al. c).
  6. Por outro lado, considerando os argumentos de facto apresentados pela Requerente para sustentar o seu pedido, considera-se que não ficaram provados os seguintes factos: O grupo encabeçado pela Requerente suportou, em 2020, encargos com portagens e estacionamento no valor de € 135.106,18». O grupo encabeçado pela Requerente suportou, em 2021, encargos com portagens e estacionamento no valor de € 145.934,85», Na base do juízo acerca da falta de demonstração dos factos suprarreferidos encontra-se a falta de junção de qualquer suporte documental idóneo que permitisse atestar tal realidade.
  7. Sustenta a Requerida, que a questão que importa conhecer é a de saber se os encargos suportados pela Requerente referentes a portagens e estacionamentos diretamente associadas à utilização de viaturas ligeiras de passageiros, se enquadram nos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC e como tal, se estarão sujeitas a tributação autónoma.
  8. Tal como é evidente no caso em apreço relativamente a encargos que envolvem a utilização de viaturas ligeiras de passageiros elencadas no n.º 3 do art.º 88.º do CIRC mormente os relativos a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização daquelas viaturas, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), facilmente são desviadas para consumo privado, ou seja, tratam-se de encargos de empresarialidade à partida não evidente, propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento.
  9. Assim, embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas, sendo dedutíveis para efeitos deste imposto caso reúnam as condições previstas no artigo 23.º do respetivo Código.
  10. Os encargos suportados com portagens e estacionamentos relativos à utilização de viaturas ligeiras de passageiros estão sujeitos a tributação autónoma e só são devidos em função da utilização das referidas viaturas, pois, sem a sua utilização a requerente não suportava aqueles encargos.
  11. Sustenta a Requerida, que no caso em apreço os encargos com portagens e estacionamentos integram o conceito de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros previstos no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, pelo que, quando resultem da utilização de  viaturas ligeiras de passageiros indicadas no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC  e não excluídas nos termos dos n.ºs 3 e 6 do mesmo artigo, encontram-se sujeitos a tributação autónoma, nos termos do disposto no referido n.º 3 do art.º 88.º do 88.º CIRC, sob pena de se desrespeitar o espírito e a finalidade da criação da tributação autónoma.
  12. Sobre o pagamento de juros indemnizatórios, entende-se que apenas estão  preenchidos os pressupostos legais para o direito ao pagamento de juros indemnizatórios a partir de 14/04/2024, devendo o pedido, tal como vem apresentado, ser indeferido por falta de sustentação legal.
  13. Conclui a Requerida, que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente absolvendo-se a Requerida de todos os pedidos.

 

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar do indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados, que foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 16 de Junho de 2023, e apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral em 14 de Setembro 2023.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos  Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades – que se  encontra enquadrado, em termos do IRC, no RETGS – do qual faziam parte, por referência ao período de tributação de 2020, e para além de si, as seguintes sociedades:   B..., S.A.;   C..., S.A.;   D..., S.A.;    E..., S.A.;   F..., S.A.;   G..., S.A.;   H..., S.A.;    I..., S.A.;   J..., S.A.;   K..., S.A.;   L..., S.A.;   M..., S.A.; e   N..., SGPS, S.A.. cfr. PPA.
  2. No período de tributação de 2021, passaram a integrar o referido grupo de sociedades, para além das sociedades supra referidas, as seguintes sociedades:  O... SGPS, S.A; e,  P..., S.A.. cfr. PPA
  3. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades cuja atividade se encontra vocacionada, essencialmente, nos sectores do comércio e distribuição de veículos automóveis, do comércio e distribuição de peças e componentes automóveis, da prestação de serviços de reparação e assistência técnica, do imobiliário, da formação e desenvolvimento profissional, da consultoria de negócios e gestão, da mediação de seguros e da gestão de participações sociais. cfr. PPA
  4. No âmbito do cumprimento das suas obrigações fiscais, a A..., S.A., enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo, com referência ao período de tributação de 2020, com o número de identificação ..., a qual veio a ser posteriormente substituída pela declaração de rendimentos com o número de identificação ... . cfr. PA
  5. Em 16-07-2021, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 IRC do grupo tributado ao abrigo do RETGS, relativamente ao período de 2020, a qual deu azo à liquidação de IRC n.º 2021..., de 05-08-2021 e liquidações referentes ao período de 2020. Cfr. PA.
  6. A Requerente procedeu, à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo sujeito ao RETGS, com referência ao período de tributação de 2021, com o número de identificação..., a qual veio a ser posteriormente substituída pela declaração de rendimentos com o número de identificação ... . cfr. PA
  7. Em 22-05-2022, a Requerente apresentou uma declaração de substituição para o período de 2020, da qual resultou a liquidação de IRC n.º 2022..., de 24-05-2022 e declarações e liquidações referentes ao período de 2020. Cfr. PA.
  8. No campo 365 do quadro 10 da referida declaração de rendimentos, foi inscrito o montante global de € 459.800,39, referente à tributação autónoma apurada no período em questão. Cfr. PA.
  9. No quadro 13 (tributações autónomas) da declaração de rendimentos, foram declarados os seguintes valores referentes a encargos com viaturas:
    1. € 1.487.132,05 (campo 426), relativas a encargos com viaturas com um custo de aquisição inferior a € 25.000,00;
    2. € 99.322,76 (campo 427), referentes encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 27. 500,00 e inferior a € 35.000,00;
    3. € 97.014,49 (campo 428), relativos a encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000,00. cfr. PA.
  10. Em 01-06-2022, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 IRC do grupo tributado ao abrigo do RETGS, relativamente ao período de 2021, a qual deu azo à liquidação de IRC n.º 2022..., de 05-08-2022 e de liquidações referentes ao período de 2021. cfr. PA.
  11. No campo 365 do quadro 10 da referida declaração de rendimentos, foi inscrito o montante global de € 492.477,81, referente à tributação autónoma apurada no período em questão. cfr. PA.
  12. No quadro 13 (tributações autónomas) da declaração de rendimentos Mod.22 IRC apresentada para o período de 2021, foram declarados os seguintes valores referentes a encargos com viaturas:
    1. €1.610.478,32 (campo 426), relativas a encargos com viaturas com um custo de  aquisição inferior a € 25.000,00 (
    2. €43.924,82 (campo 427), referentes encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 27. 500,00 e inferior a € 35.000,00
    3. €112.035,85 (campo 428), relativos a encargos com viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a € 35.000,00
  13. Conforme resulta das declarações de rendimento, o Grupo Q... apurou, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, o montante de € 459.800,39 e de € 482.188,49, respetivamente, a título de tributação autónoma.  . cfr. PA
  14. O valor global deste encargo apurado no período de tributação de 2020 (que ascendeu a € 459.800,39), teve por referência uma base tributável no montante de € 1.995.382,25, conforme tabela:

cfr. PPA e PA

  1. No que se refere ao período de tributação de 2021,  do apuramento da tributação autónoma no âmbito do Grupo sujeito ao RETGS o valor global deste encargo apurado no período de tributação de 2021, que ascendeu a € 482.188,49, teve por referência uma base tributável no montante de € 2.171.433,69, conforme tabela:

 cfr. PPA e PA

  1. Os encargos incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, uma parte foi incorrida com estacionamentos e portagens, conforme resulta da seguinte tabelas para os anos de 2020 e 2021:

 

 

  1. No que respeita aos gastos incorridos com portagens e estacionamentos, a respetiva tributação autónoma ascendeu, por referência ao período de tributação de 2020 e 2021, a € 28.948,07 e a € 31.485,16, respetivamente. Cfr. PPA.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto resultante das autoliquidações. Cf. PA.
  3. A  Requerente apresentou tempestivamente reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC respeitante aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a fim de solicitar a devida correção. Cfr. PA.
  4. Em 16.06.2023, veio a Requerente a ser notificada da decisão final da reclamação graciosa, constatando-se o indeferimento total da sua pretensão. Cfr. PA.
  5. A Requerente apresentou no CAAD, em 14 de Setembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação das referidas autoliquidações de IRC – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e, e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.

Em relação à prova testemunhal, o depoimento da testemunha R..., que efetua a contabilidade da Requerente, não se traduziu na comprovação de factos relevantes para a decisão. 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Do Mérito

O PPA tem por objeto imediato os atos de indeferimento expresso do pedido de reclamação graciosa apresentada pela Requerente, e por objeto mediato as Liquidações Contestadas. Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Verificação do ónus da prova dos encargos com portagens e estacionamentos
  2. Se os encargos com portagens e estacionamentos estão sujeitos a tributação Autónoma, nos termos do n.º 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

 

IV.I     Verificação do ónus da Prova dos encargos com portagens e estacionamentos

Sobre a questão do ónus da prova e comprovação que os encargos suportados pela Requerente dizem efetivamente respeito a encargos suportados com portagens e estacionamentos, cumpre decidir.

A Requerida alegou não ficaram provados os seguintes factos: I. O grupo encabeçado pela Requerente suportou, em 2020, encargos com portagens e estacionamento no valor de € 135.106,18». II. O grupo encabeçado pela Requerente suportou, em 2021, encargos com portagens e estacionamento no valor de € 145.934,85»,  i) Na base do juízo acerca da falta de demonstração dos factos suprarreferidos encontra-se a falta de junção de qualquer suporte documental idóneo que permitisse atestar tal realidade.

Sobre o tema do ónus da prova, o artigo 75.º n.º 1 da LGT, estabelece uma presunção legal de veracidade e de boa-fé das declarações do sujeito passivo.

O n.º1 desse normativo prevê:

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

Adicionalmente, o n.º 2 do mesmo normativo, prevê um conjunto de situações que afasta a referida presunção, concretamente:

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.

Nos presentes autos não foram invocados ou identificados factos ou apresentada prova que afaste a referida presunção, motivo pelo qual não lhe é aplicável qualquer das alíneas previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT, que possam afastar essa presunção, pelo que a mesma se mantém.

As declarações da Requerente, não revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios, meramente, relevam para determinar se é sujeita ou não à taxa de tributação autónoma.

Com efeito, a questão central sobre a qual o tribunal se irá debruçar é uma questão de Direito, concretamente, a de saber se os encargos com portagens e estacionamentos se encontra  abrangida pelo n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, e como tal sujeita a tributação Autónoma.

A analise desta questão, assenta fundamentalmente no facto de os encargos declarados nas declarações da Requerente, que resultaram nas autoliquidações em apreço, serem encargos com portagens e estacionamentos.

O argumento de que não foi logrado comprovar que os encargos suportados foram efetivamente com portagens e estacionamentos, automaticamente afastaria a aplicação do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, e (hipoteticamente) aplicar-se-ia a norma das despesas não documentadas prevista no .º 1 do artigo 88.º do CIRC, o que não é invocado.

Esta alegada falta de comprovação, implicaria que a autoliquidação em crise estaria igualmente vertida de erro por ter incorretamente aplicado o n.º 3 do artigo 88.º do CIRC.

Neste sentido, se a Requerente deveria ter comprovado e junto os comprovativos de todas as despesas que vem nos presentes autos invocar como sendo de portagens e estacionamento, não se afigura obrigatória face à presunção de veracidade aplicável.

É assim, incompatível, estarmos em simultâneo perante uma situação de falta de prova, porque a Requerente não logrou provar que os encargos foram com portagens e estacionamento, e simultaneamente que a esses encargos (hipoteticamente) não documentados lhe deve ser aplicado a taxa de tributação autónoma por se tratar de encargos com viaturas abrangidos pelo n.º 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

Face ao exposto, conclui-se que as declarações como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade da Requerente beneficiam de uma presunção legal de veracidade e de boa-fé, consagrada no n.º1 artigo 75.º n.º 1 da LGT, consequentemente as despesas aqui em apreço no valor 136.087,43€ referente a 2020, e 145.934,85€ referente a 2021, dizem respeito a encargos com portagens e estacionamentos.

IV.II   Sobre Se os encargos com portagens e estacionamentos estão sujeitos a tributação Autónoma, nos termos do n.º 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

Passemos agora à análise da segunda questão de saber se os encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na atividade da Requerente e do seu grupo em 2020 e 2021 estão sujeitos a tributação Autónoma, nos termos previsto no n.º 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

Sobre o sistema das tributações autónomas, desde a sua implementação tem surgidas algumas dúvidas sobre a sua legalidade e constitucionalidade, tendo o Tribunal Constitucional, já assumido uma posição no Acórdão n.º 197/2016, de 13 de Abril de 2016, que citamos:

“A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência […] de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.

E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório. (…).”

No âmbito doutrinal, como explica Saldanha Sanches, sobre o sistema de tributação autónoma, refere que a introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respectivos beneficiários, visando-se assim combater a fraude e a evasão fiscais (Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra, p. 407).

Sobre o regime fiscal aplicável ao presente caso, a data dos factos (2020 e 2021), estabelecia o n.º 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC, o seguinte:

3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a (euro) 25 000;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 25 000 e inferior a (euro) 35 000;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

Nos presentes autos, a questão que se coloca, face ao normativo supra elencado, é a de saber se no âmbito do n.º 5, no qual o legislador usa a expressão nomeadamente, deve ser interpretado para incluir ou não incluir as despesas de portagens e estacionamento.

Sobre a interpretação das Normas tributarias, para o caso sub Júdice, estabelece o artigo 11.º da Lei Geral Tributária, as regras essenciais da interpretação das leis tributárias, o seguinte:

Artigo 11.º

Interpretação

Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetiveis de integração analógica.

É necessário igualmente recorrer aos princípios gerais da interpretação da lei, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, para o qual remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT:

Artigo 9.º

Interpretação da lei

1-        A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2-        Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3-        Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Aplicando este normativo ao presente caso, do ponto de vista literal e teleológico, entende-se que considerando o princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, não obstante o carácter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou análoga natureza dos encargos exemplificados.

Na verdade, como ensina José Casalta Nabais, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, pp. pag. 622, perante a tipificação qualitativa dos encargos objeto de tributação autónoma (n.º 5 do artigo 88.º) “o legislador (…) põe o acento tónico, não no número de casos, mas antes nas qualidades reconhecidas como típicas, as quais, por serem específicas de dada situação, a diferenciam das outras situações e nos fornecem uma tipificação assente sobre uma particularidade significativa ou uma configuração especial”.

Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objeto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.

A jurisprudência, tem seguido este entendimento, relevamos as decisões do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN): acórdãos, de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, e o Acórdão do TCAN Proc. 635/09 TCAN, de 31.03.2022, que acolhemos. E em igual sentido a jurisprudência do CAAD proferida no processo 138/2022-T de 10-10-2022.

De acordo com a jurisprudência elencada, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte 00635/09.6BEPRT, veio decidir no seguinte sentido:

“Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD é tributado, mas já não as despesas com portagens, estacionamento e parques de estacionamento.”

Em igual sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/03/2021, proferido no processo n.º 2303/11.0BEPRT, cuja argumentação se subscreve e decidiu no seguinte sentido:

“(…) A recorrente sustenta que só devem ser tributadas as despesas realmente não incorridas para os fins da empresa, o que decorre, até, da natureza forfetária da tributação.

Porém, o desígnio legislativo desta anomalia que sempre é tributar uma despesa num imposto sobre o rendimento, e, ainda mais, uma despesa aceite como custo, reside precisamente numa deliberada cegueira do Legislador relativamente ao fim concreto e real de cada despesa, de modo a que todas sejam tributadas, dissuadindo, assim, o excesso de custos formalmente imputados aos fins da empresa mas susceptíveis de aproveitamento individual ou também individual.

Portanto são irrelevantes os fins concretos (da empresa ou, na realidade, particulares) das despesas desconsideradas pela Impugnante mas consideradas pela AT para tributação autónoma, desde que abrangidas pelos nºs 3 e 5 do artigo 81º (Actual 88º) do CIRC.

Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).

Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5.

Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD haverá de ser tributado. Com efeito, tratando-se do cumprimento em último termo, de uma obrigação acessória da renda de um contrato de aluguer, esse, expressamente previsto no nº 5, a sua natureza não é diversa, não há uma diferença de essências entre este pagamento e o do aluguer, ou, se há, trata-se, ainda assim, de uma natureza análoga à da dívida da renda do aluguer.

Não se diga, com a Recorrente, que assim se está a discriminar negativamente, para efeitos tributários, as sociedades mais endividadas relativamente às menos endividadas. De modo nenhum: se são as sociedades mais endividadas que mais sofrem as consequências negativas fiscais da tributação autónoma dos juros de ALD de veículos, então não se está a tratar desigualmente situações iguais, mas sim tratar desigualmente o que é desigual, aliás, segundo essa desigualdade, o que já é um modo de realizar a igualdade tributária.

Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.

À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz-nos, também, uma interpretação histórica:

Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.”

Desta forma, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão diretamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo[1].

Face ao exposto, e seguindo a Jurisprudência supra referida, conclui-se pela procedência do pedido de anulação dos actos tributários na parte que respeita à tributação autónoma das despesas de portagens e estacionamento, por não estarem abrangidas na previsão do n.º3 e 5 do artigo 88.º do CIRC, no valor de € 60.433,23, respetivamente € 28.948,07 referente ao período de tributação de 2020 e € 31.485,16 referente ao período de tributação de 2021.

 

Do reembolso do Imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios

Peticiona ainda a Requerente, o reembolso do Imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

Conforme resulta da factualidade a Requerente efetuou o pagamento das liquidações impugnadas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os actos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.

No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou as liquidações.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa até reembolso das quantias pagas.

Ora, atendendo à procedência do pedido principal, procede igualmente o presente pedido de reembolso, e pagamento de juros indemnizatórios desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa identificada nos autos e actos tributários subjacentes, no que respeita à tributação autónoma de despesas com portagens, estacionamentos, no valor de € 60.433,23, acrescido dos juros legais.
  2. Condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.

 

VI.       Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 60.433,23 (sessenta mil quatrocentos e trinta e três euros e vinte e três cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.     Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 2.448,00€ a suportar integralmente pela Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Lisboa, 22 de Abril de 2024

Os Árbitros,

 

 

Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente),

 

 

Paulo Ferreira Alves, (Arbitro Vogal), Relator

 

 

José Coutinho Pires, (Arbitro Vogal)

 



[1] Decisão do  CAAD proferida no processo 138/2022-T de 10-10-2022.