Decisão Arbitral
Os Árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro (árbitro-presidente), Dr. Rodrigo Rabeca Domingues (árbitro-vogal relator) e Dra. Sofia Ricardo Borges (árbitro-vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
1. No dia 07-08-2023, a A... Lda., NIPC ..., com sede no ..., Rua ..., Nº..., ... ...-... ... (doravante “Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1 alínea b) e 10.º, n.º 1 alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º do Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), peticionando a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2022..., demonstração de juros compensatórios n.º 2022... e acertos de contas n.º 2022..., referentes ao exercício de 2019, no valor global de €116.224,56.
2. Os atos de liquidação supra têm subjacentes as correções efetuadas ao resultado tributável de IRC e às tributações autónomas, firmadas na ação inspetiva desenvolvida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa a coberto da Ordem de serviço interna n.º OI2021... de âmbito parcial – IRC, que concluiu, para efeitos de apuramento do resultado tributável, pelo acréscimo das importâncias pagas a pessoas coletivas residentes em Hong Kong (€23.695,25) e Singapura (€167.643,18), no montante total de €191.338,43, para efeitos de apuramento do resultado tributável, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC (“CIRC”), valor sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC (€66.968,45), conforme fundamentação expressa no relatório da ação inspetiva.
3. Com base no acima, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e por objeto mediato a apreciação da legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referentes ao período de tributação de 2019, supra identificados.
4. Para fundamentar o seu pedido, alega a Requerente, em síntese, que:
a. Os gastos suportados com as importâncias pagas a sociedade com sede em território sujeito a regime fiscal claramente mais favorável (Hong Kong) são dedutíveis para efeitos fiscais, por corresponderem a operações efetivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado, estando por isso verificadas as condições exigidas pela alínea r) do artigo 23.º-A do CIRC;
b. As importâncias pagas a sociedade com sede em território sujeito a regime fiscal claramente mais favorável (Hong Kong) não estão sujeitas a tributação autónoma, por não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC.
5. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
6. No dia 09-08-2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT.
7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que atempadamente comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8. Em 28-09-2023, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo qualquer delas manifestado vontade de recusar.
9. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 18-10-2023.
10. Já no decurso da tramitação do processo arbitral, a Requerida, por despacho de revogação parcial emitido pela Direção de Serviços do IRC (“DSIRC”), comunicado à referente pelo ofício n.º ..., de 9-11-2023, procedeu à revogação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada com o n.º ...2023..., anulando, em €165.643,18 as correções à matéria coletável, e em €58.675,11 as correções à tributação autónoma.
11. Conforme síntese apresentada no quadro seguinte, manteve a AT as correções à matéria coletável no montante de €23.695,25, e as correções à tributação autónoma, no montante de €8.293,34, e que respeitam a importâncias pagas a pessoa coletiva residente em Hong Kong, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, valor sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC (€8.293,34).
Correções
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Correções efetuadas
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Correções anuladas
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Correções mantidas
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À matéria coletável
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191,338.43 €
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167,643.18 €
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23,695.25 €
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Ao imposto (tributação autónoma)
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66,968.45 €
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58,675.11 €
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8,293.34 €
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12. Em 27-11-2023, a Requerente notificou o Tribunal Arbitral da aceitação decisão referida no ponto 10 anterior, solicitando a prossecução dos autos no que se reporta às correções remanescentes.
13. Em 13-12-2023, a Requerida apresentou a sua resposta, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral na parte que não foi objeto de revogação parcial.
14. Por despacho de 20-12-2023, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao que as Partes não se opuseram e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas e notificou-se a Requerente para efeitos de pagamento da taxa arbitral subsequente.
15. As Partes apresentaram alegações reiterando as posições supra mencionadas.
II – SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. DECISÃO
A. Matéria de facto
A.1 Factos dados como provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:
a. A Requerente exerce, a título principal, a atividade de cosmética e higiene (CAE 47750).
b. A Requerente assume a forma de sociedade de responsabilidade limitada.
c. A Requerente está sujeita, em sede de IRC, ao regime geral de tributação.
d. A B… Limited tem residência na China.
e. A C… Limited tem residência em Hong Kong.
f. Consta do PA uma declaração (“Statement”), não assinada, com a denominação da C... Limited no topo, onde se lê que a B... Limited e aquela são detidas pela mesma pessoa singular, que não se identifica, e que esta última é a fábrica daquela; (cfr doc. 7 PA)
g. A B... Limited emitiu duas faturas, ambas com o mesmo n.º KL-20181113 e datadas de 12/11/2018, no valor total, cada uma, de $74.370,00. Uma das faturas refere “30 % deposit”, no valor de $23.311,00, e a outra “70% deposit”, no valor de $52.059,00. Qualquer uma das faturas menciona, na parte referente aos dados para pagamento, o seguinte: “company name: C... Ltd” e “beneficiary bank: HSBC Hong Kong”. As faturas em apreço constam do processo administrativo.
h. A B... Limited emitiu uma fatura com o n.º KL20190214, datada de 14-02-2019, no valor total de $5.950,00, com 120 unidades no descritivo. Na parte referente aos dados para pagamento, aquela fatura refere o seguinte: “company name: C... Ltd” e “beneficiary bank: HSBC Hong Kong”. A fatura em apreço consta do processo administrativo.
i. Os descritivos das faturas supra indicadas, e que, constam do processo administrativo, dizem respeito a equipamentos eletrónicos de aplicação de produtos cosméticos e de beleza, o que se constata quer dos descritivos dos produtos, quer das imagens apostas em algumas faturas.
j. Das faturas emitidas pela B... Limited consta a indicação da sociedade a quem a Requerente deve efetuar o pagamento dos bens. Nas faturas juntas nos autos atesta-se, em alguns casos, que o pagamento deve ser efetuado à sociedade B... Limited (conforme, nomeadamente, documento n.º11 do pedido de pronúncia arbitral), e em outros, que o pagamento deve ser efetuado à sociedade C... Limited (conforme faturas indicadas nos pontos g) e h) supra, juntas no processo administrativo).
k. A Requerente efetuou pagamentos ao fornecedor B... Limited, através de transferência bancária para uma conta em Singapura, assim como à C... Limited, por transferência bancária para uma conta em Hong Kong, conforme comprovativos de transferência para o estrangeiro constantes do processo administrativo.
l. Em 21-12-2018, a Requerente efetuou um pagamento de $52.059,00 (com contra valor de €46.017,79), através de transferência bancária para a instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como cliente beneficiário a sociedade C... Limited. O documento de transferência para o estrangeiro, junto no processo administrativo, refere o seguinte, na parte sobre “informação p/beneficiário”: “B..., Ltd, C..., Ltd (…) Inv n.º: KL-20181113 (…)”.
m. Em 15-01-2019, a Requerente efetuou um pagamento de $20.750,00 (com contra valor de €18.321,33), através de transferência bancária para a instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como beneficiária a sociedade C... Limited. O documento de transferência para o estrangeiro, junto no processo administrativo, refere o seguinte, na parte sobre “informação p/beneficiário”: “B..., Ltd, C..., Ltd (…) Inv n.º: KL-20190107 (…)”.
n. Em 14-02-2019, a Requerente efetuou um pagamento de $5.950,00 (com contra valor de €5.329,58), através de transferência bancária para a instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como beneficiária a sociedade C... Limited. O documento de transferência para o estrangeiro, junto no processo administrativo, refere o seguinte, na parte sobre “informação p/beneficiário”: “B..., Ltd, C..., Ltd (…) Inv n.º: KL-20190214 (…)”.
o. A declaração aduaneira de importação n.º 2019PT..., datada de 06-03-2019, apresenta um valor faturado de $5.950,00, total de Volumes 6, e a mercadoria apresenta como país de origem Hong Kong. O documento em apreço consta do processo administrativo.
p. A transferência ordenada pela Requerente em 14-02-2019, no montante de €5.329,58 ($5.950,00), corresponde, em valor, ao constante (i) da fatura n.º KL-20190214 e (ii) da declaração aduaneira de importação n.º 2019PT..., datada de 06-03-2019, ambos os documentos constantes do processo administrativo.
q. Em 2020-04-17, o Banco D..., S.A., com o NIF..., submeteu uma Declaração de Substituição da Modelo 38 - Transferências Transfronteiras referente à Requerente e ao período de 2019, no montante total de €310.873,32, conforme se pode constatar no quadro seguinte, inscrito na p. 15 do relatório de inspeção (conforme documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral):
r. Com base na informação inscrita na declaração Modelo 38, relativa ao período de 2019, e aposta no relatório de inspeção, a Requerente ordenou várias transferências com destino a contas bancárias tituladas por pessoa coletiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável (Hong Kong, a C... Limited).
s. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interna, de âmbito geral, ao exercício de 2019, em cumprimento das Ordens de Serviço OI2021..., com despacho de 29-06-2021.
t. Em 20-07-2021, a AT solicitou à Requerente, através de mensagem de correio eletrónico, o envio de elementos e informações adicionais, nomeadamente, no que a este processo respeita:
“4. Listagem com o detalhe das transferências e envios de fundos efetuados, evidenciando as faturas que estão a ser pagas em cada transferência; guias de transporte e meios de pagamento referentes às transferências discriminadas no quadro seguinte
”
u. Através do ofício n.º ..., de 17-09-2021, a AT solicitou à Requerente a apresentação de elementos e esclarecimentos referentes a sete transferências transfronteiriças, cujo teor, na parte que releva, se transcreve:
“Na sequência do e-mail, remetido em 20-07-2021, e nos termos do previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), nos artigos 9.º, 28.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e no n.º 1.º, n.º 7 e n.º 8 do artigo 23.º A. do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e tendo em vista a confirmação dos elementos declarados, solicita-se que, no prazo de 30 dias, remeta a este Serviço os elementos ou esclarecimentos a seguir indicados, preferencialmente para o email acima indicado:
— Listagem com o detalhe das transferências e envios de fundos efetuados, evidenciando as faturas que estão a ser pagas em cada transferência; guias de transporte e meios de pagamento referentes às transferências discriminadas no quadro seguinte:
”
v. A Requerente respondeu apenas em parte aos pedidos de elementos e esclarecimentos da AT, conforme indicado a pp. 17-18 do relatório de inspeção (doc. n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral).
w. A Requerente foi notificada do ofício n.º ..., datado de 07-12-2021, contendo o projeto de relatório final de inspeção e a notificação para exercer o direito de audição, que consta do processo administrativo.
x. A Requerente respondeu à notificação da AT, exercendo o direito de audição, que consta do processo administrativo e cujo teor e anexos se dão como reproduzidos.
Relativamente às questões em causa neste processo arbitral refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“B. Das operações transfronteiriças enquanto gasto fiscalmente aceite ponto 111.1.1.2.1 do PRI:
5.°
Quanto à primeira situação referente à aceitação como gasto fiscalmente aceite das operações transfronteiriças em que existem pagamentos a residentes sujeitas a um regime fiscalmente privilegiado, desde já se reconhece que as dúvidas colocadas pela AT são legitimas face à (não) informação fornecidas pela A... em sede do pedido de esclarecimento suscitado pela AT.
6.°
Assim efetivamente a A... reconhece que por falha na compreensão do solicitado pela AT em sede do presente procedimento de inspeção não forneceu à AT, os elementos necessários a preencher a regra do ônus da prova contida no art° 65° do CIRC (em vigor em 2019 hoje art° 23°1r) do CIRC,) em que se estabelece uma inversão do ônus da prova e da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes e dos seus documentos de suporte art° 75° da LGT, que determina que quando estão em causa pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, cabe aos sujeitos passivos o ônus especial de esclarecer e fornecer à AT os elementos necessários e adequados aprovar que esses encargos correspondem operações efetivamente realizadas e não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.
7.°
E nesse sentido vem-se agora fornecer todos esses elementos bem como prestar as informações necessárias ao cabal esclarecimento de todos estes pagamentos no sentido de preencher o ônus da prova supra identificado que nos termos legais cabe à A..., declarando desde já que se a AT entender que necessita de elementos adicionais para o efeito que a A... está totalmente disponível para os fornecer ou mesmo esclarecer qualquer dúvida em sede de uma reunião acordar para o efeito.
8.°
Assim todos estes pagamentos dizem respeito a aquisições efetuadas pela A... ao seu principal fornecedor Chinês a empresa B... sendo que este seu fornecedor que tem sede na China é que solicitou que os pagamentos fossem efetuados para contas sediadas em Hong Kong e Singapura.
9.°
Por outro lado, esses pagamentos dizem respeito a aquisições de entre outros os supra identificados equipamentos electrónicos de aplicação dos produtos cosméticos e de beleza, que depois e no âmbito da actividade da A... são vendidos aos seus clientes.
10.º
1. Assim quanto à transferência com data de 16 de janeiro de 2019, a A... efetivamente realizou uma transferência no valor de $20.750,00, para o seu principal fornecedor chinês (B...) para um Banco em Hong-Kong. Esta transferência serviu de meio de pagamento de parte da fatura n.° KL-20181113 no valor total de $74.370,00, sendo o remanescente liquidado de igual forma em 21 de dezembro de 2018. A mercadoria identificada na factura, foi enviada para Portugal e despachada pela E... na Alfândega do aeroporto de Lisboa.
Parte dessa mercadoria consta dos documentos aduaneiros n.° 2019PT... e 2019PT... (Anexo 1).
2. Quanto à transferência com data de 15 de fevereiro de 2019 a A... a realizou uma transferência no valor de $5.950,00 para o seu fornecedor chinês (B...) para um Banco em Hong-Kong. Esta transferência serviu de meio de pagamento da fatura n.° KL-20190214 no valor total de $5.950,00. A mercadoria identificada na factura foi enviada para Portugal e despachada pela E... na Alfândega do aeroporto de Lisboa. Essa mercadoria consta do documento aduaneiro n.° 2019PT... (Anexo 2).”
y. Em 21-01-2022, na sequência do exercício do direito de Audição pela Requerente, a AT solicitou, através de mensagem de correio eletrónico, o envio de elementos e informações adicionais, nomeadamente, no que a este processo respeita, o seguinte:
“
”
z. Em 8-02-2022, foi emitido o relatório final de inspeção, que consta do processo administrativo e do documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral.
aa. Daquele relatório, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte relativamente às questões em causa neste processo arbitral:
“I. CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
I.1. Descrição sucinta das conclusões da ação de Inspeção Como resultado da ação inspetiva interna efetuada ao exercício de 2019 para efeitos de controlo do cumprimento de obrigações tributáveis, foram detetadas irregularidades em sede de apuramento do resultado tributável, as quais se encontram discriminados e fundamentados neste relatório, conforme quadro seguinte:
II.2. IRC – Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas Descrição 2019
I.1.2. Correções em sede de Tributação Autónoma
III.1.1.1. GASTOS NÃO DEDUTÍVEIS
No ano de 2019 foram detetados na contabilidade o registo de gastos que não são fiscalmente aceites.
Identificam-se nos pontos seguintes as correções propostas distribuídas por imposto:
Como nota Introdutória é Imperativo referir o seguinte:
Dispõe o art.º 123.° do CIRC:
… “As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.°3 do art.17°, permita o controlo do lucro tributável”…"
O n.º 2 do já citado art.º 123.° do CIRC refere que:
–2 - Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário;”
Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em I.R.C. tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do art.º 17.°. n.º 1, do CIRC, a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir controlo do Lucro Tributável (n.º 1, art.º 123.° do CIRC).
Por sua vez. o art.° 23.° do CIRC determina que
... “Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”
A indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa na prossecução das respetivas atividades.
A relevância fiscal de um gasto continua assim dependente de uma ponderação de critérios, tais como, a prova da sua necessidade, adequação, ou da produção do resultado, sendo que a falta geral dessas características gera a dúvida sobre se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse (por exemplo, do sócio), ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.
Contudo, para que os gastos enumerados sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais:
— Que sejam comprovados documentalmente (nos termos dos n.º(s) 3.4 e 6) do art.° 23.° do CIRC;
— Que sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como gasto fiscal. Esta cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, exige que estes sejam incorridos para obter ou garantir "rendimentos sujeitos a IRC." Para que um gasto comprovado seja dedutível fiscalmente em sede de IRC, é necessário que esses documentos tenham efetivamente servido de suporte às operações e transações realizadas e que essas sejam indispensáveis à realização dos proveitos. Estes documentos devem referir o fim específico que lhes foi dado, de molde a permitir concluir que os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
A falta documental impossibilita a Autoridade Tributária de aferir se tal gasto é indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelas alíneas b) e c) do n.º1 do art.º 23.°- A do CIRC.
Resulta ainda do art.º 31.°, n.º 2 da LGT, que constituem obrigações acessórias do sujeito passivo “as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevante, incluindo a contabilidade ou escrita.” (negrito nosso).
(…)
III.1.1.1.2. Modelo –8 - Declaração de Operações Transfronteiras
A Modelo –8 - Declaração de Operações Transfronteiras destina-se ao cumprimento da obrigação referida nos n.os 2 e 6 do art.º 63.° -A da LGT.
A Modelo –8 - Declaração de Operações Transfronteiras é um modelo oficial, aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e é preenchida e entregue eletronicamente pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e as demais entidades que prestem serviços de pagamento, que efetuem transferências e envios de fundos e que tenham como destinatário entidade localizada em pais, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável, com exceção dos pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei e das operações efetuadas por pessoas coletivas de direito público. Em 2020-04-17, o BANCO D..., S.A., NIF ..., submeteu uma Declaração de Substituição da Modelo 38 - Transferências Transfronteiras referente ao sujeito passivo, no montante total de € 310.873,32, conforme se pode constatar no quadro seguinte (Anexo 12);
III.1.1.1.2.1. Controlo Transferências Transfronteiras/Modelo 38
A declaração modelo 38, relativa a operações transfronteiras, destina-se a cumprir a obrigação prevista nos n.º 2 e n.º 7 do artigo 63.°-A da Lei Geral Tributária, relativamente às transferências e envios de fundos que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação mais favorável que não sejam relativas a pagamentos de rendimentos sujeitos a algum dos regimes de comunicação para efeitos fiscais já previstos na lei ou operações efetuadas por pessoas coletivas de direito público.
Neste sentido, a declaração modelo 38 deve ser apresentada pelas instituições de crédito, as sociedades financeiras e as demais entidades que prestem serviços de pagamento, relativamente às transferências e envios de fundos que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável.
Com base na informação recolhida de tal declaração, relativa ao período em análise, apurou-se que a entidade A... ordenou várias transferências com destino a contas bancárias tituladas por pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável.
Nos termos do artigo 63.º D da LGT considera-se que uma pessoa singular ou coletiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
Ora, dos elementos comunicados na declaração modelo 38, referente à entidade A..., relativa ao período de 2019, constam transferências para território perfeitamente identificado, na Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada de acordo com a Portaria n.º 292/2011, de 8 de novembro, e a Portaria n.º 345-A/2016, 30 de dezembro, nomeadamente Hong-Kong, tendo como beneficiários a sociedade C... Ltd e consta igualmente transferências para Singapura (pais que não consta das citadas Portarias) para a sociedade B... Ltd.
Segundo o n.º 1 do artigo 65.º do Código do IRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Para procedermos à validação das operações inerentes às transferências financeiras transfronteiras, solicitámos ao sujeito passivo (Anexos 2 e4) para apresentar listagem com o detalhe das transferências e envios de fundos efetuados, evidenciando as faturas que estão a ser pagas em cada transferência; guias de transporte e meios de pagamento referentes às transferências discriminadas no quadro seguinte:
Em resposta aos nossos pedidos de elementos/esclarecimentos o sujeito passivo apenas disponibilizou documentos emitidos pelo banco, nomeadamente (Anexo 13):
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 20.750,00 (contravalor € 18.321,33), em 2019-01-15, entidade beneficiária "C... LTD";
Documento de extrato de avisos, no montante de USD 5.980,00 (contravalor € 5.385,50), em 2019-02-15, entidade beneficiária "C... LTD";
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 23.590,00 (contravalor € 21.215,94), em 2019-03-29, entidade beneficiária "B... LTD";
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 47.526,00 (contravalor € 42.872,99), em 2019-04-30, entidade beneficiária "B... LTD";
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 34.013,70 (contravalor € 31.188,06), em 2019-09-17, entidade beneficiária "B... LTD", com a seguinte informação p/beneficiária: "original invoice NKL-20190917";
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 79.365,30 (contravalor € 72.347,58), em 2019-10-16, entidade beneficiária "B...”TD", com o seguinte motivo da operação: "1–1 - mercadorias";
- Documento de Transferência para o Estrangeiro, no montante de USD 24.885,00 (contravalor € 22.675,74), em 2019-12-23, entidade beneficiária "B...”TD", com a seguinte informação p/beneficiário:" invoice KL-20191209".
Não obstante as nossas solicitações, no sentido de validarmos as operações inerentes às transferências financeiras o sujeito passivo não apresentou a documentação de suporte solicitada. Apenas enviou documentos bancários inerentes às Transferências para o Estrangeiro efetuadas para as duas entidades.
Segundo a alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado. Por sua vez, o sujeito passivo, a quem competia o ônus da prova, nos termos da parte final da alínea r) do n.º 1 do art.º 23.º-A do Código do IR ("salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado") não conseguiu demonstrar que as operações tinham carácter ae montantes normais.
Importa assim referir o seguinte:
As transferências a seguir identificadas foram efetuadas para Hong Kong, país constante da portaria, pelo que a não comprovação que as mesmas correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado conduz a não consideração das mesmas como gastos nos termos do n.º 1 do art.º 23.º e da alínea r), do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC e estão igualmente sujeitas a tributação autónoma, nos termos do n.º 8 do art.º 88.º do CIRC.
Constata-se, no entanto, que para além dos documentos bancários não foi enviado nenhum elemento que justifique a razão de tais transferências, isto é, não foram remetidas faturas, nem o comprovativo dos transportes, nem outros documentos que permitissem a AT aferir da indispensabilidade do gasto.
Acresce o facto, que à semelhança das transferências efetuadas para Hong Kong, além dos documentos bancários enviados inerentes às transferências efetuadas para Singapura, não foi enviado nenhum elemento que justifique a razão de tais transferências, não permitindo à AT aferir da indispensabilidade do gasto.
Assim, ignorando-se o motivo pelas quais foram efetuadas estas transferências e não existindo documentos comprovativos, nem identificadas quanto à sua origem, natureza ou finalidade, devem tais quantias ser consideradas como não especificadas, isto é, despesa confidencial, pelo que não poderá ser dedutível, o valor de € 213.956,84 (€ 23.695,25 + € 190.261,59), visto que não se encontram preenchidos os requisitos dos art.º 23 e 23.º-A, do CIRC conjugados quer com o art.º 123.º do mesmo normativo, quer com o n.º 2 do art.º 31.° da LGT.
Tributação autónoma
Não obstante o n.º 8 do art.º 88 do CIRC, referir que: São sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2. consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer titulo, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e ai submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras ai residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. Face à falta de apresentação dos documentos que comprovem a razão das transferências para Hong Kong, as mesmas são sujeitas a tributação autônoma inerentes a Despesas confidenciais referidas no n.º 1 do art.º 88 do CIRC e sujeitas à taxa de 50%, pelo que o valor total em falta inerente as transferências bancárias, ascende a € 106.978,42 [(€ 23.695,25 + € 190.261,59) x 50%].
III.1.1.1.3. Total das correções em sede de IRC
Em síntese, do que se encontra exposto, relativamente ao período de 2019, propõem-se correções à matéria coletável em sede de IRC no valor de € 316.464,84.
III.1.2. Tributação Autónoma
Nos termos do n.º 1 do artigo 88.° do Código do IR“, "as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50% (.”.)".
O quadro seguinte apresenta os valores anteriores de tributação autônoma liquidada, a correção proposta e os valores corrigidos.
(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado nos termos do art.º 60 da LGT e art.º 60 do RCPITA para exercer o direito de audição através do ofício n.º... datado de 2021/12/07, registo dos CTT n.º RD ... PT. (Anexo 14)
O sujeito passivo solicitou prorrogação do prazo estabelecido para exercer o direito de audição. O mesmo foi concedido. (Anexos 15 e 16)
O direito de audição foi exercido (Anexo 17) sendo a seguir identificados os pontos para os quais o sujeito passivo apresentou contestação.
IX.1. Período de 2019 IX.1.1.
Em sede de IRC IX.1.1.1. Em resposta ao ponto
III.1.1.1. GASTOS NÃO DEDUTÍVEIS
(…)
IX.1.1.1.2. Controlo Transferências Transfronteira/Modelo 38, onde foram propostas correções no montante de € 213.956,84 e Tributação Autónoma no montante de € 106.978,42 inerente a despesas confidenciais por não ter sida enviada documentação inerente às Transferências Transfronteira/Modelo 38
— Em relação à Transferência Transfronteira para a entidade beneficiária "C... LTD", em 2019.01-16, no montante de € 18.365,43:
O sujeito passivo declarou o seguinte:
— Em relação à Transferência Transfronteira para a entidade beneficiária "C... LTD", em 2019-02-15, no montante de € 5.329,82:
O sujeito passivo declarou o seguinte:
(…)
bb. Na sequência das correções efetuadas em sede de inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC 2022 ..., relativa ao ano de 2019, e ainda da liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ..., da compensação n.º 2022..., datada de 18-02-2018, e da demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., relativa ao ano de 2019, no valor de €116.224,56, conforme documento n.º 5 no pedido de pronúncia arbitral.
cc. A liquidação adicional de IRC em causa resulta de correções ao resultado tributável e em sede de tributação autónoma, firmadas na ação inspetiva a coberto da Ordem de serviço interna n.º OI2021..., que concluiu, para efeitos de apuramento do resultado tributável, pelo acréscimo das importâncias pagas a pessoa coletiva residente em Hong Kong (€23.695,25) e Singapura (€167.643,18), no montante total de €191.338,43, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e da alínea r) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, valor sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos do n.º 8 do artigo 88.º do CIRC (€66.968,45).
dd. Em 21-05-2022, a Requerente procedeu ao pagamento do IRC de 2019, no valor de €117.017,67, conforme documento n.º 8 no pedido de pronúncia arbitral.
ee. A Requerente apresentou reclamação graciosa em 19-07-2022, tendo por objeto a supra referida liquidação, conforme documento n.º 6 no pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, incluindo respetivos anexos, constantes do processo administrativo.
ff. Em acréscimo a outros elementos documentais prestados pela Requerente no direito de audição, foram submetidos com a reclamação graciosa os seguintes documentos:
i. Cópia de um statement, não assinado, da B... Limited, nos termos do qual aquela entidade declara que o mesmo número de fatura comercial com valores diferentes é normal e usual na China (“We declare that same commercial invoice no. with different values, this is normal and usual in China”), constante do processo administrativo.
ii. Cópia de um statement, não assinado, da B… Limited, nos termos do qual se declara que o proprietário da C… Limited e da B… Limited é a mesma pessoa, que não se identifica, e que a B… Company é a fábrica da C… Limited (“We declare the owner of C… Limited and B… Limited is one same person, B… Company is the Factory of C… Limited”), constante do processo administrativo
iii. Cópia da annual return da C... Limited., com informação sobre o respetivo acionista, constante do processo administrativo.
iv. Mensagem de correio eletrónico de 27-04-2022, com remetente o endereço ...@...com, e com destinatário o endereço ...@b...pt, constante do processo administrativo, com o teor que se transcreve, na parte que releva para o processo:
gg. Em 31-03-2023 foi exarado despacho com o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, constante do processo administrativo.
hh. A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia, através do ofício n.º ..., de 04-04-2023, previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária (“LGT”), faculdade que não exerceu, conforme documento n.º 7 no pedido de pronúncia arbitral e documento no processo administrativo.
ii. Através do ofício n.º ..., a Requerente foi notificada que, em 08-05-2023, foi exarado despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Chefe de Direção de Finanças, constante do processo administrativo.
Relativamente às questões em causa neste processo arbitral refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“III – ALEGAÇÕES DA RECLAMANTE
A reclamante, na sua petição, pretende a anulação da liquidação adicional antes identificada, que teve por base as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária em cumprimento da ordem de serviço nº OI2021..., referente ao exercício de 2019, alegando em síntese, que:
1-Para além das situações esclarecidas, à AT, em sede de direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo, vem agora apresentar esclarecimentos adicionais quanto às restantes (cinco) operações transfronteiriças enquanto gastos fiscalmente aceites, apesar de entender que o ónus da prova já estava cumprido;(§2 a §5).
2- A ”A...” é uma sociedade que atua na área de negócio dos produtos de beleza e dos cosméticos, utiliza ferramentas de marketing digital, serviços contratualizados com terceiros, com fidelização, nomeadamente, a “…” que divulga nas redes sociais e em outros canais, os seus produtos e fornece contacto, “Call Center”-“4U2Call e Justcall” aos possíveis interessados para obter informações e demonstrações desses produtos e, para os quais, possui um conjunto de funcionários/comissionistas, aos quais tem de dar formação;(§6 a §7(1 a 5));
3-Os mecanismos eletrónicos, bem como os cosméticos, únicos e exclusivos, comercializados pela “A...” são importados de um fornecedor chinês –“B...”, do qual é muito dependente e daí ter que aceitar as exigências do mesmo, em termos de pagamento que muitas vezes tem de ser totalmente antecipado ou quando é parcial, no momento do pagamento do valor restante em falta, emite nova fatura pela diferença, com o mesmo número, uma vez que as regras de faturação são muito diferentes;(§7 (6 e 7) e §14)
4-Em alguns casos exigiu que as encomendas fossem pagas a uma filial sediada em Hong Kong onde tem conta, a “C...”, e outras vezes em contas detidas no banco em Singapura, onde também têm contas a “B...”, práticas comuns no comércio internacional, sendo que as dúvidas suscitadas pela AT, resultam das disparidades entre as exigências formais entre o ordenamento jurídico Português e o Chinês;(§7 (8 a 10) §8 e §10, §11, §13)
5-Quanto à transferência de 2019-01-16, a encomenda foi efetuada à “B...”, emitiu a fatura “KL-20190107”, em que a primeira tranche (€18.321,33) foi efetuada para uma conta sediada em Hong Kong de uma filial – “C...”, por atraso na encomenda, emitiu nova fatura nº ”KL-20181113” -€46.017,79; (§15)
6-Quanto à transferência de 2019-02-15, a encomenda foi efetuada à “B...” que emitiu a primeira fatura nº ”KL-20190214”, que depois comunicou à reclamante que o pagamento fosse efetuado para uma conta sediada em Hong Kong de uma filial a “C...”; (§16º)
7-Quanto à transferência de 2019-03-29, efetuada para o fornecedor chinês “B...”, para o banco em Singapura, corresponde ao pagamento da fatura “KL-20190225”, no montante de $33.700, a qual foi paga em duas tranches, em 2019-02-20 e 2019-03-29. O remanescente no valor de $11.500 corresponde ao pagamento de pequenas “peças/componentes” que são parte dos produtos vendidos e que ocorreu por erro nos valores entregues na alfandega para efeitos de “DUA”; (§17º)
8-Quanto à transferência de 2019-04-30, encomenda efetuada à “B...”, a qual apenas emitiu a fatura “KL-20190408”, no montante global de “USD 67.895”, paga em duas tranches de $20.639 e US 47.526,00, em que para justificar o montante de $25.174 existem “DUAs” e para justificar o remanescente não existem “DUAs” mas foi justificado pelo transitário “...”; (§18º)
9- Quanto às transferências de 2019-09-16 e 2019-09-17, foram realizadas duas transferências nos valores de $34.013,70 e $79.365,30 para a “B...”, banco em Singapura, para pagar a fatura “KL-20190917”, no total de $113.379,00 e a diferença no montante de $13150 corresponde ao pagamento de pequenas “peças” utilizadas na produção das mercadorias vendidas, e (§19º)
10-Considera que efetuou todos os esclarecimentos e juntou todos os documentos necessários para comprovar que estão em causa pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado e que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não tem carater anormal, e propõe a audição de várias testemunhas, pelo que devem ser as liquidações adicionais anuladas. (§20º a§26º).
IV – DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS
A ora reclamante foi alvo de um procedimento de inspeção interno, ao abrigo da ordem de serviço nº OI2021..., de âmbito parcial, para o exercício de 2019, no âmbito do controlo declarativo aos valores dos “Benefícios Fiscais deduzidos”, em que se efetuaram correções à matéria tributável no montante global de €191.338,43 e imposto em falta-IRC, no montante de €66.968,45, subjacentes aos atos tributários em crise na presente reclamação graciosa.
Conforme se retira do relatório de inspeção tributária (RIT), anexo ao GPS, em sede de IRC, foram verificadas irregularidades que se traduziram nas correções a seguir discriminadas e que estão na origem da liquidação adicional aqui em análise, designadamente:
I)“.. apurou-se que a entidade A... ordenou várias transferências com destino a contas bancárias tituladas, …, fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável”, as quais não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “(…) salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não tem caráter anormal ou um montante exagerado.”
II) “(…), o sujeito passivo não provou que as transferências de fundos no valor de €191.338,43, correspondem a operações reais e não demonstrou que não tem caráter anormal e nem que não eram de montante exagerado.”, e (Cfr. pontos III.1.1.2.2.1e IX1.1.1.2. do RIT)
III)“(…) face a não apresentação de documentação comprovativa das transferências efetuadas, (…), a tributação será efetuada nos termos do nº8 do artigo 88º do CIRC”, de resultou um montante de imposto em falta no valor de €66.968,45. (cfr. pontos III.1.2 e IX1.1.1.4. do RIT), Para fundamentar o seu pedido, a reclamante juntou cópia de onze (11) documentos, que a seguir se discriminam:
– Demonstrações da Liquidação Adicional de IRC, Nota de compensação, Demonstração de Acerto de Contas–“Doc. Nº1, nº2 e nº30”; Declaração da “B...”-Doc.nº3; Email Explicações/Esclarecimentos . Doc. Nº4; Fatura “KL-20181113” -Doc.nº5; Fatura “KL-2019014”-Doc.nº6; Declaração da “C...”-Doc.nº7; Comprovativo em como a “C,,,” tem conta em Banco de Hong Kong-Doc.nº8; Fatura “KL-20190225”-Doc.Nº9; Fatura “KL-20190917”–Doc.nº10 e Fatura “KL-20190408” e documento “...”– Doc. Nº11.
Após consulta à base de dados da Autoridade Tributária, constatamos que: - Em 2020-06-28, submeteu e entregou a declaração de rendimentos modelo 22 – ...-2020-...-..., em que declarou um resultado líquido do exercício no montante de €557.115,04, apurou um lucro tributável no valor de €592.404,47, a qual foi liquidada e transferida para cobrança, tendo sido emitida a Nota de Cobrança nº2020... .
Em 2022-02-03, por consequência do procedimento inspetivo realizado ao abrigo da ordem de serviço antes identificada, foi recolhida a declaração de correção nº...-2022-... -..., de que resultou um lucro tributável de €783.742,90, a qual foi liquidada e transferida para cobrança, tendo sido emitida a Nota de Cobrança nº2022..., aqui em crise. A reclamante, é uma sociedade por quotas, constituída no ano de 2017, com sede fiscal no Edifício..., Rua ... nº...-... -... - ... ..., registada para a atividade principal de “COM. RET.PROD. COSMÉTICOS E EHIGIENE, ESTB.ESPEC., CAE – 47750 e na atividade secundária de “ACT.DAS SOCIEDAES FINANVEIRAS PARA AQUISIÇÕES A CRÉDITO, CAE - 064922”.
A 2022-04-26, não tendo a ora reclamante procedido ao pagamento da referida quantia dentro do prazo legal, foi instaurado o processo de execução fiscal nº ...2022..., com base na certidão de dívida nº 2022..., o qual se encontra na fase “F900 – Extinto” por Pagamento em 2022-05-24.
V - ANÁLISE GLOBAL E PARECER
Como antes mencionado, no âmbito do procedimento inspetivo antes referido ao exercício de 2019, foram os resultados fiscais declarados corrigidos, tendo por base, gastos reconhecidos na contabilidade, nomeadamente, “Transferências Financeiras Transfronteiriças” efetuadas para “Hong Kong e Singapura”, que por não ter sido demonstrado pelo sujeito passivo tratar-se de operações reais e que não tinham carater anormal ou de montante exagerado, nos termos dos artigos 23º e 23º-A, foram consideras não dedutíveis fiscalmente, e sujeitas a tributação autónoma, nos termos do nº8 do artigo 88, todos do CIRC.
Analisada a reclamação graciosa apresentada pela reclamante e o relatório dos SIT, podemos verificar que, na sua generalidade, as alegações e os documentos apresentados nesta sede são semelhantes às efetuadas e recolhidos em sede de procedimento inspetivo, pelo que, quanto à matéria de facto aqui em análise, fundamentada no relatório de inspeção, cujas conclusões aqui defendemos e para o qual remetemos, competindo-nos referir essencialmente o seguinte:
No que concerne ao enquadramento legal que sustentou as correções aqui em crise, verifica-se que os SIT, consideraram que os gastos registados na contabilidade da ora reclamante, nomeadamente as transferências transfronteiriças para contas bancárias tituladas por pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, no montante total de €191.338,43, não são dedutíveis fiscalmente, por não se verificarem cumpridos os requisitos de dedutibilidade fiscal previstos nos artigos 23º e 23º-A, ambos do CIRC.
E, não tendo sido provado que estas operações seriam reais, que não tinham carater anormal e não eram de montante exagerado, foram estes gastos sujeitos a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos do disposto no nº8 do artigo 88º do mesmo diploma legal.
No que se refere às operações (“Transferências”), aqui identificadas nos n.ºs 5 a 9 do ponto III desta informação, verifica-se que as mesmas já foram sujeitas a apreciação pelos SIT, em sede de procedimento inspetivo, conforme o ponto “IX1.1.1.2” do RIT, em relação às quais foram apresentados, na sua generalidade, documentos justificativos, enquadramento da atividade desenvolvida e esclarecimentos similares aos agora apresentados, nesta sede, em que “(…) não foi possível à AT aferir a dedutibilidade do gasto e a não sujeição da tributação autónoma”.
Apesar de ter apresentado alguns esclarecimentos e documentos adicionais, nomeadamente, os Doc. nº3, nº4 e nº11, verifica-se que as “incongruências” detetadas em sede de direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo se mantêm, não sendo igualmente possível comprovar o alegado pela reclamante, bem como validar a dedutibilidade fiscal das operações subjacentes às correções aqui em análise.
(…)
Em conclusão, em sede de reclamação graciosa, a reclamante não apresentou documentos relevantes e suficientes para comprovar o alegado, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº1 do artigo 74º da LGT, ficando, assim, demonstrado a existência de erros ou inexatidões, suscetíveis de correção fiscal.
Deste modo, afigura-se-nos ser de manter a liquidação adicional de IRC nº2022..., referente ao período de tributação de 2019.
VI – PROPOSTA DE DECISÃO
Em face do exposto e, salvo melhor entendimento, a argumentação deduzida pela reclamante não merece acolhimento, pelo que se propõe o INDEFERIMENTO da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos acima descritos.
jj. Em 07-08-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
kk. Por despacho de revogação parcial emitido pela Direção de Serviços do IRC (“DSIRC”), comunicado à referente pelo ofício n.º..., de 9-11-2023, e junto nos autos, a AT procedeu à revogação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada com o n.º ...2023....
No essencial, no que àquela revogação respeita, a AT conclui que, das cinco operações questionadas em sede inspetiva, a saber:
i. Transferência em 16-01-2019, para a C... Limited, no montante de €18.365,43 ($20.750);
ii. Transferência em 15-02-2019, para a C... Limited, no montante de €5.329,82 ($5.950,00);
iii. Transferência em 01-04-2019, para a B... Limited, no montante de €21.187,54 ($23.590);
iv. Transferência em 30-04-2019, para a B... Limited, no montante de €42.727,68 ($47.526); e
v. Transferências em 17-09-2019 e em 16-10-2019, para a B... Limited, nos montantes de €31.097,66 e de €72.630,29 ($34.013,70 e $79.365,30);
… são desconsideradas as correções efetuadas com referência às operações iii., iv. e v. anteriores, fundamentando que “Relativamente a todas a transferências bancárias efetuadas pela Requerente para Singapura (país que não consta da citada Portaria), a favor da empresa B..., LTD, no montante total de €167.643,18 e embora não tenha sido possível à AT determinar indubitavelmente qual a sua finalidade e operação económica subjacente, não lhe pode ser aplicável o regime fiscal previsto na alínea r) do n.º 1 do art.º 23.º - A do CIRC e n.º 8 do art.º 88.º do CIRC, normas legais que serviram de suporte à fundamentação do ato ora controvertido (ver páginas 18 e 29 do RIT).”
Acrescenta ainda que “da análise à fundamentação da correção em apreço inserta no RIT, não existe qualquer referência ao registo contabilístico desta operação financeira, mormente evidência de que aquelas transferências bancárias no montante de €167.643,18 a favor da empresa B..., LTD, foram consideradas como gasto para efeitos de Informação determinação do resultado tributável de 2019. Assim, e não sendo aplicável às importâncias pagas à B..., LTD por transferência bancária para Singapura, o regime fiscal previsto na alínea r) do n.º 1 do art.º 23.º - A do CIRC e n.º 8 do art.º 88.º do CIRC, serão de anular as correções efetuadas pelos SIT, tanto em sede de apuramento do resultado tributável (€167.643,18) como em sede de tributações autónomas (€58 675,11)”.
Conclui por fim a AT que “4. Com a nota de que conforme despacho de revogação parcial da DSIRC e que foi invocado e incorporado na Resposta da AT, determinou-se a revogação parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos seguintes termos:
5. No demais não nos merece qualquer outro reparo o acto recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável, ao contrário do alegado pelo contribuinte, aqui requerente.
6. Tendo em atenção a factualidade que emana dos autos, nomeadamente do processo administrativo que oportunamente se juntou, e da prova testemunhal produzida, o acto de liquidação corrigido deverá ser mantido na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado, nos autos em apreço que a argumentação aduzida pela Requerente terá que soçobrar.
7. Pelo que decaem os argumentos invocados pela Requerente quer no requerimento inicial, quer nas alegações agora apresentadas, expressa e integralmente impugnados.”
A.2 Factos não provados
a. A C... Limited emitiu uma fatura com o n.º KL-20190107.
b. A transferência ordenada pela Requerente em 16-01.2019, no montante de €18.365,43 ($20.750,00) corresponde ou apresenta ligação direta à fatura n.º KL-20190107.
c. A transferência ordenada pela Requerente em 16-01.2019, no montante de €18.365,43 ($20.750,00) corresponde ou apresenta ligação direta às duas faturas com o mesmo n.º, KL20181113, e a mesma data, 12/11/2018.
d. A transferência ordenada pela Requerente em 16-01.2019, no montante de €18.365,43 ($20.750,00) corresponde ou apresenta ligação direta às declarações aduaneiras de importação n.ºs 2019PT... e 2019PT..., de 11-09-2019 e 01-02-2019, respetivamente.
e. As duas faturas com o mesmo n.º, KL20181113, e a mesma data, 12/11/2018, correspondem ou apresentam ligação direta às declarações aduaneiras de importação n.ºs 2019PT... e 2019PT..., de 11-09-2019 e 01-02-2019, respetivamente.
f. Os bens descritos nas faturas KL20181113 e KL-20190214 foram efetivamente adquiridos pela Requerente.
A.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e factos não controvertidos, os documentos juntos com o PPA e no PA, com relevo para a decisão, e que “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/131.
O Tribunal formou assim a sua convicção quanto à factualidade provada e não provada com base nos documentos juntos à petição, no decurso do processo e no processo administrativo junto pela AT.
B. Matéria de direito
B.1 O thema decidendum
Conforme se expôs, indica a Requerente, e aceita a Requerida, que a primeira, e fundamental, questão a decidir nos presentes autos radica em saber se as importâncias transferidas em 2019 pela Requerente a sociedade com sede em território sujeito a regime fiscal claramente mais favorável (C... Limited, em Hong Kong), faturadas pela B... Limited com descritivo relativo a equipamentos eletrónicos de aplicação dos produtos cosméticos e de beleza, correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal e nem um montante exagerado, conforme exigido pela alínea r) do n.º 1 artigo 23.º-A do CIRC. Melhor, saber se a Requerente afastou a presunção legal de que assim não é.
O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre: (i) a tributação autónoma; (ii) a fundamentação dos atos tributários; (ii) os juros compensatórios; e (iii) o direito a juros indemnizatórios.
B.2 Da dedutibilidade dos pagamentos e entidade sujeita a regime fiscal mais favorável e da tributação autónoma
B.2.1 Enquadramento jurídico-fiscal
Nesta matéria, alega a Requerente que os gastos suportados com quantias pagas às entidades referidas, com sede em Hong Kong, são dedutíveis para efeitos fiscais, e que não estão sujeitos a tributação autónoma, por corresponderem a operações efetivamente realizadas e não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.
Em causa nesta parte está, portanto, a aplicação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), e n.ºs 7 e 8, do CIRC (na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, alterada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), e do artigo 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabelecem o seguinte, no que ao caso interessa:
“Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal a que se referem os n.os 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)
7 - O disposto na alínea r) do n.º 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se referem os n.os 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.
8 - Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.”
“Artigo 88º
Taxas de tributação autónoma
1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A. (...)
8 - São sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável a que se refere o n.º 1 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária, ou cujo pagamento seja efetuado em contas abertas em instituições financeiras aí residentes ou domiciliadas, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)”.
Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável, o território de Hong Kong estava incluído, em 2019, na “lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis”, aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pelas Portarias n.ºs 292/2011, de 8 de novembro e 345-A/2016, de 30 de dezembro.
Assim, tendo os montantes em causa sido pagos a entidades residentes num território constante da referida lista, não restam dúvidas de que o disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r) se deve aplicar.
Em questão está, no caso sub iudice, a prova, imposta pelas supra-citadas normas, relativamente à efetividade das operações e ao carácter não anormal e montante não exagerado das mesmas, prova essa cujo ónus, nos termos das normas aplicáveis, assiste à Requerente.
B.2.2 Caracterização da norma em abstrato
Como ensina Gustavo Lopes Courinha, “Nestes casos, encontramo-nos diante de uma reação especial de caráter anti-abusivo, que contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efetivamente realizadas” – e outras de planeamento abusivo – “operações (com) carácter anormal ou um montante exagerado”. No primeiro dos casos, visam-se operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação ao nível da prova pela Administração Fiscal; no segundo, operações reais pretendidas pelas partes, embora por vezes estruturadas de modo a obter uma vantagem fiscal indevida. Sendo que, para ambos os casos, se determinou como sanção a não dedução de tais quantias para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo demonstração em contrário da previsão pelo contribuinte (inversão do ónus da prova).” GUSTAVO LOPES COURINHA, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 93.
Trata-se de dispositivo que assenta na presunção - ainda que ilidível - de que as operações realizadas com entidades residentes em jurisdições de regime fiscal mais favorável são total ou parcialmente simuladas ou não seriam realizadas pelos sujeitos passivos caso fossem tidos em consideração critérios objetivos de racionalidade económica e substância.
A necessária decorrência desse efeito presuntivo traduz-se em fazer impender sobre o sujeito passivo, por via do mecanismo de inversão do ónus da prova, o duplo encargo de demonstrar que as operações foram efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou, ainda que possuam um racional económico, não comportam, quanto à sua contraprestação, um montante exagerado.
Conforme já analisado por Tribunal Arbitral no CAAD, nomeadamente no processo n.º 10/2012-T: “Esse preceito é uma daquelas disposições normativas que são normalmente designadas como normas anti-abuso especiais, na medida em impede os contribuintes de, numa situação específica, usarem uma determinada conduta para obterem uma vantagem fiscal. Lida com os pagamentos ou importâncias devidas a entidades residentes fora do território português e aí sujeitas a um regime fiscal mais favorável, desconsiderando-os para efeitos de determinação do lucro tributável, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”
Como se observa no acórdão proferido por Tribunal Arbitral no CAAD, no processo n.º 198/2017-T: “Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência”.
Nesse mesmo sentido aponta o acórdão do TCA Sul, de 19-02-2015, no processo n.º 08126/14, que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, evidenciando a importância da demonstração das provas, em detrimento da forma, cujo sumário se transcreve:
“No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”
Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.
A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT, apresentando-lhe os meios de prova da efetividade da operação e do caráter não anormal e montante não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a dedutibilidade em questão. Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte um “ónus probandi” em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do n.º 1 do artigo 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé “as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”. E se o contribuinte não lograr produzir a referida prova, afastando a presunção legal, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação.
Como se escreveu no acórdão do TCA Sul, de 05-11-2015, proferido no processo n.º 07022/13, estamos perante a “aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
a- Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b- Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.”.
Podendo-se, ainda, ler no mesmo aresto que:
“Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr. v.g. artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, (...) ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.”
Considera-se que a prova de que “tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas” obedece a uma dimensão objetiva, a prova de que as operações a que correspondem os encargos ocorreram na realidade objetiva, e uma dimensão subjetiva, que tiveram como sujeito passivo o contribuinte que suportou o encargo, por um lado, e a pessoa singular ou coletiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, por outro.
Tal como já se discutiu nesta sede, o sentido de operações efetivamente realizadas deve ser determinado por oposição a operações que não se realizaram, ou que apenas ocorreram de forma simulada. Ou seja, operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação ao nível da prova pela Administração Fiscal.
Será, portanto, à luz dos critérios indicados que se haverá de aferir a legalidade dos atos tributários sub iudice.
B.2.3 Análise da situação concreta
Conforme resulta das normas aplicáveis e já expostas, e da interpretação judicial que das mesmas é feita, e que previamente se expôs também, cumpre apurar se se encontra feita pela Requerente a prova de que:
a. Estamos perante operações efetivamente realizadas; e que
b. As mesmas não têm um carácter anormal e que o montante em causa não é exagerado.
Como se acaba de ver, a primeira questão a verificar relativamente à legalidade, ou não, da dedução de custos efetuada pela Requerente, e em causa nos presentes autos de pronúncia arbitral, prende-se com a demonstração de que os encargos deduzidos correspondem a operações efetivamente realizadas.
A este respeito, a Requerente fez um esforço probatório direcionado no sentido de demonstrar, em suma, que as compras e vendas de mercadorias faturadas pela B... Limited e alegadamente pagas pela Requerente à C... Limited foram efetivamente realizadas.
Importa primeiramente recordar que a correção efetuada pela AT em sede inspetiva resulta da confrontação entre os dados declarados na Modelo 38 e os esclarecimentos e prova prestados pela Requerente.
A Modelo 38 (Declaração de Operações Transfronteiras) destina-se ao cumprimento da obrigação referida nos n.ºs 2 e 6 do artigo 63.°-A da LGT, e constitui um modelo oficial aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, o qual é preenchido e entregue eletronicamente pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e as demais entidades que prestem serviços de pagamento, que efetuem transferências e envios de fundos e que tenham como destinatário entidade localizada em pais, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável.
Com base na informação recolhida pela AT na declaração de substituição da Modelo 38 entregue pelo Banco D..., S.A., relativa ao período em análise, apurou-se que a Requerente efetuou várias transferências com destino a contas bancárias tituladas em Hong Kong pela C... Limited.
Os atos de liquidação de IRC em apreciação nos autos respeitam a duas daquelas operações, a saber
i. Transferência transfronteira para a entidade beneficiária C... Limited, em 16-01-2019, no montante de €18.365,43 ($20.750,00); e
ii. Transferência transfronteira para a entidade beneficiária C... Limited, em 15-02-2019, no montante de €5.329,58 ($5 950,00).
Entende este Tribunal que a realidade objetiva e substancial subjacente às duas operações é distinto, o que merece a respetiva apreciação de forma separada.
Ora, vejamos.
a) Operação no valor de €18.365,43 de 15-01-2019
Foi assente e dado como provado que a Requerente apresentou os seguintes elementos documentais aquando do exercício do direito de audição, para justificar a transferência bancária efetuada em 16-01-2019, no montante de €18.365,43 ($20.750,00), e que teve como beneficiária a C... Limited, em Hong Kong:
i. Duas faturas emitidas pela B... Limited. ambas com o mesmo n.º KL-20181113 e datadas de 12/11/2018, no valor total, cada uma, de $74.370,00. Uma das faturas refere “30 % deposit”, no valor de $23.311,00, e a outra “70% deposit”, no valor de $52.059,00). Qualquer uma das faturas menciona, na parte referente aos dados para pagamento “company name: C... Ltd” e “beneficiary bank: HSBC Hong Kong”.
ii. Um documento de transferência para o estrangeiro, que atesta a realização de uma transferência de fundos, no valor de $52.059,00 (com contra valor em €46.017,79), realizada em 21-12-2018, para instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como cliente beneficiário a sociedade C... Limited, residente em Hong Kong. O documento de transferência para o estrangeiro refere, na parte sobre “informação p/beneficiário”: “B..., Ltd, C..., Ltd (…) Inv n.º: KL-20181113 (…)”.
iii. Um documento de transferência para o estrangeiro, que atesta a realização de uma transferência de fundos, no valor de $20.750,00 (com contra valor em €18.321,33), realizada em 15-01-2019, para instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como cliente beneficiário a sociedade C... Limited, residente em Hong Kong. O documento de transferência para o estrangeiro refere, na parte sobre “B..., Ltd, C..., Ltd (…) Inv n.º: KL-20190107 (…)”.
iv. Duas declarações aduaneira de importação n.ºs 2019PT... e 2019PT..., datadas respetivamente de 11-09-2019 e 01-02-2019. A primeira, com um valor faturado de $8.800 e a segunda um valor faturado de $60.800.
No relatório de inspeção, a AT considera em suma que:
i. Apesar de o sujeito passivo “ter apresentado novos elementos/documentação no exercício do direito de audição, a documentação enviada não permitiu à AT aferir a dedutibilidade do gasto e a não sujeição da tributação autónoma)”.
ii. Explicando em seguida que, solicitou esclarecimentos, nomeadamente: “o facto o documento de transferência bancário enviado, antes de ser elaborado o Projeto de Relatório, fazer referência ao invoice n..º KL-20190107 e ter sido enviada documentação inerente ao invoice n.º KL-20181113; o invoice ter sido emitido por uma entidade, e a transferência bancária efetuada a outra entidade; ao abrigo do n.º 7 do art.º 60 LGT.”,
iii. Terminando referindo que “até à presente data, o sujeito passivo não apresentou nem documentação, nem esclarecimentos”.
Face ao acima, vem a Requerente, em sede de reclamação graciosa e também no pedido de pronuncia arbitral, afirmar que:
i. Perante o atraso na encomenda, a B... Limited. emitiu uma nova fatura com o n.º KL-20181113 no valor global de US $ 74.370, com base na qual a Requerente efetuou o pagamento remanescente de $52.059 (€46.017,79). “A fatura KL -20190107 foi cancelada pelo fornecedor, tendo os pagamentos sido efetuados por conta da fatura KL-20181113”.
ii. “Tudo no valor global de USD $ 72.809, já que o remanescente foi assumido pela B... como compensação pelo atraso no envio da encomenda. Com efeito, a fatura em causa deveria ter sido paga com duas transferências de nos valores de $ 22.311,00 e de $ 52.059,00. A primeira transferência no valor de $ 20.750,00 foi efetuada por conta da fatura KL 20190107, o que com a anulação desta foi utilizada na fatura KL-20181113, sendo que a diferença, no valor de $ 1.561,00 foi assumida pelo fornecedor.
Face à matéria de facto dada como provada, entende este Tribunal que não ficou cumprido o ónus probatório que sobre a Requerente impendia.
Pese embora tenham sido enviados comprovativos bancários das duas transferências no valor de $52 059,00 (€46.017,79) e $20.750,00 (€18.321,33) e que esses montantes correspondam aos declarados no Modelo 38, não é possível estabelecer uma correspondência direta entre o valor dessas transferências (mormente da questionada pela AT, no valor de $20.750,00 - €18.321,33) e os elementos juntos pela Requerente.
Desde logo, não foi enviada documentação que ateste a emissão da fatura KL-20190107, a qual, segundo a Requerente e os esclarecimentos prestados pela B... Limited, serve de comprovação à transferência questionada pela AT, no valor de $20.750,00 (€18.321,33). Por outro lado, a fatura que alegadamente terá sido emitida em substituição (KL-20181113) não apresenta qualquer correlação com o montante da transferência bancária de $20.750,00 (€18.321,33), porquanto nem o seu total, no montante de $74.370,00, nem mesmo o montante correspondente a 30% ($23.311,00, conforme fatura), se afigura corresponder à transferência sub judice. Por mais, a Requerente não provou cabalmente a divergências entre tais valores, nem as mensagens de correio eletrónico juntas pela Requerente são consideradas insuficientes para se dar como assentes as desconformidades detetadas. Em acréscimo, não resulta da prova apresentada que o valor e quantidade das mercadorias transacionadas (conforme declarações aduaneiras) tenha aderência aos bens faturados (quantidade e valor, tal como inscritos nas faturas), o que não permite estabelecer, para lá de qualquer dúvida razoável, que os bens faturados associados às transferências (em particular a de $20.750,00 - €18 321,33) foram efetivamente adquiridos pela Requerente.
Com efeito, não resulta do acervo fáctico nem da prova coligida através do processo administrativo e do relatório de inspeção tributária ou por via dos documentos juntos aos autos, que o pagamento efetuado corresponda a operações (transação de bens) reais e verdadeiras, efetivamente realizadas, sendo que essa é uma prova que incumbia à Requerente produzir à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea r) do Código de IRC.
Assim, e em suma, a não demonstração, in casu, de que as operações a que correspondem os encargos deduzidos, relativos a pagamentos realizados a pessoa coletiva residente fora do território português e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, foram efetivamente realizadas, determina a ilegalidade de tal dedução, bem como a sujeição de tais encargos a tributação autónoma, sendo que não tem ao caso aplicação a jurisprudência arbitral citada pela Requerente, na medida em que nos casos ali julgados foi feita prova suficiente da efetividade das operações realizadas. Sendo, como se expôs anteriormente, cumulativos os requisitos de prova, em aplicação das normas previamente convocadas, e não tendo sido feita a prova desde logo de um deles, é inútil a apreciação da verificação dos restantes.
Havendo fundamento para não aceitar a dedutibilidade dos gastos em causa, nos termos do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea r), do CIRC, e não sendo possível fazer corresponder os documentos da aquisição de bens (faturas e documentos alfandegários) a esses gastos, há fundamento para a aplicação da tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º do CIRC, que também tem subjacente a mesma falta de prova.
Assim, conclui-se que o ato de liquidação relativo ao exercício de 2019, na parte que corresponde a esta operação, não enferma de vício de violação do artigo 23-ºA, n.º 1, alínea r) e do artigo 88.º, n.º8, do CIRC.
b) Operação no valor de €5.329,58 de 14-02-2019
Foi dado como provado que a Requerente apresentou os seguintes elementos documentais aquando do exercício do direito de audição, para justificar a transferência bancária efetuada em 16-02-2019, no montante de €5.329,58 ($5.950,00):
i. Uma fatura emitida pela B... Limited, com o n.º KL-20190214, datada de 15-11-2018, no valor total no valor de $5.950,00, com 120 unidades no descritivo. Na parte referente aos dados para pagamento a fatura refere “company name: C... Ltd” e “beneficiary bank: HSBC Hong Kong”.
ii. Um documento de transferência para o estrangeiro, que atesta a realização de uma transferência de fundos, no valor de $5.950,00 (€5.329,58), realizada em 14-02-2019, para instituição financeira localizada em Hong Kong, tendo como cliente beneficiário a sociedade C... Limited., residente em Hong Kong. O documento de transferência para o estrangeiro refere o seguinte, na parte sobre “informação p/beneficiário”: “B..., Ltd, C..., Ltd(…) Inv n.º: KL-20190214 (…)”.
iii. Uma declaração aduaneira de importação n.º 2019PT..., datada de 06-03-2019, com um valor faturado de $5.950,00, um total de 6 Volumes, e cuja mercadoria apresenta como país de origem Hong Kong.
iv. Uma fatura n.º FT 004/90571, emitida pela entidade E..., Unipessoal, Lda., em 07-03-2019, no montante de €137,93.
No relatório de inspeção (p.24), refere a AT que:
i. Apesar de o sujeito passivo “ter apresentado novos elementos/documentação no exercício do direito de audição, a documentação enviada não permitiu à AT aferir a dedutibilidade do gasto e a não sujeição da tributação autónoma”.
ii. Explicando em seguida que, solicitou esclarecimentos, nomeadamente: “o invoice ter sido emitido por uma entidade, e a transferência bancária efetuada a outra entidade”.
iii. Terminando referindo que, “até à presente data, o sujeito passivo não apresentou nem documentação, nem esclarecimentos.”
Nesta sequência, como fundamentação do ato de indeferimento, a AT remete para o relatório de inspeção, invocando que “No que se refere às operações (“Transferências”), aqui identificadas nos n.ºs 5 a 9 do ponto III desta informação, verifica-se que as mesmas já foram sujeitas a apreciação pelos SIT, em sede de procedimento inspetivo, conforme o ponto “IX1.1.1.2” do RIT, em relação às quais foram apresentados, na sua generalidade, documentos justificativos, enquadramento da atividade desenvolvida e esclarecimentos similares aos agora apresentados, nesta sede, em que “(…) não foi possível à AT aferir a dedutibilidade do gasto e a não sujeição da tributação autónoma.
Apesar de ter apresentado alguns esclarecimentos e documentos adicionais, nomeadamente, os Doc. nº3, nº4 e nº11, verifica-se que as “incongruências” detetadas em sede de direito de audição no âmbito do procedimento inspetivo se mantêm, não sendo igualmente possível comprovar o alegado pela reclamante, bem como validar a dedutibilidade fiscal das operações subjacentes às correções aqui em análise” (cfr. notificação de audição prévia, junta como documento n.º 7 ao pedido de pronúncia arbitral).
Lê-se no Pedido de Pronúncia Arbitral “que os valores pagos à B... não têm um caráter anormal, dado que foram adquiridos outros produtos com o mesmo preço que não foram questionados pela AT” (cfr. §134º), circunstância que também fundamenta o montante não exagerado dos produtos adquiridos (cfr. §135º). “O montante dos produtos decorre, assim, das circunstâncias em que surgiu a oportunidade subjacente à compra dos mesmos e dos termos negociais praticados pelo seu fornecedor que se aplicam aos mercados onde operam. De resto, as vendas realizadas pela requerente e os proveitos e ganhos declarados ao longo dos anos apenas reforça o carácter razoável e perfeitamente justificado dos preços dos produtos pagos à B... sem os quais tais ganhos e consequente obtenção de rendimento tributável não teria sido possível (cfr. §136º e 137º).
Conclui a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, “que os pagamentos efetuados a título de produtos adquiridos a essa empresa, não têm um montante exagerado, devendo os atos aqui contestados ser anulados por erro nos pressupostos de facto” (cfr. §138º).
Ora, da apreciação do caso em apreço, consideradas as provas carreadas nos autos, mais uma vez a Requerente não logrou fazer a prova, desde logo, da materialidade das operações. Com efeito, a dupla prova exigida aos sujeitos passivos nesta sede, para assim afastarem a presunção legal de não materialidade, não se basta com uma prova formal (v. supraJurisprudência transcrita a respeito).
Como supra, a Requerente apresentou elementos atinentes à realização formal da operação – fatura e documento de transferência para o estrangeiro. Porém, não provou, nem resulta provado nos autos, a relação que alega existir entre a entidade que lhe facturou os bens e a entidade para a qual fez a transferência, em Hong Kong (a C...).
Assim: na Reclamação Graciosa (RG) alega que a C... é uma filial da B...; por sua vez no PPA remete para o que havia explicado a esse respeito ali, na RG; por sua vez encontra-se junta aos autos (v probatório, supra) declaração da B... na qual se afirma que a B... e a C... são detidas por uma mesma pessoa, sem que se identifique quem. Mais aí se declara que a B... é a fábrica da C... (cfr. probatório supra, al. f) – doc. 7 no PA). No mais, consta cópia de um Annual Return (v. supra probatório) da C... do qual consta a informação do accionista desta (e só desta). Não se provando, assim, a alegada relação entre a B... e a entidade sediada em país constante da lista (Hong Kong) para a qual realizou a transferência aqui em questão.
A materialidade da operação que vem alegada não resulta, assim, provada. Não está provado o facto comercial na origem do pagamento – para usar a expressão contida em Jursiprudência referida acima (v. supra, p. 42 - Ac. do TCA Sul). E a fundamentação do acto encontra, pois, respaldo na realidade.
Acresce, se necessário fosse (que não é - dado o que vimos de ver), que quanto ao carácter não anormal e ao montante não exagerado também a Requerente não logra prová-los. Limita-se a afirmar/alegar que as “vantagens auferidas pela aquisição dos produtos” têm importância real pois que declara rendimentos ao longo dos anos, e mais que adquiriu “outros produtos com o mesmo preço que não foram questionados pela AT” e que “o montante dos produtos decorre das circunstâncias em que surgiu a oportunidade subjacente à compra e dos termos negociais praticados”. Sempre se diga que as facturas a que a Requerente quer neste ponto referir ter a Requerida aceite não foram apreciadas pela mesma, desde logo não à luz do regime legal que vimos aplicando. O acto foi anulado-revogado nessa parte (ref a transferência para Singapura) por não ser aplicável nesse caso este regime (por não se tratar de país ou território integrante da lista). Pelo que não corresponde à verdade que a AT tenha tomado posição sobre tais facturas para estes efeitos ora pretendidos pela Requerente. (cfr. supra - ii) probatório)
Face ao acima, a Requerente não ilidiu a presunção ínsita nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea r) e 88.º, n.º 8, ambos do CIRC. V. também, Jurisprudência transcrita acima (B.2.2) a respeito.
Ainda a este respeito, transcreva-se excerto do acórdão do TCA Sul, proferido em 19-02-2015, no processo n.º 08126/14: “Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente por comparação com os custos de serviços análogos no mercado”. O que, tivera a Requerente logrado provar a materialidade da operação (que não sucedeu), também, coerentemente, não resultou provado, face aos elementos carreados nos autos.
Da apreciação da prova no processo, constata-se assim que não se provou, desde logo, a materialidade da operação sub judice, pelo que se conclui que o ato de liquidação relativo ao exercício de 2019, na parte que corresponde a esta operação, também não enferma de vício de violação do artigo 23-ºA, n.º 1, alínea r) do CIRC.
Pela mesma razão, verificam-se os pressupostos de incidência de tributação autónoma previstos no artigo 88.º, n.º 8 do CIRC, cfr. na Liquidação.
A apreciação dos demais vícios imputados àquela liquidação fica prejudicada pela solução atrás alcançada, em tudo o que não contenda com as conclusões tecidas a respeito do ponto a) supra.
B.4 Da falta de fundamentação
A exigência de fundamentação dos atos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos». Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Neste contexto, deverão distinguir-se os conceitos de “fundamentação material” e “fundamentação formal”. Esta última “pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão”, enquanto a fundamentação material corresponde à “recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspetiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do ato praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade”. (…) “O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado”. VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pp. 11-13).
Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma. A falta de fundamentação substancial, por incorreção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer dificuldade em perceber a fundamentação de facto e de direito da correção relativa a despesas relacionadas com importâncias pagas a entidade com residência em Hong Kong. Por isso, não ocorre este vício, relativamente a esta correção.
B.5 Dos juros compensatórios
Sustenta a Requerente a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, alegando que “A Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2019, pelo que não sendo devida a quantia de imposto liquidado, como supra comprovado, também não poderá subsistir, atenta a sua natureza acessória, a respectiva liquidação de juros compensatórios. Acresce que o RIT é omisso no que diz respeito a esta liquidação de juros compensatórios, pelo que mesmo que se admita a teoria da fundamentação pelo mínimo, o certo é que a AT nunca fez referência no relatório fundamentador do ato de liquidação a este ato de liquidação adicional de juros compensatórios”.
Deste modo, não só sustenta a ilegalidade dos juros compensatórios dada a natureza acessória à liquidação de IRC (cuja ilegalidade também peticiona), como também defende a falta de fundamentação no relatório de inspeção, fundamentador do ato de liquidação adicional de juros compensatórios.
Quanto à primeira questão, em já no Acórdão do TCA Sul, de 21-10-2008, proferido no processo n.º 02018/07, aquele Tribunal entendeu que “Os juros compensatórios funcionam como uma cláusula penal pelo retardamento da liquidação do imposto, imputável ao contribuinte, integrando-se na liquidação deste, onde vão buscar parte da sua fundamentação, para além de também exigirem um segmento de fundamentação própria, mas sobre a sua liquidação, não exige a lei que a AT proceda à audição prévia do contribuinte de forma autónoma e distinta da audição relativamente ao imposto donde provém.”
Dispõe o artigo 35.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” (…) “São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido”.
Neste quadro, e uma vez que a liquidação de juros compensatórios tem como pressupostos a liquidação de IRC e tributação autónoma, e que se conclui que o ato de liquidação relativo ao exercício de 2019 não enferma de vício de violação do artigo 23-ºA, n.º 1, alínea r) do CIRC, na parte que corresponde à correção de €18.365,43 e à tributação autónoma no montante de € 6.427,90, verifica-se o pressuposto constitutivo de juros compensatórios, pois foi retardada a liquidação de imposto (artigo 35.º da LGT).
Quanto à segunda questão, a exigência legal e constitucional de fundamentação do ato tributário, decorrente dos artigos 268.º da CRP, 77.º da LGT e 125.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.
No que em especial concerne aos atos tributários de liquidação, o n.º 2 do artigo 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes atos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
A fundamentação mínima exigível da liquidação de juros compensatórios passa pela menção da quantia sobre a qual os mesmos incidem, do período de tempo considerado, e da taxa ou taxas aplicadas, sendo que essa menção tem de constar do próprio ato de liquidação, atenta a necessidade de a fundamentação ser contemporânea ou contextual e integrada no próprio ato (vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), de 07/03/2019, no processo n.º 01855/11.9BELRS 037/16).
Ora, do discurso fundamentador do relatório inspetivo em que são propostas as correções ao lucro tributável, transcrito no probatório, apreende-se acessivelmente que as mesmas assentam na desconsideração da dedutibilidade das importâncias pagas a sociedade residente em Hong-Kong. Adicionalmente, como se alcança da demonstração de liquidação plasmada nos factos provados, dela consta a indicação do capital sobre que incidem os juros (€80.387,53 e €29.440,72), a data de início e de fim da contagem dos juros (28-08-202 a 03-02-2022; e 04-08-2020 a 03-02-2022, respetivamente), a taxa considerada (4%), bem como o valor dos juros (€4.625,03 e €1.771,28, respetivamente), preenchendo o requisito da fundamentação exigível.
A circunstância de não constar do ato de liquidação de juros compensatórios a concretização dos pressupostos enunciados no artigo 35.º, n.º 1 da LGT, nomeadamente o nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência), não contende com a validade formal do ato conforme jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, conclui este Tribunal que a liquidação de juros compensatórios notificada à Requerente contém todos os elementos obrigatórios por lei, incluindo a respetiva fundamentação, devendo, por isso, improceder a arguida falta de fundamentação.
Improcede a invocada falta de fundamentação da liquidação de imposto e juros compensatórios.
B.6 Dos juros indemnizatórios
Sendo a Liquidação legal, como vem de se concluir, carece de condições de procedência o pedido aqui em referência (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT). Improcede.
C. Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
i. Manter a Liquidação melhor identificada supra e o acto de indeferimento que a confirmou, por legais;
ii. Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento (na parte ref. à revogação-anulação correndo as custas pela Requerida)
D. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 116.224,56 (cento e dezasseis mil, duzentos e vinte e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
E. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060 (três mil e sessenta euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela pelas partes na proporção do respetivo decaimento[1], (o qual se fixa em 87,62% para a Autoridade Tributária e Aduaneira e 12,38% para a Requerente) uma vez que o pedido foi improcedente no respeitante à parte da Liquidação que a Requerida não anulou-revogou, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Lisboa, 18-04-2024
Os Árbitros
Regina de Almeida Monteiro
(árbitro-presidente)
Rodrigo Rabeca Domingues
(árbitro-vogal relator )
Sofia Ricardo Borges
(árbitro-vogal)
[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-06-06.