Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2023-T
Data da decisão: 2024-04-29  IRS  
Valor do pedido: € 36.493,63
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Artigo 10.º, n.º 5 do CIRS – Habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO

 

I - Não beneficiando da presunção através do domicílio fiscal, incumbe ao sujeito passivo alegar e provar que tem a sua habitação própria e permanente num outro imóvel, para poder beneficiar do afastamento da tributação das mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis, não impedindo o preenchimento da condição de aplicação do regime de reinvestimento o facto de não ter comunicado a alteração do seu domicílio fiscal à Autoridade Tributária. Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, o conceito de habitação própria e permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

 

II – As mais-valias imobiliárias não são tributadas por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS apenas se o sujeito passivo provar que o imóvel alienado corresponde à habitação própria permanente, ainda que aquele não seja o local do seu domicílio fiscal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., Direito, ...-... Lisboa (“Requerente”), notificado do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., referente ao ano de 2018, no montante de 36.178,58 EUR, a que acrescem juros de mora no montante de 118,88 EUR e custas no valor de 196,17 EUR,  veio, em 26-06-2023, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o ato tributário acima referido, peticionando a respetiva anulação e o reembolso dos valores indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 28-06-2023 e notificado à AT em 29-06-2023.

 

O Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT foi designada a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

As partes foram notificadas da designação não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 30-08-2023, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Devidamente notificada para o efeito em 30-08-2023, a AT apresentou a sua Resposta em 03-10-2023, defendendo-se, tendo ainda junto o processo administrativo.

 

Por despacho de 18-10-2023, o Tribunal Arbitral notificou o Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, indicar sobre que factos incidiria a inquirição das testemunhas por si arroladas, tendo o Requerente respondido em 30-10-2023.

 

Em 06-11-2023 o Tribunal Arbitral agendou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para inquirição de testemunhas e alegações orais, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas.

 

Em 10-01-2024 o Requerente requereu a substituição de duas testemunhas indicadas no pedido de pronúncia arbitral por outras duas, tendo o Tribunal Arbitral decidido que “Por aplicação subsidiária do artigo 598º, nº 2 do CPC, por força do artigo 29º, nº 1, al. e) do RJAT, o pedido de alteração do rol de testemunhas deveria ter sido apresentado com a antecedência de 20 dias em relação à data da realização da audiência para inquirição das mesmas. No entanto, de harmonia com o princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar, e da livre determinação das diligências de produção de prova, nos termos do artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, prevalecendo o interesse da descoberta da verdade material, o tribunal aprova a alteração do rol de testemunhas, mantendo-se o agendamento da reunião do artigo 18.º do RJAT, sendo assegurada a aplicação do princípio do contraditório, designadamente, através da faculdade conferida às Partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. Notifique-se a Requerida para, querendo, no prazo de 5 (cinco) dias, pronunciar-se nos termos e para os efeitos do artigo 16º, al. a) do RJAT.”

 

A Requerida nada disse e em 22-01-2024 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, conforme agendado, para inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, a qual foi devidamente gravada.

 

Em 01-02-2024, o Requerente apresentou alegações escritas, reafirmando a posição partilhada no respetivo articulado anteriormente submetido.

 

Na mesma data a Requerida apresentou, também, as suas alegações escritas, replicando os fundamentos do articulado de resposta constante nos autos.

 

Por despacho de 29-02-2024, o prazo para prolação da decisão arbitral foi prorrogado.

 

  1. Posições das Partes

 

II.1.   Requerente

         

  1. Constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral a apreciação da legalidade de um ato de liquidação de IRS, relativo à demonstração da liquidação adicional n.º 2022..., referente ao ano de 2018, no montante de 36.178,58 EUR, a que acrescem juros de mora e custas no valor de 118,88 EUR e 196,17 EUR, respetivamente.

 

  1. O Requerente, em 25-06-2019, entregou a declaração de IRS Modelo 3, relativa ao ano de 2018, com o nº ...-2018-..., com o anexo G, dando cumprimento ao previsto no artigo 57º do Código do CIRS.

 

  1. A referida declaração originou a liquidação nº 2019 ..., da qual resultou não haver imposto a pagar porque foi indicado na declaração Modelo 3 a intenção de reinvestir o valor de realização verificado em 02-05-2018.

 

  1. O Requerente, por lapso, não comunicou à AT o reinvestimento ocorrido em 16-04-2021, pelo que esta procedeu a uma liquidação adicional sem o reinvestimento.

 

  1. O Requerente foi notificado da liquidação adicional nº 2022..., referente ao ano de 2018, no montante de 36.178,58 EUR, devendo pagar até 06-01-2023 o saldo apurado em conformidade com a referida liquidação.

 

  1. O Requerente apresentou a competente reclamação graciosa em 02-01-2023, tendo sido notificado em 01-03-2023 para o exercício do direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, referente ao ano de 2018.

 

  1. Em 23-03-2023, o Requerente apresentou o seu direito de audição, discordando da tributação proposta em sede de IRS, tendo para o efeito demonstrado que o imóvel alienado constituía de facto a morada do Requerente, pelo que o reinvestimento do valor de realização se encontrava concretizado na aquisição de um imóvel para habitação própria e permanente (HPP), por escritura efetuada em 16-04-2021 (dentro do prazo legal), para efeitos de não tributação das mais-valias realizadas.

 

  1. Em 31-03-2023, pelo Ofício n.º ..., do Serviço de Finanças de Lisboa-... (...), o Requerente foi notificado da Decisão Final, donde resultou que, em 29-03-2023, foi proferido despacho de Indeferimento sem terem sido acolhidas as razões do Requerente, uma vez que “O reclamante não invoca na petição, o motivo de ter à data da alienação o domicílio fiscal no ... ...”.

 

  1. Não tendo o Requerente pago dentro do prazo legal o valor liquidado adicionalmente, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2023..., datado de 07-02-2023, para cobrança coerciva, no montante de 36.493,63 EUR (incluindo juros de mora e custas no valor de 118,88 EUR e 196,17 EUR respetivamente), tendo o referido processo sido pago em  21-02-2023.

 

  1. Defende o Requerente que a liquidação adicional de IRS do ano de 2018 é ilegal, já que, sem fundamento legal, a AT considerou que o imóvel alienado (sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º 363, fração B) não reunia os requisitos para ser considerado como constituindo a HPP do Requerente, não podendo este usufruir do benefício consignado no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.

 

  1. A conclusão da AT assenta numa Informação de 17-02-2023, que referia “Da consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuinte, verifica-se que o reclamante, à data da alienação, tinha domicílio fiscal na ... ..., na freguesia do ..., tendo assim sido entendido que o imóvel alienado não constituía a sua habitação própria e permanente, não podendo, consequentemente, ser considerado o reinvestimento.”

 

  • O Requerente apresentou como prova de que o imóvel constituía a sua habitação própria e permanente as faturas emitidas pelas empresas “Gas Natural”, “Epal”, “EDP” e “MEO” com operações relativas a consumos.

 

  1. Tendo considerado que a AT fundamentou o ato ilegal que praticou na alegação de que “À exceção da fatura da “MEO”, as mesmas estão em nome dos seus pais (e não do próprio).”

 

  • Considerando o Requerente um absurdo a forma como a AT se limita a fazer juízos de valor com os direitos do Requerente, pois que, em vez de os analisar à luz dos princípios consagrados na lei, concluiu que não ficou comprovado que o imóvel foi usado como HPP do Requerente, tudo com o objetivo de concluir pelo indeferimento da reclamação graciosa e manter a liquidação adicional referente a 2018.

 

  • Considerou o Requerente que esta conclusão está absolutamente errada porque todas as despesas (EDP, EPAL, MEO e Gás natural), quer as que estavam em nome dos seus pais ou em seu nome próprio foram todas debitadas na sua conta bancária da CGD com o IBAN: PT50 ..., com pagamento autorizado por Débito Direto em Conta Bancária, o que demonstra, claramente, que era na referida morada que o Requerente tinha o seu centro de interesses vitais, ou seja, onde se desenvolveram as suas relações pessoais e económicas.

 

  1. Refere ainda o Requerente que esta situação não é ilegal e até é recorrente, uma vez que evita a mudança de contratos, o que é sempre mais demorado, principalmente, quando é uma mudança de HPP entre familiares, como foi o caso aqui em apreço, podendo sempre os mesmos, em qualquer momento, ser alterados pelo novo proprietário.

 

  1. Acrescenta o Requerente que o imóvel em causa situado na Rua ..., ..., em Lisboa, era dos pais do Requerente e os contratos de eletricidade, gás e água estavam em nome da sua mãe, B..., o que originou que não tivesse alterado os referidos contratos, tendo, contudo, alterado os pagamentos para débitos diretos na sua conta bancária, conforme provou.

 

  1. Entende o Requerente que a lei acolhe tal prova, dado que o domicílio fiscal faz presumir a HPP do sujeito passive, que pode a todo o tempo apresentar prova em contrário.

 

  1. Acrescentando ainda que competindo a prova ao sujeito passive e sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei, é à AT que compete demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados, o que não aconteceu neste caso.

 

  1. Bem como a jurisprudência já consolidou no ordenamento-jurídico o conceito de domicílio fiscal vs habitação própria e permanente no âmbito da exclusão da tributação das mais valias destes imóveis, face ao disposto no artigo 10º do CIRS.

 

  1. Considera também o Requerente que o nº 5 do artigo 10º do CIRS não remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que os atos ou factos que demonstram a ligação do Requerente ao imóvel não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o imóvel ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado no cadastro do serviço de finanças.

 

  1. Pelo que a morada num determinado lugar deve demonstrar-se através de factos justificativos de que o Requerente fixou no imóvel o centro da sua vida pessoal.

 

  1. As correções efetuadas à matéria tributável e os seus fundamentos enfermam de errado enquadramento jurídico-fiscal por parte da AT, fruto de um deficiente percurso interpretativo dos normativos legais subjacentes à relação material controvertida e concomitante factualidade, pelo que deveria a AT ter considerado estar-se perante montantes excluídos de tributação de IRS, nos termos do artigo 10º, nº 5 do CIRS.

 

II.2.   Requerida

 

  1. O que está em causa no presente caso é o conceito de habitação própria e permanente do sujeito passivo para efeitos da consideração do reinvestimento do valor de realização previsto nos nºs 5 e 6 do artigo 10º do CIRS, mais concretamente, a afetação do imóvel a habitação própria e permanente.

 

  1. O conceito de residência habitual deve ser interpretado no contexto em que se insere, ou seja, o artigo 16º do CRS deve ser lido como um todo, sendo a residência habitual também determinada pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e onde, como tal, se presume que a pessoa tenha organizado a sua vida.

 

  1. No plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82.º do Código Civil.

 

  1. Domicílio fiscal e habitação própria e permanente são conceitos que traduzem realidades diferentes que se podem caraterizar do seguinte modo: o domicílio fiscal corresponde ao lugar da residência habitual do contribuinte que funciona como sua sede para efeitos jurídico-fiscais, nomeadamente para qualquer tipo de contacto necessário com a administração fiscal; a residência própria e permanente traduz a ligação que uma pessoa tem com um local onde habita, reside ou vive e frequenta, realidade que se consubstancia na utilização de um local onde se confecionam refeições, se recebem e se confraterniza com amigos, onde se praticam atos de higiene, e se dorme, tudo com alguma regularidade.

 

  1. Por isso, tem de ser confirmada a verificação do requisito consubstanciado na existência de condições que façam supor que a habitação, no seu todo, seja mantida e ocupada como residência habitual.

 

  1. O nº 12 do artigo 13º do CIRS estabelece que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

 

  1.  No caso presente, o Requerente não tinha como domicílio fiscal a morada do imóvel alienado e por isso, para efeitos da presunção prevista no nº 12 do artigo 13º do Código do IRS, não tendo no imóvel alienado o domicílio fiscal não se presume a habitação própria e permanente nesse imóvel. No entanto, tal como prevê a citada norma legal, o sujeito passivo pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

 

  1. Dos elementos constantes nos autos (bem como nas bases de dados da Autoridade Tributária) não se retira que o imóvel, na data da alienação fosse a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

 

  1. Não tendo conseguido comprovar que o imóvel alienado em 2018 era a sua habitação própria e permanente não pode obter essa vantagem de natureza fiscal (exclusão de tributação).

 

  1. No caso em análise, a habitação própria e permanente não era no imóvel alienado em 2018. Não estão, como tal, reunidos os requisitos previstos no nº 5 do artigo 10º do CIRS, não podendo os ganhos obtidos com a transmissão estar excluídos de tributação por não se poder considerar ter existido reinvestimento na compra do segundo imóvel.

 

  1. Não estando a situação aqui em análise excluída de tributação, então caímos no âmbito da regra geral prevista no Código do IRS, ou seja, a tributação dos ganhos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis

 

  • As faturas de consumos de água, energia e telecomunicações juntas pelo Requerente para efeitos de comprovação de que o imóvel alienado em 2018 era a sua habitação própria e permanente, não fazem a prova pretendida já que o simples facto de ter havido consumos dos referidos bens no imóvel alienado em 2018 não faz com que tenha sido o Requerente (e/ou o seu agregado familiar) a efetuar esses consumos.

 

  1. Como tal, não poderá ser considerado o reinvestimento do valor de realização, dado o não cumprimento de um dos requisitos: o imóvel alienado não era a habitação própria e permanente do Requerente

 

  • A Requerida entende que não assiste qualquer razão ao Requerente nas suas pretensões porque este não logrou provar, quer por prova documental, quer por prova testemunhal, que o imóvel alienado em 2018 era a sua habitação própria e permanente.

 

  • Assim, considera a Requerida que a liquidação adicional realizada encontra-se dentro da legalidade pelo que não poderá ser atendida a pretensão do Requerente.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído, e o pedido é tempestivo, tudo nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1 e 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

IV.1. Factos Provados

 

  1. O Requerente, em 02-05-2018, procedeu à alienação da fração autónoma “AR”, artigo matricial n.º 4025, de que era proprietário.

 

  1. Até à alienação do imóvel, o Requerente pagava faturas emitidas ao abrigo de contratos de fornecimento de água, eletricidade e gás natural, cuja titular era sua mãe.

 

  1. Até à alienação do imóvel, o Requerente pagava faturas emitidas ao abrigo de contrato de telecomunicações, cujo titular era o próprio.

 

  1. À época, o Requerente desenvolvia a sua vida pessoal, convidava e recebia amigos no imóvel alienado, e era visto no local e respetiva habitação por vizinhos.

 

  1. O Requerente, em 25-06-2019, entregou a declaração de IRS Modelo 3, relativa ao ano de 2018, com o n.º..., com o anexo G.

 

  1. A referida declaração originou a liquidação n.º 2019..., da qual resultou não haver imposto a pagar porque foi indicado na declaração Modelo 3 a intenção de reinvestir o valor de realização verificado em 02-05-2018.

 

  1. Em 16-04-2021, através de reinvestimento, o Requerente procedeu à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, conforme escritura celebrada.

 

  1. Posteriormente, o Requerente foi notificado da liquidação adicional n.º 2022..., referente ao ano de 2018, no montante de 36.178,58 EUR.

 

  1. O Requerente apresentou reclamação graciosa em 02-01-2023, tendo sido notificado para o exercício do direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada em relação ao ano de 2018.

 

  1. Em 23-03-2023, o Requerente exerceu o direito de audição prévia.

 

  1. Em 31-03-2023, o Requerente foi notificado da decisão final da qual resultou que em 29-03-2023 foi proferido despacho de indeferimento.

 

  • Não tendo o Requerente pago dentro do prazo legal o valor liquidado adicionalmente, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2023..., datado de 07-02-2023, para cobrança coerciva, no montante de 36.493,63 EUR (incluindo juros de mora e custas no valor de 118,88 EUR e 196,17 EUR respetivamente), tendo sido pago em 21-02-2023.

 

IV.2. Factos Não Provados

 

Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.

 

IV.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas. 

 

Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida nos autos, nos documentos juntos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo.

 

  1. Matéria de Direito       

 

V.1. Objeto e âmbito do processo

 

Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nas respetivas peças processuais, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a ilegalidade (e anulação) do ato tributário impugnado, por ter sido entendido pela AT que o imóvel alienado, sito na Rua ..., n.º ... Dtº, em Lisboa, não reunia os requisitos para ser considerado como habitação própria e permanente do Requerente, não podendo usufruir do benefício consagrado no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.

 

V.2. Apreciação do Tribunal Arbitral

 

Sinteticamente, o Requerente entende que tem direito ao benefício resultante do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.

 

Dispõe o n.º 5 do artigo 10.° do CIRS:

“São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
  2. O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
  3. O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.

 

O artigo 10.º, n.º 5 do CIRS é uma norma de exclusão de tributação em sede de IRS. As normas que regulam a exclusão ou isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade tributária, são insuscetíveis de aplicação a situações que não tenham sido expressamente contempladas na norma vigente, devendo assim ser objeto de interpretação declarativa estrita.

 

Ora, para efeitos do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, releva a “habitação própria e permanente do sujeito passivo”. Nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo, pessoa singular, é o “local da residência habitual”.

 

Conforme jurisprudência dominante, o conceito de habitação própria permanente não equivale, nem se confunde com o conceito de domicílio fiscal (cf. decisão arbitral de 27-02-2023, proc. n.º 331/2022-T, e decisão arbitral de 22-08-2023, proc. n.º 615/2022-T, acessível em www.caad.pt).

 

As mais-valias imobiliárias não são tributadas por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, se o sujeito passivo conseguir provar que o imóvel alienado corresponde à sua habitação própria e permanente, ainda que aquele não seja o local do seu domicílio fiscal registado.

 

Não obstante, do artigo 13.º, n.º 12 do CIRS resulta que o “domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”.

 

Considera-se preenchido o requisito de prova, designadamente quando o sujeito passivo “faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel” ou “faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente”. A prova destes factos compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei. Por sua vez, compete à AT demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes, nos termos do CIRS.

 

A prova de que o imóvel é destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar depende, fundamentalmente, da demonstração de determinados factos que permitam justificar que o centro de vida do sujeito passivo se situa naquele local.

 

Sendo feita prova de que o imóvel alienado constituía habitação própria e permanente, o produto da sua alienação pode ser utilizado na aquisição de um imóvel a que seja dada semelhante afetação, nos termos previstos no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS.

 

O requisito da permanência na habitação deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade. Ora, afigura-se essencial a ligação do sujeito passivo à habitação, concretizando-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília), jurídicas (contratos, declarações, registos) e sociais (integração, vizinhança) (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2011, proc. n.º 0590/11, em www.dgsi.pt)

 

O imóvel alienado deve constituir o centro de vida pessoal do sujeito passivo, “impondo-se, pra efeitos da exclusão tributária, que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal ou do seu agregado familiar” (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-02-2023, proc. 126/11.5BELRS, em www.dgsi.pt).

 

Com vista à prova do pressuposto da habitação própria e permanente do sujeito passivo importa demonstrar a ocorrência de factos justificativos do uso da mesma como centro de vida pessoal, atendendo, nomeadamente, às condições físicas, jurídicas e sociais.

 

Ora, o Requerente alega e faz prova de faturas relativas a contratos de fornecimento e prestação de serviços (água, eletricidade, gás natural e telecomunicações), bem como dos respetivos pagamentos. Este tipo de contratos tendem a demonstrar a ligação do sujeito à habitação e à sua utilização habitual.

 

Todavia, o Requerente não demonstra contratos de fornecimento e serviços em nome do próprio, com exceção do contrato relativo a telecomunicações. A titularidade dos contratos é indicativa, mas não significa total certeza, de que o titular seja habitante da habitação e beneficiário efetivo do fornecimento ou serviço prestado.

 

Por sua vez, os pagamentos demonstrados, com referência a conta bancária titulada pelo Requerente, são indicativos, mas não fazem prova inequívoca, de que seja efetivo habitante da habitação e beneficiário do fornecimento e serviço pago.

 

Atendendo às regras da experiência comum, considerando que um dos contratos juntos é titulado pelo sujeito passivo, havendo outros titulados por terceiros, nomeadamente os pais, e que os pagamentos foram suportados pelo sujeito passivo, entendemos que os contratos de fornecimento e serviços em causa, bem como os pagamentos demonstrados, são factos indiciários, mas não são per si suficientes para criar a convicção pretendida pelo Requerente no Tribunal Arbitral.

 

Além dos mencionados contratos de fornecimento e serviços estritamente ligados à morada da habitação, notamos que o Requerente não demonstra, por qualquer meio probatório, a utilização daquela mesma morada noutros contratos ou situações jurídicas, incluindo, por exemplo, contratos com elemento pessoal mais forte, como, eventualmente, contratos de seguro, contratos bancários e outros bens e serviços comumente adquiridos ou correspondência postal.

 

O Requerente também não junta quaisquer declarações, registos ou documentos oficiais, como, por exemplo, atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia.

 

Também não junta o título aquisitivo de propriedade do imóvel alienado, não demonstra a propriedade das coisas móveis presentes no mesmo, como o mobiliário e outros equipamentos pessoais, nem demonstra qualquer outra atividade pessoal, académica, profissional ou ocupacional relacionada com o centro de vida pessoal naquela específica habitação e área de influência.

 

 

Não obstante, e sem descurar a prova documental, cabe ao presente Tribunal Arbitral anteder à restante prova produzida.

 

Os depoimentos das testemunhas inquiridas evidenciam que o sujeito passivo frequentava a habitação, relacionando-se com amigos e vizinhança no local, os quais concebiam aquela habitação como a “casa” do Requerente.

 

Sendo este meio de prova competente para o efeito, o Tribunal Arbitral considera que resulta evidente dos depoimentos das testemunhas inquiridas, com menor ou maior espontaneidade, e sem aparentes incertezas ou incongruências, que o Requerente efetivamente habitava naquela habitação, em particular no período em que adquiriu a propriedade da mesma aos seus pais e até a sua subsequente alienação em 2018.

 

As testemunhas inquiridas, vizinhança e amigos do Requerente, atestaram, sem dúvidas, que o Requerente ali habitava. O Requerente era ali conhecido e visto pelos vizinhos e ali recebia visitas, sendo a habitação frequentada por amigos. As testemunhas percecionavam aquela habitação como própria e permanente do Requerente, como centro da sua vida pessoal, onde realizava refeições, onde pernoitava, onde convidava e recebida outras pessoas.

 

Ao abrigo da livre apreciação da prova testemunhal, o Tribunal Arbitral conhece assim relevo aos depoimentos das testemunhas que, conjuntamente com a prova documental produzida, se afigura idónea a afastar a presunção e a demonstrar a efetiva habitação própria e permanente do Requerente naquela habitação, para efeitos do CIRS.

 

Pese embora a bondade das alegações pelo Requerente, era necessário que os indícios fossem sérios e consistentes, suportados pela devida prova nos autos. Conforme mencionado, a singela prova documental produzida, conjuntamente com a relevante prova testemunhal, permite a formulação da convicção do Tribunal no sentido de considerar ilidida a presunção de que a habitação própria e permanente corresponde à morada do domicílio fiscal.

 

A prova não se bastava com meros indícios, mas com a demonstração de um conjunto de condições físicas, jurídicas e/ou sociais que, conjuntamente, demonstrem que a habitação alienada configura-se como habitação própria e permanente para efeitos fiscais, afastando-se a presunção resultante do domicílio fiscal registado.

 

Ora, o que o artigo 13.º, n.º 13, alínea a) do CIRS exige é precisamente que o sujeito passivo faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localiza noutro imóvel que não o do domicílio fiscal, o que se verifica in casu.

 

Foi demonstrado, por via documental e testemunhal, que o Requerente adquiriu o imóvel, ali habitava e interagia socialmente com outros, enquanto centro da sua vida pessoal, contratando e/ou suportando custos com despesas normais relacionadas com a habitação, incluindo serviços essenciais, como água, eletricidade, gás natural e telecomunicações.

 

Na medida em que a AT não demonstrou a falta de veracidade dos meios de prova produzida ou das informações neles constantes, a prova produzida nos autos permite criar a convicção no Tribunal Arbitral de que o imóvel alienado correspondia à habitação própria e permanente do sujeito passivo, não obstante o domicílio registado.

 

Com efeito, entende o Tribunal Arbitral que se encontra demonstrada a factualidade subjacente ao direito invocado pelo Requerente, para efeitos de aplicação do regime do reinvestimento de mais-valias imobiliárias.

 

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve “erro imputável aos serviços” de onde tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Face à ilegalidade da liquidação adicional oficiosamente emitida pela AT, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados, por referência às quantias que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa legal, conforme artigos 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT.

 

  1. Decisão

 

Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor

 

Fixa-se o valor do processo em 36.493,63 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.   Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de abril de 2024

 

 

A Árbitra

 

 

 

Adelaide Moura