Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 481/2023-T
Data da decisão: 2024-04-23  Selo  
Valor do pedido: € 758.845,90
Tema: Imposto do Selo; Condições de isenção para financiamentos intra-grupo.
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Sumário:

I – Não tem sustentação legal a exigência de que, para benefício da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, as datas de reembolso dos empréstimos intra-grupo destinados a cobertura de carências de tesouraria estejam pré-fixadas.

II – Tendo a Requerida apresentado a Nota de Lançamento bancária da transferência que saldou a conta usada para registar todos os financiamentos à sociedade-mãe, e sendo a sua Data Valor a do dia que correspondia, no calendário, à data em que se perfazia um ano sobre o mais remoto desses empréstimos, todos eles foram necessariamente concedidos “por prazo não superior a um ano”.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 1 de Julho de 2023, A..., S.A. (Requerente ou A...), com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. b), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março.
  2. Pretendia que fosse declarada a ilegalidade e se procedesse à consequente anulação da correcção de Imposto do Selo referente ao período de tributação de 2017 – o qual, no seu caso, compreende o período de 1 de Agosto de 2017 a 31 de Julho de 2018 –, bem como da decisão, notificada em 3 de Abril de 2023, de indeferimento da reclamação graciosa apresentada sobre tal correcção, no montante total de € 655.502,71, que, com as associadas liquidações de juros compensatórios no valor de € 103.182,66, a obrigou a um pagamento de € 758.685,37.
  3. Indicou como árbitro o Senhor Professor Doutor António Manuel Ferreira Martins.
  4. No dia 23 de Agosto, a Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida ou AT) veio declarar manter o acto tributário objecto do pedido, indicando como árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 3, do RJAT, o Senhor Dr. António Lima Guerreiro.
  5. Por despacho de 6 de Outubro de 2023, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou para presidir ao Tribunal Arbitral Colectivo o Senhor Prof. Doutor Victor Calvete.
  6. Tendo todos os árbitros aceite as respectivas nomeações, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT ficou o Tribunal Arbitral Colectivo constituído em 25 de Outubro de 2023.
  7. Seguindo-se os normais trâmites, em 6 de Dezembro a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo.
  8. Em 8 de Janeiro de 2024, e uma vez que a indicação de testemunhas pela Requerente era omissa quanto aos pontos da matéria de facto alegada que o justificariam, foi proferido despacho a fixar prazo para tal indicação.
  9. Em 7 de Fevereiro de 2024, face à ausência de tal indicação por parte da Requerente, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a dispensar a produção de alegações – sujeita à não oposição de Requerente ou Requerida – e a fixar o dia 24 de Abril de 2024 como data limite para a pronúncia da decisão arbitral. 
  10. A Requerente enviou tal indicação no dia seguinte, mas, cotejados os pontos da matéria de facto indicados, o Tribunal Arbitral constatou que todos eles se reportavam a factos documentalmente comprovados e, enquanto tais, não postos em causa pela Requerida, razão pela qual entendeu não se justificar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
  11. Assim, por despacho de 16 de Fevereiro de 2024, reiterou tal dispensa bem como a dispensa da produção de alegações – sujeita embora esta a oposição, que inexistiu.

 

 

  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
  2. Requerente e Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
  3. O pedido é tempestivo e não há excepções de que o Tribunal tenha de conhecer.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. A Requerente é uma sociedade comercial de direito português – actualmente detida na íntegra pela B..., SGPS, S.A. –, integrada num grupo societário que é tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);
  2. À data dos factos, o capital social da Requerente era integralmente detido pela B... SGPS, S.A, que, por sua vez, era detida a 100% pela C... SGPS, S.A., cujo capital era, por seu turno, detido totalmente pela D...;
  3. Por Contrato de Apoio à Tesouraria datado de 3 de Janeiro de 2011, a C... SGPS, S.A., a E... SGPS, S.A., a A..., S.A., a F..., S.A., e a G... S.A., ligadas por uma relação de grupo, acordaram a concessão mútua de “empréstimos autónomos e individualizados de curto prazo”, “na qualidade de accionista ou participada directa ou indirecta”;
  4. Nos termos do n.º 1 da Cláusula Segunda desse contrato, “os montantes disponibilizados às CONTRATANTES, constituem empréstimos autónomos e individualizados de curto prazo que vencerão juros calculados nos termos da cláusula seguinte.”;
  5. Nos termos da Cláusula Terceira desse contrato, “a taxa de referência (indexante) aplicável a cada empréstimo (…) será a Euribor a 1 mês” (n.º 1), acrescida de um spreadigual à taxa média ponderada aplicada à dívida contraída pelo Grupo H...” (n.º 2), com “juros calculados dia a dia” (n.º 3);
  6. Nos termos da Cláusula Quarta desse contrato, tais empréstimos não podiam, “cada um deles, ultrapassar o período máximo de 1 (um) ano”;
  7. Nos termos da sua Cláusula Quinta, esse contrato revogava um anterior contrato do mesmo tipo celebrado em 14 de Fevereiro de 2007 (n.º 2) e vigorava “pelo prazo de doze meses, renovando-se automaticamente por períodos iguais e sucessivos de doze meses.” (n.º 1);
  8. Nos termos do “1.º Aditamento ao Contrato de Apoio à Tesouraria”, celebrado em 2 de Janeiro de 2011, a redacção do anterior n.º 1 da Cláusula Quinta foi substituída pela seguinte: “O presente CONTRATO entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011 e vigorará pelo prazo de dez anos.”;
  9. Nos termos da Cláusula Primeira do “2.º Aditamento ao Contrato de Apoio à Tesouraria”, celebrado em 2 de Janeiro de 2013 pelas anteriores partes e também pela B... SGPS, foi esta admitida como 6.ª Contratante;
  10. Nos termos da Cláusula Primeira do “3.º Aditamento ao Contrato de Apoio à Tesouraria”, celebrado em 4 de Janeiro de 2016, o spread fixado na Cláusula Terceira do contrato original passou a ser determinado pela “média ponderada dos spreads aplicados aos financiamentos obtidos junto de instituições bancárias, suportados pela empresa que contrai o empréstimo”;
  11. No âmbito desse contrato, a Requerente concedeu empréstimos à D... nos períodos de tributação de 2016 e de 2017, não tendo procedido à liquidação de Imposto do Selo no pressuposto de que beneficiavam da isenção prevista na

alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS);

  • No início do período de tributação de 2017 (a 1 de Agosto de 2017), o saldo inicial da conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR” – conta onde a Requerente regista os seus financiamentos ao abrigo do contrato de apoio à tesouraria – apresentava um montante em dívida de € 406.348.000;
  • Tal saldo inicial correspondia aos seguintes financiamentos concedidos pela Requerente à D... durante o período de tributação de 2016 (findo a 31 de Julho de 2017) [foram suprimidas as notas explicativas, por não serem importantes]:

 

 

  • No período de tributação de 2017 (o qual, no seu caso, compreende o período de 1 de Agosto de 2017 a 31 de Julho de 2018), foram concedidos pela Requerente à D... três novos financiamentos no montante total de € 265.000, conforme quadro infra:

 

  • À data de 31 de Outubro de 2017, o saldo total dos financiamentos concedidos ascendia a € 406.613.000, correspondente à soma dos financiamentos que compunham o saldo de início da conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR” (€ 406.348.000) e dos financiamentos entretanto concedidos pela Requerente no decurso do período de tributação de 2017 (€ 265.000);
  • A Requerente reconheceu contabilisticamente um reembolso dos financiamentos concedidos no montante total de € 406.613.000, cuja data efectiva da transferência bancária se deu a 3 de Novembro de 2017[1], ficando a conta #26611 saldada conforme quadro infra:

 

 

 

 

  1. Desde essa data até Dezembro de 2017, a mesma conta 26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIMCORR” voltou a registar financiamentos da Requerida à D... (no montante de € 405.938.000,00) que se aproximaram do valor amortizado em 3 de Novembro (€ 406.613.000,00);
  2. Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2019..., a Requerente foi alvo de procedimento inspectivo externo, de âmbito geral, referente ao período de tributação de 2017 (1 de Agosto de 2017 a 31 de Julho de 2018);
  3. Do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, datado de 23 de Setembro de 2021 (Doc. 1 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral - PPA), constava uma secção (III.2.) sobre omissão de pagamento de Imposto do Selo (IS), do qual resultava uma liquidação de IS em falta no montante de € 655.502,71;
  4. Em 21 de Outubro seguinte, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia sobre tal projecto (Doc. 2 junto com o PPA), pronunciando-se expressamente (secção D) sobre “Das correcções em sede de IS relativas à utilização de crédito”;
  5. O Relatório de Inspecção Tributária (RIT), datado de 11 de Novembro de 2021 (Doc. 3 junto com o PPA), manteve, porém, as correcções efectuadas, designadamente a de IS;
  6. A correcção de € 655.502,71 a título de IS devido originou a liquidação de juros compensatórios de € 103.182,66, elevando o montante a pagar, até 10 de Janeiro de 2022, para € 758.685,37;
  7. A Requerente fez tal pagamento em 6 de Janeiro de 2022 (Doc. 6 junto com o PPA);
  8. Em 25 de Março de 2022, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa que correu termos sob o n.º ...2022...;
  9. Tal Reclamação Graciosa foi indeferida em 27 de Março de 2023 por despacho do Director Adjunto da Direcção de Finanças, ao abrigo de delegação de competências;
  10. Não se conformando com tal decisão, a Requerente apresentou no CAAD, em 1 de Julho de 2023, o já mencionado PPA.

 

            III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não se provou qual o destino das verbas mutuadas, mas, como notou a Requerente, a AT não pôs em causa que tais verbas se destinassem exclusivamente a “cobertura de carências de tesouraria[2] e, portanto, tal omissão não pode ser considerada para efeitos de juízo sobre os actos de liquidação em causa.

 

            III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos, não havendo outros que sejam relevantes para a decisão e que não tenham sido provados.

 

  1. DIREITO

IV.1. Questões a decidir

A Requerente suscitou uma questão de ilegalidade procedimental na actuação da AT que levou à liquidação impugnada e uma outra sobre a aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Tendo em conta que, a procederem os seus argumentos, a AT poderia repetir o acto de liquidação com o mesmo fundamento no primeiro caso, mas não no segundo, começar-se-á por este, nos termos do disposto na parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Exactamente o mesmo foi entendido na decisão do Proc. 285/2023-T, em que a Requerente foi a mesma, tal como as questões decidendas e, em grande medida, os argumentos apresentados.

Caso proceda alguma das pretensões da Requerente, haverá que apreciar o pedido de reembolso dos montantes pagos e de juros indemnizatórios, que de outro modo ficará prejudicada.

 

IV.2. Quanto ao preenchimento dos requisitos da isenção de IS prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS

IV.2.1. Normas aplicáveis e sua interpretação

 

À data dos factos, anos de 2017 e 2018, a verba 17 (“Operações financeiras”) da Tabela Geral do IS determinava, como hoje, que tal imposto é devido, à taxa de 0,04% (destaques a negritos nos segmentos mais relevantes):

 

17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:[3]

(…)

17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30

(…)”.

 

Por sua vez, dispunha o referido artigo 7.º do CIS, epigrafado “Outras isenções” (na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro):

1 - São também isentos do imposto:

(…)
g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo;

(…)”.

 

            Como bem se compreende, prima facie há incompatibilidade entre as duas disposições transcritas: em rigor, se o prazo de utilização não for determinado ou determinável não se pode saber se é inferior ou superior a um ano. De algum modo, era o que pressupunha a pergunta, não meramente retórica, formulada na Resposta da AT: “As operações financeiras em apreço têm um prazo não superior a um ano como propõe a Requerente, ou, como entendeu a Inspeção Tributária, não é aquele determinado ou determinável?

            Essa aparente incongruência podia ser resolvida de duas formas:

            - podia entender-se que a isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não tinha aplicação nos casos específicos de tributação ao abrigo da verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS (seria a conclusão lógica da posição da AT); ou

            - podia entender-se que o prazo de duração dos financiamentos seria determinado de modo distinto para efeitos de aplicação dessa norma de incidência e dessa norma de isenção (vg, sendo determinada ex ante – contratualmente – num caso e ex post – em função da duração efectiva – em outro).

            Admitindo que tal norma de isenção tem óbvia aplicação nas situações previstas na verba 17.1.1 da Tabela Geral do IS (Crédito de prazo inferior a um ano) e tem óbvia não aplicação nas situações previstas na verba 17.1.3 (Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos) da mesma tabela, parece razoável admitir que a sua aplicação nos casos previstos nas verbas 17.1.2 (Crédito de prazo igual ou superior a um ano) e 17.1.4 (Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável) dessa tabela dependa do apuramento do prazo de duração desses créditos. Concluindo-se, portanto, que a primeira opção – a mais de não parecer ter defensores conhecidos (nem sequer por parte da AT em outros processos) – seria desequilibrada no contexto do conjunto, terá de se encontrar uma forma de compatibilizar o que é a indeterminação do prazo para efeito da verba 17.1.4 com a determinação para efeito da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Foi o que se fez na decisão arbitral proferida no Proc. n.º 355/2020-T, onde se escreveu o seguinte no Sumário[4]: “um crédito tem prazo determinado, ou indeterminado, se o período que medeia entre a utilização e o seu reembolso se encontrar, ou não, previamente definido sendo irrelevante se o contrato em si tem, ou não, um prazo de vigência”. Além dessa mesma formulação, os referidos AA. escreviam, na p. 42 da mesma obra que

A determinação (ou não) do prazo da operação de crédito não deverá aferir-se quanto ao contrato de crédito em si, porque este tem, em princípio, sempre um prazo estabelecido. A análise deve ser feita quanto ao período de utilização de crédito, considerando-se que o prazo se encontra determinado se estiver previamente fixado pelas partes o período que decorre entre a utilização e o reembolso.” (destaque aditado).

 

O critério para apurar a determinabilidade do período de utilização de crédito será, portanto, o da sua antecipação, ou não, pelos intervenientes na operação de financiamento (a sua determinação ex ante, podia dizer-se). Como a hipótese normativa da verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS só vale quando tal prazo não for determinado, e como já se concluiu que não faria sentido excluir apenas nesses casos a aplicação da norma de isenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, tem de se concluir que importa apurar se o crédito teve, ou não, uma duração inferior a um ano – e, claro, para isso tem de se ter um critério diverso do da sua antecipação pelos seus intervenientes: o da sua determinação ex post, podia dizer-se.

Vejamos então.

 

IV.2.2. Posição da Requerente

Qaunto a esta questão, a Requerente entendeu, essencialmente, que:

  1. A norma de isenção “impõe o preenchimento cumulativo das seguintes condições: (i) o prazo de concessão e de utilização dos fundos não deve ser superior a 1 ano; (ii) a finalidade da operação financeira deve ser exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria e (iii) o crédito dever ser concedido em benefício de sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo.”;
  2. Como “não é sequer controvertido pelas partes que as operações financeiras realizadas pela Requerente, no decurso do período de tributação de 2017, a favor da D... foram destinadas a suprir carências de tesouraria, nem que a relação societária estabelecida entre a D... e a Reclamante é uma relação de domínio ou de grupo”,…
  3. só estaria em causa “aferir se o reembolso dos fundos concedidos não excedeu o período de 1 ano”;
  4. Porém, a AT teria acrescentado “outro obstáculo à aplicação da isenção: o facto de o mesmo ter sido concedido sob a forma de conta corrente”, entendendo que “os empréstimos inferiores a um ano para cobertura de carências de tesouraria devem ser contabilizados “individualmente e por datas de vencimento, por forma a obter os montantes vencíveis (…) e ser possível verificar a duração dos mesmos e as datas dos reembolsos”, alegando que, no caso em apreço, tal situação não se verifica, uma vez que “os empréstimos (…) foram todos revelados na mesma conta, (…) a qual regista ao longo dos períodos um movimento constante a débito e/ou a crédito, situação que confere as características intrínsecas de empréstimos em conta corrente, cujo prazo não é determinado nem determinável (…)”.”;
  5. Ainda assim, a Requerente defendia que

(i) o facto de um financiamento ser concedido sob a forma de conta corrente não impede que o mesmo possa beneficiar da isenção em apreço;

(ii) o financiamento em causa não foi, na verdade, concedido sob a forma de conta corrente; e

(iii) o requisito do prazo de reembolso não superior a um ano foi cumprido.”;

  1. Quanto ao primeiro ponto (“o facto de um financiamento ser concedido sob a forma de conta corrente não impede que o mesmo possa beneficiar da isenção em apreço”), começava por afirmar que “é inequívoco da letra do próprio preceito legal que um empréstimo concedido sob a forma de conta-corrente sujeito a Imposto do Selo não pode, em caso algum, ter um prazo “determinado ou determinável.”;
  2. E acrescentava que “embora a AT reconheça que o que releva, para a aferição do prazo de reembolso, seja “(…) o prazo de utilização do crédito e não o prazo contratual para disponibilização do mesmo” (cfr. página 39 do Documento n.º 3), a mesma AT, incompreensivelmente, acaba por defender que o prazo do empréstimo não é determinado, nem determinável, na medida em que “(…) o próprio contrato não prevê uma data fixa para a disponibilização de fundos” (cfr. página 39 do Documento n.º 3)”;
  3. Isto quando:

- “ao abrigo do contrato de carências de tesouraria celebrado entre as partes, o reembolso dos financiamentos concedidos deveria sempre ocorrer antes do decurso do prazo de um ano”; e

- “de acordo com a informação disponibilizada em sede de direito de audição prévia e de reclamação graciosa, bem como no presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, considera a Requerente ter sido manifestamente comprovado que o reembolso dos financiamentos concedidos à D... igualmente ocorreu efetivamente antes do decurso do prazo de um ano, e, portanto, sendo também o prazo de reembolso determinável.”;

  1. Sendo que, “ainda que assim não se entendesse, a ausência de prazo “determinado ou determinável” não é um critério legal para a não aplicação da isenção de Imposto do Selo às operações de financiamento para a cobertura de carências de tesouraria.”;
  2. Como era entendido na doutrina, pelo menos desde 2008: “PEDRO PATRÍCIO AMORIM refere que, “em caso algum, o legislador obrigou que o prazo das operações financeiras abrangidas pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, fosse predeterminado ou, ainda que não determinado, fosse predeterminável. Tal prazo pode ser determinado “a posteriori”, no momento do reembolso dos fundos, para efeitos do enquadramento na duração temporal das operações financeiras que podem aproveitar da isenção”.[5];
  3. Invocava também outra doutrina e a decisão arbitral do Processo n.º 275/2018-T para concluir que “a limitação preconizada pela AT à aplicação da isenção prevista para carências de tesouraria (prevista na alínea g do n.º 1 do artigo 7.º do CIS) pelo facto de o financiamento ser concedido sob a forma de conta-corrente não tem qualquer fundamento.”;
  4. Quanto ao segundo ponto (“o financiamento em causa não foi, na verdade, concedido sob a forma de conta corrente”), a Requerente acabou por não reproduzir perante o Tribunal Arbitral a argumentação expendida na sua Reclamação Graciosa, onde invocara, designadamente, que “o montante em dívida aumentou, continuamente, no período de tributação de 2017, não tendo sido objecto de qualquer utilização sob a forma de conta corrente.”;
  5. Quanto ao terceiro ponto (“o requisito do prazo de reembolso não superior a um ano foi cumprido.”), afirmou que, de acordo com as regras legais de contagem dos prazos constantes da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, “as operações de financiamento constituídas no dia 3 de novembro de 2016 completavam um ano no exato dia 3 de novembro de 2017”, pelo que “o reembolso do crédito concedido ocorreu no dia 3 de novembro de 2017, dentro, portanto, do referido prazo”.

 

IV.2.2. Posição da Requerida

Em contrapartida a Requerida entendeu, em resposta:

  1. Que a “De acordo com a previsão da verba 17.1.4 da TGIS, incide imposto do selo à taxa de 0,04% sobre o “[C]rédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável;
  2. Que “os movimentos subjacentes à concretização do contrato e que se encontram refletidos na conta 26611 cabem na previsão da aludida verba”, uma vez que, como resultava das Conclusões do RIT, “o empréstimo não é efetuado por prazos determinados ou determináveis (por exemplo, por 1 mês, sendo reembolsado no fim desse prazo) mas sob a forma de conta corrente (ou seja, em levantamentos conforme as necessidades de tesouraria e devoluções efetuados de forma aleatória ao longo de um período de tempo não determinado ou determinável, conforme fica demonstrado pela análise da conta corrente # 26611 - anexo 5). O que é relevante é o prazo de utilização do crédito e não o prazo contratual para disponibilização do mesmo”;
  3. Que “Se estivessem em causa verdadeiros empréstimos de curto prazo (inferiores a um ano) para cobertura de carências de tesouraria, deveriam ser contabilizados individualmente por datas de vencimento, por forma a obter os montantes vencíveis no decurso normal do ciclo de exploração e ser possível verificar a duração dos mesmos e as datas dos reembolsos, para serem passíveis de isenção nos termos do artigo 7.º do CIS.”;
  4. Depois de invocar o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 281/14.2BESNT, concluía que “O que é relevante é o prazo de utilização do crédito e não o prazo contratual fixado para o seu reembolso”;
  5. E invocava também que “Com o “1.º Aditamento ao Contrato de Apoio à Tesouraria” a nova a redação da Cláusula Quinta” passou a prever que o prazo de vigência do contrato seria de 10 anos contados a partir de 1 de janeiro de 2011.”;
  6. Donde, para a AT, seguindo os contornos do contrato de conta corrente constante dos artigos 346.º e seguintes do Código Comercial, “inexiste no caso presente um qualquer anúncio do início ou termo final previamente acordados para que ocorra qualquer exfluxo ou influxo, tornando-se, assim, impossível identificar o momento exato do início e fim da relação creditícia, que, e relativamente a este último, apenas se poderia fixar, após o aditamento de 14 de fevereiro de 2011, quando decorrido que fossem 10 anos contados a partir de 1 de janeiro de 2011.”;
  7. Mais: “A aposição de uma cláusula com referência ao prazo de um ano sem mais até à qual o crédito deverá ser liquidado não é critério bastante que permita fixar o momento exato em que se verificará o termo da relação creditícia entre as entidades intervenientes e, assim, qualificar aquela operação como sendo de curto prazo”;
  8. Observando-se que, no final das entradas e saídas de fluxos financeiros, no fim do período se mantem um valor em divida, deve concluir-se que o “encerramento da conta corrente” não se tem por verificado, não procedendo, assim, a afirmação da existência de um prazo não superior a um ano para que se verificasse o reembolso do empréstimo que foi cumprido pela C..., SGPS, S.A.”;
  9. De resto, como resulta da lei e da jurisprudência do STA (acórdãos de 16 de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 0381/07, de 29 de Abril de 2004, proferido no processo n.º 01680/03 e de 14 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 01480/03), “à Requerida incumbirá a prova da existência de uma operação de utilização de crédito tributável em sede de Imposto do Selo”, enquanto que à “Requerente incumbirá a prova dos pressupostos da isenção de tal tributação que resulta da norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do CIS.”;
  10. Pelo que “Não se encontrando provado que as operações de tesouraria em causa são de curta duração, por prazo inferior a um ano, a Requerente não fica sob a alçada da isenção presente no artigo 7.º, n.º 1, al. g) do CIS.”.

 

IV.4. Decidindo

Como se viu, a argumentação da AT oscilou entre o apelo à materialidade das coisas (“O que é relevante é o prazo de utilização do crédito e não o prazo contratual para disponibilização do mesmo”) e a conformação contratual desse crédito (“A inexistência de uma referência a uma data de início da concessão do crédito ou de uma data precisa antes da qual o mesmo deverá ser reembolsado, ficando dependente exclusivamente da vontade das partes evidencia, sem sombra de dúvida, que o empréstimo não é efetuado por prazos determinados ou determináveis”), muito embora ambas as posições sejam inconciliáveis: ou bem que os prazos contratuais são determinantes (como resulta da segunda transcrição), ou bem que não são (como resulta da primeira). E a argumentação da AT também nunca distinguiu entre o plano do contrato-quadro[6] (e seus aditamentos), que estabelecia as bases do apoio de tesouraria intra-grupo entre as cinco (depois seis) contratantes (compromisso inicialmente anual, posto que automaticamente renovável, mas que teve, a partir do aditamento de 14 de Fevereiro de 2011, o seu horizonte alargado para 10 anos), e o plano de (cada um dos sucessivos) financiamentos (no caso, apenas entre a Requerente e a sociedade mãe), sendo óbvio que tais financiamentos são subjectiva e objectivamente diversos daquele contrato-quadro, ainda que lhe estejam subordinados[7]. Tal como também não chegou a equacionar a medida em que uma sucessão de empréstimos formais de curto prazo pode permitir a sua conversão num empréstimo material de longo prazo (o revolving[8]), limitando-se a enquadrar tal situação no âmbito daquilo que alegou ser um financiamento em conta corrente[9], no pressuposto de que tal natureza implicaria a indeterminabilidade da duração dos financiamentos, e esta indeterminabilidade excluiria a condição temporal da isenção estabelecida na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Por outro lado, a argumentação da Requerente também seguiu vias divergentes, na medida em que – ao menos perante a AT – pretendeu, por um lado, situar os mútuos concedidos fora da hipótese normativa da verba 17.1.4 da Tabela Geral do IS (ao defender que tais mútuos não tinham sido concedidos sob a forma de conta corrente e que, em qualquer caso, o seu prazo de utilização era determinável) e, por outro lado, ao reivindicar que se lhes aplicava a isenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS (o que, necessariamente, implicava a aplicação da norma de incidência da referida da verba 17.1.4).

Em todo o caso, importa menos aferir a consistência da argumentação produzida do que proceder à aplicação do Direito ao caso, e quanto a isso tem a Requerente toda a razão: a norma de isenção que invocou – a da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS – não estabelece nenhum requisito quanto ao modo de comprovar a duração dos empréstimos intra-grupo para apoio de tesouraria. A exigência formulada pela AT de que “deveriam ser contabilizados individualmente por datas de vencimento, por forma a obter os montantes vencíveis no decurso normal do ciclo de exploração e ser possível verificar a duração dos mesmos e as datas dos reembolsos” é uma pretensão sua que não tem qualquer cobertura legal. E o registo das entradas e saídas de uma conta – sustentado com os documentos de suporte adequados, como no caso dos documentos 15 a 42 juntos com o PPA – é o modo normal de se fazer prova de pagamentos e recebimentos, não havendo nenhuma razão plausível para que a AT tivesse recusado atender a eles (e menos ainda para invocar um ónus de prova a cargo da Requerente quando esta já o tinha cumprido integralmente).

Tendo em conta que a Nota de Lançamento que integra o documento n.º 42 junto aos autos com o PPA (e já anteriormente apresentado à AT), comprova uma transferência para a Requerente no montante da totalidade dos créditos à altura pendentes sobre a D..., tem de se concluir que a conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR” voltou a zero nessa data. Isso implica que, nesse momento temporal, a devedora dispôs de meios financeiros para pagar os financiamentos anteriormente obtidos da Requerente – e, portanto, que os extinguiu – se bem que tenha tido depois necessidade de voltar a recorrer a eles. Para todos os efeitos, a dívida terminou com um movimento financeiro real, ainda que se tenha constituído outra a seguir (que, até nas condições de juros aplicáveis, nos termos do contrato-quadro – alínea j) dos Factos Provados) seria diferente da anterior. Se isso se poderia reconduzir a financiamentos “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria” foi uma questão que a AT não ponderou, mas que tais financiamentos tiveram, em tais condições, uma duração não superior a um ano é indiscutível, sendo que esse foi o único dos fundamentos requeridos pela norma de isenção cujo incumprimento foi assacado à Requerente.

Acresce – ainda que tal seja supérfluo face ao que decorre directamente da lei – que a doutrina já se pronunciou, até em termos contundentes, quanto ao sem sentido da exigência de uma prévia delimitação temporal dos empréstimos a incluir na isenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS[10], que era outra das linhas argumentativas da AT:

É absurdo exigir, para que se aplique a isenção da alínea g) do nº 1 artigo 7º do CIS, que o prazo de utilização do crédito seja antecipadamente determinado ou determinável.

Esta exigência introduz um inaceitável factor de rigidez na gestão financeira integrada dos grupos económicos e pressupõe que o prazo de duração de cada operação de tesouraria, entendida como uma concreta utilização do crédito, possa ser sempre preestabelecido entre as partes.

Ora a manutenção das necessidades de tesouraria que justificam os financiamentos depende de um conjunto de factores que, na esmagadora maioria dos casos não são conhecidos aquando da sua realização, em que avultam a conjuntura económica e a eventual angariação de meios financeiros substitutivos por parte da entidade financiada, como é o caso dos proporcionados por aumento dos fundos permanentes ou redução das aplicações de carácter permanente, de natureza necessariamente incerta a quando do início de cada operação de tesouraria.

Em caso algum, o legislador obrigou que o prazo das operações financeiras abrangidas pela alínea g) do nº 1 artigo 7º do CIS, fosse predeterminado ou, ainda que não determinado, fosse predeterminável.”.

 

            Acrescente-se que a jurisprudência, quer estadual quer arbitral, já chegou a conclusões idênticas. No tocante à jurisdição arbitral, escreveu-se o seguinte na decisão do Proc. n.º 285/2023-T (que, como referido, respeitava à mesma exacta questão jurídica, ainda que referente a um diferente período temporal):

Ao contrário do que a Requerida sustenta, para se utilizar a isenção da alínea g), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, não é necessário, na própria abertura de crédito em conta corrente, que as partes convencionem por escrito a duração de cada utilização do crédito, exigência a que não responderia a cláusula 4.ª do contrato de apoio à tesouraria, que se limita a estabelecer o prazo de reembolso de um ano a partir de cada utilização, sendo omisso sobre a data em que esta deva ocorrer.

Significa isto que em caso de abertura de conta corrente, a AT poderá negar a aplicação da isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS relativamente às utilizações de crédito que demonstre serem de duração posterior a um ano, ou seja, em que o crédito utilizado não tenha sido reembolsado durante todo esse prazo. Inexiste qualquer obstáculo inultrapassável ao apuramento nesses termos do prazo de cada concreta utilização do crédito, sendo suficiente um mero exame da contabilidade do sujeito passivo do Imposto do Selo.

Não pode é concluir-se dogmaticamente a partir da opção das partes submeterem o financiamento em causa ao regime de abertura de conta corrente e de esse contrato, de execução necessariamente duradoura, ter prazo superior a um ano, que as utilizações do crédito abrangidas individualmente consideradas não estão abrangidas na isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea g) do CIS.

Estes vícios de análise inquinam a fundamentação da AT, que encontra um prazo não determinado nem determinável numa situação na qual todos os empréstimos têm um prazo determinável e inferior a um ano.” (destaque aditado).

 

            Podem igualmente ver-se as decisões arbitrais proferidas nos Procs. 544/2017-T e 771/2021-T, em que se escreveu que

“(…) a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. o que, manifestamente, não se verificava no caso sub judice.»”.

 

No tocante à jurisdição estadual, seguindo-se esta mesma lógica, escreveu-se o seguinte na decisão de 23 de Novembro de 2023 do Tribunal Central Administrativo Norte (Proc. 00378/13.6BEAVR)[11]:  

temos por nós que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3., por isso a alusão no mesmo da utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração indeterminada ou indeterminável.

(…)

Subsistindo uma dificuldade prática no apuramento da duração efectiva da utilização do crédito, é pois, impossível saber qual o prazo em que ocorre a utilização da linha de crédito criada por via do mútuo concedida pela Recorrente, é patente, que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem aqui o seu campo de aplicação, pois dos próprios termos apresentados pela Recorrente, não é possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar à utilização do crédito e o seu reembolso, justificando que o imposto, in casu, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente.

O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. o que, manifestamente, se verifica no caso sub judice (…)” (segundo negrito aditado).

 

            No mesmo sentido ia o RIT que foi apreciado no Proc. 00189/11.3BEAVR, que deu origem à decisão de 11 de Maio de 2023 do Tribunal Central Administrativo Norte[12], que dele transcreveu a seguinte passagem:

“Uma outra referência para destacar o facto de que numa concessão ou abertura de crédito, o prazo de reembolso das respetivas utilizações não tem necessariamente de ser determinado ou ser determinável ao abrigo do contrato estabelecido entre as partes. Se o prazo for conhecido será aplicável uma das seguintes verbas: 17.1.1, 17.1.2 ou 17.1.3. No caso em que o prazo que medeia entre a utilização do crédito e o reembolso não seja determinado ou for determinável aplica-se a regra da verba 17.1.4.”

 

            Quando seja esse o caso, o que dependerá da duração efectiva do crédito será a isenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. E o estabelecimento dessa duração depende dos meios normais de prova, designadamente dos registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte. Que, como se viu, demonstram concludentemente que, nas situações visadas pelos actos de liquidação impugnados nos presentes autos, os empréstimos concedidos pela Requerente à sua empresa-mãe tiveram uma duração num caso igual, nos demais inferior, a um ano.

 

            IV.2. Quanto às demais questões

            Procedendo o pedido da Requerente com base na inadmissibilidade de a AT aditar, por interpretação sua, requisitos adicionais aos que a lei impõe para o benefício da isenção de IS e constatado o preenchimento do único requisito posto em causa pela AT na invocação de tal isenção, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas, excepto as referentes à devolução das importâncias pagas e ao pagamento de juros indemnizatórios.

Isto porque, por um lado, a apreciação de qualquer outro vício das liquidações impugnadas não alteraria a sua já estabelecida desconformidade com a lei e, por outro, porque não obstante a jurisdição arbitral ser de mera apreciação da legalidade, a decisão sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;”. Tal imposição legal mais não é do que a reiteração do que já resultaria do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.”. Sobre estes juros, cujo n.º 5 do artigo 24.º do RJAT reconhece serem devidos, dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT:

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede quanto à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo dos quais resultou o valor total a pagar, com os juros compensatórios, de € 758.845,90 (setecentos e cinquenta e oito mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos). Tem por isso a Requerente o direito de ser reembolsada desse montante total pago, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.”. E tem a Requerente igualmente direito a juros indemnizatórios, contados com base no referido valor total, desde a data em que efectuou o pagamento indevido até integral ressarcimento, pois é manifesto que os erros subjacentes às liquidações de imposto de selo são devidos a uma desconforme interpretação da lei unicamente imputável à AT, uma vez que tal aplicação e as subsequentes liquidações de Imposto de Selo e juros compensatórios foram da sua iniciativa.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente,

b) Determinar a anulação da liquidação de imposto do selo n.º 2021..., no montante de € 655.502,71, e das respectivas liquidações de juros compensatórios com os n.os 2021..., 2021..., 2021 ... e 2021..., no montante total de € 103.182,66, todas referentes ao período de tributação de 2017, que totalizaram um montante de € 758.845,90 (setecentos e cinquenta e oito mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos); e

            c) Determinar a anulação da decisão proferida sobre a reclamação graciosa que manteve as ditas liquidações;

            d) Determinar a devolução à Requerente do montante por esta pago, acrescido dos juros indemnizatórios fixados à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em € 758.845,90 (setecentos e cinquenta e oito mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerente, no montante de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros), nos termos do n.º 2 do artigo 5º e da Tabela II do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e do disposto nos seus artigos 3.º, n.º 2, e 5.º, n.º 1, e no artigo 12.º, n.º 3, do RJAT.

Lisboa, 23 de Abril de 2024

 

 

O árbitro presidente e relator

 

 

Victor Calvete

 

 

O árbitro adjunto (com declaração de voto)

 

António de Barros Lima Guerreiro

 

O árbitro adjunto

 

 

António Martins

 

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o adoptem.

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO


 

 

Subscrevo a presente Decisão Arbitral com a seguinte reserva:

 

a)Para fundamentar essa correção que originou a liquidação impugnada ,  a IV.2.2. do no Projeto de RIT, a AT  alegou o seguinte:

“dado que os empréstimos efetuados à C... SGPS, SA foram todos relevados na mesma conta, que se junta anexo 3 (extrato retirado do SAFT disponibilizado pelo sujeito passivo) a qual regista ao longo dos períodos um movimento constante a débito e/ou a crédito, situação que confere as características intrínsecas de empréstimos em conta corrente, cujo prazo não é determinado nem determinável, encontrando-se os mesmos sujeitos a tributação “,

b) A versão final do RIT, após direito de audição, concluiria  da seguinte forma:

“Assim se conclui que o crédito concedido foi utilizado sob a forma de conta corrente, caindo assim, estas operações no âmbito da incidência do imposto do selo, não podendo estas aproveitar da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS. Convém neste ponto esclarecer que a isenção em sede de Imposto do Selo, de acordo com o definido na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, define que estão isentas deste imposto as operações financeiras, incluindo os respetivos juros, desde que cumpridos os três requisitos exigidos nesta norma:

 - Crédito concedido por prazo não superior a um ano;

- Crédito destinado exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria;

- Crédito concedido pelas sociedades participadas em benefício de outras sociedades com ela estejam em relação de domínio ou de grupo;

Torna-se necessário verificar o preenchimento dos pressupostos de isenção, aplicáveis ao caso em concreto e presentes na norma anteriormente transcrita.

Da análise aos documentos no âmbito do presente procedimento, concluímos que não cumprindo os segundo e terceiro requisitos, as operações financeiras funcionam na sua substância em conta-corrente. Por estes motivos, bem como os já indicados nos pontos anteriores quanto aos outros capítulos, entendemos que não assiste ao Exponente razão para a anulação das correções solicitadas.

Assim,  apesar de a clausula 4ª desse contrato  qualificar tais financiamentos  mútuos, seriam substancialmente aberturas de crédito em conta corrente , já que a conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR”  reflete, além de financiamentos,  também reembolsos do crédito concedido.

 Por outro lado, o prazo entre o financiamento, datado de 3 de Novembro de 2016  e o seu reembolso a 3 de Novembro de 2017  seria superior a um ano, período que decorreu entre essas duas datas . pelo que não se verificariam sempre os requisitos da alínea g) do nº1 do art. 7º do Código do Imposto de Selo”.

c)A divergência entre as partes não assenta, assim.  na qualificação como mútuos de duração não superior a um ano  dos financiamentos previstos na Cláusula 4ª do contrato-quadro, que a Requerida, aliás,  não nega,  mas na incompatibilidade com a figura do mútuo  da inscrição dos movimentos em causa  na  conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR”, que conduziria  à sua qualificação, em detrimento da efetuada no contrato- quadro , como contrato de abertura de crédito em conta corrente, tributada pela verba 17.1.4. da Tabela Geral, por o seu prazo não ser determinado nem determinável. 

É de referir que, em sentido diferente de parte da doutrina invocada na presente Decisão Arbitral, dependendo a taxa de imposto de selo do prazo do contrato de mútuo e simples abertura  de crédito, nos termos da verba 17.1. da Tabela Geral, tal prazo deve ser antecipadamente fixado pelas partes, o que já não  acontece na conta corrente. A não fixação antecipada do prazo conduz à aplicação da taxa máxima de 0.60 % a que se refere a verba 17.3.3. da Tabela Geral do Imposto de Selo, com a consequente exclusão do benefício da alínea g) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto de Selo.

É verdade  que a      conta #26611 – “FINANC CONCED-EMPR MÃE SUPRIM CORR” visa registar os diversos tipos de financiamento societário direta ou indiretamente por parte dos sócios,   tenham as caraterísticas de mútuo, aberturas de crédito simples ou em conta corrente e suprimentos. Por outro lado, de acordo com a Decisão Arbitral nº 285/2023- T, para efeitos do benefício da alínea g) do nº 1 do art. 7º do Código do Imposto de Selo  ,  ao contrário do que acontecenos mútuos e nas simples aberturas de crédito, em que o o crédito concedido não é passível de ser reutilizado. os prazos de utilizaçºão do crédito em regime de conta corrente no âmbito do mesmo contrato de concessão de crédito,  não têm de ser predeterminados  pelas partes , relevando para efeitos da duração do contrato  o momento em que o saldo devedor é exigível, pelo que, ainda que procedesse a argumentação da Requerida, o resultado final poderia ser a anulação da liquidação.

O facto não dispensa, no entanto, o dever de o  Tribunal Arbitral  se reportar . ainda que para  a rejeitar , à concreta fundamenção adoptada pela AT na emissão do ato impugnado, que caracterizou  de  “revolving” o crédito concedido nos termos da Cláusula Quarta do   contrato- quadro .

 

O Árbitro

( António de Barros Lima Guerreiro)



[1] Enquanto a Requerente refere esta data, que corresponde à do documento de transferência bancária junto aos autos, a AT apresenta o infra reproduzido quadro síntese, em que a data referida é 30 de Novembro de 2017, certamente por ser o valor apurado no final do mês (cfr. nota seguinte, in fine) e por ter sido a data do reconhecimento contabilístico (cfr. §78 do Direito de Audição Prévia, Doc. 2 junto com o PPA). Para a verificação do prazo dos empréstimos, naturalmente que a data relevante é a do reembolso, e esta é a da data valor da transferência.

 

[2] Como se escreveu no despacho de 12 de Novembro de 2021 do Coordenador de Equipa do RIT. Na p. 40 do RIT, depois de se elencarem as condições fixadas na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, escreveu-se: “concluímos que se cumprindo os segundo e terceiro requisitos, as operações financeiras funcionam na sua substância em conta-corrente.”. Ainda que a formulação pudesse parecer dúbia, a (aparente) condicionalidade referia-se unicamente ao prazo de duração dos empréstimos, que a seguir se punha em causa com o argumento de que, tendo durado de 3 de Novembro de 2016 a 3 de Novembro de 2017, excederia o prazo de um ano requerido naquela norma. Que não é assim, resulta do disposto na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil (“O prazo fixado em (…) anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro d[o] últim[o] (…) ano, a essa data;”), norma que, na falta de outra mais próxima, se tem com subsidiariamente aplicável. 

[3] Redação dada pela Lei nº 12-A/2010, de 30 de Junho.

[4]  Citando Jorge Laires/Rui Martins, O Imposto do Selo - Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, Coimbra, 2020, p. 52.

[5] Em nota identificava a obra citada (agora disponível em https://www.isg.pt/wp-content/uploads/2021/03/36_3_pamorim_selotesouraria_f36.pdf): “A Isenção de Imposto do Selo na Gestão de Tesouraria dos Grupos Económicos”, in Revista Fiscalidade n.º 36, outubro/dezembro de 2008, página 34.” (cujo conteúdo pode ser consultado em https://www.isg.pt/revista-fiscalidade-no-36/ ).

[6] Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Novembro de 2015 (Proc. 2672/14.0T8LSB.L1-6, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/7ECDA3D9238657A180257EFF00574504 ),

qualquer contrato-quadro tem na sua essência uma regulação de enquadramento, a definição prévia de um conjunto de regras negociais que deverão enformar a contratação situada sob o seu âmbito subjectivo, temático, contextual e económico. Quer isto dizer que um contrato-quadro só se justifica e adquire sentido quando lhe é conferido um objecto de enquadramento, ou seja, quando emerge, à sua «sombra», um negócio jurídico que a ele se submeta em termos de grandes linhas da disciplina negocial.

Na decisão do Proc. n.º 285/20923-T, em que a Requerente era a mesma, assumiu-se que o mesmo contrato-quadro em causa nos presentes autos, invocado a propósito da recusa de isenção de IS referente aos financiamentos operados no período subsequente (2018), constituía um contrato de financiamento em conta corrente, contrato esse que tem definição jurídica no artigo 344.º do Código Comercial. O ponto é indiferente à solução do caso, ainda que se note que do contrato-quadro não decorre qualquer “direito potestativo de levantamento das importâncias disponibilizadas pelo creditante”, desde logo porque não há uma pré-determinação de quem será(ão) o(s) creditante(s) e o(s) creditado(s), e porque nem sequer há garantia de que qualquer montante mínimo possa de facto vir a ser disponibilizado – nem por quem (uma vez que todos os contratantes podem ser, à vez, mutuantes ou mutuários).

 

[7] Pedro Patrício Amorim, ob. cit. na nota 4, p. 16, explicava assim a diferença entre abertura de crédito e a sua utilização:

Cada abertura de crédito comporta, assim, uma multiplicidade indeterminada de operações de crédito, ou, se se quiser, de mútuos, cujo número varia obviamente em função da maior ou menor intensidade com que o creditado entenda proceder à utilização do crédito, através dos sucessivos saques e reembolsos que entender efectuar.”.

 

[8] Segundo Jorge Laires/Rui Martins, ob. cit. na nota 4, p. 198, o termo é usado no glossário do Banco de Portugal a propósito dos cartões de crédito. Ainda que possa ter aplicação à renovação de quaisquer créditos, tenha-se em conta que a noção de “revolving” está ligada (como nos cartões de crédito) à recuperação do “plafond” (não à renovação de um prazo). Os AA. consideram a questão “especialmente complexa”, mas entendem que “se as empresas intervenientes conseguirem demonstrar através de documentação que o reembolso de cada disponibilização de fundos ocorreu dentro do prazo de 1 ano, deverá considerar-se cumprido este requisito.”.

É verdade que o efectivo pagamento da totalidade dos financiamentos pendentes na altura em que a sua continuidade implicaria a ultrapassagem – ainda que apenas para uma parte deles – do prazo de um ano, combinada com um quase imediato novo financiamento à mesma entidade, num montante relativamente próximo da consolidação daqueles, poderia indiciar que tais empréstimos não eram “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”, mas sobre isso o RIT foi omisso e, em consequência, qualquer dúvida sobre o cumprimento desse outro requisito de isenção não poderia ser invocada subsequentemente para fundamentar as liquidações efectuadas.

 

[9] Pedro Patrício Amorim, ob. cit. na nota 4, p. 8 (versão digital), refere que “A abertura de crédito em conta corrente (crédito em regime de “revolving”) é, de entre todos, o instrumento de gestão de crédito mais adequado à gestão financeira integrada dos grupos económicos e ao provimento das carências de tesouraria das unidades económicas que os integram.”. Como referido na nota anterior, porém, uma abertura de crédito implica a fixação de um tecto (“plafond”) para a movimentação da conta (como, por exemplo, nos casos decididos pelo STA em 4 de Maio de 2022, Proc. n.º 02822/18.7BEPRT, e em 8 de Novembro de 2023, Proc. 0684/19.6BEPRT), ao passo que os empréstimos concedidos no caso dos autos nunca estiveram subordinados ao respeito de um qualquer limite prévio, nem estavam sujeitos a qualquer obrigação de “reconstituição” (veja-se aliás a definição que consta da Circular 15, de 5 de Julho de 2000 - Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património - Tributação de várias realidades sujeitas a imposto do selo, especialmente, ao nível das instituições de crédito: “Por contrato de abertura de crédito em conta corrente deve entender-se aquela modalidade de abertura de crédito, que, definida nos termos anteriores, permite ao creditado (beneficiário do crédito) a reconstituição do crédito, na parte já utilizada, que o banco se comprometeu a fornecer-lhe.”). Tais diferenças parecem essenciais para se distinguir uma conta corrente (de que resulta um direito de saque para um devedor até um certo montante, variável em função da sua utilização prévia) de uma sucessão de empréstimos (que não estão “pré-aprovados”, pois dependem em cada momento das circunstâncias de tesouraria dos potenciais mutuantes, e em que estes podem igualmente ser mutuários).

 

[10] Foi o caso de Pedro Patrício Amorim (ob. cit. na nota 4, p. 9 da versão digital, que se cita a seguir em texto), das anotadoras do artigo 7.º do CIS (Códigos Anotados & Comentados - Tributação do Património IMI - IMT - IS, Vol. IV, Lexit, 2018, p. 372 (que remetem para ele), e de Jorge Laires/Rui Martins (ob. cit. na nota 4, pp. 197-198). Aí escreveram estes últimos AA.:

Em nossa opinião, não é, nem poderia ser, condição essencial à aplicação da isenção que o prazo de 1 ano tenha sido pré-estabelecido em qualquer acordo escrito entre as partes ou processo de aprovação interna da operação, até porque a própria incidência a Imposto do Selo das operações de financiamento não depende da existência de qualquer documento escrito que titule a operação*, não fazendo por isso sentido impor tal restrição para efeitos de aplicação da isenção. Será, no entanto, fundamental que exista outra qualquer documentação que comprove que o reembolso ocorreu dentro do período de um ano.

Quer seja na forma verbal ou escrita, não nos parece também que a condição de que estamos a tratar exija que o prazo de reembolso dos fundos esteja pré-determinado na data da disponibilização. Não só a lei não o exige expressamente, como tal posição seria de certa forma contrária ao intuito da gestão de tesouraria, que se traduz numa utilização de fundos na medida das necessidades cíclicas da empresa, e, dessa forma, incompatível com a determinação prévia de um prazo de reembolso.

 

[11] Disponível em

 https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/1d5fe462ef701e0880258a7400417704?OpenDocument . Ainda que a situação aí fosse a da recondução dos mútuos a suprimentos (e, portanto, a uma duração superior a um ano, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais), a questão da determinabilidade dos prazos é idêntica quer para a sua ultrapassagem quer para a sua não ultrapassagem.