Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 341/2023-T
Data da decisão: 2024-04-08  IVA  
Valor do pedido: € 474.295,69
Tema: IVA. Organismos sem finalidade lucrativa. Donativos e patrocínios. Mecenato.
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SUMÁRIO

  1. Não se pode inferir, de características “únicas” de um operador económico, que ele não esteja envolvido em concorrência directa, na disputa de clientela, com sujeitos passivos de IVA.
  2. A prática de preços inferiores aos de mercado tem de ser sistemática, e comprovadamente predominante, para que se possa apurar a falta de finalidade lucrativa do organismo que os pratica, para efeitos de isenção de IVA.
  3. A existência de contrapartidas não converte, só por si, um donativo gratuito num patrocínio oneroso.
  4. A proporção entre valor de donativos e valor de contrapartidas tem de ser especificamente aferida e comprovada, não podendo presumir-se.
  5. A identificação dos nomes dos mecenas é uma prática habitual que não conflitua com o carácter de liberalidade dos donativos.
  6. Por um imperativo de congruência, os donativos que justificam benefícios fiscais, em sede de IRC, a quem os concede, não podem transformar-se em patrocínios, para sujeição a IVA do recebimento desses donativos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 8 de Maio de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa por ela apresentada, e mediatamente sobre a ilegalidade do objecto dessa reclamação graciosa, os actos de liquidação adicionais de IVA relativos ao ano de 2019, demonstrações de liquidação de IVA e de juros, e demonstrações de acertos de contas, consubstanciados em:

Período 201901: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ..., e de juros compensatórios n.º 2022 ..., respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de € 14.644,88 e €1.656,27 respectivamente;

Período 201902: liquidação de IVA n.º 2022 ..., documento de correcção n.º ..., e de juros compensatórios n.º 2022..., respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de € 14.126,57 e €1.555,85 respectivamente;

Período 201903: liquidação de IVA n.º 2022... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ...e n.º 2022..., com o valor a pagar de €13.801,75 e €1.503,44 respectivamente;

Período 201904: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., com o valor a pagar de €13.696,17 e €1.428,17, respectivamente;

Período 201905: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €20.000,99 e €2.008,15, respectivamente;

Período 201906: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €36.471,71 e €3.564,26, respectivamente;

Período 201907: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €70.788,58 e €6.654,49, respectivamente;

Período 201908: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., com o valor a pagar de €13.811,24 e €1.274,41, respectivamente;

Período 201909: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €11.593,82 e €1.001,19, respectivamente;

Período 201910: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €28.328,85 e €2.362,54, respectivamente;

Período 201911: liquidação de IVA n.º 2022... e de juros compensatórios n.º 2022..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €159.467,30 e €13.002,04, respectivamente;

Período 201912: liquidação de IVA n.º 2022..., documento de correcção n.º ... e de juros compensatórios n.º 2022 ..., e respectivas demonstrações de acerto de contas com compensação n.º 2022 ... e n.º 2022..., com o valor a pagar de €38.774,04 e €2.778,98, respectivamente.

  1. Actos dos quais resultou um excesso de imposto no montante total de € 474.295,69 (€ 435 505,90 de imposto + € 38 789,79 de juros), pedindo a anulação parcial dessas liquidações e o reembolso desse montante, e ainda o deferimento adicional do reembolso de IVA peticionado pela Fundação no valor de € 38.774,04 (dado que só foram reembolsados € 32.125,98 de um crédito de IVA de € 70.900,02), tudo acrescido de juros indemnizatórios.
  2. A Requerente designou árbitro.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. A AT designou árbitro.
  5. O Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro-presidente do Tribunal Arbitral Colectivo, e notificou as partes dessa designação.
  6. Os árbitros comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  7. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  8. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 8 de Agosto de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  9. Por Despacho de 10 de Agosto de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  10. A AT apresentou a sua Resposta em 2 de Outubro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
  11. Por Despachos de 17 de Outubro e 7 de Novembro de 2023, determinou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e marcou-se a respectiva data.
  12. No dia 11 de Janeiro de 2024 teve lugar essa reunião, e nela se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Nessa mesma reunião, as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, e foi designado o dia 8 de Abril de 2024 para efeito de prolação e comunicação da decisão arbitral.
  13. A Requerente apresentou alegações em 23 de Janeiro de 2024.
  14. A Requerida não apresentou alegações.
  15. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  16. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  17. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente tem por finalidade a promoção, fomento, difusão e prossecução de actividades culturais e formativas no domínio da música.
  2. A Requerente encontra-se inscrita como sujeito passivo de IVA, desde 2006-01-27, com enquadramento no regime normal mensal, para o exercício da atividade principal de “Associações culturais e recreativas”, CAE 94991, e das actividades secundárias “Restaurantes com espaço de dança”, CAE 56105, e “Restaurantes, n.e. (inclui actividades de restauração em meios móveis)”, CAE 56107.
  3. A Requerente foi instituída pelo Governo Português e pelo Município do ..., através do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro, como “instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, com duração por tempo ilimitado”.
  4. A Requerente pratica, nos espectáculos que organiza, preços comparáveis aos de mercado, como resulta de uma amostragem centrada no período de referência:

 

  1. O mesmo sucede no aluguer de salas:

 

  1. Em 2019 a Requerente recebeu comparticipações financeiras de:
  • Banco C..., S.A.;
  • D...– SGSPS, S.A.;
  • E..., S.A.;
  • F..., S.A.
  • G...;
  • H...;
  • Seguros I...;
  • J..., S.A.;
  • K..., S.A.;
  • L..., S.A.
  1. Nos termos do art. 4º, 2 do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro, aos concedentes desses donativos foi atribuído automaticamente um benefício fiscal em sede de IRC (já que a norma estabelece que “Os donativos concedidos à Fundação beneficiam automaticamente do regime estabelecido nos n.º 1 e 3 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei 74/99, de 16 de Março.”)
  2. As contrapartidas concedidas pela Requerente aos seus mecenas tiveram um valor que ficou aquém dos 10% previstos no artigo 64.º do EBF, na redacção em vigor à data dos factos:

 

 

 

 

  1. No material de divulgação dos seus eventos, a Requerente inseriu apenas o nome e logotipo dos seus mecenas, sem mais indicações, nomeadamente sem referência a marcas, produtos ou serviços dos mecenas:

 

 

  1. A Requerente peticionou, quanto ao período de 2019.12, um reembolso do crédito de IVA no valor de € 70.900,02.
  2. Esse pedido de reembolso originou uma inspecção tributária conduzida pelos Serviços de Inspecção Tributária (“SIT”) da AT, sob a ordem de serviço nº OI2020... .
  3. Resultou da inspecção uma proposta de correcção meramente aritmética da liquidação de IVA:

 

  1. Os SIT consideraram que, a partir do início de 2019, a Requerente passava a enquadrar-se como um sujeito passivo misto (com operações sujeitas, umas isentas e outras não-isentas), e daí resultava a necessidade de rever-se o regime aplicável, do qual passava a decorrer a existência de IVA não-liquidado (em sede de patrocínios) e de IVA indevidamente deduzido (nomeadamente no que respeita a operações activas sujeitas e isentas, ou à aquisição de bens e serviços de utilização mista).
  2. Assentes na análise de diversa documentação, os SIT inferiram que havia que modificar o enquadramento da Requerente em sede de IVA, que havia que requalificar algumas actividades apresentadas pela Requerente como “operações activas e não-isentas” (analisando eventos, serviço educativo, apoio à criação artística, actividades comerciais, concessões de espaços, restauração, financiamento público, e mecenato e patrocínios), para concluir (p. 16 do RIT) que “as atividades suscetíveis de beneficiar de isenções do artigo 9.º do CIVA são as visitas guiadas ao edifício B... e os serviços educativos.”, e que portanto, dada essa susceptibilidade, a Requerente deveria ser reenquadrada como sujeito passivo misto (p. 18 do RIT), e ser o seu direito à dedução de IVA sujeito aos métodos do art. 23º do CIVA (p. 31 do RIT).
  3. Os SIT inferem que a Requerente pratica preços inferiores aos de mercado de um conjunto de circunstâncias, entre elas a singularidade do edifício da B..., dos propósitos e missões enunciados aquando da constituição da Fundação, da “substituição da A... ao Estado”, a declaração de utilidade pública, da dependência de subvenções do estado e de autarquias (pp. 28-29 do RIT).
  4. Relativamente às comparticipações financeiras recebidas pela Requerente, os SIT lançaram dúvidas sobre a natureza de algumas contrapartidas, ou contestaram a respectiva natureza, em particular no que respeita ao “naming” dos doadores:
  1. Banco C..., S.A.: o facto de, na cláusula 3ª do contrato, constar a obrigação de a Requerente designar um conjunto de actividades como “Ciclo ... C...”, e de no contrato aparecerem discriminadas outras prerrogativas do doador (pp. 35 segs. do RIT).
  2. D...– SGSPS, S.A.: o facto de, na cláusula 5ª do contrato, constar um conjunto de obrigações de designação da doadora como mecenas da Orquestra Sinfónica, além de outras contrapartidas (pp. 40 segs. do RIT).
  3. E..., S.A.: o facto de, nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato, constar um conjunto de obrigações de nomeação da doadora como mecenas de eventos no sector da inovação tecnológica electrónica, assegurando a sua designação exclusiva em eventos dessa natureza (pp. 43 segs. do RIT).
  4. F..., S.A.: o facto de esta entidade ter-se relacionado com a Requerente a dois títulos, o de patrocinador e o de mecenas, separadamente embora – entendendo os SIT que o contrato de mecenato remete para o de patrocínio, confundindo-se com ele (pp. 46 segs. do RIT).
  5. G...: o facto de, nas cláusulas 2ª e 3ª do contrato, constar a obrigação de a Requerente designar um conjunto de actividades como “Ciclo Piano G...”, e de no contrato aparecerem discriminadas outras prerrogativas do doador (pp. 49 segs. do RIT).
  6. H...: o facto de, na cláusula 7ª do contrato, constar um conjunto de obrigações de designação da doadora como mecenas dos Grandes Concertos Metropolitanos e do ciclo Música para o Natal, além de outras contrapartidas (pp. 53 segs. do RIT).
  7. Seguros I...: o facto de, nas cláusulas 1ª, 2ª e 5ª do contrato, constar um conjunto de obrigações de designação da doadora como mecenas do Coro B... e do Coro Infantil B..., além de outras contrapartidas (pp. 55 segs. do RIT).
  8. J..., S.A.: o facto de, nas cláusulas 3ª, 4ª e 8ª do contrato (que envolveu também as entidades K..., S.A. e L..., S.A.), constar um conjunto de obrigações de designação da doadora como instituidora do Prémio Novos Talentos J..., além de outras contrapartidas (pp. 59 segs. do RIT).
  1. Os SIT vieram a promover, na sequência, as seguintes correcções ao IVA do período de 2019:
    1. Uma correcção a título de IVA indevidamente deduzido, no valor de € 169.854,90, resultante da requalificação do enquadramento fiscal, em sede de IVA, da Requerente, passando a AT a qualificá-la como sujeito passivo misto de imposto, ao invés de sujeito passivo integral, requalificação essa apoiada no entendimento de que, alegadamente, a Requerente pratica operações sujeitas e não isentas de imposto, e operações sujeitas, mas isentas de IVA.
    2. Uma correcção a título de IVA não liquidado, no montante de € 265.651,00, resultante do afastamento da natureza de donativo às verbas atribuídas por um conjunto de mecenas institucionais da Requerente naquele período de 2019, conforme os dois quadros seguintes:

 

 

  1. Da alteração oficiosa da natureza da Requerente como sujeito passivo misto de IVA resultou que viesse a ser deferido apenas parcialmente o pedido de reembolso do crédito do IVA efectuado pela Requerente em 2019.12, no valor de € 70.900,02, deferindo-se o reembolso de € 32.125,89, indeferindo-se o reembolso de € 38.774,04.
  2. Após a emissão do RIT, foram emitidas liquidações que determinaram o pagamento a final, pela Requerente, de IVA no montante agregado de € 435.505,90, acrescido de juros compensatórios no valor global de € 38.789,79, conforme quadro seguinte:

Período de Imposto

Imposto

Juros

Período 012019

14 644,88

1 656,27

Período 022019

14 126,57

1 555,85

Período 032019

13 801,75

1 503,44

Período 042019

13 696,17

1 428,17

Período 052019

20 000,99

2 008,15

Período 062019

36 471,71

3 564,26

Período 072019

70 788,58

6 654,49

Período 082019

13 811,24

1 274,41

Período 092019

11 593,82

1 001,19

Período 102019

28 328,85

2 362,54

Período 112019

159 467,30

13 002,04

Período 122019

38 774,04

2 778,98

Total

435 505,90

38 789,79

 
  1. A Requerente efectuou o pagamento integral das liquidações em causa, no valor global de € 474.295,69.
  2. Em 25 de Julho de 2022 a Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa (à qual foi atribuído o número de processo ...2022...), pedindo a anulação parcial das referidas liquidações adicionais, e a anulação total das correcções subjacentes.
  3. A 4 de Outubro de 2022 a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, não tendo a Requerente exercido o direito de audição prévia (já o exercera no âmbito da inspecção tributária).
  4. A 8 de Novembro de 2022 a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.
  5. A 7 de Dezembro de 2022 a Requerente apresentou recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.
  6. O recurso hierárquico presumiu-se tacitamente indeferido em 20 de Fevereiro de 2023.
  7. Em 8 de Maio de 2023 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo e na prova testemunhal prestada na reunião de 11 de Janeiro de 2024.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Nos termos do art. 396º do Código Civil, a força probatória da prova testemunhal é livremente apreciada pelo tribunal.
  6. Nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.
  7. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

  1. A Requerente sustenta a ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa por ela apresentada, porque sustenta igualmente a ilegalidade do objecto dessa reclamação graciosa, os actos de liquidação adicionais de IVA relativos ao ano de 2019, demonstrações de liquidação de IVA e de juros, e demonstrações de acertos de contas que lhe foram apresentadas pela AT.
  2. A Requerente lembra que, em sede de IRC, é um sujeito passivo isento (art. 10º do CIRC), e sustenta que, em sede de IVA, assume a natureza de sujeito passivo integral de imposto, por praticar integralmente operações sujeitas e não isentas de imposto.
  3. Lembrando que, para efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, a Requerente foi reconhecida como entidade de utilidade pública, tendo, desde logo, ficado “estabelecido que os donativos concedidos à A... beneficiariam, automaticamente, do regime previsto no Estatuto do Mecenato” (RIT, p. 5).
  4. Quanto à reponderação, no RIT, do enquadramento da Requerente em sede de IVA, a Requerente lembra que a AT analisou as operações activas sujeitas e não isentas:

a.  Realização de eventos;

b.  Prestação de serviços educativos;

c.  Apoio à criação artística;

d.  Realização de atividades comerciais;

e.  Concessão de espaços;

f.   Restauração,

  1. Tendo analisado ainda as operações seguintes:

a.  Subvenções públicas;

b.  Mecenato e patrocínios.

  1. Acabando a AT por questionar o enquadramento fiscal atribuído pela Requerente quanto a parte das actividades que exerce, especificamente as actividades relativas à prestação de serviços educativos e à prestação de serviços referente a visitas guiadas ao Edifício da B...– concluindo que, relativamente a estas, são aplicáveis, por incidência objectiva, as isenções previstas nas alíneas 13) e 14) do art. 9º do CIVA.
  2. Quanto aos requisitos de índole subjetiva, considerou a AT que ficou demonstrado que a Requerente é, nos termos do art. 10º do CIVA, um “organismo sem finalidade lucrativa”.
  3. Daí retiraram os SIT a conclusão de que a Requerente praticaria operações sujeitas e não isentas de imposto e, também, operações sujeitas e isentas de IVA – impondo-se, no entender da AT, alterar a qualificação da Requerente, para “sujeito passivo misto”, um enquadramento que passaria a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2019, nomeadamente para efeitos de aplicação oficiosa do método pro rata previsto no art. 23º, 1, b), do CIVA ao exercício do direito à dedução do IVA, suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista.
  4. Foi nesse pressuposto que a AT veio a apurar um total de imposto indevidamente deduzido no valor global de € 164.860,90, quanto a bens, alegadamente, de utilização mista, a acrescer a IVA que a AT entendeu não ser totalmente dedutível, por corresponder a bens afectos exclusivamente a actividades isentas sem direito à dedução do IVA (os serviços educativos e os serviços relativos a visitas guiadas), no valor de € 3.704,57 e de € 1.291,11, respectivamente,  daí resultando um valor de IVA não dedutível para o exercício de 2019 no montante total de € 169.854,90.
  5. E terá sido também esse pressuposto que conduziu ao deferimento de apenas parte do pedido de reembolso do IVA apresentado pela Requerente, no valor de € 70.900,02, reduzido a um montante de reembolso de apenas € 32.125,98.
  6. Por outro lado, para efeitos de IVA não-liquidado, os SIT questionaram a natureza de donativo das quantias atribuídas à Requerente, em 2019, pelos seguintes mecenas:

a.  Banco C..., S.A.;

b.  D...– SGSPS, S.A.;

c.  E..., S.A.;

d.  F..., S.A.

e.  G...;

f.   H...;

g.  Seguros I...;

h.  J..., S.A.;

i.   K..., S.A.;

j.   L..., S.A.

  1. Considerando a AT que as contrapartidas atribuídas pela Requerente àquelas entidades, na sequência do recebimento dos donativos, afastariam o carácter de gratuitidade, e, portanto, o animus donandi, que a eles teria que estar subjacente para que não houvesse liquidação de IVA.
  2. O que levou os SIT a requalificarem como “patrocínios” os pretensos “donativos”, presumindo que as referidas contrapartidas fossem precisamente do mesmo valor das quantias atribuídas.
  3. E a concluírem que o IVA em falta seria do valor total de € 265.651,00, de tudo isso resultando os valores finais das liquidações adicionais e do reembolso de IVA à Requerente, a que se seguiu a instauração de processos de contraordenação fiscal.
  4. A Requerente destaca que o indeferimento da Reclamação Graciosa por ela apresentada assentou em argumentos como o de que a “materialidade inerente a estes serviços, cujos preços necessitam de ser comparados com análogas operações, impõe-se assumir que os preços praticados pela A... não encontram paralelo no mercado mais amplo”; e, quanto ao cumprimento do requisito do art. 10º, d) do CIVA, que a análise “deve deter-se no conjunto dessa atividade à qual foi concedida a isenção e que se pretende avaliar se existe concorrência direta, que resulta da distorção promovida pela isenção e não apenas a um mercado em particular”, rematando que “quem procura a A..., especificamente nos serviços em apreço, bem como em todos os outros que esta entidade oferece, não o faz em detrimento de outros operadores. A A... assume-se como uma entidade com particularidades aglutinadoras no campo da cultura, pela exclusividade dos seus serviços”, o que, por sua vez, remeteu para a conclusão geral de que “Face ao anteriormente referido, julgam-se cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos, com a consequência de a A... deixar de ser um sujeito passivo com direito à dedução integral, passando a ser um sujeito passivo misto”.
  5. Por isso a Requerente apresentou Recurso Hierárquico, alegando que a AT não fez prova – a prova que lhe competia – de que a Requerente é efectivamente um “organismo sem finalidade lucrativa”, qualificação da qual resultou a de “sujeito passivo misto de IVA”, com a concomitante aplicação de métodos.
  6. E alegando que foi feita a prova, pela Requerente, de que não há qualquer sinalagma, ou sequer proporcionalidade, que justifique a conclusão de que existem contrapartidas comerciais, ou de que é afastado o “animus donandi” – também não se ultrapassando os limites estabelecidos no art. 64º do EBF, ou as balizas estabelecidas em instruções emitidas pela própria AT.
  7. Quanto à substância do litígio, a Requerente observa que para satisfazer os seus objetivos e cumprir a sua finalidade e missão estatutárias, realiza as mais diversas atividades e iniciativas, recebendo, para além das receitas das actividades que promove (por exemplo, receitas de bilheteira), as receitas do seu restaurante-bar, e sendo auxiliada através de donativos concedidos pelos seus mecenas, que lhe permitem cumprir o fim a que se destina.
  8. Quanto à qualidade de contribuinte sujeito integralmente a IVA, e dele não isento, a Requerente sustenta que lhe são inaplicáveis as isenções previstas nas alíneas 13) e 14) do art. 9º do CIVA, e que portanto houve um erro da AT, assente na incorrecta qualificação de parte das actividades realizadas pela Requerente como actividades sujeitas, mas isentas de imposto, nomeadamente as relativas a “visitas guiadas” e a “serviços educativos”, por alegada verificação de requisitos objectivos e subjectivos de isenção, predominando o requisito subjectivo de a Requerente ser, segundo a AT, um “organismo sem finalidade lucrativa”, de acordo com todos os requisitos do art. 10º do CIVA.
  9. Ora, contrapõe a Requerente, ela não preenche todos os requisitos de que depende a aplicação do art. 10º do CIVA.
  10. Reconhecendo que estão preenchidas as condições objectivas de aplicação das isenções previstas nas alíneas 13) e 14) do art. 9º do CIVA, a Requerente faz notar que elas não são suficientes, porque falta o elemento subjectivo: é essencial que os serviços previstos sejam prestados por uma pessoa colectiva de direito público ou por um organismo sem finalidade lucrativa.
  11. Ora a Requerente alega que é uma fundação de direito privado, o que desde logo afasta qualquer classificação como pessoa colectiva de direito público.
  12. E tão-pouco é um “organismo sem finalidade lucrativa”, visto que, pera sê-lo, seria necessário o preenchimento cumulativo e simultâneo das condições elencadas no art. 10º do CIVA:

a) Em caso algum distribuam lucros e os seus corpos gerentes não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;

b) Disponham de escrituração que abranja todas as suas actividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior;

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

  1. A Requerente assume que as alíneas a) e b) lhe são aplicáveis, mas sustenta que não preenche as alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA; o que basta para não se poderem considerar verificadas as quatro alíneas desse artigo – uma verificação cumulativa que a Requerente entende decorrer da própria norma.
  2. Louvando-se no parecer do Prof. Xavier de Basto, junto aos autos, a Requerente sustenta que, por um lado, não só não pratica preços homologados por autoridades públicas, como não pratica sequer preços inferiores aos adoptados por empresas comerciais; e que, por outro lado, entra em concorrência com outros sujeitos passivos de imposto.
  3. A Requerente enfatiza que lhe cabe o estabelecimento da sua política de preços dos espetáculos e demais serviços culturais que presta, com total autonomia e com puros propósitos de rentabilização e de equilíbrio da exploração.
  4. E que dessa circunstância decorre a outra, de que não pratica, no cômputo total das operações que pratica, preços inferiores aos que são praticados em instituições similares.
  5. Lembra que, de acordo com a jurisprudência comunitária (por exemplo, Acórdão C-174/00 do TJUE, de 21 de Março de 2002, Kennemer Golf & Country Club contra Staatssecretaris van Financiën), a natureza de organismo sem finalidade lucrativa apura-se relativamente ao conjunto das suas actividades e não apenas àquelas actividades em que haja isenção. Citando o parecer do Prof. Xavier de Basto, “Não é assim relevante que, eventualmente, o preço deste ou daquele serviço disponibilizado pela A... possa ser inferior ao preço de mercado, se porventura ele existir e for bem determinado. Relevante é observar se, no conjunto das operações da Fundação, há um afastamento sistemático para baixo, dos preços de mercado das referidas operações. Só esse afastamento releva para efeito da verificação da condição prevista na alínea c) do artigo 10.º (…) Não preenche, pois, relativamente ao conjunto das suas actividades, a condição prevista na alínea d) do artigo 10º para ser qualificada como organismos sem finalidade lucrativa. É seguro, assim, a nosso ver, afirmar que a A..., atendendo à actividade exercida e ao modo como se propõe executá-la, não é um organismo sem finalidade lucrativa, para os efeitos do artigo 10º do CIVA”.
  6. Impondo-se que a qualificação de um organismo como “sem fins lucrativos” seja efectuada tendo em consideração o conjunto das suas actividades, e não somente quanto a parte ou a alguma das actividades que exerce, entende a Requerente que a AT errou na subsunção do direito aos factos, ao fazer uma análise quanto ao cumprimento das condições previstas no art. 10º do CIVA apenas quanto a duas das actividades prosseguidas pela Requerente (as visitas guiadas e os serviços educativos), ignorando todas as outras actividades que a Fundação exerce, contrariando o clarificado pelo próprio TJUE – único organismo com competência material para preencher os conceitos previstos no Sistema Comum do IVA.
  7. Por outro lado, sustenta a Requerente que, se se atentar no conjunto de operações da Requerente, facilmente se concluirá não só que ela concorre, de facto, directamente com outros sujeitos passivos de imposto, como também que não pratica preços inferiores aos praticados em operações análogas por empresas comerciais sujeitas a IVA.
  8. A Requerente exemplifica com preços de bilhetes de espectáculos, com preços de bar-cafetaria, e com preços cobrados por aluguer das suas salas, comparando-os com preços praticados por sujeitos passivos integrais de imposto – para evidenciar que, para além de praticar preços alinhados com o mercado, também concorre directamente, por serviços similares, com empresas comerciais, sujeitos passivos integrais de imposto. Ao contrário do que assevera a AT, quem procura os serviços da Requerente não o faz em detrimento de outros operadores.
  9. A Requerente sustenta ainda que a AT viola o ónus de prova que sobre ela recaía (arts. 74º, 1 da LGT, 342º, 1 do Código Civil), alegando circunstâncias das quais não apresenta comprovação, e tecendo considerações gerais que, como se fossem evidências, servem de premissas para as conclusões a que chega. E insiste que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido.
  10. Por seu lado, as invocações de “exclusividade” da actividade da Requerente nada provam de específico, e certamente não demonstram a verificação simultânea e cumulativa das condições enumeradas no art. 10º do CIVA – terminando a Requerente por acusar a AT de violação do princípio do inquisitório (art. 58º da LGT) e da descoberta da verdade material (artigo 6.º do RCPITA).
  11. Impondo-se, para a Requerente, tanto a conclusão de que os requisitos das alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA não se encontram verificados quanto a ela, como a conclusão de que a AT não logrou demonstrar,como lhe competia, o cumprimento das condições constantes daquelas alíneas.
  12. De ambas decorrendo a inferência de que a Requerente não pratica quaisquer operações isentas de IVA.
  13. Quanto aos donativos recebidos pela Requerente, esta insiste que que as contrapartidas atribuídas não põem em causa o carácter gratuito subjacente às contribuições efectuadas pelas entidades em causa – tratando-se de verdadeiros donativos, que não põem em causa as regras que norteiam o conceito de donativo previsto no art. 61º e seguintes do EBF.
  14. Esta norma aceita que haja contrapartidas dos donativos, desde que elas não “configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial” – o que permite a interpretação de que estão excluídos de um verdadeiro “animus donandi” os donativos que tenham a contrapartida por motivação, porque aí haveria uma contrapartida de carácter comercial.
  15. Logo, a atribuição de contrapartidas não põe em causa o carácter gratuito subjacente às contribuições efectuadas, mais a mais porque todas ficaram aquém dos 10% do valor do donativo correspondente, previstos no art. 64º do EBF na redacção em vigor à data dos factos.
  16. A Requerente assinala que a própria AT possui doutrina em que admite a existência de contrapartidas em face do recebimento de donativos: as Circulares nº 12/2002, nº 2/2004, e nº 9/2005 – com especial cuidado na definição das condições em que a divulgação pública do nome do doador numa determinada iniciativa (o “naming”) é enquadrável no Estatuto do Mecenato, sem desvirtuar o “animus donandi” dos donativos.
  17. Insistindo que as contrapartidas, na sua proporção, e no tratamento reservado aos mecenas, não configuram qualquer relação sinalagmática ou de proporcionalidade entre os donativos concedidos e as contrapartidas atribuídas.
  18. E menos ainda uma correspondência exacta, em valor económico e pecuniário, entre donativos e contrapartidas, que se afigura ter alicerçado a actuação da AT, dado que, para efeitos da quantificação do IVA alegadamente “em falta” quanto aos patrocínios, calculou o imposto alegadamente em falta exatamente sobre o quantum dos alegados “patrocínios” recebidos, e não pela valoração económica das contrapartidas concedidas.
  19. A Requerente reitera que, nos donativos que recebeu, não existe uma obrigação recíproca nem de interdependência entre as partes, pelo que não poderá dizer-se que as prestações são equivalentes, motivo pelo qual as mesmas não afastam o animus donandi que está subjacente aos donativos questionados pela AT.
  20. A Requerente argumenta que o espírito do legislador, ao estabelecer (no art. 61º do EBF) um quantum para a contrapartida que admite ser concedida, ao abrigo do Estatuto de Mecenato, pretende incentivar a atribuição de donativos por parte da sociedade civil, de acordo com as convenções sociais neste domínio, para cumprir um conjunto de necessidades parafiscais que relega para entidades como a Requerente.
  21. Realçando a intenção de promoção do mecenato, a Requerente aponta para o facto de o legislador, com a aprovação do Orçamento do Estado para 2022, ter aumentado o peso que a contrapartida pode assumir no donativo recebido (de 10% para 25%).
  22. Por outro lado, a Requerente assinala que a divulgação do apoio de todos os mecenas foi feita de forma igual e consistente em relação a todos os mecenas, não variando em função do donativo, e não tendo havido, para lá do mero “naming”, qualquer associação a marcas, produtos ou serviços de um qualquer dos mecenas; servindo o “naming” somente para demonstrar que as verbas atribuídas por aqueles mecenas foram, de facto, canalizadas para as iniciativas promovidas pela Requerente, em estreito cumprimento da missão a que está adstrita.
  23. Concluindo que a requalificação dos donativos como patrocínio, em sede de inspecção tributária, mantida pela decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, e que também esteve na base das liquidações adicionais impugnadas, é ilegal por erro sobre os pressupostos de direito e de facto, e por falta de fundamentação.
  24. Subsidiariamente, a Requerente impugna a aplicação do método pro rata que subjaz às liquidações adicionais de IVA, insistindo que é um sujeito passivo integral de IVA, e não um sujeito passivo misto de imposto – como a AT presumiu, modificando o cadastro fiscal, em sede de IVA, da Requerente, e limitando a dedução do IVA apenas a 32,91%, por indevida aplicação do método pro rata previsto no art. 23º do CIVA.
  25. A Requerente reclama que, regressando à qualificação de sujeito passivo integral de IVA, anulando-se a sua indevida alteração cadastral, para mais retroactiva, ela possa deduzir integralmente o IVA suportado por ela nos inputs que afectou à sua actividade – e lhe seja reembolsado integralmente o crédito de IVA que peticionou com referência ao período 2019.12.
  26. Também subsidiariamente, a Requerente peticiona que, mesmo que não se reconheça que a inscrição cadastral retroactivamente decidida pela AT, que remeteu a Requerente para a categoria de “sujeito passivo misto de imposto”, é indevida e ilegal, se reconheça ao menos que o método de dedução de imposto a aplicar terá de ser o método da afectação real, através do qual sempre seria possível apurar o IVA associado aos bens e serviços afectos às actividades de serviços educativos e de visitas guiadas, que a AT veio a considerar, indevidamente, como isentas de imposto.
  27. Afastando a aplicação do art. 23º do CIVA, que, como a Requerente observa, só se aplica à determinação do imposto dedutível relativo aos bens de utilização mista, ou, ao menos, se opte, nos termos do nº 2 do mesmo art. 23º, por efectuar a dedução segundo o método da afetação real, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
  28. Isso seria mais justo, até porque “a determinação desses critérios objectivos deve ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante”, como se referia no Ofício Circulado n.º 30103/2008, de 23 de Abril.
  29. E a prova, segundo a Requerente, é que, no caso, a AT, através da aplicação do método do pro rata, chegou a uma percentagem de dedução de 32,9%, o que significa que se atribuiu uma representatividade de 67,1% para as actividades dos serviços de educação e das visitas guiadas ao Edifício B..., o que não tem qualquer correspondência com o peso daquelas actividades no âmbito global de actividades da Requerente – sendo que, se tivesse, a Requerente sugere que se chegaria a um coeficiente de IVA a deduzir, no período de 2019, de 90,2%.
  30. A Requerente procura demonstrar que o “serviço educativo” representou, em 2019, somente 4,3% da actividade total da Requerente; e que as “visitas guiadas” representaram 5,5% - num total de 9,8% muito distante dos 67,1% apurados pela AT.
  31. Logo, insiste a Requerente que, a recorrer-se à afectação real, haveria o direito à dedução de 90,2% do total de IVA, e não dos 32,9% correspondentes ao apuramento pela AT.
  32. Logo, mesmo a manter-se a qualificação da Requerente como sujeito passivo misto de imposto, o que ela não aceita, ainda assim se chegaria a valores muito diferentes daqueles que foram apurados pela AT através de uma aplicação inadequada do método pro rata, bastando que tivesse havido mais respeito pela realidade económica da Requerente.
  33. A Requerente lembra que, no momento de aplicar o método pro rata, o montante anual a inscrever, quer no numerador quer no denominador da fracção, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, pois estas são previamente sujeitas à afectação real, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA – não devendo ser consideradas no numerador da fracção todas as operações que, embora decorrentes do exercício de uma actividade económica, não conferem direito à dedução, nos termos do art. 20º, 1 do CIVA.
  34. Isso abrange manifestamente subvenções recebidas pela Requerente, como a atribuída em 2019 pelo Estado, através do Ministério da Cultura.
  35. Entende-se que as actividades económicas, para efeitos de IVA, são as elencadas no artigo 2º, 1, a), do CIVA, isto é, são as actividades de produção, comércio ou prestações de serviços, incluindo as actividades extrcativas, agrícolas e as das profissões livres. Portanto, no caso de receitas obtidas fora do âmbito das actividades enunciadas no citado art. 2º, 1, a) do CIVA, não podem tais receitas ser consideradas para efeitos do conceito de "operações (…) decorrentes de uma atividade económica" referido no art. 23º, 4 do CIVA, porque os proveitos ou receitas dos sujeitos passivos gerados sem a utilização de quaisquer recursos (bens ou serviços) não devem ter, para esses sujeitos passivos, consequências no domínio da limitação do seu direito à dedução do IVA.
  36. No caso em apreço, insiste a Requerente que os subsídios recebidos por ela não representam uma contraprestação de qualquer operação decorrente das actividades económicas elencadas no art. 2º, 1, a) do CIVA, até porque tais receitas decorrem de um direito conferido por lei, nomeadamente pelo art. 3º, 3, do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro; e, por isso tais subsídios não devem ser considerados no denominador da fracção prevista no art. 23º, 4, do CIVA.
  37. Assim, ao aplicar-se o método de percentagem, sempre deveria ter sido excluído do denominador o subsídio recebido do Estado, pois ele, manifestamente, não decorre de uma actividade económica, já que, de facto, decorre de um direito conferido por Lei. Não o tendo feito, a AT errou no cálculo do pro rata.
  38. A Requerente termina o seu pedido de pronúncia afirmando o seu direito ao reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago, acrescido de juros indemnizatórios – aventando, por fim, a possibilidade de reenvio prejudicial para o TJUE, por quaisquer dúvidas que subsistam.

 

III. B. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma as posições expressas do seu Pedido de Pronúncia, insistindo que a AT em momento algum logrou provar, demonstrar ou fundamentar as correcções efectuadas à Requerente que estiveram na base da emissão dos actos ora impugnados.
  2. Nomeadamente, a AT não teria sido capaz de demonstrar o cumprimento cumulativo das condições previstas no art. 10º do CIVA que permitiam à AT requalificar, oficiosamente, a Requerente como um sujeito passivo misto de imposto.
  3. Igualmente, a AT não teria logrado provar e fundamentar, seja que a Requerente atribuiu contrapartidas de natureza pecuniária ou comercial aos seus mecenas, seja que as contrapartidas que foram concedidas pela Requerente ultrapassaram o limite previsto no art. 64º do EBF, na redacção em vigor à data dos factos.
  4. Ficou, portanto, por provar que a Requerente seja efectivamente um organismo sem finalidade lucrativa, nos termos circunscritos pelo art. 10º do CIVA, ou que houvesse qualquer traço sinalagmático nos contratos estabelecidos entre a Requerente e os seus mecenas.
  5. A Requerente lamenta que a AT não tenha aproveitado a inspecção para indagar, junto da Requerente, a forma de cálculo dos preços praticados para todas as actividades por si desenvolvidas, ou para apurar se existe, ou não, concorrência efectiva entre a Requerente e outros sujeitos passivos de IVA.
  6. E assim, ao arrepio da jurisprudência do TJUE (Acórdão Kennemer Golf & Country Club contra Staatssecretaris van Financiën, C-174/00, de 21 de Março de 2002 ), a AT, em vez de levar em conta a totalidade das actividades da Requerente, ter-se-ia focado apenas nas actividades que alegadamente poderiam beneficiar da isenção de IVA (as visitas guiadas e os serviços educativos, estes na componente formação e workshops) para tentar demonstrar, com base em meras presunções, que sempre teria de se assumir que a Requerente, face à sua alegada natureza sui generis, cumpria cumulativamente todas as condições elencadas no art. 10º do CIVA para ser considerada como um organismo sem finalidade lucrativa, que alegadamente pratica preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto, e que não concorre com outros sujeitos passivos de imposto.
  7. Insiste a Requerente que, se a AT se tivesse dado ao trabalho de aferir os preços de mercado das actividades às quais poderiam potencialmente aplicar-se as isenções de IVA previstas no art. 9º, 13 e 14, do CIVA, ou ao trabalho de identificar os demais sujeitos passivos de IVA que poderiam concorrer com a Requerente nessas actividades, facilmente teria concluído não só que a Requerente pratica preços de mercado, e, a contrario, não pratica preços inferiores aos que os demais sujeitos passivos de IVA praticam, como também que a Requerente entra efectivamente em concorrência com outros agentes económicos.
  8. Evitar-se-ia a classificação da Requerente como organismo sem finalidade lucrativa, reconhecendo-se que ela não cumpre, como nunca cumpriu, qualquer uma das condições elencadas nas alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA.
  9. Ter-se-ia evitado, ainda, o implausível rateio que levou a uma dedução de IVA da ordem de 32,91%, remetendo para a presunção de que os bens e serviços adquiridos pela Requerente, utilizados na sua actividade isenta, e sem direito a dedução, correspondiam a 67,09% do imposto suportado: um resultado que parece sugerir que as operações isentas de IVA alegadamente praticadas (as visitas guiadas e os serviços educativos) eram afinal a actividade principal da Requerente.
  10. E ter-se-ia evitado a inclusão no cálculo do pro rata da subvenção atribuída pelo Estado à Requerente, sem fazer preceder essa inclusão de qualquer análise ou pedido de esclarecimentos – quando é elementar, segundo a Requerente, que, como aquela subvenção não decorre de uma actividade económica, o seu valor teria de ser necessariamente excluído do denominador do cálculo do pro-rata.
  11. A Requerente volta a sustentar a superioridade do método da afectação real, por contraposição ao método de pro rata, como forma de apurar com mais rigor, e com a necessária segurança, qual o imposto suportado com bens e serviços afectos às actividades que a AT considerou como sendo alegadamente isentas (as visitas guiadas e os serviços educativos) e, bem assim, o imposto suportado nos inputs associados e utilizados nas demais actividades da Requerente.
  12. A Requerente protesta ainda a forma como se procedeu à requalificação dos donativos recebidos pela Requerente em 2019 como patrocínios, sem prova de que tivessem tido carácter pecuniário ou comercial, apenas contestando a existência de “animus donandi” pelo facto de haver referência nominal ao mecenas (ainda que sem referência a marcas, produtos ou serviços prestados por ele).
  13. Por outro lado, a Requerente repudia a interpretação da AT que associa a atribuição de qualquer regalia por parte do donatário ao seu mecenas a finalidades pecuniárias ou comerciais, alegadamente reveladoras de um nexo oneroso e sinalagmático com todos os mecenas – tudo feito sem sequer a comprovação de que o limite de 10%, estabelecido pelo art. 64º do EBF à época, tenha sido alguma vez ultrapassado (que a Requerente tenha sido, alguma vez, menos cautelosa e prudente no cumprimento das regras do Estatuto do Mecenato).
  14. Em vez disso, a Requerente alega que a AT se limitou a fazer incidir 23% sobre o valor das quantias atribuídas pelos mecenas à Fundação, chamando-lhes “base tributável”, e não sobre o valor das contrapartidas concedidas pela Requerente, como seria o correcto.
  15. Em suma, a Requerente sustenta que, por um evidente erro sobre os pressupostos de direito, a somar à violação do ónus da prova e do dever de fundamentação, a AT requalificou indevida e ilegalmente a Requerente como um sujeito passivo misto de imposto, o que levou a uma correcção ilegal ao imposto dedutível do exercício 2019, e ao indeferimento parcial do reembolso de imposto peticionado para aquele exercício, como, por outro lado, levou também a uma requalificação indevida e ilegal dos donativos recebidos pela Requerente em patrocínios, o que determinou o apuramento de IVA alegadamente em falta, por não ter sido liquidado.

 

III. C. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, a Requerida, depois de passar em revista o quadro normativo de criação e funcionamento da Requerente, destaca aquilo que se lhe afigura ser o carácter “sui generis” da Requerente – mormente na área musical, assegurando o acesso à cultura, satisfazendo uma necessidade de interesse geral em substituição do Estado, o que lhe tem permitido manter o estatuto de utilidade pública.
  2. Essa substituição do Estado na promoção da cultura traduzir-se-ia na possibilidade de acesso a baixos preços, ou gratuitamente, a actividades culturais – a garantir à Requerente o estatuto de “organismo sem finalidade lucrativa”, por preenchimento dos requisitos do art. 10º do CIVA.
  3. Daí, também, a isenção de IVA de que beneficia a venda de bilhetes para visitas guiadas à B..., nos termos do art. 9º, 13) do CIVA; e a isenção de IVA de que também beneficiam as actividades de ensino (nomeadamente oficinas, concertos, sessões de formação, workshops, cursos e similares), nos termos do art. 9º, 14) do CIVA.
  4. Nos termos do art. 9º, 13) do CIVA, estão isentas:

As prestações de serviços que consistam em proporcionar a visita, guiada ou não, a bibliotecas, arquivos, museus, galerias de arte, castelos, palácios, monumentos, parques, perímetros florestais, jardins botânicos, zoológicos e semelhantes, pertencentes ao Estado, outras pessoas coletivas de direito público ou organismos sem finalidade lucrativa, desde que efetuadas única e exclusivamente por intermédio dos seus próprios agentes. A presente isenção abrange também as transmissões de bens estreitamente conexas com as prestações de serviços referidas”.

  1.  A norma – refere-o a Requerida – está em consonância com o disposto no art. 132º, 1, n) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), que estabelece a isenção de IVA para serviços culturais.
  2. Consideram-se estreitamente conexas com as visitas a museus, e por isso também isentas de IVA, a venda de catálogos, publicações, posters e postais, que estejam diretamente relacionadas com o museu visitado. Excluem-se da isenção de IVA, por exemplo, vendas de ingressos por terceiros, visitas guiadas por terceiros, ou venda de artigos de “merchandising”.
  3. Nos termos do art. 9º, 14) do CIVA, estão isentas:

“As prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas, efectuadas por pessoas colectivas de direito público e organismos sem finalidade lucrativa, relativas a congressos, colóquios, conferências, seminários, cursos e manifestações análogas de natureza científica, cultural, educativa ou técnica”.

  1.  A norma – refere-o a Requerida – tem por base o art. 132º, 1, i) e n), da Directiva IVA, que consagra a isenção de IVA em matéria de, respectivamente, ensino e formação profissional, e serviços culturais.
  2.  Quando estejam em causa organismos que não sejam de direito público, no primeiro parágrafo do art. 133º da Directiva IVA prevê-se que os Estados-Membros possam fazer depender, caso a caso, a concessão de determinadas isenções da observância de algumas condições, e essas são fundamentalmente as que constam do art. 10º do CIVA.
  3.  Segundo jurisprudência do TJUE (Acórdão Gregg, proc. C-216/97, §§ 12-13, 17-18), os termos utilizados para designar as isenções previstas no art. 132º da Directiva IVA são de interpretação estrita, dado constituírem derrogações ao princípio geral de que o IVA incide sobre todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo. Além disso, a interpretação deve respeitar os objectivos das isenções previstas e respeitar a neutralidade fiscal (Acórdãos Future Health Technologies, proc. C-86/09, § 30; Canterbury Hockey Club, proc. C-253/07, § 17; MDDP, proc. C-319/12, § 26; Kennemer Golf, Proc. C-174/00, § 19; Kingscrest Associates Ltd, proc. C-498/03, § 29).
  4.  A Requerida reconhece que, no que respeita à verificação dos requisitos previstos no art. 10º do CIVA, apenas é controvertido o que corresponde às alíneas c) e d) desse artigo, não se discutindo as condições das suas alíneas a) e b).
  5.  No que respeita ao art. 10º, c) do CIVA, a Requerida cita Rui Laires:

“(…) Na falta de preços homologados administrativamente, a parte final da alínea c) do artigo 10.º do CIVA impõe que sejam praticados preços inferiores aos exigidos pelas empresas comerciais submetidas a tributação, relativamente ao mesmo tipo de bens ou serviços. Pese embora as dificuldades inerentes à comparação da qualidade e do preço entre bens ou serviços da mesma natureza disponibilizados no mercado, compreende-se a razão de ser desta condição. O objetivo da alínea c) parece ser assegurar que as pessoas que são os utentes, adquirentes ou destinatários finais dos bens e serviços disponibilizados pelos organismos sem finalidade lucrativa sejam realmente beneficiadas pelo facto de esses organismos terem direito à isenção. Uma vez que a isenção é conferida aos organismos em prol dos utentes, é de elementar lógica que estes últimos possam beneficiar da actividade daqueles em condições económicas mais favoráveis do que se recorressem às empresas comerciais. Atente-se que as isenções actualmente consignadas no n.º 1 do artigo 132.º da Directiva do IVA respeitam a actividades de interesse geral, como vem assinalado na própria epígrafe do artigo (…)”. (“O IVA nas Actividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social”, 2012, 323-324)

  1.  A Requerida assinala que, sendo parte das receitas da Requerente constituídas por subsídios, patrocínios e donativos, obtidos para efeitos de prossecução de actividades de interesse geral, seria contraditório que ela não praticasse, ou não pudesse praticar, preços reduzidos, ou nulos – ou seja, que os destinatários dos bens ou serviços disponibilizados pela Requerente não beneficiassem, ou não pudessem beneficiar, da actividade desenvolvida por esta em condições económicas mais favoráveis do que as que seriam alcançáveis se tivessem de obter bens ou serviços da mesma natureza em condições de mercado, junto de empresas comerciais.
  2. Ora, se por um lado o art. 10º, d) do CIVA impede que as isenções provoquem distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA, por outro lado a jurisprudência do TJUE (Acórdão Bridport, proc. C-495/12, § 35) impede os Estados-Membros de adoptarem medidas gerais que limitem o âmbito de tais isenções, reconhecendo como inevitável que, no sistema comum do IVA, coexistam condições de concorrência divergentes para diferentes operadores.
  3.  Infere a Requerida que, face ao quadro legal aplicável à luz dos critérios interpretativos definidos pelo TJUE, e face à natureza da Requerente, ao estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública que lhe é conferido, aos fins estatutários que prossegue e demais circunstâncias do caso concreto, a Requerente reúne as condições elencadas no art. 10º do CIVA, e por isso deve ser classificada, para efeitos do IVA, como organismo sem finalidade lucrativa.
  4. E infere também que:
  1. A Requerente é um sujeito passivo misto, uma vez que pratica, simultaneamente, operações que conferem direito à dedução, e operações que não conferem esse direito.
  2. As actividades que desenvolve se subsumem na previsão das alíneas 13) e 14) do art. 9º do CIVA, pelo que são isentas de imposto.
  1. A Requerida lembra o estabelecido no art. 173º, 1 da Directiva IVA:

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo”.

  1. Em conformidade com o estabelecido nos arts. 173º e 174º da Directiva IVA, o art. 23º do CIVA determina que:

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

[…]

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

[…]”

  1. A Requerida lembra que a jurisprudência do TJUE tem reiteradamente afirmado (Acórdão BP Soupergaz, processo C-62/93, § 18) que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante, tem incidência no nível do encargo fiscal e deve aplicar-se similarmente em todos os Estados-Membros, de modo que só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos na Directiva IVA; e isto porque o sistema de dedução visa libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas, de modo a assegurar, no seio do sistema comum do IVA, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, desde que as referidas actividades estejam, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (Acórdão Uszodaépitö, processo C-392/09, § 35).
  2. Daí resulta, bem como da regra de que, para dar direito à dedução, os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas, que o direito à dedução do IVA que onerou estes bens ou serviços pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas – pelo que, se um sujeito passivo efectua ao mesmo tempo operações com direito a dedução, e operações sem direito a dedução, apenas pode deduzir a parte do IVA proporcional ao montante respeitante às primeiras operações, não às segundas (Acórdãos Midland Bank, processo C-98/98, § 30; Abbey National, processo C-408/98, § 28; Kretztechnik, processo C-465/03, § 37).
  3. Conclui a Requerida que esta é a origem, e a justificação, do método de dedução aplicado aos bens e serviços de utilização mista, bem como da percentagem de dedução a considerar: os sujeitos passivos mistos que, a par de actividades tributadas ou que conferem o direito à dedução, nos termos do art. 20º, 1, do CIVA, pratiquem operações isentas ou que não conferem esse direito, estão sujeitos à disciplina do art. 23º do CIVA, quanto aos bens de utilização mista, podendo apenas proceder à dedução parcial do imposto.
  4.  Essa, segundo a Requerida, a justificação bastante da escolha do método do pro rata pelos SIT, que é a regra geral na dedução dos inputs de utilização mista – cabendo à Requerente, nos termos dos arts. 23º, 2 do CIVA e 74º, 1 da LGT, indicar outro método por si escolhido, demonstrando que este é o que melhor se adequa à sua situação e organização concreta, à natureza das suas operações no contexto da atividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações; demonstrando ainda que esse outro método não provoca distorções significativas na tributação.
  5.  O facto é que – argumenta a Requerida – a Requerente não o fez, limitando-se a alegar que o critério por si indicado vem sugerido, genericamente, no Ofício-Circulado n.º 30103/2008, de 23 de Abril, o que não é suficiente.
  6.  Por outro lado, a Requerida sustenta que a adopção do método pro rata não pode ter conduzido a distorções significativas na tributação, na medida em que uma grande parte dos custos da Requerente são financiados por fundos e apoios públicos, pelo que a maior parte das despesas efectuadas pela Requerente com a aquisição dos inputs utilizados na prossecução da sua actividade não fazem parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.
  7. Adicionalmente, sustenta que o que releva para a percentagem de dedução não será a representatividade de determinadas operações na actividade global da Requerente, mas antes o grau de utilização dos inputs de utilização mista nas atividades que conferem o direito à dedução (à luz do art. 20.º, 1 do CIVA).
  8. Assim, esclarece que os 32,9% de dedução apurados pela AT através da aplicação do método pro rata, não é o peso da actividade de eventos musicais, mas antes o peso das actividades tributadas relativamente à totalidade do volume de negócios, incluindo as subvenções e subsídios de exploração.
  9. Rejeita o critério sugerido pela Requerente, de “horas de ocupação dos espaços”, que apura uma percentagem de 90,2%, por não corresponder, notoriamente, ao grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em operações que conferem direito à dedução.
  10. E insiste que a inclusão dos subsídios e subvenções no denominador do cálculo do pro rata não representa qualquer erro, transcrevendo em seu apoio uma passagem do Ofício-Circulado n.º 30103/2008, de 23 de Abril:

“[…]

VI. INTERPRETAÇÃO DO N.° 4 DO ARTIGO 23°.

1. Nos termos do nº. 4 do artigo 23.º, a percentagem de dedução apurada pelos sujeitos passivos nos termos da alínea b) do nº. 1 "...resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do nº. 1 do artigo 20.° e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como das subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento".

2. A norma contida no n°. 4 do artigo 23. é de aplicação exclusiva as operações decorrentes de uma actividade económica quando, em simultâneo com operações que conferem direito a dedução, os sujeitos passivos exercem também operações que não conferem esse direito e apuram o montante de imposto a deduzir mediante a aplicação de uma percentagem de dedução (pro rata), nos termos da alínea b) do nº. 1 do citado artigo.

3. Assim, deve entender-se que, para efeitos do cálculo do pro rata de dedução, o montante anual a inscrever quer no numerador quer no denominador da fracção, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, pois estas são previamente sujeitas à afectação real, nos termos da alínea a) do nº. 1 do artigo 23.º.

4. De igual modo, também não devem ser consideradas no numerador da fracção todas aquelas operações que, embora decorrentes do exercício de uma actividade económica, não conferem o direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º. (…).

5. (…).

6. No que respeita às subvenções não tributadas, porque não conexas com o preço das operações tributáveis, deve atender-se ao seguinte:

a) Caso a subvenção vise financiar operações decorrentes de uma actividade económica sujeitas a IVA, o respectivo montante deve integrar o denominador do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA no caso dos sujeitos passivos mistos, não tendo qualquer influência no montante do imposto dedutível no caso dos sujeitos passivos integrais.

b) Se a subvenção visa financiar operações decorrentes de uma actividade económica mas não sujeitas a imposto ou, ainda, a operações não decorrentes de uma actividade económica, o respectivo montante não deve integrar o denominador do pro rata, sendo aplicáveis as regras, acima descritas, de afectação real para tais operações.

[…]”

  1. E a Requerida entende ser incorrecta a premissa em que assenta uma grande parte da argumentação da Requerente, nomeadamente a de ela ser um sujeito passivo integral, com direito à dedução da totalidade do IVA suportado a montante.
  2. Quanto à inclusão do subsídio do estado no cálculo de pro rata, a Requerida começa por referir que a Requerente o indica, e qualifica como subsídio à exploração, na p. 192 do seu “Relatório Anual de Actividade & Contas 2019”:

“em 2019, a A... recebeu do Estado Português o montante de 8.800.000 euros a título de subsídio para o financiamento das suas actividades”

  1. E a mesma qualificação como subsídio à exploração consta da Nota 24 constante do “Anexo às Demonstrações Financeiras Individuais em 31 de Dezembro de 2019”:

“24. SUBSÍDIOS

Durante o período findo em 31 de Dezembro de 2019 e 2018 a Fundação beneficiou dos seguintes subsídios:

[…]

O montante do Subsidio à Exploração atribuído pelo Ministério da Cultura para o ano de 2019 foi inferior em 1.200.000 euros (1.800.000 em 2018) ao montante previsto no Decreto-Lei nº 18/2006, de 26 de Janeiro de 2006, totalizando o valor anual de 8.800.000 euros.

A rubrica de Subsídios à Exploração é composta maioritariamente pelos Subsídios recebidos e a receber do Ministério da Cultura”.

  1. Acrescentando a Requerida que a alegação de que não se trata de um subsídio à exploração não-tributado não foi adequadamente comprovada pela Requerente (procedendo à respectiva afectação real, demonstrando as despesas de funcionamento nas quais o subsídio foi utilizado).
  2. Ora, se a Requerente não procedeu a essa afectação real, limitando-se a alegar erro no cálculo no pro rata, sem demonstrar a existência e o montante desse erro, então não se pode cumprir perfeitamente o art. 23º, 4 do CIVA, quando este estabelece que, no cálculo do pro rata de dedução, o montante anual a inscrever, quer no numerador quer no denominador da fracção, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica – porque, para se excluir tais operações, é preciso que elas tenham sido previamente sujeitas à metodologia da afectação real, como o impõe a alínea a) do nº 1 do mesmo art. 23º do CIVA.
  3.  A Requerida insiste que o que decorre do art. 23º do CIVA é que, a tratar-se de operações excluídas do conceito de actividade económica, tem de apurar-se, por afectação real, o montante de IVA que não confere direito à dedução, relativamente a tais operações, previamente ao cálculo do pro rata.
  4.  Subsidiariamente, a Requerida adverte que, se se entender que o calculo do pro rata padece de erro por incluir operações excluídas do conceito de actividade económica, também terá de se concluir que a Requerente é beneficiada com tal erro, dado que não foi previamente aplicada a limitação ao direito à dedução prevista no art. 23º, 1, a) do CIVA – sendo que, em verdade, não seria totalmente dedutível o IVA contido nas despesas de funcionamento afectas à alegada dotação financeira (que representa 58,5% dos seus rendimentos no ano em causa, e financiou 60,9% dos gastos totais, considerando as depreciações e amortizações, como referiu a própria Requerente no “Relatório Anual de Actividade & Contas 2019”, p. 192).
  5. Quanto à requalificação como patrocínios dos contratos inicialmente qualificados como de mecenato, a Requerida invoca os arts. 61º e 64º do EBF (na redacção em vigor à data dos factos), e as Circulares 12/2002 e 2/2004 da DGCI.
  6.  Cita também excertos do Parecer Técnico do Departamento de Consultoria da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) n.º PT27068 – Donativo, de Julho de 2022:

[…] poderão estabelecer-se as seguintes linhas de orientação:

a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;

b) Se, em vez disso, a regalia consistir na associação a certa iniciativa dos produtos comercializados ou dos serviços prestados pelo doador, ou mesmo do seu nome, mas tendo como fito a sua promoção junto dos respetivos consumidores, porque o espírito de liberalidade do doador é marginalizado, estar-se-á perante mero patrocínio.

De acordo com exposto, é necessário perceber se no caso em análise se está perante um patrocínio ou um donativo, no entanto, deverá ser o sujeito passivo a avaliar concretamente a operação”.

  1. No caso em apreço, alega a Requerida que os SIT, ao requalificarem os contratos como sendo de patrocínio e não de mecenato, consideraram que se trata de contratos onerosos e não gratuitos.
  2.  Contra aquilo que a Requerente insinua, os SIT não se limitaram a constatar a existência de contrapartidas para os donativos. Segundo a Requerida, atendeu-se à forma como se fez a associação do nome e marca ao evento, como representativo de uma intenção de promover esse nome ou marca junto dos consumidores, verificando se foram, ou não, cumpridos os critérios de secundarização e discrição que vêm impostos na lei do mecenato, nomeadamente no EBF, e na doutrina administrativa.
  3. Por outro lado, a Requerida alega que a Requerente não fez prova, como lhe competia, de que o valor das contrapartidas não excedeu 10% do valor de cada donativo recebido, elementos que só a Requerente conhece.
  4.  E contesta a validade da documentação que a Requerente apresenta (em especial no ponto 249º do pedido de pronúncia e no Doc. nº 18), por se tratar de mapas com valores relativamente aos quais se desconhece a sua origem, fórmula de cálculo, etc.
  5. Finalmente, não reconhecendo ter havido erro imputável aos serviços, a Requerida entende que não há lugar a juros indemnizatórios a favor da Requerente.

 

IV. Fundamentação da decisão

 

IV.A. O mérito da causa.

 

Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.

 

São duas as questões que subsistem em litígio entre as partes:

  1. As isenções do art. 9º, 13 e 14 do CIVA e o alegado estatuto da A... como “organismo sem finalidade lucrativa”.
  2. A natureza dos donativos recebidos pela A...: donativos mecenáticos ou patrocínios publicitários?

 

IV.A.1. As isenções do art. 9º, 13 e 14 do CIVA e o alegado estatuto da A... como “organismo sem finalidade lucrativa”.

 

O ponto de discórdia, aqui, respeita à qualificação da Requerente como organismo sem finalidade lucrativa, nos termos do art.10º, c) e d) do CIVA, face às isenções do art. 9º, 13 e 14 do CIVA.

Muito simplesmente, trata-se de saber se as visitas guiadas efectuadas por intermédio de agentes da Requerente, bem como os cursos de artes musicais que ela promove, estão ou não isentos de IVA – para se poder inferir qual o regime de IVA a que a Requerente deve estar sujeita.

Comecemos por transcrever as normas relevantes do CIVA:

Artigo 9.º (Isenções nas operações internas)

Estão isentas do imposto:

13) As prestações de serviços que consistam em proporcionar a visita, guiada ou não, a bibliotecas, arquivos, museus, galerias de arte, castelos, palácios, monumentos, parques, perímetros florestais, jardins botânicos, zoológicos e semelhantes, pertencentes ao Estado, outras pessoas coletivas de direito público ou organismos sem finalidade lucrativa, desde que efetuadas única e exclusivamente por intermédio dos seus próprios agentes. A presente isenção abrange também as transmissões de bens estreitamente conexas com as prestações de serviços referidas;

14) As prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas, efectuadas por pessoas colectivas de direito público e organismos sem finalidade lucrativa, relativas a congressos, colóquios, conferências, seminários, cursos e manifestações análogas de natureza científica, cultural, educativa ou técnica

Artigo 10.º (Conceito de organismos sem finalidade lucrativa)

Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente:

c) Pratiquem preços homologados pelas autoridades públicas ou, para as operações não susceptíveis de homologação, preços inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto;

d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.” (sublinhados nossos)

A fonte das isenções estabelecidas no art. 9º, 13 e 14 do CIVA é o art. 132º, 1, n) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, alínea na qual se determina que os Estados membros da União isentem obrigatoriamente "determinadas prestações de serviços culturais, e bem assim entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efectuadas por organismos de direito público ou por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa" – um esforço de harmonização que não impõe a estrita uniformização dos regimes nacionais, seja por respeito a particularidades das políticas de cada Estado-membro, seja porque a lista de operações que os Estados-membros devem isentar consente, através de formulações genéricas, margens de liberdade na especificação, pelos Estados-membros, das isenções e do respectivo regime – sendo que é no art. 133º da mesma Directiva 2006/112/CE que se enuncia as condições em que os Estados-membros podem conceder tais isenções a entidades que não sejam organismos de direito público (devendo notar-se que a formulação do art. 133º da Directiva, “d) As isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA”, acabou transposta no art. 10º do CIVA como “d) Não entrem em concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.”).

Dada a prova obtida, não oferece dúvida que os n.os 13 e 14 do art. 9º do CIVA seriam aplicáveis à Requerente, caso ela coubesse na categoria dos “organismos sem finalidade lucrativa” a que ambos os números se referem.

Ou seja, o elemento objectivo dos n.os 13 e 14 do art. 9º do CIVA está preenchido, restando saber se o está, igualmente, o elemento subjectivo – que, obviamente, é imprescindível para que a isenção de IVA possa ocorrer.

Esse elemento subjectivo, o ser um “organismo sem finalidade lucrativa” é definido, “para efeitos de isenção”, pelo art. 10º do CIVA, que reclama a verificação cumulativa, “simultaneamente”, das condições previstas nas suas quatro alíneas.

Quanto às duas primeiras, a) e b), Requerente e Requerida concordam que elas se verificam.

Já quanto às duas últimas, c) e d), a Requerente entende que elas não se verificam – e, portanto, que, dada a exigência de verificação cumulativa das quatro alíneas, ela própria não pode ser considerada, para efeito de isenção de IVA, um “organismo sem finalidade lucrativa”; enquanto que, pelo contrário, a Requerida entende que se verificam, quanto à Requerente, as condições previstas nas alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA – e que, portanto, para efeito de isenção de IVA, a Requerente deve ser considerada um “organismo sem finalidade lucrativa”, com a consequência directa de poderem ser-lhe aplicadas as isenções previstas nos n.os 13 e 14 do art. 9º do CIVA, e a consequência mais genérica de, dado desenvolver simultaneamente actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA, a Requerente dever ser enquadrada, para efeitos de IVA, como sujeito passivo misto, e não como sujeito passivo integral – desta conclusão decorrendo a necessidade de limitar o direito à dedução do IVA suportado a montante, nas despesas indistintamente afectas a estas operações e a outras que do imposto não estejam isentas.

Concretamente, a Requerente aplicou IVA no pagamento das visitas guiadas ao seu edifício, o que a Requerida não aceita, dado entender que tais visitas estão isentas nos termos do art. 9º, 13 do CIVA; e o mesmo se passou relativamente a workshops, ateliers e cursos ligados à música, que a Requerente organiza e pelos quais cobra taxas de participação, centrando-se aí o diferendo na aplicação, ou não, da isenção prevista no art. 9º, 14 do CIVA.

Por entender que estavam preenchidos, pela Requerente, todos os requisitos para a sua classificação como “organismo sem finalidade lucrativa”, a Requerida, através dos SIT, tratou-a como um sujeito passivo não integral de IVA, aplicando as regras de dedução relativas a bens de utilização mista, isto é, os que são indistintamente usados em operações que conferem direito à dedução, e operações que não conferem tal direito.

Logo, a posição da Requerente teve de concentrar-se na alegação, e prova, de duas circunstâncias que a desqualificariam como “organismo sem finalidade lucrativa”:

  1. A ausência, em operações insusceptíveis de homologação de preços, de prática de preços inferiores aos exigidos, em operações análogas, por empresas comerciais sujeitas de IVA (art. 10º, c) do CIVA)
  2. A existência de concorrência directa com sujeitos passivos do imposto (art. 10º, d) do CIVA)

Devendo realçar-se que, dada a necessária verificação cumulativa de pressupostos no art. 10º do CIVA, a demonstração de apenas uma destas duas circunstâncias já bastaria para desqualificar a Requerente como “organismo sem finalidade lucrativa”, “para efeitos de isenção”.

Suscita-se, assim, uma questão de standard de prova:

  1. No que respeita aos preços inferiores, um só caso de preços inferiores bastará para refutar a alegação de que a Requerente não os pratica? Se não basta, quantos serão necessários para essa refutação – terá de ser uma maioria de casos, uma prática predominante?
  2. No que respeita à concorrência directa, bastará a comprovação de um caso de concorrência? Se não, quantos casos? E como se refutará a concorrência? Com uma única contraprova, ou com quantas?

Note-se que, por um lado, o que está em causa é somente um estatuto de pura relevância tributária: trata-se de saber se, no quadro do direito da União e do direito nacional, estão reunidos os pressupostos de uma isenção, o que deve fazer-se nos precisos termos das normas directamente convocadas para o enquadramento da solução jurídica – não podendo, nem devendo, inferir uma solução a partir de premissas  que não sejam as especificamente referidas, por exemplo procurando relacionar a natureza de “fundação”, ou de “instituição de utilidade pública”, que decorrem, quanto à Requerente, do art. 4º do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro, com a vedação da prática de preços nivelados com o mercado de referência, ou com a inexistência de concorrência directa em determinados serviços prestados. Como pode ler-se no parecer junto aos autos, do Prof. Xavier de Basto, “A natureza fundacional, de per si, (…) em nada altera a qualificação que haja de fazer-se sobre a natureza das suas actividades para os efeitos do IVA”.

Note-se, por outro lado, que a jurisprudência europeia (Acórdão C-174/00 do TJUE, de 21 de Março de 2002 (Kennemer Golf & Country Club v Staatssecretaris van Financiën)) aponta para uma aferição global das actividades de um sujeito económico como via para a determinação da sua natureza de organismo “com finalidade lucrativa” ou “sem finalidade lucrativa”, afastando a ideia de que tal determinação possa cingir-se ao conjunto mais restrito das operações em que a isenção comporta o elemento subjectivo de o operador constituir um organismo sem finalidade lucrativa: o que de algum modo já aponta numa certa direcção de um standard de prova, reclamando o apuramento de um afastamento sistemático, preponderante, dos preços praticados face aos preços de mercado, que permita concluir que o operador tem a tendência manifesta para praticar preços mais baixos, constituindo excepção a prática de preços nivelados com o mercado – o que já permite excluir, do standard de prova, o recurso a casos isolados ou pouco numerosos, e a extrapolação baseada nestes. Aplicando-se o mesmo princípio, mutatis mutandis, à prova da concorrência directa, ou da ausência dela.

Isso faz particular sentido no caso da Requerente, que, desde o início, já em termos estatutários (cfr. arts. 3º e 4º dos seus Estatutos), presta serviços de muito variada índole, em condições muito variáveis – não podendo excluir-se que ocasionalmente pratique preços inferiores aos de mercado, em função da missão de promoção cultural de que está investida, e noutros pratique preços superiores, quando as condições técnicas, logísticas ou geográficas permitam apresentar uma oferta especialmente atraente para o público, mais do que o faça a concorrência; e, noutros casos ainda, alinhe os seus preços pelos da concorrência, já que nada a constrange a deixar de maximizar o lucro, mesmo quando subsídios e donativos já tenham proporcionado um rendimento ou já tenham coberto alguns custos.

O mesmo se dirá da concorrência, ressalvando que, mesmo em termos abstractos, a concorrência não exige que os concorrentes sejam substitutos perfeitos uns dos outros, no sentido de se apresentarem indiferenciados perante os consumidores, como objectos de simples escolhas pelo binómio quantidade / preço. No mundo real, a concorrência far-se-á sempre de acordo com elementos “qualitativos” (ou “não-preço”), que tornam todos os produtos, no mínimo, sucedâneos imperfeitos uns dos outros – ou, no máximo, pólos numa segmentação própria da “concorrência monopolística”. Querendo isso dizer que a concorrência pode apoiar-se tanto na indiferenciação como na diferenciação de bens e serviços; e até às vezes, em função dos contextos e das oportunidades, em estratégias alternadas de indiferenciação e de diferenciação dos mesmos bens e serviços.

Feita esta advertência, forçoso é reconhecer que a Requerente fez prova bastante, e convincente, tanto de que pratica preços que não são sistematicamente, ou tendencialmente, inferiores aos de mercado, como de que as suas principais actividades são desenvolvidas e oferecidas num ambiente concorrencial; ou seja, que, não obstante poderem ter traços identificadores únicos, característicos, inconfundíveis, essas actividades disputam público com outras ofertas de bens e serviços (pense-se na locação de espaços, ou na oferta de géneros musicais populares), ao menos na mesma área geográfica, a ponto de a Requerente dedicar às condições concorrenciais uma parte substancial do seu esforço organizativo (como pode comprovar-se por preçários, políticas de descontos, estratégias de fidelização, etc.).

A prova documental e a prova testemunhal permitiram concluir que, não obstante os seus traços distintivos, a oferta da Requerente não é senão uma de várias alternativas culturais e recreativas disponibilizadas à população da sua área geográfica, não podendo inferir-se que a sua presença tenha obliterado a concorrência, ou tenha gerado condições particularmente difíceis aos demais concorrentes nos mesmos sectores de actividade.

Note-se que, mesmo que se tivesse assentado no princípio de que se deve apurar os requisitos de prática de preços inferiores aos de mercado, e de inexistência de concorrência directa, centrando-os somente nas actividades de visitas guiadas ao edifício da Requerente, e de workshops, ateliers e cursos ligados à música proporcionados pela Requerente (seguindo a doutrina da “closely related activities” do TJUE – cfr. Acórdão HMRC v Brockenhurst College, Proc. C-699/15), ainda aí seria patente a insuficiência de prova e fundamentação por parte da Requerida.

É que a Requerida, seja em geral, seja no que respeita àquelas actividades específicas, alegou que a prática sistemática de preços inferiores resultaria da própria índole da Requerente, mas não fez prova de uma tal prática – limitando-se a inferir essa prática a partir da mencionada índole própria, ou “única”, da Requerente. E o mesmo fez quanto à concorrência directa, adoptando uma noção demasiado restritiva do que significa concorrência na oferta de bens e serviços – uma noção que julgamos tributária do arquétipo da concorrência perfeita, que postula a indiferenciação de produtos que, sob a epígrafe de “fluidez”, propiciaria uma simples escolha no binómio “preços / quantidades”. A diferenciação da oferta, a segmentação do mercado, a agressividade na captação de clientela, a agressividade na preservação de “nichos qualitativos”, tudo faz parte, e é em princípio admissível, na concorrência directa – e isso, manifestamente, não foi tido em conta.

Assim sendo, impõe-se concluir que não estão satisfeitos os critérios das alíneas c) e d) do art. 10º do CIVA, que permitem, para puros efeitos de isenções de IVA, qualificar um sujeito passivo como “organismo sem finalidade lucrativa”; e que, por isso, também não está preenchido o elemento subjectivo de que dependem as isenções previstas no art. 9º, 13 e 14 do CIVA.

Assim, no que respeita aos fundamentos das liquidações ora em crise, a Requerente permanece um sujeito passivo integral, porque não praticou, nas visitas guiadas ao seu edifício, nem na organização de workshops, ateliers e cursos ligados à música, operações isentas – nem podia praticá-las, por não ser um “organismo sem finalidade lucrativa” –.

Sendo um sujeito passivo de IVA com prática exclusiva de operações tributadas, o seu direito à dedução do imposto suportado nos inputs não deve ser limitado pela aplicação da regra do pro rata de dedução, prevista no artigo 23º do CIVA.

 

IV.A.2. A natureza das comparticipações financeiras recebidas pela A...: donativos mecenáticos ou patrocínios publicitários?

 

Comecemos por referir, de novo, que a Requerente foi instituída pelo Governo Português e pelo Município do ..., através do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro, como “instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, com duração por tempo ilimitado”, e que no art. 4º desse mesmo Decreto-Lei se estabelece que:

1 - A Fundação é reconhecida como de utilidade pública, para efeitos do disposto no Decreto-Lei 460/77, de 7 de Novembro.

2 - Os donativos concedidos à Fundação beneficiam automaticamente do regime estabelecido nos n.º 1 e 3 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei 74/99, de 16 de Março.

3 - A contribuição financeira que corresponde a capitais aportados por fundadores de direito privado, mencionada no n.º 1 do artigo anterior, constitui um donativo para todos os efeitos previstos no número anterior” (sublinhado nosso).

Impõe-se, assim, reconhecer que a matéria dos donativos é crucial para o funcionamento da Requerente, tal como ela foi concebida ab initio.

Transcrevamos as normas relevantes do Capítulo X do EBF (“Benefícios fiscais relativos ao mecenato[1]):

Artigo 61.º (Noção de donativo)

Para efeitos fiscais, os donativos constituem entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional.” (sublinhados nossos)

Artigo 64.º (Imposto sobre o valor acrescentado - Transmissões de bens e prestações de serviços a título gratuito)

Não estão sujeitas a IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas, a título gratuito, pelas entidades a quem sejam concedidos donativos abrangidos pelo presente Estatuto, em benefício direto das pessoas singulares ou coletivas que os atribuam, quando o correspondente valor não ultrapassar, no seu conjunto, 10 % do montante do donativo recebido.”[2] (sublinhados nossos)

Da conjugação destes dois artigos, resulta que é devido IVA se:

  1. As entregas em dinheiro ou em espécie forem acompanhadas de contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial;
  2. As contrapartidas concedidas aos doadores, não obstante não configurarem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, excederem 10 % do montante do donativo recebido.

Muito simplesmente: trata-se, em primeira linha, de evitar a perversão do animus donandi que poderia insinuar-se na apresentação, para efeitos fiscais, de uma transacção comercial tributável (dissimulada) sob a aparência de um donativo não-tributável (simulado).

Em segunda linha, modera-se a atribuição do benefício fiscal a uma percentagem de correspectividade entre donativo e contrapartida pelo donativo, o que tem a dupla vantagem de impedir um “deslizamento” para uma correspectividade “proto-sinalagmática” que devolveria à relação um carácter oneroso; e de permitir um balizamento quantificado que dispense a sindicância “qualitativa” do teor dessas contrapartidas – posto que permaneçam gratuitas (“a título gratuito”, como se estabelece no art. 64º do EBF) e desprovidas de “carácter pecuniário ou comercial” (como se determina no art. 61º do EBF).

O próprio quadro normativo acabado de referir assenta na noção, inteiramente pacífica, de que um donativo não tem que ser uma doação pura (não-“modal”, ou sem encargos), e que o que releva é a preservação de um animus donandi discernível, de um espírito de liberalidade que sirva de “causa” ao negócio gratuito.

O ponto é essencial, e se essa essencialidade já era clara no Estatuto do Mecenato aprovado pelo Decreto-Lei nº 74/99, mais clara ficou com o trânsito desse regime para o interior do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF): trata-se de estimular o animus donandi de operadores económicos, atribuindo a alguns deles vantagens fiscais, como forma de incentivo – sendo que o estímulo continua a justificar-se, numa ponderação de valores, quando haja contrapartidas para o doador, desde essas contrapartidas se contenham dentro de um âmbito de gratuitidade e dentro de limites estritos.

O animus donandi analisa-se, por óbvio, junto do concedente do donativo – e é da referência à sua intenção que se retirará, prima facie, o carácter pecuniário ou comercial de contrapartidas estipuladas. Crucial, até por critério normativo explícito, é determinar-se uma desproporção, um desequilíbrio, entre donativo e respectivas contrapartidas – uma desproporção que cremos dever ser lida como indiciadora de que não existe interesse comercial do concedente do donativo, pois se existisse esse interesse e ele fosse predominante, teria logicamente de haver uma correspectividade directa entre o donativo e a contrapartida, no mínimo uma onerosidade na obrigação emergente do contrato, ou no máximo um “do ut des” verdadeiramente sinalagmático.

Se a lei estabelecia um limite máximo de 10% de valor da contrapartida (actualmente 25%), isso exclui, da racionalidade económica, um qualquer negócio pretensamente oneroso que estipulasse uma contrapartida tão desproporcionada ao valor do donativo. Subsiste, evidentemente, um interesse do concedente do donativo – como sempre subsiste um interesse do doador, até na doação “pura” –; só que esse interesse deixa de poder configurar-se como “comercial” (ou melhor, deixa de poder configurar-se, para efeitos fiscais, como “comercial”).

A Requerida impressionou-se com o “naming” dos mecenas, e com a forma pouco “sóbria” e “discreta” como é divulgado o nome dos mecenas da Requerente, e daí retirou a conclusão de que o escopo dominante seria publicitário, de “sponsoring” – e isso, só por si, já constituiria uma contrapartida que configura uma obrigação de carácter comercial, para efeitos da aplicação do art. 61º do EBF, transformando o aparente donativo num verdadeiro patrocínio.

Essa dedução prova menos do que poderia esperar-se, porque o apuramento do “intuito comercial” é essencialmente subjectivo e fluido, não podendo comparar-se ao grau de segurança que é propiciado pela baliza quantitativa consagrada no art. 64º do EBF – pelo que poderá validamente argumentar-se que a invocação de uma natureza “comercial” não poderia ter dispensado a prova da transgressão dos referidos limites quantitativos; sob pena de, na ausência de tal prova, se ficar no plano das afirmações meramente conclusivas (como de algum modo decorre precisamente da confusão entre referência do nome de um mecenas e o “naming” como instrumento de comunicação publicitária à actividade ou aos produtos de uma empresa).

Estão nesse plano os argumentos da Requerida que pretendem qualificar como patrocínio todas as somas recebidas pela Requerente – o que seria uma forma de resolver o litígio, mas à custa da falta de análise da situação diferenciada de cada concedente de verbas à Requerente, e da falta de comprovação da natureza dessas somas – sendo certo que, independentemente das qualificações subjacentes às liquidações, os concedentes de donativos não viram contestada a natureza de “donativos a título de mecenato cultural” para lhes serem proporcionados os benefícios fiscais previstos no Capítulo X do EBF – aliás atribuídos com o automatismo já estabelecido no art. 4º, 2 do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de Janeiro.

Ora, se são donativos para efeitos de tributação do rendimento dos concedentes dos donativos, por que razão não podem sê-lo, quanto à sua natureza, para efeitos de não-tributação em IVA dos beneficiários dos donativos (embora, evidentemente, a sua natureza não dispense a observância dos demais requisitos, que já analisámos)?

A Requerente é livre de obter quaisquer patrocínios que não desvirtuem o seu objecto, desde que liquide IVA relativo a esses patrocínios. Mas não parece justificado que a Requerida parta do princípio de que, aparecendo, na documentação da Requerente, algumas operações classificadas como “patrocínios” e outras como “donativos”, todas são na realidade “patrocínios”, todas remuneram, com correspectividade “comercial”, serviços de publicidade prestados pela Requerente – podendo assim alegar-se, nessa uniformização indiscriminada de operações, que a tributação de IVA é a regra, dispensando a aplicação de outras regras, como a das balizas quantitativas do final do art. 64º do EBF. E isto não obstante o facto de, como já referimos, a Requerente ter emitido a favor dos concedentes de donativos as declarações que, aceites pela AT, lhes permitiram auferir dos benefícios do mecenato cultural previstos no EBF – em relação aos mesmos actos que agora são qualificados como patrocínios!

É certo que a AT pode requalificar os contratos, não estando vinculada à qualificação atribuída pelas partes, como resulta do art. 36º, 4 da LGT; não podendo, portanto, negar-se a legitimidade da AT para requalificar todos os “donativos” como “patrocínios”.

Só que tem de fazê-lo com fundamento, atendendo à realidade contratual, respeitando-a – sem perder de vista que há efeitos desses contratos que já se produziram com base numa qualificação diversa – sendo contraditório que a AT pretenda ter duas visões conflituantes de uma mesma realidade contratual, em função do tributo que está em causa, em função das premissas de que parte ou dos objectivos imediatos que pretende alcançar: aquilo que é benefício mecenático para efeitos de IRC (e para efeitos dos Estatutos da Fundação), passa a ser patrocínio publicitário para efeitos de IVA?

É certo que é mais fácil requalificar integralmente como patrocínio um donativo, sujeitando-o mecanicamente ao IVA, do que indagar quais as contrapartidas proporcionadas pelos beneficiários, apurar o correspondente valor, aferir se excedeu o limiar dos 10%, e arrecadar IVA apenas sobre o valor daquelas que excedam esse limiar. Mas esta explicação (que alastra ao facto bizarro de a AT ter calculado o IVA alegadamente em falta pelo valor exacto dos “patrocínios” recebidos, chamando-lhes “base tributável”, e não pela valoração económica das contrapartidas concedidas pela Requerente) não serve, de modo algum, de justificação.

Lembremos que a distinção entre donativos e patrocínios é objecto, entre outras, da Circular nº 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC, e desta vale a pena destacar:

À realização de donativos aparece, todavia, frequentemente associada a atribuição ao doador de determinadas regalias em espécie, como sejam a atribuição de convites ou bilhetes de ingresso para eventos, a disponibilização das instalações do beneficiário ao doador ou a associação do nome do doador a certa obra ou iniciativa promovida pelo donatário.

A questão que se coloca é a de saber em que medida as mesmas constituem contrapartidas de carácter comercial, inviabilizadoras do enquadramento do custo no âmbito do Estatuto do Mecenato. Ora, nestas situações, poderemos ainda estar no domínio dos negócios gratuitos à luz das regras do direito privado comum. De facto, para o efeito de recusar à prestação a natureza de gratuitidade não basta que a regalia que lhe esteja associada seja desejada pelo doador, é necessário averiguar se aquela regalia foi desejada como correspectivo patrimonial do donativo de tal modo que se possa dizer ferido o espírito de liberalidade do doador.

É neste quadro que importa interpretar o disposto no nº2 do art. 1º do Dec-Lei 74/99, buscando a ratio do preceito. Assim, não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador.

(…)

2.2. Nos casos em que a regalia se traduza numa associação pública do nome do doador a determinada iniciativa, deve atender-se também ao modo como essa associação se produz, admitindo-se que aos donativos concedidos no âmbito da legislação do mecenato esteja associada a regalia da divulgação do nome do mecenas, desde que a mesma não apresente "natureza comercial" mas meramente institucional.

(…)

Assim, poder-se-ão estabelecer as seguintes linhas de orientação:

a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa, tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;

Para efeitos da concretização da orientação estabelecida nesta alinea deverão ter-se em atenção os Seguintes critérios:

i) Na associação do nome do doador a determinadas iniciativas ou eventos promovidos pelo beneficiário não deverá ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo;

ii) A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico.” (sublinhados nossos)

Significa isto que a própria AT adoptou critérios delimitadores para as duas vertentes nas quais podem surgir problemas de demarcação entre donativos e patrocínios: a das regalias em espécie atribuídas ao doador, e a da associação do nome do doador a iniciativas promovidas pelo donatário.

Na primeira vertente a condição é a de que o valor total seja insignificante em comparação com o donativo, o que se concretizava, no caso vertente, nos 10% vigentes à data.

Na segunda, a condição é a de que a associação do nome tenha natureza institucional, e não comercial, tornando preponderante o espírito de liberalidade do doador, não devendo ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo.

Admita-se, de passagem, que a menção do nome do mecenas é prática geral no mecenato: que seja dada visibilidade ao mecenas pode não ser vantajoso apenas para o mecenas, pode sê-lo também para o beneficiário, pois a divulgação de mecenas de referência é uma forma de validação social de projectos junto da comunidade.

Impõe-se concluir que a posição agora adoptada pela Requerida é contraditória com a posição assumida em sede de benefícios fiscais relativos ao IRC, com o que resulta dos Estatutos da Fundação (que estabelece automatismo na concessão de tais benefícios), e com aquilo a que ela própria se vinculou, na Circular nº 2/2004.

Não é admissível que a Requerida conclua que, sempre que existem contrapartidas, seja qual for a sua natureza ou o seu volume, estamos perante patrocínios e não donativos, sem sequer atender que, em todos esses casos, já houve benefício fiscal para o concedente do donativo, o que logicamente implica que se considerou, à luz da lei, que a contrapartida da Requerente não configurou uma obrigação de carácter comercial.

E não pode ser mais flagrante a contradição entre essa desconsideração sistemática de donativos e aquilo que lapidarmente ficou consignado na Circular 2/2004: “não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador”. Não se percebe como, com este quadro de orientações, se pode chegar à desconsideração da desproporção de contrapartidas e de subsistência do espírito de liberalidade nos donativos analisados.

Mais ainda, e com maior gravidade do ponto de vista da legalidade tributária, convirá lembrar que, em bom rigor, do que se trata aqui não é de benefícios “stricto sensu”, mas de verdadeira não-tributação: quanto aos donativos mecenáticos, a Requerente é um não-sujeito de IVA. Como bem se sublinhou no parecer do Prof. Xavier de Basto, junto aos autos:

No IVA, a definição de sujeito passivo envolve os operadores económicos que desenvolvam operações económicas, na condição de que as mesmas apresentem carácter oneroso, pelo que as operações feitas sem contrapartida constituem operações não sujeitas e como tal fora do seu campo de aplicação. Relativamente a elas, a entidade que as realiza não é, para efeitos do IVA, um sujeito passivo. (…) No referido artigo 64º do EBF, estas regras de equiparação de operações gratuitas a operações onerosas, e como tal tributáveis, são afastadas: exclui-se do âmbito de incidência do IVA, as ofertas de bens e as prestações de serviços efectuadas pelos beneficiários do mecenato aos mecenas, sempre que o seu valor não exceda 10% do montante do donativo atribuído. (…) Foi esta operação que, como vimos, a AT não quis realizar: verificar o valor das contrapartidas, para efeitos de saber se elas se enquadravam ou não na base de incidência do IVA.

Insistamos que o estabelecimento de balizas quantitativas (o limite de 10% do valor das contraprestações conexas a donativos) tem a grande vantagem de “objectivar” o critério de demarcação entre o que, para efeitos fiscais, é gratuito e o que é oneroso, entre liberalidades e relações comerciais, entre donativos mecenáticos e patrocínios publicitários – poupando-nos a discussões sobre intenções das partes, sobre equilíbrios das prestações, sobre presença ou ausência de “nexos directos” e correspectividades, sobre proto-sinalagmas e sinalagmas genuínos.

Com o estabelecimento de balizas quantificadas, ganha-se muito maior segurança na aplicação do IVA, evita-se margens de subjectividade na interpretação, a “regra de jogo” fica mais transparente e leal para os destinatários das normas, e simplifica-se o respectivo acatamento.

Em suma, as contrapartidas dos donativos recebidos pela Requerente não devem ser qualificadas como prestações de serviços para efeitos de IVA, pois não configuram “obrigações de carácter pecuniário ou comercial” por parte dela. Nas acções mecenáticas de que foi beneficiária a Requerente, os doadores auferiram os benefícios fiscais do Mecenato, ao abrigo do EBF, o que significa que as contrapartidas recebidas não retiraram o carácter de liberalidade aos donativos concedidos, seja pela desproporção entre donativos e contrapartidas assumidas pela Requerente (que a AT deveria ter analisado, e não analisou), seja pela simples menção ou associação do nome de mecenas a actividades específicas da Requerente, de modo padronizado e igualitário, de acordo com os critérios estabelecidos pela própria doutrina administrativa da Requerida, consagrada em Circulares.

Logo, essas contrapartidas não retiraram aos donativos o seu carácter de liberalidade, pelo que tanto os donativos como as contrapartidas estão fora do âmbito de incidência do IVA – “não estão sujeitas a IVA”, nos termos do art. 64º do EBF.

 

IV.B. Conclusão

 

Entendemos que a Requerente,  A..., não preenche os requisitos legais para ser considerada um “organismo sem finalidade lucrativa” para efeitos do art. 10º do CIVA, e, portanto, não lhe são aplicáveis as isenções previstas no art. 9º, 13 e 14 do CIVA; e que os donativos impugnados são verdadeiros “donativos mecenáticos”, não havendo fundamento legal para se contestar o seu carácter de liberalidades não-tributáveis – e certamente não pela via da dimensão das contrapartidas prestadas pela Requerente.

Conclui-se pela ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, e igualmente a ilegalidade do objecto dessa reclamação graciosa, os actos de liquidação adicionais de IVA relativos ao ano de 2019, demonstrações de liquidação de IVA e de juros, e demonstrações de acertos de contas que foram apresentadas à Requerente.

As mencionadas liquidações decorrem de erro imputável aos serviços, de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

IV.C. – Juros indemnizatórios.

 

O tribunal arbitral não é apenas competente para apreciar a legalidade de actos de liquidação de impostos, cabendo-lhe ainda algumas atribuições que se enquadram no âmbito da execução de sentença - porque constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto impugnado, e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

Essa é, por outro lado, a necessária decorrência do dever de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (art. 179º do CPTA), que se torna extensivo, nos mesmos exactos termos, às situações em que haja lugar à anulação administrativa por iniciativa da Administração, ou a requerimento do particular (art. 172º do CPA).

No caso, a Requerente veio deduzir um pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, mas esse é um pedido meramente acessório, e condicionado à declaração de ilegalidade dos actos tributários impugnados, não assumindo a natureza de um pedido autónomo de condenação na prática de acto devido, ou de reconhecimento de direitos legalmente protegidos que extravase o âmbito de competência material do tribunal arbitral. 

Por conseguinte, o tribunal arbitral não está impedido de incluir, no dispositivo, as cominações meramente consequenciais da declaração de ilegalidade do acto tributário.

De harmonia com o disposto no art. 24º, 1, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.

Nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas.

Tudo isso condicionado pela existência, ou não, de erro imputável aos serviços, que já determinámos ter existido.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, e em aplicação do art. 24º, 1, b) e 5 do RJAT, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são, pois, devidos, nos termos dos arts. 43º, 1 e 4, e 35º, 10 da LGT, 61º, 5 do CPPT, 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

IV.D. – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

Nomeadamente, consideram-se prejudicadas, pelas conclusões a que se chegou, as questões atinentes à metodologia de determinação do imposto dedutível relativo aos bens de utilização mista por parte de sujeitos passivos mistos de IVA – ou, especificamente, as questões relativas à limitação da dedução do imposto suportado nos inputs através da aplicação da regra do pro rata de dedução, prevista no art. 23º do CIVA.

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar ilegal o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;
  3. Declarar ilegal, e anular, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente;
  4. Declarar ilegais, e anular, os actos de liquidação adicionais de IVA relativos ao ano de 2019, e demonstrações de liquidação de IVA e de juros que foram apresentadas à Requerente.
  5. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 474.295,69 (quatrocentos e setenta e quatro mil, duzentos e noventa e cinco euros e sessenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Lisboa, 8 de Abril de 2024

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

Sérgio Vasques

 

Sofia Ricardo Borges (vencida conforme declaração anexa)

 

 

 

 

Processo n.º 341/2023-T

Voto de vencida

Ressalvado sempre o devido respeito, que é muito, votei vencida a Decisão, não acompanhando seja a fundamentação, seja o sentido da Decisão, quer na matéria de facto, quer no Direito. Como segue.

Está em causa, nos autos, saber:

  1. Se a determinadas prestações de serviços da Req.te que recaem nas previsões das al.s 13) e 14) do art.º 9.º do CIVA se aplicam, ou não, essas isenções;
  2. Se em contrapartida das entregas de quantias em dinheiro à Req.te, por variadas empresas, a mesma assume, ou não, obrigações de carácter comercial.

 

- E porquê? Porque é esta a fundamentação do acto. A fundamentação das correcções, se se preferir. - Se sim, então:

Em 1. - as prestações de serviços em questão são isentas de IVA sem possibilidade de renúncia;

Em 2. - estamos perante prestações de serviços, e as quantias entregues à Req.te não qualificam como donativos para efeitos fiscais.

 

E, ainda como consequência no caso de respostas afirmativas:

Em 1. - A Req.te (A...) é um sujeito passivo misto em IVA

(donde a correcção - IVA indevidamente deduzido, € 169.854,90);

Em 2. - Ao valor das quantias entregues acresce IVA, que a Req.te devia ter liquidado

(donde a correcção - IVA não liquidado, € 265.651,00).

 

O que vem dito é de essencial relevância ficar claro, dado que a Req.te não mantém, na posição que defende, o enquadramento que vem feito no acto que impugna e ao qual assaca ilegalidade; e a posição que fez vencimento, por sua vez, adere a essa configuração, outra, que vem apresentada pela Req.te. Como se verá.

 

Dito isto.

Foram carreados nos autos documentos que fazem prova plena dos factos que levam a responder afirmativamente seja à questão em 1., seja à em 2., supra.

Da prova testemunhal produzida resulta a resposta afirmativa a ambas as questões.

A Req.te reconhece que: (i) prossegue fins no âmbito de um projecto que é único, em cumprimento da missão que determinou a sua criação e o reconhecimento como instituição de utilidade pública (33 e 34, 36, 93 PPA), (ii) “pode não ser possível relativamente às visitas guiadas e aos cursos, ateliers ou workshops, considerada a natureza peculiar dessas actividades, determinar se entram ou não em concorrência directa com sujeitos passivos de imposto” (cfr. trecho que transcreve do Parecer que junta, 134 PPA) e que na gestão do seu património está sujeita a limitações impostas pelos seus Estatutos e por lei (126 PPA), e (iii) se obrigou a, e prestou, contrapartidas às empresas que lhe entregaram as quantias em dinheiro.

Assim, impunha-se decidir, logo na matéria de facto, diferentemente do decidido. Notemos.

 

  1. A decisão da matéria de facto

Os contratos pelos quais as empresas entregaram quantias em dinheiro à Req.te e esta, por seu turno, se obrigou a contrapartidas, deviam ter sido levados ao probatório - incluídas as cláusulas contratuais onde se estipularam as contrapartidas a que a Req.te se obrigou. Que constam percorridas e analisadas, quanto a cada uma das situações, no RIT.

As quantias em questão em cada caso deviam também ter sido levadas ao probatório. Quantias, na maioria dos casos, de relevo. A título de exemplo, o Banco C... S.A. obrigou-se a pagar à Req.te o valor de € 600.000,00 em 2019, outro tanto em 2020, e a Req.te obrigou-se, nos termos da Cláusula 3.ª do contrato entre ambas, como segue: “TERCEIRA

Pela qualidade de “Mecenas Principal da B...”, “Mecenas do... ” e “Mecenas do Prémio... ”, a A... obriga-se durante o período de vigência do Protocolo: / a) A cumprir os objectivos constantes do presente Protocolo; / b) A efectuar uma aplicação criteriosa do donativo recebido, em prol exclusivo dos objectivos constantes do presente Protocolo; / c) A designar como “CICLO ... C...” os concertos da Orquestra ... B... e outros artistas convidados do mesmo género musical; / d) A inserir o logótipo institucional do C... associado à sua qualidade de Mecenas Principal da B... em local visível da B...; / e) A  inserir o logótipo institucional do C... na sua qualidade de mecenas na comunicação da A..., nos seguintes suportes: / i. Comunicação institucional. / ii. Comunicação da programação. / iii. Programas de sala. / iv. Site B.... / v. Bilhetes da B... . /  f) A emitir e entregar ao  os correspondentes documentos de quitação, que devem cumprir os requisitos exigidos pela lei fiscal, particularmente o disposto no artigo 66.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, bem como haver indicação no(s) mesmo(s) do destino do donativo; / g) A autorizar, desde já, o C... a divulgar, por qualquer meio e em qualquer suporte o apoio que lhe é prestado no âmbito do presente Protocolo;”

 

Noutro exemplo, a D... SGPS, S.A. obrigou-se a pagar à Req.te € 150.000,00 em 2019, e esta obrigou-se, conforme Cláusula 5.ª do contrato entre ambas, como segue: “QUINTA

  1. No âmbito deste protocolo, a A... obriga-se a: / a. Inserir o logótipo institucional da D..., na sua qualidade de Mecenas da Orquestra Sinfónica em toda a comunicação da B...; / b. Inserir o logótipo institucional da D..., na sua qualidade de Mecenas, em vários locais do edifício da B...; / c. Inserir o logótipo institucional da D..., na sua qualidade de Mecenas, no sítio www...com e no sítio da Orquestra Sinfónica do ... B...; / d. Inserir o logótipo institucional da D..., na sua qualidade de Mecenas, no verso dos bilhetes de acesso aos espetáculos da B...; / e. Disponibilizar até um total de 1000 bilhetes para utilização em concertos da Orquestra Sinfónica do ... B..., outros concertos da programação própria da  B... e atividades do Serviço Educativo; / f. Conceder aos colaboradores da D... um desconto de 15% (quinze por cento) sobre o preço de venda ao público dos bilhetes para os concertos da Orquestra Sinfónica e de 10% (dez por cento) para os restantes concertos promovidos pela B..., não se aplicando tal desconto aos concertos de produtores externos, nem sendo acumulável com quaisquer outras promoções ou programas de assinaturas da B..., vigentes ou que possam entrar em vigor, ficando a cargo da D... a comunicação desta contrapartida;/ g. Cooperar com a D... na divulgação mediática das iniciativas em que estiver envolvida a marca D...;/ h. A autorizar, desde já, a D... a divulgar, por qualquer meio e em qualquer suporte o apoio que lhe é prestado no âmbito do presente protocolo;(...)”

 

Assim,

  1. as cláusulas supra (e as dos demais contratos) deviam ter sido levadas ao probatório.

E ainda os seguintes factos:

(b) A Req.te é sujeito passivo de IRC e não exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, cfr. al. a) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 2.º do CIRC; (RIT)

(c) A B... é um projecto único a nível Nacional, nas actividades de visitas guiadas ao seu edifício e de Serviço Educativo pratica preços baixos em conformidade com a sua natureza única e missão, com vista aos fins que prossegue, e não há quem ofereça no mercado o que a B... oferece neste âmbito; (RIT e PA, depoimentos das testemunhas, em especial da 1.ª)

(d) O Serviço Educativo (S.E.) da B... engloba várias áreas de actividade, é um dos eixos fundamentais da missão com que foi criada, tem natureza inclusiva e dimensão muito relevante na actividade da B... no seu todo, e inclui além das “Oficinas” (workshops), Formação e Espectáculos, e “Fora ...”; (RIT e PA – “Relatório Anual de Actividade & Contas 2019”, “Execução Orçamental 2019”, depoimentos, em especial 1.ª e 5.ª testemunhas)

(e) Foram estipuladas e executadas contrapartidas comerciais consubstanciadas em publicidade e iniciativas de Markekting, seja nos bilhetes, nas agendas de programação, nas salas de espectáculos, no edifício da B..., incluindo no vídeo hall, em denominações de Ciclos de Concertos, no Relatório e Contas, no site oficial e nos demais materiais de comunicação geral da B...; (RIT e PA, PPA, depoimentos, em especial das 1.ª e 2.ª testemunhas)

(f) Do “Relatório Anual de Actividade & Contas 2019” da Req.te consta, entre o mais:

“A missão do Serviço Educativo é um contínuo que se constrói todos os dias e em várias frentes. Tal resulta da vontade que temos de chegar a todos, sem excepção (...). A estrutura de programação do Serviço Educativo manteve-se dividida em quatro grandes áreas: Espetáculos, Oficinas, Formação e Fora de Série./ Quatro áreas que por vezes estão interligadas, nomeadamente, quando ações de formação ou projetos específicos resultam em Espetáculos.(...)/“A par da Programação esteve o Serviço Educativo, um dos eixos fundamentais da missão da A..., cuja atividade se concentra na criação e formação de públicos, através de um programa de eventos acessíveis e diversificados destinados aos mais diversos públicos, qualquer que seja a relação que mantêm com a música ou com a B.... (...) / No ano de 2019 não se alterou o preço dos bilhetes, já que este é um fator muito sensível no desenho do produto. Aliás, a Fundação continuou a estratégia de facilitação e promoção da visita de instituições de solidariedade social reduzindo preços sempre que sentia que o preço se afigurava um fator impeditivo para a visita. / (...). A natureza inclusiva do Serviço Educativo está inscrita na generalidade das suas propostas, que olham à sociedade como um todo, apelando assim a públicos o mais abrangentes possível, de modo a que as experiências musicais sejam levadas ao maior número de pessoas, entre as quais muitas que, pelas circunstâncias em que vivem, de outra forma não acederiam a elas (...).

“(...) O edifício da B... é um ícone cultural e turístico (...). A visita guiada ao edifício permite conhecer as valências dos diferentes espaços do edifício, bem como o próprio projeto artístico, cultural e social. Os visitantes têm ainda a oportunidade de conhecer e de se envolver nas diferentes dinâmicas que o edifício proporciona diariamente. (...) No ano de 2019 (...) deu continuidade à estratégia de comercialização das visitas adotada em 2018, ou seja, manteve o valor do preço para o público em geral, em 10€, possibilitando ao visitante optar por descontar a totalidade do valor do bilhete de visita guiada na aquisição de um bilhete de concerto da programação própria regular. (...). (PA)

 

(g) No Preâmbulo do DL (18/2006, de 26.01) pelo qual foi criada a Fundação, lê-se:

“Ao promover a construção do edifício da B..., o Governo Português pretendeu dotar o País (...) /(...) é o primeiro edifício construído em Portugal exclusivamente dedicado a apresentações públicas de diferentes tipos de música, bem como à formação artística neste domínio, e ao ensaio e aperfeiçoamento de orquestras e de outros agrupamentos residentes e itinerantes. Aberta a diferentes públicos (...)/ Para além da marca que imprime na cidade do..., o edifício da B..., património arquitectural único no nosso país, (...) a obra é do interesse e da maior relevância para o Estado Português (...) também pela necessidade de assegurar o desenvolvimento das actividades para que foi criada -, o Governo, em cumprimento do seu Programa, opta pelo modelo fundacional baseado na parceria entre Estado, autarquias e iniciativa privada, por forma a assegurar o cumprimento dos objectivos de acolhimento das actividades musicais e o desenvolvimento de valências próprias de produção, dando particular atenção à relação com a comunidade e à formação de públicos. (...) entende ainda criar condições conducentes à integração da Orquestra Nacional do ...  na A... (...).”

 

(h) Em 2019 a Req.te reconheceu na contabilidade, entre o mais, recebimentos de (i) Patrocínios, € 180.000,00, (ii) Mecenato, € 1.883.902,75, e (iii) Subsídios do Estado e outros entes públicos, € 9.065.941,36; (PA)

(i) No RIT lê-se, entre o mais:

“(...) No caso em apreço, as atividades suscetíveis de beneficiar de isenções do artigo 9.º do CIVA são as visitas guiadas ao edifício B... e os serviços educativos.”/“(...) estas isenções [alíneas 13) e 14) do artigo 9.º do CIVA] são consideradas incompletas, de aplicação obrigatória e não admitem renúncia. (...)” / “(...) os serviços educativos em questão (formação e workshops) (...)” / “(...) Nesta medida, a materialidade das operações perante as quais é necessário avaliar sobre os preços praticados (...) está intrinsecamente marcada pelas seguintes particularidades: (...). / Perante esta factualidade, mormente a materialidade inerente a estes serviços, cujos preços necessitam de ser comparados com análogas operações, impõe-se assumir que os preços praticados pela A... não encontram paralelo no mercado mais amplo./ Por outro lado, (...) / são o garante (...) de que os preços conexos com estes serviços estão fortemente condicionados pelo objetivo de disseminar a cultura de modo abrangente (acessível a todo o público). (...)/ Perante o quadro exposto conclui-se que os serviços em apreço respeitam o previsto na alínea c) do artigo 10.º do CIVA.” / “(...) Quanto a este aspecto, o foco da análise deve deter-se no conjunto dessa atividade à qual foi concedida a isenção e que se pretende avaliar se existe concorrência direta, que resulte da distorção promovida pela isenção (...)./ (...) Neste aspeto chama-se à colação as características e missão da A..., melhor descritas na parte final do ponto III.1.3.2.3. deste relatório, que permitem afirmar que a atuação desta entidade é singular. (...)” / “(...) respeita integralmente o disposto na alínea d) do artigo 10.º do CIVA.”/ “(...) Tratando-se de uma alteração oficiosa (...) se aplica (supletivamente) o método da percentagem.”/ (...) Destarte, a A... passará (...) a enquadrar-se como um sujeito passivo misto, pelo que o exercício do direito à dedução do IVA, suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, deverá ser efetuado segundo o método da percentagem, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIVA.”

“III.2 – IVA NÃO LIQUIDADO / (...) relativamente a todos os contratos de mecenato, objeto de análise neste capítulo, o sujeito passivo considerou-os: 1. Todos celebrados ao abrigo do regime do mecenato; e 2. Que o valor das contrapartidas não excedeu 5% do donativo concedido. / Nestes termos, impõe-se, pois, analisar o enquadramento dado pela A... (...)./ Conceptualmente, a área do mecenato, por contraposição aos patrocínios, norteia-se pelo princípio da liberalidade. Por isso, a conduta do mecena deve apurar-se pelo apoio desinteressado, ou seja, é necessário que na substância inexista qualquer contrapartida (com valor expressivo) em benefício do mecena, conforme estabelecido no artigo 61.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).(...) / Na abordagem ao mecenato é necessário escrutinar o propósito que motivou as entregas em dinheiro (ou em espécie) a título de donativo, nomeadamente confirmar que inexistem quaisquer contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial que, pela natureza e forma em que se materializam, descaraterizem a essência do donativo./ (...) Em todos os casos analisados (...) estamos perante contratos (protocolos) de apoio mecenático, livremente celebrados entre as partes (princípio da liberdade e autonomia contratual), estando a vontade destas expressa nas cláusulas aí vertidas. (...) A ponderação dedicada aos contratos em apreço destinou-se a averiguar se o clausulado e o modo como foi exteriorizado o acordo (entre doador/donatário), ao qual as partes atribuíram a qualidade mecenática, cumpriu (efetivamente) esse desiderato ou, ao invés, excedeu essas prerrogativas./ Esta possibilidade de interpretar e qualificar (...) no n.º 4 do artigo 36.º da LGT. (...) As conclusões a seguir extraídas, relativamente a todos os contratos analisados, permitem firmar pela existência de uma prestação de serviços (patrocínio de eventos) que, em sede de IVA, representa uma operação sujeita e não isenta (ao invés dos donativos que são operações não sujeitas). / Os factos tributários daí advenientes encontram respaldo legal pela aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 1 do artigo 4.º, alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, n.º 1 do artigo 16.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, todos do CIVA. / III.2.1.1 – Contrato celebrado com (...) / (...) cláusula terceira (...)./ O modo como se executou (na prática) esta obrigação é passível de ser observada através do recurso: (...)/ Em sede de IVA, perante a fundamentação exposta, devidamente corroborada pela prova apresentada, impõe-se qualificar a realidade subjacente ao contrato analisado como tratando-se de um efetivo patrocínio. / III.2.1.2 - Contrato celebrado com (...) / (...) III.2.1.3 – (...) ...”

 

No probatório, ainda, entendemos que devia ter sido eliminado o ponto 7., que é direito - interpretação subjectiva/conclusiva (ao que infra voltaremos); alterado o ponto 15., para ficar conforme o RIT: onde se lê “que a Requerente pratica preços inferiores aos de mercado” deveria constar “quanto à ocorrência de preços inferiores aos exigidos para análogas operações (...) os preços praticados pela A... não encontram paralelo no mercado mais amplo”.

 

  1. A fundamentação da decisão da matéria de facto

Os contratos não constam do probatório, e são documentos particulares, que fazem prova plena.

As cláusulas dos contratos pelas quais a Req.te se obrigou a prestar as contrapartidas não foram levadas ao probatório. 

Realizou-se audiência para produção de prova testemunhal, em que foram ouvidas cinco testemunhas, todas indicadas pela Req.te, e o Acórdão (como assim a Req.te em Alegações) nada refere dos depoimentos.

O RIT não foi levado ao probatório, nem os documentos que aí são analisados.

O Acórdão não dá a conhecer as provas, e para fundamentar a convicção o Tribunal limita-se a uma remissão tabular genérica, sem dar cumprimento aos art.ºs 123.º, n.º 2 do CPPT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, como devido. Convoca, aliás, o art.º 607.º, n.º 5, incumprindo-o (II. C., 4), uma vez que não dá como provados factos, manifestamente relevantes, e plenamente provados por documentos.

 

  1. O Direito
  1. - O art.º 9.º, 13) e 14), e as al.s c) e d) do art.º 10.º do CIVA -

Na posição que fez vencimento entendeu-se, quanto à questão em 1. supra, que não resultam preenchidas as al.s c) e d) do art.º 10.º do CIVA, e, assim, que por esse motivo as isenções previstas pelo legislador no art.º 9.º, al.s 13) e 14) do CIVA não se aplicam às prestações de serviços da Req.te no âmbito da sua actividade de visitas guiadas e de Serviço Educativo (aqui estão em questão as prestações de workshops e formação, cfr. RIT).

Para chegar a esta conclusão, o iter decisório foi: o elemento subjectivo da isenção reclama a verificação cumulativa das condições previstas nas quatro al.s do art.º 10.º e, aferida a verificação das duas últimas (as das al.s a) e b) é consensual estarem reunidas) - por um certo “standard de prova”, e numa aferição do global das actividades desenvolvidas pela Req.te (em rigor, numa aferição de actividades que não as de visitas guiadas e de Serviço Educativo) - conclui-se que a Req.te fez prova de que “pratica preços que não são sistematicamente, ou tendencialmente, inferiores aos de mercado” e de que “as suas principais actividades são desenvolvidas e oferecidas num ambiente concorrencial” (exemplifica-se com a actividade de locação de espaços e a oferta de “géneros musicais populares”).

No Acórdão, a aferição (ref. às als. c) e d)) é feita, pois, não por referência às actividades em relação a cujas prestações se coloca a questão de ser ou não aplicável a isenção, não chegando a fazer-se uma tentativa de verificação quanto às condições de aplicação da isenção no que respeita a estas actividades. (Como, aliás, a alegação da Req.te, e a prova que se propôs fazer, teve por objecto preços em “operações análogas” - a outras, que não as que estão em questão, - e “concorrência directa” na prestação dessas outras.)

Por fim, no Acórdão ainda se afirma que, mesmo que se entendesse a apreciação a fazer ser quanto às actividades/prestações em questão para a isenção, em qualquer caso a Req.da não fundamentou suficientemente nem fez prova da prática sistemática de preços inferiores e/ou da não existência de concorrência directa, impondo-se por isso concluir pela não verificação dos critérios do art.º 10.º, als. c) e d).

 

Pois bem. A Req.te fez prova (e v. probatório) foi de que nas actividades que desenvolve com fito lucrativo (e que não são - nem poderiam ser, pela sua condição de entidade de reconhecida utilidade pública - as suas actividades principais), nessas sim actua/pode actuar em concorrência, praticando preços que podem estar ao nível dos da concorrência. Diferentemente, não fez ou sequer procurou fazer, qualquer prova da reunião das condições das al.s c) e d) no caso das suas prestações de serviços no âmbito das actividades de visitas guiadas e de Serviço Educativo (S.E.). Que são as que estão em questão nos autos. Aquelas relativamente às quais se coloca a questão de saber se são ou não objecto - as prestações - de uma isenção, obrigatória, em IVA.

Mais: que é o que consta da fundamentação do acto.

E relativamente às quais vêm provadas, precisamente, as condições das al.s c) e d) (art.º 10.º). Com efeito, não só a Req.da o fundamentou devidamente (cfr. RIT), como carreou nos autos a respectiva prova, bastante. A saber, documentos particulares nos quais a Req.te torna pública, entre o mais, informação sobre o seu S.E., aí se lendo que é um dos eixos fundamentais da sua missão, centrado na criação e formação de públicos, com um programa de eventos acessíveis destinados aos mais diversos públicos, que em 2019 não alterou o preço dos bilhetes pela sensibilidade do factor preço no S.E., etc. – v. supra – I. (f); e no doc. “Execução Orçamental 2019” constam elementos adicionais da especificidade das actividades no S.E. (v. RIT). Quanto, depois, às visitas guiadas, naquele documento particular, em I. (f) supra, lê-se que o edifício da B... “é um ícone cultural e turístico”, a visita guiada permite conhecer as valências dos diferentes espaços do edifício e o projeto artístico, cultural e social, e os visitantes têm a oportunidade de conhecer e de se envolver nas várias dinâmicas que o edifício proporciona diariamente, e que em 2019 se manteve o preço de €10.

Na fundamentação do acto são carreados os referidos documentos particulares (analisados e conjugados com o DL 18/2006 e Estatutos, e com info. no site oficial da Req.te, entre o mais).

Os documentos particulares fazem prova plena (art.º 376.º do CC).

Dos mesmos resulta, vimos, não só que os preços praticados pela B... no âmbito da sua actividade de S.E. - de natureza inclusiva - são assumidamente preços baixos em cumprimento da sua missão (de que o S.E. é um eixo central), como resulta, também, tratar-se de serviços que são únicos, por tudo o que os caracteriza, não encontrando paralelo no mercado, além do mais pela conjugação entre áreas que envolve, e em que a formação pode (incluir e) confluir em apresentações públicas pelos formandos, naquele edifício icónico, etc. – v. supra – I. (f).

O mesmo, quanto a preços e a singularidade, nas visitas guiadas: v. no documento em I. (f) supra, 2.ª parte, as características únicas, valor incomparável e valências daquele edifício, o que é proporcionado aos visitantes nas visitas guiadas e o preço, relevando do âmbito da missão e fins únicos que justificaram a criação e o reconhecimento como entidade de utilidade pública; e v. Preâmbulo do DL 18/2006 (I. (g) supra), e Estatutos (v. art. 3.º al. g)), cfr. também no RIT.

 

Acresce que, ainda que o Tribunal entendesse que a Req.da o não tinha logrado provar (o que não alcançamos), e estando nós em sede de contencioso tributário, prevalece a prova adquirida nos autos. Sendo que a prova testemunhal produzida corroborou aquela prova.

A título de exemplo, a 1.ª testemunha, M..., Directora de Comunicação e Marketing, Comercial e fund raising da B..., assim: na B... “(...) há sempre alguma coisa a acontecer”; “o que tentamos sempre é que haja escapatórias para que quem queira ir à B... não deixar de ir por causa do preço”,  “depois, há um conjunto de actividades que são mais acessíveis, ou seja, uma escola que vá a uma actividade do Serviço Educativo ou a um espectáculo de Serviço Educativo não vai pagar 30 euros, vai pagar um preço bem mais baixo, que nós queremos, aí, que venha o maior número de miúdos ali uma primeira vez para dizer aos pais que venham para ver se os pais vêm depois com eles.” “Há uma diferenciação. O sistema de preços na B... é complexo”. “(...) Serviço Educativo, estamos a falar de 1000 actividades, mais 200 concertos, e com segmentos diferentes.” E não consegue identificar outra entidade como a B... “porque não há outra entidade como a B... , com uma oferta deste tipo, nem lá fora. É uma característica do Projecto. Que é difícil. É único.”

A 5.ª testemunha, N..., Coordenador da equipa de produção da B..., assim: “as Oficinas são uma pequena parte do S.E.”, “o S.E. tem uma componente que é a tal componente ligeira das Oficinas, que se repetem, não é a mesma coisa que os espectáculos, um espectáculo faz-se 2 ou 3 apresentações, e depois é desmontado, como nos outros espectáculos”, “cada projecto artístico, cada espectáculo desses tem uma equipa criativa que produz o espectáculo, como se fosse um espectáculo de música, são projectos à volta da música, acontecem como acontece qualquer outro concerto de música da B...”, “têm um processo um pouco distribuído, com objectivos técnico-artísticos que foram definidos por essa equipa criativa e pela programação da própria área artística”. Os formandos enquanto tal são pois, também, conduzidos a ser parte activa de espectáculos da B... . Singularidade, por tudo, parece-nos.

E, sobre o edifício B..., a 2.ª testemunha, O..., Directora Financeira e de Sistemas de Informação, na B..., referindo-se aos custos que o próprio edifício envolve: “400 mil eur./ano para manter Edifício.” E a 1.ª testemunha: “é um Edif icónico, que tem um conjunto de espaços todos eles icónicos”. Tudo em alguma medida demonstrativo, parece-nos, da sua singularidade, enquadrado em todo o projecto da B..., e sendo, ele edifício, o objecto das visitas guiadas, que proporcionam vivenciá-lo.

*

Dito isto.

Não podemos acompanhar a interpretação das normas, convocadas aplicar, que se seguiu no Acórdão. No sentido de que é a globalidade da actividade da entidade aquilo a que deve atentar-se a fim de verificar da reunião das condições das al.s c) e d) do art.º 10.º do CIVA.

 

Com efeito, desde logo estamos em IVA. O foco em questão são as operações, de prestação de serviços, no caso. Que não, propriamente, o estatuto do sujeito passivo. Isto sem prejuízo de, sim, a isenção conter também como condição de aplicação um elemento subjectivo.

 

As isenções em questão (al.s 13) e 14) do CIVA) enquadram-se no Cap. 2 da DIVA – “Isenções em benefício de certas[3] actividades de interesse geral”. Actividades que o legislador, desde logo o Comunitário, entendeu merecedoras de isenção. Isenção, no caso, obrigatória, sem possibilidade de renúncia, em IVA. Imposto por excelência com vocação de universalidade, e que tem por luz guia o princípio da neutralidade. Imposto em que, assim, por excelência as isenções são uma excepção.

 

Na interpretação das normas que estabelecem isenções, desde logo em IVA, há que ter em conta a finalidade com que as mesmas foram estabelecidas pelo legislador. Como o TJUE vem desenvolvendo de há muito. E sendo em IVA a interpretação conforme ao DUE cânone interpretativo incontornável, como imposto de matriz Comunitária que é. Fortemente harmonizado e incluindo-se a matéria das isenções em IVA na zona de intensidade de harmonização alta (forte). Ainda que a interpretação em matéria de isenções em IVA se deva fazer de uma forma estrita, não o pode ser retirando o sentido útil com que a isenção foi consagrada, colocando em causa o fim com que foi consagrada. E respeitando as exigências do princípio da neutralidade.

 

As isenções em questão são consagradas por razões que o legislador considerou, já se vê, ponderosas, merecedoras as prestações em questão de poupar o consumidor final/utilizador de incorrer num custo acrescido, de IVA. Tornar essas prestações, no âmbito de um sector social, afinal, mais acessíveis aos destinatários.

 

Pois bem, a DIVA determina, a este respeito, que os EM podem fazer depender a concessão das isenções em questão da observância de uma ou várias das condições que estabelece no Artigo 133.º. Que são quatro, sendo que o Estado Português consagrou, no art.º 10.º do CIVA, essas quatro. No nosso caso discute-se estarem ou não verificadas as duas últimas. A saber, determina-se na DIVA que, sendo as prestações em questão praticadas por organismos que não de direito público, como no nosso caso, devam por eles ser praticadas - c) - a preços inferiores “aos exigidos para actividades análogas” por empresas comerciais sujeitas a IVA, e - d) - “as isenções não podem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência” em detrimento de empresas comerciais sujeitas a IVA. Faz-se assim depender a concessão de qualquer das isenções ali identificadas, das previstas no Artigo 132.º, da observância, também, destas condições. No caso, a isenção prevista no Artigo 132.º consta literalmente na norma Comunitária em questão assim: “Determinadas prestações de serviços culturais (…) efectuadas (…) por outros organismos culturais reconhecidos pelo Estado-Membro em causa”. Sendo que, por sua vez, no CIVA se procedeu, em sua transposição, nas al.s 13) e 14) do art.º 9.º.

Estamos pois, desde a raíz (DIVA), a tratar de certas e determinadas prestações. Parece-nos evidente, além do mais, não estarmos senão a tratar de condições de aplicação da isenção (isenções) a prestações de serviços perfeitamente identificadas na norma de isenção. São aquelas, aquele tipo de prestações, as que podem vir a subsumir-se na norma. Ao que releva (nas als.13) e 14) do art.º 9.º do CIVA), prestações de serviços que consistam em proporcionar a visita guiada a monumentos e semelhantes pertencentes ao Estado, outras pessoas colectivas de direito público ou organismos sem finalidade lucrativa, desde que efectuadas única e exclusivamente por intermédio dos seus agentes; e prestações de serviços relativas a cursos e manifestações análogas de natureza cultural, educativa ou técnica efectuadas por pessoas colectivas de direito público e organismos sem finalidade lucrativa. Se são essas, e apenas essas, as prestações que o legislador determina serem necessariamente isentas - desde que reunidas as condições ali estabelecidas -, não vemos como seria de admitir ir aferir essas condições tendo por base não essas prestações e sim quaisquer outras prestações que o mesmo organismo efectue. A Directiva é clara. Artigo 133.º. Fazer depender (de condições) a concessão daquelas isenções (v. corpo do Artigo 133.º) - as isenções daquelas prestações (v. n.º 1, al. n) do Artigo 132.), portanto. No caso, as prestações da al. n) do Artigo 132.º. As isenções daquelas prestações não podem ser susceptíveis de distorcer a concorrência. Al. d) do Artigo 133.º. E aquelas prestações devem ser praticadas a preços inferiores aos exigidos para prestações análogas efectuadas por empresas comerciais sujeitas a IVA. Al. c) do Artigo 133.º.

Prestações análogas. Àquelas que se pretende isentas. Que é a interpretação devida do disposto no Artigo 133.º al. c) da DIVA - v. o título do Cap. 2 e a Epígrafe do Artigo 133.º (e v. a DIVA em outras línguas, al. c) do Artigo 133.º nas versões em Inglês, Francês ou Espanhol: “…prices lower than those charged for similar services”, “…des prix inférieus à ceux exigés pour des opérations analogues”, “…unos precios inferiores a los exigidos para operationes análogas”). As prestações que a Req.te pratica e que foram objecto de correcções - visitas guiadas e, nos S.E., workshops e formação - deverão ser comparadas com outras, análogas, efectuadas por outras entidades/empresas. Pois que só assim se poderá falar em distorções da concorrência que possam vir a ser provocadas pela aplicação da isenção sobre elas. Assim como os seus preços. Comparados com os preços de outras análogas efectuadas por outras entidades/empresas, tendo que ser inferiores. É o que as normas determinam. E bem se compreende.

Nem seria por a letra do art.º 10.º, al. d) do CIVA poder induzir em erro, que tal se poderia permitir afastado. Ao arrepio do disposto pelo legislador Comunitário. E tendo em mente, além do mais, a necessária interpretação uniforme do DUE. Ademais, bem vista a norma interna, o legislador não errou propriamente: ali se lê que “para efeitos de isenção” são considerados, só poderão ser considerados, os organismos que não entrem em concorrência directa com SPs do imposto. Não entrem pois em concorrência directa no que às prestações em questão, as que podem beneficiar de isenção, respeite. Aquelas isenções. No efectuar aquelas prestações. Determinadas, certas, daquele tipo. Condição “para efeitos de isenção” (corpo do art.º 10.º do CIVA), condição “para concessão de qualquer das isenções previstas nas alíneas (…) do n.º 1 do artigo 132.º” (corpo do Artigo 133.º da DIVA).

 

Isto dito.

No caso, usou-se como comparável prestações de serviços de outras entidades/empresas que, claramente, não são análogas às prestações da Req.te elegíveis para a isenção (i.e., subsumíveis às normas de isenção) e que estão em questão.

Ora, fica claro, parece-nos, que não foi essa a aferição que o legislador pretendeu fosse feita.

Tal decorre seja do elemento literal, vimos, seja dos demais a ter em conta na interpretação das normas. Pense-se na inserção sistemática, no Capítulo em questão da Directiva (actividades de interesse geral) e na finalidade com que foi consagrada a isenção. Que ficaria preterida se se admitisse usar tais comparáveis para o efeito. Senão vejamos. Bastaria que um organismo que efectuasse prestações de serviços de eminente carácter social começasse também a prestar serviços que o não são, para que - numa aferição como a que se seguiu no Acórdão – todas aquelas prestações de serviços que já prestava, de carácter social, ficassem arredadas da isenção. Se nas demais prestações entrasse em concorrência directa com outros prestadores de serviços. Retirando-se, assim, aos consumidores/utilizadores, o que o legislador quis conceder-lhes, não serem onerados com IVA em prestações determinadas…

Por outro lado, se dúvidas houvesse, v. como logo na Directiva se afastou da “equação” (dos Artigos 132.º e 133.º) aquelas prestações de serviços que o organismo pudesse estar a efectuar essencialmente para obter receitas suplementares em concorrência directa com empresas sujeitas a IVA. Essas nunca seriam de subsumir às normas de isenção do Artigo 132.º. Logo, com essas não há que comparar outras a elas análogas. Que foi o que se fez no Acórdão. Comparar as prestações de serviços da Req.te nas quais esta visa essencialmente obter receitas suplementares com prestações de serviços, admita-se aqui análogas, efectuadas por empresas a actuar no mercado seja dos espectáculos musicais, seja de restauração/bar e aluguer de espaços. V. Artigo 134.º, al. b) da DIVA.

Não se tendo feito comparação, insista-se, das operações da Req.te “para efeitos de isenção” (visitas guiadas, worshops e formação) com operações, análogas a essas, prestadas por outras entidades, seja para efeitos de preços, seja para aferir da possibilidade de distorção de concorrência por efeito da isenção.

Porquê?

Porque tal nem seria possível.

Vimo-lo acima, quanto ao que resultou provado, da instrução nos autos.

E podemos também vê-lo, facilmente, atentando nas normas, até.

A redacção das al.s 13) e 14) do CIVA - como percorremos acima - é elucidativa. Visita guiada a monumentos, e semelhantes, pertencentes ao Estado, outras pessoas colectivas de direito público ou organismos sem finalidade lucrativa; prestações de serviços de cursos e manifestações análogas de natureza cultural, educativa ou técnica por pessoas colectivas de direito público e organismos sem finalidade lucrativa. É o caso da Req.te. Mas seria o caso de alguma das entidades convocadas pela Req.te para termo de comparação? Não. E facilmente seria de outras que pudesse ter convocado? Não cremos. Por tudo o que vimos ser a A... e o seu Projecto, com o seu edifício, a sua missão, a natureza inclusiva, além de única, do seu S.E., o nível do seu edifício e envolvimento do Estado na construção do mesmo, a sua condição de entidade de utilidade pública com tudo o que daí deriva (subvenções públicas tendo em vista o cumprimento da missão incluídas), etc.

Mais ainda. Se dúvidas houvesse, quanto à falada concorrência com outros agentes, que - “para efeitos de isenção”, ou seja, no caso das operações em questão, - como se viu, e vê, não ocorre, v. como da própria lei - aplicável à Req.te por ter sido reconhecida pelo Estado como de utilidade pública - decorre que a mesma não pode exercer a título principal “atividade de produção e venda de bens ou serviços para um mercado ativo e concorrente com a de qualquer ramo de atividade económica, em termos que a atribuição daquele estatuto impeça, falseie ou restrinja, de forma sensível, a concorrência, no todo ou em parte, no mercado relevante correspondente”. Se a actividade principal da B... fosse pois uma actividade exercida em concorrência, a B... não manteria o estatuto de entidade de utilidade pública. A B... exerce, a título principal, como resulta evidente, actividade que não concorrencial no mercado. Precisamente aquela que justifica o referido estatuto, essa sim é a principal, necessariamente. Corporizada pelas actividades que, precisamente, são as centrais no cumprimento da missão para a qual foi criada e que dá razão à sua existência, ainda, como entidade de utilidade pública, com tudo o mais que o estatuto envolve (v. art.º 8.º da Lei n.º 36/2021, de 14.06). E onde se insere desde logo o Serviço Educativo, como vimos. Bem como a promoção e divulgação do seu edifício. E como também resulta dos seus Estatutos (v. art.º 3.º).

 

Conclui-se assim, por tudo o que vimos, que também as condições de que o legislador fez depender, nas al.s c) e d) do art.º 10.º do CIVA, a aplicação das normas de isenção, tinham que considerar-se reunidas. Com efeito não havendo, no caso, prestações análogas, não há preços comparáveis, como bem entendeu a Req.da nas correcções, o que não pode, bem entendido, afastar a aplicação da isenção. E não havendo possibilidade de, pela aplicação da isenção, serem provocadas distorções da concorrência, como visto que é o caso, precisamente porque mais uma vez não há prestações a serem efectuadas em concorrência, também a condição ali em questão se vê preenchida. O princípio da neutralidade não está ameaçado.

São aplicáveis, pois, sem possibilidade de renúncia, as isenções das al.s 13) e 14) às prestações da Req.te – visitas guiadas, workshops e formação.

 

No sentido de ser de aferir aquelas condições tendo em consideração as prestação susceptíveis de isenção em confronto com prestações análogas a essas, e não com outras que o não sejam, é clara, quanto a nós, a Jurispridência do TJUE convocável. V. com as necessárias adaptações o Ac. do TJUE C - 699/15, de 04.05.2017, Caso Brockenhurst College (Par. 26 e 35) (e jurisprudência aí referida). (Quanto ao Ac. do TJUE C-174/00, de 21.03.2002, invocado pela Req.te e a que se refere o Acórdão, não entendemos de convocar, por razões que não cabe aqui desenvolver e que passam desde logo por aí estar em questão a qualificação como “organismo sem fins lucrativos” nos termos e para os efeitos da norma constante da al. m) do Artigo 13.º da Sexta Directiva e que não tem correspondência seja com o constante nessa mesma Directiva no n.º 2., a) desse Artigo - o correspondente ao actual 133.º, al. d) DIVA - seja com o organismo sem fins lucrativos que resultou da transposição para o CIVA, no corpo do art.º 10.º).

 

Também na Doutrina assim. Quanto especificamente ao preenchimento das al.s c) e d) do art.º 10.º para efeitos das isenções em questão pode ver-se, com interesse, Leonardo Marques dos Santos e Carlota C. Soares, in “Os Preços praticados e o conceito de organismo sem finalidade lucrativa …”, Cadernos IVA 2023, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2023, p. 239 e ss. Quanto à matéria das isenções de actividades de interesse geral e aí a preocupação do legislador Comunitário sempre patente ser a de evitar que - através da isenção (de prestações de certos operadores públicos e parapúblicos) - “possam resultar distorções de concorrência a dano de empresas comerciais sujeitas a IVA” v. José G. Xavier de Basto, in “A tributação do consumo e a sua coordenação internacional”, CTF,1991.

 

  1. - Art.º 61.º do EBF e CIVA -

 

Neste ponto das correcções. Quanto à factualidade integrante da fundamentação do acto, v. supra curto extracto do RIT - I. (i), “III.2 – IVA NÃO LIQUIDADO (...)”; v. também, quanto à factualidade resultante da instrução da causa, o que já ali se disse - I. (a), (b), (e) e (h), e, ainda, v. II. Bem assim, v. o constante do probatório. Sendo que, a própria Req.te confessa que prestou as contrapartidas aos Mecenas.

 

Já quanto à fundamentação de Direito do acto, cfr. constante do RIT, o acto impugnado tem como fundamentação o art.º 61.º do EBF. E as normas do CIVA (art.ºs 1.º/1, al. a), 2.º/1, al. a), art.º 4.º/1, art.º 7.º/1, al. b), art.º 8.º/1, al. a), art.º 16.º/1 e art.º 18.º/1, al. c) do CIVA).

Consideraram os SIT, apreciadas as circunstâncias do caso, que certas entregas em dinheiro à Req.te, que esta qualificara/contabilizara como donativos de Mecenato enquadrados em “Benefícios Fiscais relativos ao Mecenato” (v. EBF, Mecenato Cultural), não eram, afinal, assim qualificáveis. Para o efeito, os SIT, cfr. ao longo do RIT, pp. 32 a 62, analisaram, entre o mais, e caso a caso, os contratos celebrados entre a Req.te e as empresas que lhe entregaram quantias em dinheiro em 2019. Documentação reunida e realidade observada concluíram, a final, que as situações analisadas configuram contratos de patrocínio. Em face das obrigações contratualmente assumidas pela Req.te em contrapartida dessas quantias. Assumidas e praticadas. E que, assim, não estamos perante donativos nos termos do art.º 61.º do EBF. E sim perante prestações de serviços, como tal sujeitas a IVA.

IVA, assim, a liquidar sobre as entregas em dinheiro, as quantias pagas.

 

No Acórdão, contudo, tomou-se por acto em crise uma realidade algo distinta.

Distinta do acto com a sua fundamentação, que é o que ao Tribunal cabe apreciar.

Considerou-se que a Req.da, para poder ter desconsiderado as entregas em dinheiro à Req.te enquanto donativos qualificáveis para BF relativo ao Mecenato (donativos para efeitos fiscais, no dizer do art.º 61.º do EBF), e ter passado a considerá-las como patrocínios, como fez, tinha que ter apreciado da ordem de valores das contrapartidas que a Req.te prestou a quem lhe fez essas entregas (os seus Mecenas). E só se lograsse provar que, em cada caso, elas avultavam em montante representativo de mais do que 10% do valor da entrega recebida (pela Req.te) é que, então, a Req.da poderia tê-lo feito (qualificar os contratos como de Patrocínio).

E, só assim, em consequência poderia cobrar IVA, sobre essas contrapartidas aos Mecenas.

IVA, assim, a liquidar sobre as (o valor das) contrapartidas prestadas pela Req.te.

Ao abrigo, assim, do art.º 64.º do EBF. Portanto, do Regime legal dos Benefícios Fiscais (BFs) relativos ao Mecenato. Aplicando-o, pois.

 

Ora, no acto em crise não foi aplicado o dito Regime legal. O que a Req.da considerou foi, precisamente, que as quantias em dinheiro entregues à Req.te não passavam o crivo do art.º 61.º do EBF (que, sob a epígrafe “Noção de donativo”, abre aquele Regime legal, delimitando o que ali cabe ou não). Não qualificavam como “donativos para efeitos fiscais”. Assim, que não chegava a ter aplicação o dito Regime. Não aplicado.

 

Isto dito. E ainda numa súmula.

No acto impugnado – as entregas não passam o crivo do art.º 61.º do EBF.

No Acórdão – as contrapartidas não estão sujeitas a IVA nos termos do art.º 64.º do EBF.

 

Donde:

No acto impugnado – aplicam-se as normas do CIVA.

No Acórdão – aplica-se o art.º 64.º do EBF, numa conjugação (mix, chamemos-lhe assim) com o art.º 61.º do EBF. Melhor. Aprecia-se da legalidade do acto à luz deste (outro) quadro legal.

 

O iter decisório do Acórdão, assim: as contrapartidas prestadas pela Req.te não estão sujeitas a IVA nos termos do art.º 64.º do EBF. Pois que a Req.da não provou que tenham valor (individual) superior a 10% das entregas de dinheiro em cada caso recebidas. E, por isso, as entregas em dinheiro também não estão sujeitas a IVA.

 

Na ratio decidendi do Acórdão, assim: a dimensão das contrapartidas não atinge o limiar dos ditos 10%; as contrapartidas não configuram obrigações de carácter pecuniário ou comercial por parte da Req.te (critério do art.º, 61.º, note-se) - os Mecenas beneficiaram dos BFs relativos ao mecenato (por força do art.º 4.º do DL 18/2006), e isto implica que as contrapartidas não retiraram o carácter de liberalidade às entregas (“aos donativos”), e se para efeitos de IRC aquelas entregas são considerados donativos não há razão para não o serem quanto à sua natureza para efeitos de não-tributação em IVA dos beneficiários dos donativos; a norma do art.º 64.º tem vantagens em relação à do art.º 61.º, ambos do EBF (dispensa discussões sobre intenções das partes, equilíbrios das prestações, correspectividades, sinalagmas...).

 

Quanto à relação entre IRC e IVA que se convoca em ratio decidendi, afirma-se que o BF foi atribuído aos Mecenas pois que resulta dos Estatutos da Req.te o automatismo da sua concessão, e, mais, a Req.te emitiu as declarações que, aceites pela AT, lhes permitiram (aos Mecenas) auferir dos benefícios do mecenato cultural nas situações do caso.

Além da não consideração do funcionamento do sistema do IVA aqui implícita, diga-se que das disposições conjugadas do art.º 4.º, n.º 2 do DL n.º 18/2006, que criou a A..., e do art.º 1.º, n.ºs 1 e 3 do Estatuto do Mecenato (então em vigor), para que o primeiro expressamente remete, não resulta o que se afirma neste ponto no Acórdão. É que, tal como hoje no Regime legal constante do EBF (v. o nosso art.º 61.º do EBF), para que uma entrega em dinheiro ou em espécie qualifique como donativo para efeitos do dito Regime, é condição que a mesma se faça “sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial” - art.º 1.º, n.º 2 do DL que aprova o Estatuto do Mecenato. Mais uma vez, conceito de donativo para efeitos fiscais, tal como adoptado pelo nosso legislador. Ou seja, então, não dependem de reconhecimento - sendo sim BFs automáticos (isto ao tempo, do Regime no Estatuto do Mecenato) - os relativos a entregas que, tendo passado no crivo deste art.º 1.º, n.º 2, se enquadrem no n.º 1 do art.º 1.º de Estatuto do Mecenato. Lhes seja, pois, aplicável este Regime.

Recaímos, pois, na mesma situação, de enquadramento fáctico-jurídico: havendo contrapartidas que configuram obrigações de carácter comercial, não estamos perante realidade enquadrável no Regime do BF. Sempre esse crivo, prévio, a operar. Nunca podiam pois, também por aqui, as entregas em questão nos autos ter beneficiado do dito BF em sede de IRC das empresas pagantes. Fosse com dependência de reconhecimento, fosse automaticamente. Havendo, como há, contrapartidas que configuram obrigações de carácter comercial.

No Regime actual, no EBF, por seu turno, nada leva, também, a concluir o que no Acórdão se afirma. As declarações a emitir (se se lhes aplicar o requisito) por entidades que recebam donativos para efeitos fiscais nos termos do Regime, serão as que se referem no n.º 3 do art.º 62.º-B (ao que ao Mecenato cultural se refere). Declarações essas que nada provam, bem se vê, quanto a que as entregas que venham a ser feitas não o sejam contra contrapartidas que configurem obrigações de carácter comercial.

 

Isto percorrido.

 

Da instrução da causa resulta, sem margem para dúvidas, a prestação de contrapartidas aos Mecenas pela Req.te, e resulta que as mesmas correspondem a/configuram obrigações, da Req.te, de carácter comercial.

Trata-se, aliás, de uma situação de facto evidente e reconhecida pela própria.

A Req.te, é certo, ainda alega que as ditas não têm carácter comercial, dizendo assim: não têm subjacente qualquer relação sinalagmática, nem proporcional, “não foi demonstrada pela AT a relação alegadamente de sinalagma ou de proporcionalidade”. Nem são aptas a afastar o animus donandi subjacente às entregas. E também o Acórdão utiliza conceitos de sinalagma, proporcionalidade, intuito comercial, negócio oneroso, interesse comercial, interesse comercial predominante, correspectividade… para concluir não haver natureza comercial, as contrapartidas da Req.te não configurarem obrigações de carácter comercial.

 

Porém, a devida interpretação e aplicação do art.º 61.º do EBF não depende de, ou se prende com, tais conceptualizações. Com efeito, logo a letra do artigo é clara: “concedidos, sem contrapartidas que configuem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes”. E no art.º 64.º, por seu turno, se dúvidas houvesse, lê-se assim: “donativos abrangidos pelo presente Estatuto.” Remete-se, pois, para o art.º 61.º, de onde consta a noção de donativo para efeitos do Regime. (E tenha-se também em mente a devida interpretação de normas em matéria de BFs.)

Ora, das obrigações, e da sua fonte, trata o legislador no Código Civil – v. Livro II – Direito das Obrigações (e v. art.º 397.º, Noçao de obrigação), Cap. II – Fonte das Obrigações, Secção I – Contratos (e v. art.º 405.º, Liberdade contratual). V., também, art.º 11.º da LGT, quanto à interpretação do sentido das normas fiscais e qualificação dos factos a que se aplicam.

Por sua vez, de actos de comércio, e das características atributivas da comercialidade, tratou o legislador no Código Comercial – v., aí, art.º 2.º, Noção de actos de comércio.

Sendo a Req.te, também, comerciante (cfr. probatório, se dúvidas houvesse, e v. Código Comercial) há que concluir que aquelas contrapartidas a que se obrigou nos contratos configuram obrigações de carácter comercial. No âmbito de contratos, sim, que incluem regras próprias de contrato de patrocínio, contrato de publicidade. Um Acordo entre as partes, nesse contexto, do qual derivam obrigações recíprocas. Obrigações, contraídas nos contratos. Vontade das partes aí vertida, e aí de aferir.

Existe, pois, nexo directo entre serviço prestado, pela Req.te, no âmbito da publicidade/Marketing (as “contrapartidas” do art.º 61.º) e contrapartida por si recebida, do Mecena (as “entregas em dinheiro” do art.º 61.º). Prestações recíprocas.

Entramos em IVA. Sujeito passivo de IVA e operação tributável.

Como nas correcções.

(Sem que, ademais, se configurasse qualquer prestação gratuita - aquilo para que o art.º 64.º do EBF teria vocação de aplicação).

E a Decisão deveria, quanto a nós, precisamente ter começado por proceder à qualificação dos contratos, e das prestações nos mesmos.

Mais uma vez, aquilo de que se trata em IVA não é de tributar SPs. É de tributar operações. Estamos perante uma operação tributável em IVA.

 

Não estamos, ainda se diga, no caso, perante prestações (contraprestações da Req.te) insignificantes. Ou perante um prevalecente animus donandi, desinteressado, e nem sequer os Mecenas foram tratados “de modo padronizado e igualitário”. Não é a isso que os factos resultantes da instrução da causa correspondem. Como, pensamos, teremos deixado claro. 

 

Ainda quanto a ter resultado provado que estamos perante patrocínios e não perante donativos para efeitos fiscais, além da prova por documentos. Documentos particulares, que fazem prova plena. Os contratos. E o mais carreado no PA. Também a prova testemunhal veio corroborá-lo.  A 1.ª testemunha explicou que mesmo na lógica de Patrocínio, que é numa lógica de “estar mais presente com a marca, etc., que são poucas as diferenças ...”. Que o Mecenas pretende é que se perceba que ele está com a B... nesta missão. Que “numa perspectiva teórica, o Mecenas associa-se a nós numa lógica de responsabilidade social, e o que procura é que esta lógica de Parceria pelo menos seja percebida que estamos os dois a trabalhar”. No patrocínio, em comparação com o Mecenato, “damos um pouco mais de activação de marca”. É “a referência ao apoio, nos meios de comunicação geral” (da B...), “... no site, nas agendas, ... tudo quanto é comunicação da B... ...”. Em relação aos Mecenas, ainda: “Ou aquilo tem valor e eles estão connosco..., eu não peço nada a ninguém, eu preciso de relações perpétuas”. “Quando iniciamos uma parceria com o Mecenas há um conjunto de especificações que nós temos que são para todos, mas isso não faz parte sequer de negociação, sabemos que se temos 20 Mecenas nós queremos também dizer que estas empresas nos estão a apoiar. Portanto há um conjunto de normas que nós pré-estabelecemos para todos.” “E que é na Agenda estarem todos, nós gostamos que eles estejam lá, ou na Newsletter, ou no rodapé do site; faz parte das normas normais da casa”, eles (os Mecenas) também gostam que assim seja. “O que nós dizemos é: a menção ao apoio Mecenato irá estar definida em todos os materiais de comunicação gerais da B... .” “Se ele pedir explicitamente para não pôr o nome... isso nunca aconteceu.” “Enquanto estiver o protocolo em vigor consta sempre lá”.

 

Por fim, quanto ao pro rata - cfr. RIT pp. 63-67, também nas correcções se andou bem, não correspondendo à realidade o que a Req.te nesse ponto alega quando se reporta à forma como os cálculos teriam sido feitos; e quanto à alegada falta de fundamentação do acto - o teor do PPA é esclarecedor de que tal se não verifica, a Req.te percepcionou claramente, e assim aí o externou, qual a fundamentação do acto; se, depois, aplicou/convocou e interpretou a lei de forma distinta daquela que no acto vem feito, essa é outra questão.

 

O acto relativamente ao qual o Tribunal foi chamado a pronunciar-se, apreciando da sua legalidade, assentou, pois, numa correcta interpretação e aplicação da lei aos factos. Factos constitutivos do direito da Req.da à tributação provados.

O Tribunal apreciou o acto à luz de outros fundamentos que não os constantes da sua fundamentação - em B). E a decisão da matéria de facto (cfr. probatório) só por si conduziria a decidir no sentido oposto ao que se decidiu.

 

Era, quanto a nós, de indeferir o PPA, e manter na Ordem Jurídica as liquidações, por legais.

 

07 de abril de 2024

Sofia Ricardo Borges

 

 



[1] O Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei nº 74/99, de 16 de Março, foi revogado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que veio aditar ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007, as disposições que regulam os benefícios relativos ao Mecenato, com as alterações legais subsequentes – sendo que a revogação ressalvou todos os efeitos jurídicos decorrentes de reconhecimentos já efectuados.

[2] Versão vigente em 2019, alterada pela Lei nº 12/2022, de 27 de Junho, sendo esta a nova redacção: “Não estão sujeitas a IVA as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas, a título gratuito, pelas entidades a quem sejam concedidos donativos abrangidos pelo presente Estatuto, em benefício direto das pessoas singulares ou coletivas que os atribuam, quando o correspondente valor não ultrapassar, no seu conjunto, 25 % do montante do donativo recebido.” (sublinhado nosso). Lembremos que se começou nos 5%, passou-se a 10%, e evoluiu-se para os 25%.

[3] Aqui como ao longo de todo o Voto quaisquer sublinhados são nossos.