Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2023-T
Data da decisão: 2024-04-22  IRS IVA  
Valor do pedido: € 199.450,72
Tema: IRS – IVA - o acesso à informação protegida pelo segredo profissional depende de autorização judicial (cfr.63.º, n.º2 da LGT).
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SUMÁRIO

Estando em causa, o acesso à informação protegida pelo segredo profissional, inclusive precedida do consentimento do Requerente ao seu acesso, a mesma não afasta a obrigação de autorização judicial prevista no artigo 63.º, n.º2 da LGT, para o seu levantamento e acesso por parte da AT.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (presidente), Pedro Guerra Alves e Francisco Carvalho Furtado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 14-06-2023, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., contribuinte fiscal n.º...,  com residência na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto, doravante “Requerente”, veio ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) relativo a 2016 e 2017, que efetuaram correções ao imposto e juros compensatórios, perfazendo o montante global de 199.450,72 € (cento e noventa e nove mil quatrocentos e cinquenta euros e setenta e dois cêntimos), pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente vem peticionar, que sejam declaradas nulas ou pelo menos anuladas as liquidações de IRC e IVA impugnadas e respetivas de liquidações de juros compensatórios, que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, tudo assim com as legais consequências.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 05-04-2023, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-05-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14-06-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 01-09-2023, sustentando, que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

Por despacho de 04-09-2023, as partes foram notificadas da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. No mesmo despacho foram as partes notificadas para apresentar, alegações escritas (facultativas), concedendo-se um prazo sucessivo de 15 (quinze) dias. Fixou-se o dia 14 de Dezembro de 2023 como data-limite para a prolação e notificação da decisão final. Por fim notificada a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.°3 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria, e comunicar o pagamento ao CAAD.

A Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 21-09-2023 e 03-10-2023, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

Por despacho de 11 de Fevereiro de 2024, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a tramitação e a complexidade do processo, e o Tribunal indicou nova data previsível para prolação da decisão arbitral,

Por despacho de 11 de abril de 2024, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, atenta a tramitação e a complexidade do processo, e o Tribunal indicou nova data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRS e IVA e juros compensatórios, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. No âmbito de um procedimento de inspeção externo ao Requerente, procedimento esse efetuado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2019... e OI2019..., datadas de 2019-01-15, de âmbito parcial, e  extensivas ao período de tributação de 2016 e 2017, para além de ter sido proposto a emissão da predita ação para verificação e controlo da sua situação tributária, em sede de IRS e IVA, foi igualmente instaurado em 03-07-2020, o processo de inquérito n.º .../20...IDPRT. cfr. RIT
  2. Foram efetuadas várias notificações e agendamentos ao Requerente, no sentido da apresentação dos diversos documentos contabilísticos e pedido de autorização de acesso a informações e documentos bancários, por parte da AT - Área da Inspeção Tributária do Porto. cfr. RIT
  3. Em 2020-12-04, a Requerida solicitou ao Requerente uma declaração de autorização de acesso a informações e documentos bancários na sequência do pedido de autorização de acesso a informações e documentos bancários efetuado na notificação, a qual foi concedida pelo Requerente. cfr. RIT
  4. O Requerente foi notificado para apresentar elementos e esclarecimentos relacionados com os fluxos financeiros de entradas nas contas bancárias por si tituladas, especificamente a identificação da natureza, origem e finalidade dos fluxos financeiros e comprovação documental, documentação entregue em 2021-04-19. cfr. RIT
  5. Para além das diligencias acima elencadas, os SIT efetuaram ainda a circularização de clientes, notificando-os para remessa de elementos e esclarecimentos à Direção de Finanças do Porto, relativos aos serviços jurídicos prestados pelo Requerente nos anos de 2016 e 2017. cfr. RIT
  6. No âmbito do processo de inspeção, a AT emitiu as seguintes liquidações adicionais de IRS e IVA, aos períodos de 2016 e 2017, respetivamente:
    1. IRS do período de 2016, com o n.º 2021..., no valor de 25.268,23 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021..., e demonstração de acerto de contas, com o valor total a pagar de 28.416,82 €;
    2. IRS do período de 2017, com o n.º 2021... no valor de 94.227,09 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 12.670,31 €, liquidação de juros n.º 2021... no valor de 435,03 € e liquidação (estorno) n.º 2018... no valor de 3.278,01 €;
    3. IVA do período 2016/01, com o n.º 2021... no valor de 914,92 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 204.94 €;
    4. IVA do período 2016/02, com o n.º 2021... no valor de 2.491,13 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 549,27 €;
    5. IVA do período 2016/03, com o n.º 2021... no valor de 1.533,57 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 333,26 €;
    6. IVA do período 2016/04, com o n.º 2021... no valor de 1.845,48 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 394,17 €;
    7. IVA do período 2016/05, com o n.º 2021...no valor de 498,75 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 104,99 €;
    8. IVA do período 2016/06, com o n.º 2021... no valor de 1.017,77 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 210,91 €;
    9. IVA do período 2016/07, com o n.º 2021... no valor de 1.176,36 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 239,52 €;
    10. IVA do período 2016/08, com o n.º 2021... no valor de 324,53 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 65,08 €;
    11. IVA do período 2016/09, com o n.º 2021... no valor de 1.506,11 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 296,93 €;
    12. IVA do período 2016/10, com o n.º 2021... no valor de 2.389,88€ e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 462,78 €;
    13. IVA do período 2016/11, com o n.º 2021... no valor de 2.242,90 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 427,19 €;
    14. IVA do período 2016/12, com o n.º 2021... no valor de 793,50 €, e respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 148,43 €;
    15. IVA do período 2017/01, com o n.º 2021... no valor de 3.032,70 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 558,01 € e demonstração de acerto de contas;
    16. IVA do período 2017/02, com o n.º 2021... no valor de 3.061,70 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 552,95 € e demonstração de acerto de contas;
    17. IVA do período 2017/03, com o n.º 2021... no valor de12.127,67 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 2.150,41 € e demonstração de acerto de contas;
    18. IVA do período 2017/04, com o n.º 2021... no valor de 996,54 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 173,09 € e demonstração de acerto de contas;
    19. IVA do período 2017/05, com o n.º 2021... no valor de 824,99 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 140,76 € e demonstração de acerto de contas;
    20. IVA do período 2017/06, com o n.º 2021... no valor de 7.904,02 €, liquidação n.º 2021... no valor de 48,39 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 1.321,81 € e demonstração de acerto de contas;
    21. IVA do período 2017/07, com o n.º 2021... no valor de 284,99 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 46,66 € e demonstração de acerto de contas;
    22. IVA do período 2017/08, com o n.º 2021... no valor de 231,88 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 37,22 € e demonstração de acerto de contas;
    23. IVA do período 2017/09, com o n.º 2021... no valor de 204,70 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 32,16 € e demonstração de acerto de contas;
    24. IVA do período 2017/10, com o n.º 2021... no valor de 2.083,80 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 320,39 € e demonstração de acerto de contas;
    25. IVA do período 2017/11, com o n.º 2021... no valor de 5.121,64 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 767,82 € e demonstração de acerto de contas;
    26. IVA do período 2017/12, com o n.º 2021... no valor de 1.850,81 €, respetiva liquidação de juros n.º 2021... no valor de 271,79 € e demonstração de acerto de contas; cfr. RIT
  7. A Requerente é advogado desde 10/09/2004. Cfr. RIT
  8. O Requerente exerce a sua atividade profissional em prática isolada, e tem domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia. Cfr. RIT
  9. O Requerente, para efeitos de IRS, está desde 2003-02-24 coletado pela atividade de Advogados, Código de Classificação das Atividades Económicas (CAE) n.º 6010, e desde 2015-01-01 optou pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada, estando ainda enquadrado, desta vez para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, por opção, desde 2011- 02-01. Cfr. RIT
  10. No de 2016 e 2017, o Requerente tinha associado à sua atividade profissional a conta bancária com o IBAN PT50 ... do banco Caixa Geral de Depósitos, S.A. Cfr. RIT
  11. Não obstante o Requerente ter indicado tal conta bancária sempre utilizou, simultaneamente, diversas contas bancárias por si tituladas, em diversas entidades bancárias, para receber valores provenientes dos seus clientes, incluindo para efetuar pagamento de quantias relacionadas com a sua atividade.
  12. O Requerente, apresentou reclamação graciosa dos atos de liquidação supra elencados. Cfr. PPA.
  13. O Requerente foi notificado do deferimento parcial expresso da reclamação graciosa datado de 30-12-2022. Cfr. PPA.

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

Atendendo a decisão tomada nos presentes autos, com base na violação do sigilo profissional de advogado, por força da violação do n.º 2 do artigo 63.º do LGT, não foram considerados, valorados ou identificados factos, alegações ou informações que pudessem de qualquer forma violar direta ou indiretamente o sigilo profissional por eles abrangido.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade das liquidações de IRS e IVA identificadas na factualidade e da decisão de deferimento parcial expresso da reclamação graciosa.

E neste âmbito importa aferir, as seguintes questões:

  1. A alegada violação do sigilo profissional;
  2. E a legalidade das correções efetuadas pela AT;

 

§4.2. Sobre a violação do sigilo profissional.

Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação do vício sobre a violação do sigilo profissional por preterição das formalidades legais previstas no n.º2 do artigo 63.º da LGT, por falta de autorização judicial previa para acesso a informação protegida pelo segredo profissional, no âmbito de uma inspeção tributária, e consequentemente implica a ilegalidade do procedimento, um vicio insanável, e consequentemente as liquidações emitidas são ilegais por violação de lei.

A posição da Requerente sobre esta questão é a seguinte:

A Requerente é advogado desde 10/09/2004. Exerce a sua atividade profissional em prática isolada, e tem domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ...-... Vila Nova de Gaia.

O Requerente tem atividade aberta na AT com o CAE 6010, e optou pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada, conforme previsto no artigo 28º, n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Na qualidade de advogado e em representação dos seus clientes, intervém em procedimentos administrativos, processos que correm termos nos notários, nas fases extrajudicial e judicial de litígios. No âmbito de procedimentos administrativos ou processos notariais, o Requerente recebe quantias dos seus clientes para, assim, liquidar todos os emolumentos que se mostrem necessários, e, recebe quantias dos seus clientes para entregar à contraparte ou, pelo contrário, recebe valores em nome e por conta dos seus clientes para posteriormente lhos entregar. E, na fase judicial, o Requerente recebe destes quantias para liquidar taxas de justiça no âmbito dos processos judiciais, o que fazia posteriormente, peticiona aos clientes e estes enviam ao Requerente valores atinentes ao pagamento de custas judiciais ou custas de partes, fazendo-os chegar ou ao Tribunal ou à contraparte.

E recebe, por conta dos seus clientes, no âmbito de tais processos judiciais, valores liquidados pela contraparte, pelos agentes de execução, administradores judiciais provisórios, administradores de insolvência, mandatários da parte contrária, do IGFEJ, entre outras.

Não obstante os receber os referidos valores nas suas contas bancárias, estes nunca lhe pertencem, mas sim aos seus clientes,

As contas bancárias do Requerente funcionam (e sempre funcionaram) como um mero ponto de passagem entre os seus clientes e as instituições ou agentes públicos, ou as partes contrárias nos litígios.

Em 2016 e 2017, o Requerente tinha associado à sua atividade profissional a conta bancária com o IBAN PT50 ... do banco Caixa Geral de Depósitos, S.A.,

O que se tratou de uma mera formalidade no momento de abertura de atividade junto da AT, e que só é exigida para efeitos de reembolso de IVA e IRS.

Não obstante o Requerente ter indicado tal conta bancária sempre utilizou, simultaneamente, diversas contas bancárias por si tituladas, em diversas entidades bancárias, para receber e efetuar pagamento de quantias relacionadas com a sua atividade,

Por ofício n.º 2021... de 15/03/2021, o Requerente foi notificado pela AT para apresentar elementos e esclarecimentos relacionados com os fluxos financeiros de entrada nas contas bancárias por si tituladas,

Ao que o Requerente veio a dar cumprimento no dia 19/04/2021, esclarecendo as questões que lhe foram colocadas, identificando a natureza, origem de cada um dos movimentos das suas contas bancárias conforme havia sido solicitado, e juntando documentação justificativa para o efeito

Do texto do RIT e dos quatro anexos que o acompanham, resulta que a AT fundamentou as correções meramente aritméticas – que deram origem às liquidações em crise – nas informações e documentos bancários relativos às contas bancárias tituladas pelo Requerente, e nas informações e/ou documentos fornecidos pelos clientes do Requerente contactados pela AT, cuja existência o Requerente ignora por nunca lhe terem sido notificados.

Defende que, tratando-se o Requerente de um advogado, a inspeção tributária tem, necessariamente contornos diferentes, procedimentos que a AT tem de seguir e que, no caso em apreço, não seguiu.

Enquanto advogado, o Requerente encontra-se adstrito ao cumprimento do dever de sigilo profissional, previsto no artigo 92º dos Estatutos da Ordem dos Advogados (EOA), relativamente aos factos especificados nas alíneas a) af) do n.º 1 deste normativo e, ainda, quanto a “documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo” (n.º 3).

O sigilo profissional do advogado é um dever deste profissional e é um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do Regulamento n.º 94/2006, de 12 de junho,

Encontrando-se, por isso, o advogado impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional.

Daí que, ao invés do que acontece para a derrogação do sigilo bancário (artigo 63º-B da LGT), o acesso à informação protegida pelo segredo profissional, no âmbito de uma  inspeção tributária, depende de autorização judicial (artigo 63º, n.º 2 da LGT).

Não existindo, neste âmbito, qualquer exceção que permita essa derrogação por simples ato Administrativo da AT.

Sucede que, no caso em apreço, a AT justifica o seu acesso às informações e documentos bancários do Requerente pelo facto de este, em 04/12/2020 “ter dado autorização voluntária de acesso a informações e documentos bancários por parte da Administração Tributária e Aduaneira.

Ou seja, a AT acedeu à informação bancária do Requerente tão só com base no consentimento que este deu para o efeito na diligência de inspeção externa, que teve lugar no dia 04/12/2020.

Considerando o discorrido, a informação bancária do Requerente encontra-se a coberto do sigilo profissional, pelo que a sua derrogação e a publicitação ou utilização das mesmas pela AT só poderia fazer-se mediante autorização legal – o que não se verificou no caso em apreço,

Pelo que a AT incumpriu o procedimento de obtenção de tais informações e documentação.

Para além de insuficiente, o consentimento do Requerente foi dado fora do contexto legal sendo, assim, ilícito.

Pelo que as liquidações em crise deverão ser consideradas ilegais, uma vez que o seu fundamento é o referido RIT.

Ora, não tendo o acesso a estes documentos e a sua utilização autorizada judicialmente – como previsto para a derrogação do sigilo profissional no âmbito do  procedimento inspetivo,

Tais documentos consubstanciam, igualmente, prova ilegal, uma vez que a AT violou o regime aplicável à derrogação do sigilo bancário em sede de inspeção.

A Requerida, contra-argumentou nos seguintes moldes:

A Requerida (AT), por sua vez, entende que as liquidações não se encontram eivadas de qualquer ilegalidade, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica

Ora, no caso concreto dos autos, os factos que o Requerente alega que estão protegidos pelo sigilo profissional, nada têm que ver com os factos ora controvertidos resultantes do acesso bancário devidamente autorizado pelo próprio.

De facto, os factos em dissensão nestes autos estão apenas relacionados com a postura contabilístico-fiscal do Requerente, e por esse motivo, são paralelos, estranhos e alheios a qualquer relação constituída através de mandato forense, a comprovar isso mesmo, veja-se que o RIT não faz qualquer menção a factos relacionados com qualquer relação central estabelecida entre advogado e cliente.

Não fosse suficiente, e nos termos já sopesados do Estatuto da AO e do já referido art.º 102º do mesmo, o advogado que detiver fundos dos seus clientes ou de terceiros, para efetuar pagamentos de despesas por conta daqueles, tem a obrigação de depositar numa conta separada, na conta da sua atividade, ou da sociedade de advogados a que pertence – a conta de clientes – aberta para o efeito, assim como manter registos completos e precisos relativos a todas as operações efetuadas com estes fundos, distinguindo-os de outros montantes por ele detidos.

Obrigação essa, a que o Requerente estava obrigado estatutariamente, e que o próprio confessadamente incumpriu, ao justificar alguns fluxos das suas contas bancárias com assuntos pessoais.

Face o ante exposto, não é assim possível afirmar que o caso dos autos configure uma típica situação de segredo profissional, nos termos previstos no EOA, por não estarem em causa factos relativos aos seus clientes, conhecidos pelo Requerente no exercício da sua profissão e que deva guardar segredo, razão pela qual o acesso à informação bancária não estava dependente de autorização judicial, sendo suficiente a autorização para acesso à documentação e informação bancárias, autorização essa que foi concedida pelo Requerente em 2020-12-04, nos termos do RGICSF

Não obstante, por outro lado, sempre se dirá que apenas haverá obrigatoriedade de  autorização judicial nos casos em que o advogado se oponha de forma expressa ao acesso às suas contas bancárias invocando segredo profissional, o que de resto não sucedeu no caso vertido nestes autos.

Não obstante, e pese embora não se conceda, na hipótese de se considerar opinião diversa, mesmo assim terá de se ter bem presente que, não é possível extrair a conclusão de que os elementos bancários recolhidos serviram, de per si, para o apuramento da matéria coletável, e que foram desnecessários quaisquer outros.

Pelo contrário, do relatório de inspeção, ressalta precisamente o inverso. Isto é, que foi lançada mão pelos SIT de outros elementos e recursos, que não apenas dos referidos elementos bancários.

De facto, e conforme resulta do ponto II.C.2.4, pág. 17 do RIT, os SIT notificaram inclusive 30 clientes do Requerente, para procederem à remessa de elementos e esclarecimentos relativos a(aos) serviços jurídicos prestados, nos anos de 2016 e 2017, pelo advogado ora Requerente, sendo que a generalidade dos notificados cumpriu com a sua notificação.

Assim, as conclusões acima referidas, e contidas no relatório, apontam inequivocamente para a consideração de outros elementos, elementos esses que estavam na posse de terceiros, e que foram tidos em conta no apuramento da matéria coletável, que não apenas os elementos bancários remetidos pelas instituições bancárias e que alegamente – na tese do Recorrente pelo menos – estariam sujeitos a sigilo profissional.

Nestes termos, afigura-se que a AT não violou o regime aplicável à derrogação do sigilo bancário em sede de inspeção, porquanto a realidade fática não exigia tal formalidade, não padecendo assim, as liquidações adicionais da ilegalidade que lhes foi imputada.

Nestes termos, e nos mais de direito, e com o mui douto suprimento de V. Ex.as: - Deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, passamos a apreciar a questão sub júdice.

Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável, relevante para a questão elencada.

Resulta do n. 1,2,3, e 5 do artigo 63.º da LGT o seguinte:

Artigo 63.º

Inspecção

1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:

a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;

b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;

c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;

d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;

e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;

f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.

2 - O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.

3 - Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.

(…)

5 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:

a) O acesso à habitação do contribuinte;

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com exceção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3; (Redação da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12)

c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;

d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.

Estabelece o artigo 92º dos Estatutos da Ordem dos Advogados (EOA), pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, o seguinte:

Artigo 92.º

Segredo profissional

1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.

5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.

7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.

8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.

Adicionalmente, o Regulamento n.º 94/2006, de  12 de junho, Regulamento de dispensa de segredo profissional, estabelece as regras e procedimentos para a dispensa do Segredo Profissional.

No n.º2 do artigo 2.º desse Regulamento, “A autorização para que o advogado possa revelar factos abrangidos pelo segredo profissional cabe ao presidente do conselho distrital respectivo.”

Dos normativos supra citados, é inequívoco, que o levantamento do sigilo profissional de Advogado, não é uma decisão unilateral do Advogado (Requerente) ou da Requerida, devendo obrigatoriamente ser precedido no caso de ser da iniciativa da AT, de uma autorização judicial previa, conforme impõem o n.º2 do artigo 63.º da LGT.

Consequentemente, esta falta de autorização judicial previa, tem como consequência vicio do procedimento e consequente ilegalidade das liquidações de que dele resultam.

Sendo, este o entendimento da jurisprudência. Temos presente, em particular, as decisões do Supremo Tribunal Administrativo, que ao interpretar os normativos legais contidos no artigo 63.º da LGT, na sua redacção dada pela Lei nº 30-G/2000 de 29/12 e artigo 63º-B da mesma LGT (alterado pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12) mas que, em substância, correspondem aos preceitos transcritos, apenas com uma diferença de numeração e invocando o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, consignou no seu Acórdão de 29.09.2010, proferido no processo n.º 0668/10, o seguinte:

 

Da conjugação e articulação de todo este regime jurídico, constata-se que a lei prevê um regime diferenciado, consoante a AT pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo bancário ou pretenda aceder a informação protegida pelo sigilo profissional ou outro dever de sigilo legalmente protegido.

No caso de derrogação do sigilo bancário a utilização da via judicial, por parte da AT, é facultativa, desde que estejam reunidos os pressupostos previstos no art. 63º-B da LGT.

Mas, no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo (cfr. Casalta Nabais, Fiscalidade, nº 10, pág. 21, citado nos acs. desta secção do STA, de 20/8/2008 e 2/12/2009, recs. nºs. 715/08 e 01116/09, respectivamente).

Não existindo, pois, uma total oponibilidade relativamente ao sigilo profissional, caberá, todavia, ao tribunal a apreciação dos fundamentos apresentados para a respectiva derrogação.

No caso vertente, os AA (ora recorridos) invocaram o sigilo profissional de advogado e a sentença recorrida veio a considerar que, apesar de não resultar dos autos que no decurso do procedimento tributário o requerente tivesse feito qualquer alusão a essa circunstância, invocou tal segredo profissional no recurso da decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos, e, por isso, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1), é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos factos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Ou seja, importava, no caso, que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT.

O recorrente sustenta, porém, que, inexistindo oposição por parte do contribuinte, e visando o procedimento, no caso, o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal terem invocado, pelo que, a correcta leitura dos arts. 63° e 63°-B da LGT, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.

Todavia, julgamos que a sentença decidiu de acordo com a lei.

Com efeito, sendo certo, como se disse, que no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo, a AT não poderia, a coberto da ressalva permitida, para o sigilo bancário, pelo art. 63º-B (derrogação deste quando estejam reunidos os pressupostos ali previstos) derrogar também o sigilo profissional, mesmo que o mesmo não tenha sido então invocado.

É que, embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição.

O que significa que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.

Até porque «o tribunal, em caso de oposição do contribuinte, não intervém para conceder dispensa do segredo, mas somente para certificar se o direito excepcionante do princípio geral de segredo de que goza a administração fiscal está a ser exercido no seu concreto campo, derrogando os princípios gerais da legalidade e da execução prévia dos actos administrativos» (cfr. Benjamim Rodrigues, in “O sigilo bancário e o sigilo fiscal”, na colectânea "Sigilo bancário", Lisboa, 1997, pg. 113, citado por Lima Guerreiro, LGT anotada, Anotação 16 ao art. 63º).

Daí que careça de suporte legal a alegação, por parte do recorrente, no sentido de que, pelo facto de não se ter oposto no procedimento, o contribuinte não pode agora invocar tal ilegalidade. Por um lado, não é verdade que o contribuinte não se tenha oposto, já que, quando foi perguntado sobre a disponibilização das suas contas bancárias, respondeu negativamente (cfr. auto de fls. 22 do apenso administrativo); por outro lado, se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo a al. b) do nº 4 do citado art. 63º da LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.

Aliás, como alegam os recorridos, o sigilo profissional do advogado, previsto no art. 87° do EOA, é um dever do advogado e é um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento - cfr. Regulamento nº 94/2006, de 12/6, pelo que está ele, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional. (( ) Sobre as questões atinentes à natureza jurídica do sigilo profissional do Advogado (dever de natureza puramente contratual, adveniente e baseado na relação estabelecida entre o advogado e o cliente, ou dever de natureza pública) cfr. Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pags. 337 e sgts..)

Daí que, ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro dos referidos pressupostos, pode ser derrogado pela própria AT), para o sigilo profissional a autorização judicial seja, como acima se disse, a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT.

E segundo o disposto naquele art. 87° o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, quanto aos factos especificados nas als. a) a f) desse normativo, sublinhando-se no seu nº 3 que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

Ora, como aponta o MP e os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.

Não pode, assim, proceder a alegação do recorrente, no sentido de que «a correcta leitura dos preceitos indicados, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte destes fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários» e no sentido de que «o sigilo profissional, para além de um dever é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento».

Como se refere na sentença recorrida, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA, é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos fácticos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Pelo que, no caso, importava que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT, porquanto a excepção ou ressalva consagradas nos nºs. 2 e 4, al. b) do art. 63° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo, apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, não se englobando aí o sigilo profissional.

E nem se vê que esta interpretação viole o disposto nos arts. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT; antes pelo contrário: só o estrito cumprimento da lei é que pode assegurar a prossecução dos princípios ali referidos, o que, como vimos, não sucedeu no presente caso.

Improcedem, pois, as Conclusões a) a i) e ac).

6. Quanto à questão [cfr. Conclusões j) a ab)] que se prende com o entendimento de que, por um lado, se retira do nº l do artigo 87° do EOA que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo, sendo que inexiste tal carácter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, também o recorrente carece de razão legal.

Com efeito, como se expressou no citado ac. deste STA, de 2/12/2009, rec. 01116/09, aceitando-se que «no caso do segredo profissional e, em especial, no que está em causa nos autos - segredo profissional de advogado - em que a ponderação dos interesses envolvidos reveste uma especial importância e relevo para a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção” - cfr. Acórdão de 15/12/2004, rec. nº 1862/03 (secção administrativa)», então, «perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial» e «se estamos em face de recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do art. 63º citado, não pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos elementos das contas e informações bancárias».

Até porque, como se disse, prevendo-se no nº 3 do art. 87º do EOA que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, há que concluir que as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.”

É isso mesmo que se alcança da leitura do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 16.09.2015, proferido no processo n.º 99/15: «A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito. - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.».

Isto mesmo reconheceu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2009, proferido no processo n.º 1116/09, ao consignar que o sigilo profissional tem por «(…) preocupação a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção.»

Veja-se também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 236/18.8BELLE de 06-12-2018, que concluiu da seguinte forma:

I. O advogado está obrigado a guardar segredo profissional relativamente a factos conhecidos pelo exercício da sua profissão ou da prestação dos seus serviços (cfr. artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09).

II. Como tal pode, estando em causa, a relação de confiança advogado-cliente, o acesso à informação protegida pelo segredo profissional depende de autorização judicial (cfr.63.º, n.º2 da LGT).

Aderindo por inteiro à tese da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, e aplicando a mesma ao presente caso, verifica-se que a AT deveria ter requerido a autorização judicial nos termos do artigo 63.°, n.º2 da LGT, e que o consentimento dado pela Requerente de acesso as contas bancarias não afasta essa necessidade, e não podendo ser simples derrogação administrativa.

Procedimento, que nos autos que não foi cumprido.

Alias, a AT alega que entrou em contacto com 30 clientes da Requerente, para a recolha da documentação, tendo assim pleno conhecimento que a documentação e informação que tinha intenção de recolher decorriam diretamente da atividade profissional da Requerente, e abrangida por Sigilo Profissional.

Igualmente, é colocada a questão nos autos, que as contas bancarias eram usadas a título pessoal e profissional, sendo no entender da AT motivo de exclusão da necessidade da autorização judicial previa.

A legislação, no seu artigo 63.º da LGT, não prevê expressamente essa situação como motivo de exclusão, pelo que a invocação por parte do Requerente, sendo Advogado, e a sua profissão estar legalmente abrangida pelo Sigilo Profissional, que as suas contas são de utilização profissional, mesmo que tenham alguma utilização pessoal, é suficiente para estar abrangida pelo sigilo profissional.

Questão alias, que a jurisprudência já respondeu, conforme supra citada, e que confirma que as contas com utilização mista estão abrangidas pelo sigilo e pela obrigação da autorização judicial nos termos do artigo 63.°, n.º2 da LGT

Não é possível aceder à conta bancária do Advogado, sem abranger a “devassa do segredo profissional”, uma vez que desta forma, a Administração Fiscal tem acesso às informações bancárias dos clientes, bem como a movimentos financeiros abrangidos pelo sigilo profissional.

Ora, para chegar a conclusão de que as contas eram de utilização mista, a mesma implicou o acesso as mesmas, logo estaria já vertido de vicio a obtenção dessa prova por falta da autorização judicial previa prevista no n.º2 do artigo 63.º da LGT.

Adicionalmente, o n.º2 do artigo 63.º da LGT, aplica-se a toda a informação abrangida pelo Sigilo Profissional de Advogado, pelo que dos autos e do RIT, o acesso por parte da AT a informação abrangida pelo sigilo sem o devido procedimento legal obrigatório, implicaria um vicio de todo o procedimento.

Inclusive, do RIT, não permite concluir qual a informação, prova e respetivas conclusões que levaram as correções, que não resultaram direta ou indiretamente do acesso indevido a informação protegida pelo sigilo profissional.

A natureza da inspeção tributaria levada a cabo, é diretamente resultante da atividade profissional do Requerente, e de alegadas movimentações e recebimento não tributados, e não de outra atividade profissional desenvolvida pela Requerente ou a título pessoal.

Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade invocada pela Requerente, determinando-se a anulação dos actos de liquidação de IRS e IVA e juros compensatórios aqui contestados.

 

§4.3. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Face à solução a que se chegou, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, determinar a anulação dos actos de liquidação de IRS e IVA e juros compensatórios contestados;
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 199.450,72, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IVA e de juros compensatórios cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 672.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerida suportar na razão do respetivo decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de abril de 2024

 

Os Árbitros,

 

 Fernanda Maçãs (Árbitra-Presidente)

 

 

Pedro Guerra Alves (Arbitro Vogal- relator)

 

 

Francisco Carvalho Furtado (Arbitro Vogal)