Sumário:
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto, cujos inerentes atos tributários de liquidação são suscetíveis de apreciação em processo arbitral tributário.
A liquidações ao abrigo dessa Lei sofrem do vício de ilegalidade abstrata, atenta a respetiva desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho de 16 de dezembro de 2008 (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, Processo C-460-21).
O contribuinte consumidor final de produtos sujeitos a CSR tem um interesse legalmente protegido e legitimidade processual ativa em relação aos atos de liquidação desse imposto.
A prova de pagamento da CSR pelo consumidor final é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assente em meros juízos presuntivos ou declarações genéricas, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
Decisão arbitral
Os árbitros Professor Doutor Guilherme W. d’Oliveira Martins (árbitro-presidente), Vítor Braz e Jesuíno de Alcântara Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30-08-2023, acordam no seguinte:
I - Relatório
A A..., A.C.E. — antes designada por B..., A.C.E. — titular do NIF ..., com sede na ..., n.º ..., ..., Piso ..., ...-... Carnaxide - (doravante designada por “Requerente” ou “A...” - veio requerer um pedido de pronuncia e constituição de Tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), com as alterações subsequentes, em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), doravante designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 31 de janeiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticadas pela Requerida com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pela empresa C..., S.A., na qualidade de sujeito passivo (SP) e relativas aos atos de repercussão da referida CSR na Requerente, consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos àquela empresa pela Requerente, como consumidora final, no período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2022.
Por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros, integrando um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal arbitral foi constituído em 30-08-2023.
Nessa mesma data, a Requerida foi notificada do Despacho arbitral previsto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, o que veio a ocorrer em 27-09-2023.
Em 17-11-2023, foi proferido o Despacho arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
Em 04-12-2023, a Requerente veio pronunciar-se sobre as exceções suscitadas pela Requerida.
Em 06-12-2023, a Requerida pronunciou-se sobre o referido requerimento da Requerente, em especial, sobre a junção de documento nessa réplica.
Em 18-12-2023, a Requerente veio pronunciar-se sobre esse último requerimento da Requerida.
Em 15-01-2024, 17-01-2024 e 08-02-2024, a Requerida veio apresentar requerimentos para a junção ao processo de recentes decisões arbitrais.
II - Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver. Foram suscitadas pela Requerida diversas exceções sobre as quais o Tribunal se pronuncia mais adiante.
III – Da posição das partes
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Da Requerente
A Requerente vem alegar que a CSR não observa a Diretiva n.º 2008/118 e subsequentemente, face à ilegalidade dos respetivos atos tributários, tem o direito a ser ressarcida dos montantes de imposto que pagou, enquanto consumidora final, na aquisição de combustíveis, invocando, em síntese, o seguinte:
Que durante o período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, adquiriu, na qualidade de consumidor final, à empresa C... SA, sua fornecedora de combustíveis, 50.735,19 litros de gasolina e 1.292.601,90 litros de gasóleo rodoviário, a qual repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente esse imposto (CSR), na quantia global de € 147.892,77.
Que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, consubstanciando, por conseguinte, todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos objeto do presente pedido pronúncia arbitral, uma violação do direito da União Europeia.
Que o TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência do pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»), pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Que verificada a antinomia entre a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118 — e, nessa medida, verifica-se a ilegalidade abstrata dos atos tributários aqui em causa, pelo que “resta demonstrar a existência da obrigação que recai(u) sobre a Requerida de desaplicar as normas de fonte interna que instituíram a CSR com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia”.
A Requerente sustenta, ainda, que “o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, repetidamente, a afirmar que «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2001, Proc. 26.233.
Que tendo a Requerida mantido na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe — agora, em sede de contencioso arbitral — ao presente tribunal proceder à anulação dos mesmos e, em consequência, devolvidas à Requerente as quantias pela mesma suportadas a título de CSR, no montante global de € € 147.892,77, acrescido de juros indemnizatórios.
A Requerente termina pedindo a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina por ela adquiridos no período entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, bem como as correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerentes com base nas DIC submetidas pela empresa fornecedora de combustíveis na qualidade de SP, determinando-se a respetiva anulação com as demais consequências legais, designadamente, com reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas de juros indemnizatórios.
2 - Da Requerida
Na sua resposta, a Requerida veio defender-se por exceção, invocando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da Requerente, a necessidade de intervenção provocada e a incompetência do tribunal, bem como por impugnação.
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Por exceção
A Requerida alega, em síntese, o seguinte:
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Ineptidão da petição inicial e caducidade
A Requerida alega que a Requerente suscita a “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis”, limitando-se, todavia, a identificar as faturas de aquisição de combustíveis ao seu fornecedor, mas não identifica qualquer ato tributário.”
Acresce a Requerida que “a afirmação da Requerente constante do art.º 1.º da PI de que a sua “fornecedora de combustíveis entregou ao Estado, enquanto sujeito passivo da respectiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquela submetidas”, carece de confirmação, ou seja, tem de ser provada por quem o invoca.”.
Quanto aos alegados montantes de CSR repercutidos, a Requerida alega que a Requerente não apresenta “qualquer prova de ter a sua fornecedora repercutido a totalidade ou parte da CSR, no valor pago pelos combustíveis adquiridos”. Que a falta de identificação desses atos, igualmente, inviabiliza apreciar os prazos legais de reclamação/revisão por parte da Requerente.
Conclui a Requerida que se verifica “a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da alínea b) do nº 2 do art.º 10.º do RJAT para que possa ser aceite, o que determina a nulidade de todo o processo, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, nº 1, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi artº 29.º do RJAT.”
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Ilegitimidade da Requerente
A Requerida afirma que “apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigo 15º e 16º do CIEC).”
Que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007.”
Conclui a Requerida que “não existindo efetiva titularidade do direito, como se verifica, carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, cfr. artigos 278.º, nº.1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artº.2, al. e), do CPPT.”
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Incidente de intervenção provocada
A Requerida vem invocar o disposto nos art.º 57.º do CPTA e no art.º 316.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT. Atentas as referidas disposições e a considerar-se que a Requerente tem legitimidade para interpor a presente ação, a Requerida “considera que é obrigatória a intervenção do sujeito passivo da espécie tributária em juízo, indicado pela Requerente, ou seja, a C..., S.A..” (…) que tem legitimidade para pôr em crise o ato ou atos de liquidação, identificando-os.”
Acrescenta a Requerida que “considerando que a intervenção em processos arbitrais é facultativa para a generalidade de potenciais interessados, apenas existindo vinculação legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos definidos na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, emitida ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, não há fundamento legal para impor a intervenção da C..., S.A. Ora, caso a C..., S.A. não aceite intervir no processo há que concluir que o presente processo arbitral não se adequa ao seu fim, não podendo o mesmo prosseguir por ser inviável obter uma solução global e justa do litígio.”
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Incompetência do Tribunal arbitral
A Requerida invoca que a “CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.”, fundamentando esta posição no teor de diferentes decisões arbitrais.
Acrescenta a Requerida que “…o despacho do TJUE proferido em 07/02/2022 no Proc.º C-460/21, não se debruça sobre a questão de saber se a CSR se enquadra ou não na facti specie do imposto, mas apenas se esta contribuição é uma imposição que prossegue um “motivo específico”, na aceção do artigo 1.º nº 2 da Diretiva 2008/118.”
Por sua vez, a Requerida refere, ainda, que a “Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007.”, sendo que a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral (…) delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.”
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Por impugnação
A Requerida alega, em síntese, o seguinte:
Que a contribuição de serviço rodoviário (CSR), foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, tendo entrado em vigor em 01/01/2008, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 380/2007, diploma que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., atual Infraestruturas de Portugal, IP, SA, a concessão da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão.
Que a partir da entrada em vigor do Portaria n.º 16-A/2008 de 09/01, o gasóleo e a gasolina passaram a estar sujeitos a um “nível de tributação” constituído pela taxa de ISP e pela CSR.
Que o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, dispõe que a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), aplicando-se “à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
Após a introdução no consumo dos produtos sujeitos a IEC, decorrente dos factos previstos no artigo 9.º (Introdução no consumo), há lugar à sua formalização de acordo com o artigo 10.º e seguintes do CIEC, designadamente à apresentação/processamento da Declaração de Introdução no Consumo (e-DIC) ou, no caso de importação, da declaração aduaneira.
Que os sujeitos passivos, enquanto responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração, após a liquidação, devem proceder, igualmente, ao pagamento do imposto correspondente, conforme resulta do artigo 11.º e seguintes do mesmo código.
Quanto ao reembolso, o artigo 15.º do CIEC estabelece as regras gerais de reembolso, referindo-se o artigo 16.º ao reembolso por erro na liquidação, e os artigos seguintes (17.º, 18.º, 19.º e 20.º) a outros tipos de reembolso, que podem ocorrer em diferentes situações (expedição, exportação, retirada do mercado, inutilização e perda).
Que não se encontrarem reunidos os pressupostos que, nos termos do regime especial, supratranscrito, vertido no CIEC, suportem um pedido de reembolso por erro na liquidação, pelas razões sobejamente já indicadas, não se verificam, igualmente, os pressupostos previstos no artigo 78.º da LGT que, desde logo, dispõe, conforme decorre do n.º 1, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
Em suma, ainda que a revisão do ato tributário seja efetuada no âmbito do artigo 78.º da LGT, também de acordo com este dispositivo legal, aquela só pode ser efetuada por «iniciativa da administração tributária» ou «por iniciativa do sujeito passivo», como resulta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT.
Não se encontrando, tal direito, como se vê, incluído na esfera jurídica do “repercutido fiscal”, nunca poderia, face à lei, a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
Que caberia à Requerente a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efetivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transações comerciais (aquisições de produtos sujeitos a CSR, ao respetivo sujeito passivo/fornecedor).
Que de acordo com a jurisprudência do TJUE, que, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efetuada a prova da repercussão da CSR, o Estado-membro, pode recusar/opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.
IV Questões a decidir
Em face do alegado pelas partes, são questões a decidir:
- As diversas exceções invocadas pela Requerida.
- A ilegalidade dos atos tributários de CSR por desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.
- O reconhecimento de um interesse legalmente protegido por parte do contribuinte consumidor final e o direito de interpelar diretamente a AT e ser ressarcido dos prejuízos pelo pagamento indevido de CSR, mediante a repercussão no preço dos produtos adquiridos ao SP.
- Os requisitos da prova sobre o efetivo pagamento de CSR pelo contribuinte consumidor final e inerentes atos de liquidação.
V – Matéria de facto
O Tribunal Arbitral, com relevo para a decisão, considera provado o seguinte:
- A Requerente no período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, adquiriu combustíveis à empresa C..., S.A./D..., suportados por faturas referentes a gasolina e a gasóleo rodoviário.
- A Requerente realizou a aquisição desses combustíveis na qualidade de consumidora final.
- A Requerente, em 31 de janeiro de 2023, apresentou junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pela C..., S.A., referentes às respetivas aquisições de combustíveis que realizou durante o iter temporal supra identificado.
O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente junto da Alfândega do Jardim do Tabaco em 31/01/2023.
O Tribunal Arbitral, em face das alegações e dos elementos de prova juntos, não considera devidamente provada:
- O pagamento da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos pela Requerente, entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, no montante global de 147.892,77 euros.
1. Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – Cf. n.º 2, do art. 123.º do CPPT e n.º 3 do art. 607.º do CPC, aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais requerimentos e documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.
Quanto ao facto dado como não provado, trata-se de matéria que foi alegada pela Requerente, contestada pela Requerida, em que pretende provar o pagamento da CSR através das faturas que documentam as aquisições de combustíveis entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, mediante a presunção da sua repercussão fiscal no preço, e, posteriormente, ainda, mediante a junção de “declaração” emitida, em termos genéricos, sem os elementos que permitam atestar o seu conteúdo, nem identificar a qualidade do signatário e os poderes para a prática desse ato em nome do SP – C..., S.A.
Os elementos das faturas e a “declaração” genérica junta aos autos não contêm os elementos objetivos indispensáveis à exata comprovação do efetivo pagamento da CSR pela Requerente no período em causa, por forma, quer à respetiva confirmação e conexão com os atos tributários de liquidação, ou seja, que o SP repercutiu a CSR e que a Requerente suportou efetivamente o imposto.
A prova de um facto positivo da repercussão económica/fiscal da CSR impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
A Requerente apresentou “declaração”, alegadamente do SP, com as insuficiências formais e materiais referidas, pelo que revela, ainda, que tinha acesso e poderia apresentar prova documental específica, adequada e rigorosa.
Assim, à míngua de outros elementos probatórios, que não foram sequer invocados pela Requerente, resta concluir pela não demonstração clara e inequívoca do efetivo pagamento da CSR invocado, maxime, no montante global de 147.892,77 euros no preço dos combustíveis adquiridos entre janeiro de 2019 e novembro de 2022.
Neste domínio, sublinha-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
VI – Do mérito – fundamentação de direito
A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.
A Requerida na reposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.
1.- Das exceções
a) Sobre a ineptidão da petição inicial e caducidade:
Os argumentos da Requerida encontram-se enunciados, em síntese, em 2.1 supra, invocando, designadamente que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de identificar o objeto da presente ação, na medida em que não juntou aos autos, nem identificou, os atos de liquidação de CSR praticados pelo SP - artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto.
Que a falta de identificação desses atos, igualmente, inviabiliza apreciar os prazos legais de reclamação/revisão por parte da Requerente.
A Requerente invoca detalhadamente os fundamentos sobre a ilegalidade da CSR, bem como identifica os factos tributários relacionados com as putativas liquidações indevidas de CSR por parte dos seus fornecedores de gasolina e gasóleo rodoviário, através das respetivas faturas e da forma como considerou adequada. Esses são os factos tributários e os subsequentes atos de liquidação em apreciação no presente processo.
Consideram-se cumpridos os requisitos previstos na lei sobre a PI, a petição da Requerente apresenta-se ainda inteligível e contém a indicação do pedido ou da causa de pedir, bem como foi integralmente interpretada pela Requerida como revela o teor das sua resposta e requerimentos apresentados – Cf. n.º 2 do art.º 78.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e art.º 186.º do Código de Processo Civil (CPC).
Sobre a invocada caducidade do direito de ação a Requerente invoca erro imputável aos serviços e anterior pedido de revisão oficiosa, esta pode ainda ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços, erro em sentido lato, resultante de violação da lei. Por outro, atento o disposto no n.º 7 daquela norma, o contribuinte manifestando um interessado legalmente protegido dispõe, igualmente, da possibilidade de pedir a revisão oficiosa – Cf. n.º 1, art.º 78.º da LGT.
Nos termos do n.º 7 dessa norma e ao dispor que “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”, subentende a intervenção do contribuinte nesse procedimento e a iniciativa para a prática do ato poder advir do próprio contribuinte. – Cf. Proc. n.º 0886/14, Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2014.
Os atos tributários controvertidos ocorreram entre janeiro de 2019 e novembro de 2022, podendo a revisão oficiosa ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação, contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços.
A Requerente vem invocar uma ilegalidade abstrata e erro material imputável à Requerida, a qual compreende o erro de direito independente da culpa dos serviços, por forma à realização dos princípios constitucionais, concretizado na LGT, designadamente quando essa lei preceitua que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade (…) no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.” – Cf. art.º 55.º da LGT e Proc. n.º 0886/14 do STA citado e Proc. 01474/12, Acórdão de 5 de novembro de 2014.
Termos em que é entendido que uma ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços - Cf. acórdãos do STA de 22-03- 2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).
Perante a aplicação de disposições nacionais consideradas contrárias ao direito da União, uma interpretação restritiva da lei e apenas permitir a revisão dos inerentes atos tributários controvertidos por iniciativa da administração, inviabilizaria a possibilidade de reação e reparação por parte de todos os contribuintes lesados, não observava os referidos princípios, nem permitia a realização da justiça enquanto fim último dessas normas.
Acresce estarmos no domínio de aplicação de um regime que se pretende que disponha de maiores garantias por parte dos contribuintes, quer nos meios, quer nos prazos de reação perante atos tributários ilegais por desconformidade com o direito da União – Diretiva 2008/118/CE - de aplicação direta, sendo muitas vezes esse vício declarado muito tempo após a prática desses atos lesivos, os quais, enquanto atos inválidos e gravemente danosos, exigem que todos os lesados beneficiem de prazos de reação mais alargados e que a Administração esteja obrigada a corrigir e sanar esses atos.
A prosseguir a interpretação restritiva alegada pela Requerida, em tese, permitiria que AT tomasse conhecimento da ilegalidade de um determinado ato de liquidação e, no decurso do prazo de revisão fixado na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por omissão de ação, mesmo após instada a agir, pudesse manter em vigor esse mesmo ato e não reconhecer os direitos dos contribuintes lesados.
Constitui jurisprudência consolidada que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” – Cf. STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, ambos citados no Proc. n.º 304/2022T.
b) Sobre a ilegitimidade da Requerente:
Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.
O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.
A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.
No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.
Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou “ – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutidos, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.
Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.
Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).
c) Sobre o incidente de intervenção provocada:
Entende-se que a intervenção de terceiros no processo tributário, não constitui um caso omisso, a preencher diretamente pelas normas do Código de Processo Civil. – Cf. Proc. n.º 5/2012-T.
Na presente ação entende-se não haver lugar a litisconsórcio, porquanto os interesses de ressarcimento do imposto pago por declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, no caso concreto, em abstrato, o interesse do contribuinte consumidor final exclui o interesse do SP em relação aos factos tributários em apreciação e eventual reembolso, sendo reconhecido o imposto indevidamente pago e o reembolso devido ao contribuinte consumidor fiscal, desde logo, excluía, a mesma pretensão e decisão em relação ao SP.
Observa-se ainda que “Atenta a natureza subjectiva do contencioso tributário em geral e a estrutura do processo de impugnação judicial … se não encontra espaço para a defesa de contra-interesses particulares na manutenção do acto impugnado…” Processo 0624/10, Acórdão de 17-11-2010.
Por sua vez, no âmbito da jurisdição arbitral vigora, plenamente, o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não resultem daquela respetiva lei, sem prejuízo dos conteúdos normativos diretamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” – Cf. artigo 16.º do RJAT.
d) Sobre a incompetência do tribunal:
O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.
As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.
Observa-se que, como referido em anteriores decisões arbitrais, a Requerida já afirmou que “Do peso dos impostos no preço de venda dos combustíveis”) que “[c]onsiderando o total de impostos (ISP + CSR + Taxa de carbono) pago através das guias mensais e atendendo ao CMV determinou-se o peso dos impostos (excluindo o IVA) no total do Custo das Mercadorias Vendidas” - Informação n.º 02-CMCN/2022, de 20.3.2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes. Por outro lado, a CSR é/era “integrada entre os impostos indiretos no Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas” – Cf. Proc. 304/2022T, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.
Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrai da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.
Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.
Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.
2.- Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal:
A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.
Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.
De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.
Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.
Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.
O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.
Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.
Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.
A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN
Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou “ – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997. “
Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro susceptível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.
Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indirecto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efectiva, total ou parcial, depende de vários factores próprios a cada transacção comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).
Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.
Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).
Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.
Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.
Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.
O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.
A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.
A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.
O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.
Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.
O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.
Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.
Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.
Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.
Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.
“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.
Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.
A Requerente como elementos de prova apresentou as faturas emitidas pelo SP, as quais especificam três parcelas: o “preço sem IVA”, “descontos” e “valor IVA”, desconhecendo-se as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.
A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.
Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.
Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP (C.../D...) à Requerente.
Face aos frágeis elementos de prova contidos nas faturas e para comprovar a repercussão da CSR, a Requerente juntou posteriormente aos autos uma “declaração” com o logotipo “C... D...”, cujo conteúdo expressa, em termos genéricos, que o SP repercutiu a CSR na Requerente.
Acresce que essa declaração não reúne ainda os requisitos formais que permitam aferir o seu conteúdo, nem a qualidade, nem a identidade do seu signatário, maxime, a respetiva legitimidade de declarar e representar o SP – poderes para a prática do ato.
Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.
Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.
No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.
E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.
A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
Como referido, a Requerente juntou posteriormente aos autos “declaração”, alegadamente do SP, com manifestas e assinaladas insuficiências formais e materiais, pelo que revela, ainda, que tinha acesso e poderia apresentar prova documental específica, adequada e rigorosa.
Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos e declaração genérica, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
VII - Decisão
Termos em que o Tribunal Arbitral Coletivo decide:
- Declarar improcedente as exceções invocadas pela Requerida.
- Declarar a legitimidade da Requerente e o interesse legalmente protegido, na qualidade de contribuinte consumidor final de um bem sujeito a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), em interpelar diretamente a Requerida/Estado no domínio das relações jurídico-tributárias de liquidação desse imposto.
- Declarar improcedente o pedido de CSR peticionada pela Requerente por falta de força probatória suficiente.
- Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VIII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 147.892,77, em conformidade com o disposto, na al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
XIX - Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem tributária, a cargo da Requerente dada a improcedência do pedido, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro Vogal,
Jesuíno de Alcântara Martins
O Árbitro Vogal Relator,
Vítor Braz