SUMÁRIO
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No ordenamento jurídico-fiscal português e em especial na Lei Geral Tributária e no Código do IRS, não vigora um regime de prova vinculada para efeitos de comprovação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, não relevando juridicamente qualquer instrução administrativa que imponha determinado tipo específico de prova.
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A prova de imposto suportado e retido no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito.
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Na ausência de documentos emitidos por autoridades fiscais estrangeiras, quer por dificuldade, quer por impossibilidade de obtenção, quaisquer outros elementos de prova, incluindo faturas, recibos, comprovativos de pagamento, declarações e correspondência de clientes estrangeiros, e documentos internos dos sujeitos passivos, cuja veracidade não seja fundadamente colocada em causa, são admissíveis para efeitos de comprovação das deduções à coleta, em sede de IRS, das retenções na fonte de imposto efetuadas no estrangeiro, em conformidade com o declarado pelo sujeito passivo na respetiva declaração anual de rendimentos.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:
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Relatório
A..., NIF ..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, B..., NIF ..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, C..., NIF ..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Paço de Arcos, D..., NIF ..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... Castro Marim, E..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, F..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, G..., NIF ..., com domicílio fiscal na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, H..., NIF..-, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., ...-... Charneca da Caparica, (“Requerentes”), notificados dos (i) atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.ºs 2021..., no valor de 840,96 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 478,48 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 463,49 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 327,16 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 916,48 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 849,62 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 454,23 €, referente ao período de 2017; 2021..., no valor de 576,56 €, referente ao período de 2017, respetivamente; e, dos (ii) atos de indeferimento das respetivas reclamações graciosas, vieram, em 21-04-2023, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos tributários acima referidos, peticionando a respetiva anulação e o reembolso dos valores indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26-04-2023 e notificado à AT em 28-04-2023.
Os Requerentes não procederam expressamente à nomeação de árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, e após renúncia de anterior árbitra singular nomeada, foi designada a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
As partes foram notificadas da designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 03-07-2023, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Devidamente notificada para o efeito em 31-07-2023, a AT apresentou a sua Resposta em 02-10-2023, defendendo-se, tendo ainda junto o processo administrativo.
Por despacho de 06-11-2023, o Tribunal Arbitral agendou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, para inquirição de testemunha e alegações orais, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas.
Após requerimento da Requerida para aproveitamento de prova de outro processo, o Tribunal Arbitral despachou, em 14-12-2013, que “Para apreciar o hoje requerido pela Requerida sobre o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo nº 303/2023-T, entende este Tribunal Arbitral que a Requerida devia ter feito prova da identidade do pedido, da causa de pedir e das partes, bem como da identidade da testemunha em causa e dos factos em que o depoimento incidirá. Não o tendo feito e uma vez que a reunião do artigo 18.º do RJAT foi agendada, em 6 de novembro, para 18 de dezembro de 2023, o pedido daquela informação, bem como o exercício do contraditório por parte dos Requerentes arrastariam este processo por tempo desnecessário. Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e da oralidade e imediação (artigo 16.º, alíneas c) e d) do RJAT), indefere-se o requerimento da Requerida.”
Em 18-12-2023, a reunião do artigo 18.º do RJAT teve lugar, conforme agendado, para inquirição da testemunha arrolada pelos Requerentes, I... . No decurso da reunião, que foi devidamente gravada, foram juntos documentos pelos Requerentes, a que a Requerida não se opôs, tendo sido concedido prazo de vista de 10 (dez) dias.
Em 15-01-2024, os Requerentes apresentaram alegações escritas, reafirmando a posição partilhada no articulado anteriormente submetido nos autos e juntando decisões arbitrais recentes.
Em 23-01-2024, a Requerida apresentou, também, as suas alegações escritas, replicando os fundamentos do articulado de resposta constante nos autos.
Por despacho de 01-03-2024, o prazo para decisão arbitral foi prorrogado.
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Posições das Partes
II.1. Requerente
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Constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (i) os atos de liquidação de IRS, referentes ao ano de 2017, notificados aos Requerentes e, bem assim, (ii) as decisões da Autoridade Tributária que determinaram o indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas pelos Requerentes contra os referidos atos de liquidação de IRS.
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Os referidos atos de liquidação foram emitidos na sequência dos Relatórios Finais notificados aos Requerentes no âmbito de procedimento de inspeção tributária, que teve por objeto a verificação dos valores de retenções na fonte inscritos pela sociedade J..., Sociedade de Advogados, SP, RL (de ora em diante também referida por sociedade J...), NIPC..., sociedade da qual os Requerentes são sócios, no Anexo G da Informação Empresarial Simplificada (campo G03), para efeitos de dedução à coleta em Portugal por dupla tributação internacional.
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Ilegalmente, a Autoridade Tributária desconsiderou os referidos valores declarados a título de retenção na fonte, imputando na esfera dos sócios os valores corrigidos de imposto.
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Estão em causa, em concreto, retenções na fonte de imposto sobre o rendimento efetuadas por clientes estrangeiros da referida sociedade J... sobre os pagamentos realizados a esta sociedade pela prestação de serviços jurídicos.
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As retenções aqui em causa foram efetuadas por clientes residentes em Angola, Gabão, Quénia e Congo.
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Sobre o preço dos serviços prestados pela sociedade J..., os seus clientes deduziram o montante correspondente ao imposto sobre o rendimento a pagar nos respetivos países.
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Os referidos montantes de retenções na fonte são inscritos pela sociedade J... no Anexo G da IES (campo G03), para efeitos de dedução à coleta em Portugal por dupla tributação internacional.
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Concluiu a Autoridade Tributária, no âmbito da referida ação inspetiva, que o montante inscrito no referido Anexo G, a título de deduções à coleta por dupla tributação internacional era incorreto, devendo ser objeto de correção.
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A Autoridade Tributária suporta o seu entendimento no facto de a sociedade J... não ter, alegadamente, apresentado prova da efetiva retenção de imposto e pagamento dos valores retidos às autoridades tributárias dos respetivos países.
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Uma vez que a sociedade J... se encontra abrangida pelo regime da transparência fiscal (previsto no artigo 6.º do Código do IRC), a referida correção foi, subsequentemente, refletida nas declarações de rendimentos apresentadas pelos seus sócios (entre os quais os ora Requerentes), para efeitos de IRS.
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Efetivamente, a dedução das referidas retenções na fonte havia sido efetuada por cada um dos sócios da sociedade J... (na respetiva proporção da sua quota) no quadro 4A do anexo D (rendimentos obtidos no estrangeiro) da respetiva declaração anual de rendimentos Modelo 3.
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Nessa medida, a Autoridade Tributária procedeu à correção do referido anexo D das declarações de rendimentos Modelo 3 dos ora Requerentes, desconsiderando os seguintes montantes, que correspondem à proporção das quotas de cada sócio em relação ao valor total desconsiderado na esfera da sociedade J...:
Requerente A...– € 758,91
Requerente B...– € 431,79
Requerente C...– € 407,80
Requerente D...– € 337,09
Requerente E...– € 779,77
Requerente F...– € 766,72
Requerente G...– € 407,80
Requerente H...– € 474,59
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Na sequência da referida correção, a Autoridade Tributária procedeu à emissão de liquidações adicionais de IRS.
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Pese embora não concordassem com os referidos atos de liquidação, os Requerentes procederam ao pagamento dos valores apurados nos mesmos.
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Por não se conformarem com as referidas correções e com os atos de liquidação de IRS acima identificados, os Requerentes apresentaram contra os mesmos as competentes reclamações graciosas.
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Por ofícios datados de 29-12-2022, os ora Requerentes foram notificados das decisões de indeferimento das reclamações graciosas.
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A Autoridade Tributária rejeitou a dedução à coleta, por parte da sociedade J... (sociedade de que os ora Requerentes são sócios), de parte do valor das retenções na fonte efetuadas sobre os rendimentos auferidos por aquela sociedade no estrangeiro.
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Consequentemente, e estando em causa uma sociedade de profissionais, fiscalmente transparente, a Autoridade Tributária procedeu à imputação da referida correção aos sócios da sociedade J..., tendo os Requerentes sido, consequentemente, notificados dos atos de liquidação impugnados.
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O fundamento da correção consiste na alegada falta de prova da efetiva tributação no Estado da fonte do rendimento e que levou à desconsideração dos montantes respeitantes a retenções na fonte efetuadas por clientes residentes em Angola, Gabão, Quénia e Congo, os quais foram deduzidos pelos Requerentes na proporção da sua quota.
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Com efeito, entende a Autoridade Tributária que, para efeitos de admissibilidade da dedução à coleta das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, cumpre ao contribuinte apresentar certificados emitidos pela autoridade fiscal do país da fonte do rendimento que atestem que o imposto retido pelos clientes da sociedade J... foi efetivamente entregue a essa autoridade.
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Ora, para além de tal entendimento não ter qualquer fundamento legal, no sentido de que não existe exigência legal expressa de que a prova seja produzida nos exatos termos que são pretendidos pela Autoridade Tributária, esse entendimento imporia ao contribuinte uma obrigação de impossível observância, em termos práticos, tendo em consideração as jurisdições em causa, em virtude do facto de se traduzir numa exigência que se encontra por inteiro fora do controlo da sociedade J..., e mais ainda do controlo dos Requerentes, porquanto nenhum destes tem qualquer relação com as autoridades fiscais dos países da fonte dos rendimentos.
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A alegada exigência de prova formulada pela Autoridade Tributária resulta de uma instrução administrativa, designadamente o Ofício-Circulado n.º 20030, de 18-12-2000, que não pode juridicamente vincular os contribuintes.
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Ao sustentar a exigência de prova aqui em apreço numa instrução administrativa que não vincula nem a sociedade J..., nem os Requerentes, a Autoridade Tributária incorreu, em face do entendimento jurisprudencial dominante, numa manifesta ilegalidade, a qual inquina os atos de liquidação e as decisões ora em apreço, devendo, consequentemente, ser anulados em conformidade com o disposto no artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo.
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Por seu turno, no que diz respeito em concreto à prova demonstrativa do direito dos Requerentes, a lei não impõe um regime de prova vinculado, referindo, apenas, que o sujeito passivo deve apresentar documentos comprovativos dos rendimentos e das respetivas deduções.
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De acordo com o artigo 128.º do Código do IRS, os contribuintes podem fazer prova do direito à dedução das retenções na fonte a que os seus rendimentos estiveram sujeitos no estrangeiro através de qualquer documento comprovativo dos factos em que assenta o direito, não se exigindo forma especial para tal documento comprovativo e, muito menos, uma declaração emitida por uma autoridade tributária estrangeira com a qual os contribuintes em questão não têm qualquer relação e, por conseguinte, perante as quais não têm qualquer legitimidade para solicitar o documento exigido.
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No caso em apreço, impunha-se aos Requerentes demonstrar: (i) que o rendimento da sociedade J... foi objeto de dedução (o que se efetuou através das faturas e comprovativos dos pagamentos efetuados pelos clientes) e (ii) que tal dedução se deveu à obrigação de retenção na fonte de imposto que recai sobre os clientes daquela sociedade (o que também foi demonstrado, designadamente através das declarações apresentadas por tais clientes).
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Acresce que o n.º 4 do artigo 128.º do Código do IRS vai mesmo mais longe, ao referir que “O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.”
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Ou seja, o referido preceito legal permite, inclusivamente, que o contribuinte utilize outros elementos de prova, que não, necessariamente, a prova documental, para efeitos de demonstração que as retenções na fonte de imposto foram efetuadas, o que inclui, designadamente, no caso em apreço, prova testemunhal ou declarações dos próprios clientes da sociedade J... .
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A verdade é que não resulta da lei que o contribuinte se veja na contingência de ter de obter uma declaração da autoridade tributária desses países, atestando que aos valores de retenção na fonte de imposto lhes foram entregues, nem poderia tal exigência ser legalmente consagrada porquanto viria impor uma exigência impossível de cumprir.
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A relação tributária de retenção na fonte e de entrega do respetivo imposto verifica-se entre a autoridade tributária desses países e os clientes da sociedade J..., não tendo esta, e muito menos os Requerentes, qualquer papel na sobredita relação e não lhe cabendo, nem podendo, ‘inspecionar’ se o montante deduzido a título de retenção foi efetivamente entregue ou se foi emitido qualquer documento relativo à entrega do imposto retido.
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Acresce que não faria sentido impor a um contribuinte português a obtenção de uma declaração produzida por uma autoridade tributária de um país onde não tem presença jurídica, nem física, o que além do mais implicaria a prática de diligências num país que não tem meios administrativos e informatizados ao seu dispor.
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Estamos, pois, perante uma exigência de prova manifestamente desproporcional, tendo a jurisprudência constitucional já profusamente afirmado que qualquer interpretação da lei, no sentido de exigir uma prova impossível ou diabólica, configura uma violação da máxima constitucional da proporcionalidade.
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Em face do exposto, não se podem os Requerentes conformar com a recusa da Autoridade Tributária em apreciar qualquer outro meio de prova que não seja um certificado emitido pela autoridade fiscal do Estado da fonte, não fundamentando sequer a base legal para tal exigência.
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Importa, de resto, salientar que a jurisprudência dos tribunais superiores se expressou já no sentido de considerar que o direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional não depende da emissão de uma declaração oficial pelas autoridades fiscais estrangeiras.
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Estamos perante a imposição de um meio de prova que exige a produção de documentação que é impossível ao contribuinte obter, consubstanciando inconstitucionalidade qualquer construção interpretativa da lei nesse sentido, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 55.º da LGT e no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, e também do princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20.º da Lei Fundamental.
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Contudo, tal impossibilidade de prova não pode colocar em causa o princípio que prevê a eliminação da dupla tributação internacional, consagrado na lei, nos termos do artigo 81.º do Código do IRS.
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Em caso de dúvida, deve a Autoridade Tributária portuguesa diligenciar, junto da Autoridade Tributária do país onde a retenção foi efetuada, a obtenção das informações necessárias à comprovação dos factos sob análise, ao abrigo dos deveres de cooperação resultantes das convenções para evitar a dupla tributação, como no caso específico de Angola.
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Com efeito, o artigo 58.º da Lei Geral Tributária é claro, quando estabelece que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material”.
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Sempre se diga que, em caso de dúvida, e estando em causa a produção de prova que não carece de uma forma específica, valerá sempre a presunção de veracidade de que gozam as declarações do contribuinte, conforme resulta do n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
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Na ausência de uma norma legal que imponha um tipo de prova em específico, deverão os montantes declarados pela sociedade J... no Anexo G da IES (e, bem assim, pelos Requerentes no Anexo D da Declaração Modelo 3), como tendo sido retidos pelos seus clientes a título de imposto, gozar de presunção de veracidade – a qual não foi nunca ilidida por factos avançados pela Autoridade Tributária –, dando-se tal facto como provado e sendo o respetivo crédito de imposto reconhecido, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
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Não obstante, tendo os ora Requerentes logrado demonstrar que os montantes faturados pela sociedade J... aos seus clientes foram deduzidos de valores que comprovadamente dizem respeito a retenções na fonte, não entendem os Requerentes a insistência da Autoridade Tributária em não admitir – ao abrigo do princípio da liberdade de prova e tendo em consideração que a lei não prescreve um tipo de prova específico – os documentos que foram apresentados para efeitos de comprovação daquelas retenções.
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Sem prejuízo de toda a argumentação invocada, e que é por si só reveladora da ilegalidade dos atos e decisões contestados, importa, por último, notar que a Autoridade Tributária alterou recentemente o seu entendimento a respeito da documentação exigida para efeitos de comprovação do imposto suportado no estrangeiro, tendo decidido, num caso exatamente igual e também a respeito da sociedade J..., em sentido diametralmente oposto.
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A admissibilidade de prova foi reconhecida no Relatório Final de Inspeção Tributária referente ao exercício de 2016 da sociedade J..., no âmbito do qual estavam em causa o mesmo tipo de correções daquelas aqui em apreço.
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Em face do exposto, deverão os atos de liquidação e as decisões de indeferimento em apreço ser anulados, em conformidade com o disposto no artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo, por vício de ilegalidade, assumindo que os mesmos têm fundamento numa instrução administrativa cujo teor não pode ser imposto aos Requerentes, por violação do princípio da proporcionalidade, do inquisitório, da proibição da indefesa, da liberdade de prova e da boa fé e, bem assim, por erro nos pressupostos de facto, tendo em consideração que, para além de as declarações da sociedade J... e dos ora Requerentes gozarem, para o presente efeito, de presunção de veracidade, foi claramente demonstrado que o imposto em causa foi efetivamente retido, tendo-se dado integral cumprimento ao disposto no artigo 128.º do Código do IRS para efeitos de prova do direito à dedução por dupla tributação internacional.
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A Autoridade Tributária encontra-se adstrita a realizar, como consequência da anulação dos atos de liquidação de IRS e das decisões de indeferimento das reclamações graciosas, conforme requerido, o reembolso dos valores de imposto indevidamente pagos pelos Requerentes, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 61.º do CPPT.
II.2. Requerida
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Os requerentes foram alvo de procedimentos de inspeção interno de âmbito parcial, que tiveram por objeto avaliar a situação tributária, pretendendo-se validar os valores declarados no anexo D da declaração de rendimentos Mod.3, a que se refere o artigo 57.º do CIRS, relativamente ao ano de 2017.
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Na sequência da análise efetuada às declarações de rendimentos referentes ao ano em causa, resultou uma divergência no que se refere a retenções na fonte, relacionada com rendimentos obtidos no estrangeiro, imputadas pela sociedade J..., uma vez que no âmbito do procedimento inspetivo realizado a esta sociedade, nomeadamente para comprovação dos valores inscritos no anexo G da IES, referentes a deduções à coleta por dupla tributação internacional, verificou-se que o montante inscrito nesse campo são superiores aos valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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Feita a análise aos documentos de suporte ao montante referente à dupla tributação internacional, verificou-se que a entidade imputadora não conseguiu comprovar os valores relativos ao imposto pago no estrangeiro.
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A correção em causa deu origem a liquidações oficiosas, as quais foram objeto de interposição de reclamações graciosas pelos agora Requerentes, tendo sido alvo de indeferimento, assente nos seguintes fundamentos:
Quanto à matéria da RF-IRS, pese embora os argumentos ora apresentados, o facto é que persiste a falta de prova em como o imposto foi efetivamente pago e entregue nos cofres da Tesouraria da Fazenda Pública de cada um dos Estados pertencentes ao continente africano;
A mera apresentação de faturas, recibos, troca de correspondência entre as sociedades J... e suas clientes, não prova em como o imposto foi efetivamente entregue na Tesouraria da Fazenda Pública no Estado da fonte;
O recibo apenas serve para confirmar em como o cliente procedeu ao pagamento da fatura ao seu fornecedor (sociedade J...) e não para comprovar, por exemplo, o pagamento da RF nos cofres do Estado Angolano.
Os próprios Reclamantes, bem como a sociedade J..., têm perfeito conhecimento que só é passível provar que um determinado imposto foi pago e/ou retido na fonte, mediante um documento emitido pelas autoridades fiscais dos Estados envolvidos; tanto assim o é, porquanto foram anexados à petição inicial, cópia da troca de correspondência realizada entre a sociedade J... e as suas clientes, solicitando às mesmas cópia dos “Certificados de Retenção”.
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O Ofício-Circulado n.º 20030, de 18-12-2000, vem uniformizar, para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação internacional, que os documentos têm de ser originariamente emitidos pelas autoridades fiscais do Estado onde o imposto foi pago, ou então fotocópias autenticadas por essas mesmas autoridades fiscais, as quais valerão como se de originais se tratasse.
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No entanto, não obstante os documentos apresentados não serem válidos para fazerem prova do imposto retido no estrangeiro, para efeito de crédito de imposto por dupla tributação internacional, conforme o entendimento preconizado no referido Ofício-Circulado, a AT não deixou de apreciar os documentos apresentados pelos Requerentes, no sentido de apurar se os mesmos seriam passíveis de comprovar a retenção do imposto, conforme alegado.
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Considerando os documentos apresentados, designadamente cópia das faturas, dos recibos e dos detalhes das transferências, apenas em alguns desses é possível estabelecer uma relação direta entre ambos, ou seja, apenas nos documentos mencionados nos quadros constantes do relatório de inspeção é possível verificar nos detalhes das transferências bancárias quais as faturas que estão a ser pagas, sendo que o valor corresponde aos valores dos recibos e das faturas deduzidos dos valores de retenção.
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Relativamente aos restantes documentos apresentados, estes não permitem aferir quais as faturas que estão a ser pagas pelos clientes, não se podendo dessa forma, aferir se os valores das alegadas retenções foram efetivamente retidos.
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E, independentemente da forma da prova que possa vir a ser aceite no tocante ao imposto pago no estrangeiro para efeitos de eliminação da dupla tributação, a mesma não pode deixar dúvidas, do ponto de vista material, quanto à efetiva retenção do imposto em causa.
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Quanto à inexistência de prova vinculada para efeitos de comprovação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, é de salientar que não se exigiu apenas a apresentação de documento emitido pela autoridade fiscal do país da fonte como meio de prova; antes pelo contrário, foram sempre solicitados documentos comprovativos do pagamento de imposto no estrangeiro, sem exigir prova vinculada, nem tão pouco foi afastada a apreciação de qualquer outro meio de prova trazido pelos Requerentes, quer no procedimento de inspeção, quer no procedimento de reclamação graciosa.
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Apesar de a lei não estabelecer um regime de prova vinculado, os documentos comprovativos das retenções efetuadas devem permitir estabelecer uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos.
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Assim, os documentos trazidos pelos sujeitos passivos ora requerentes não estabelecem uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos, sendo que não foi apresentado qualquer outro meio de prova que demonstre a efetiva retenção de imposto no estrangeiro, pelo que a apresentação de comprovativos de pagamento de imposto emitidos pelas autoridades fiscais do país da fonte dos rendimentos afastaria qualquer dúvida que possa existir para efeitos de dedução à coleta por dupla tributação internacional.
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Cabe aos sujeitos passivos de IRS apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a AT os exija.
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No caso em apreço, os documentos apresentados não comprovam, sem margem para dúvidas, as retenções efetuadas no estrangeiro, uma vez que não permitem estabelecer uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos.
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Nestes termos, não se pode afirmar que os montantes declarados na declaração de rendimentos Mod.3 apresentada pelos Requerentes se presumem verdadeiros, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, uma vez que cessa a presunção de veracidade quando as declarações revelem inexatidões, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o que se verifica, face aos Requerentes não terem efetuado prova, sem margem para dúvida, das retenções efetuadas no estrangeiro.
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Relativamente ao relatório final de inspeção referente ao exercício de 2016 da sociedade J..., no âmbito do qual estavam em causa o mesmo tipo de correções daquelas aqui em apreço, o mesmo não está em flagrante contradição, porquanto, relativamente ao ano de 2016, nos documentos apresentados que servem de prova dos valores retidos é possível estabelecer relação direta entre o pagamento e a fatura em causa (uma vez que o número da fatura consta do documento emitido pela entidade bancária através da qual foi efetuado o pagamento, o que não se verifica em relação aos valores agora não aceites).
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Por fim, quanto ao direito a juros indemnizatórios, face aos elementos constantes dos autos e tendo em conta o que foi explanado, não estarão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios, uma vez que as liquidações não sofrem de qualquer ilegalidade.
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Face ao exposto, e dado se entender não assistir razão aos Requerentes, não merece qualquer censura a decisão em apreço, bem como os atos de liquidação subjacentes, devendo ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, a coligação de autores é admissível, dado que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
O processo não enferma de nulidades. Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto
IV.1. Factos Provados
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A sociedade J..., Sociedade de Advogados, SP, RL, é titular do NIPC ... e tem sede na ... ..., ..., Lisboa, Portugal.
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Em 2017, os Requerentes eram sócios da sociedade J..., desenvolvendo a correspondente atividade.
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A sociedade J... foi objeto de ação de inspeção tributária por parte da Autoridade Tributária, para comprovação dos valores inscritos no Anexo G da Informação Empresarial Simplificada referentes a deduções à coleta por dupla tributação internacional no ano de 2017.
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Em concreto, a inspeção tributária desconsiderou retenções na fonte de imposto efetuadas por clientes estrangeiros da sociedade J... sobre os pagamentos realizados a esta sociedade pela prestação de serviços jurídicos.
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As retenções de imposto em causa foram efetuadas por clientes residentes em Angola, Gabão, Quénia e Congo.
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Sobre o preço dos serviços prestados pela sociedade J..., os seus clientes estrangeiros deduziram, a título de retenção na fonte, o montante correspondente ao imposto sobre o rendimento a pagar nos respetivos países.
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Pela prestação de serviços jurídicos aos clientes estrangeiros, a sociedade J... emitia as correspondentes faturas e respetivos recibos, com pagamento dos valores deduzidos de retenções na fonte.
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Nos recibos emitidos pela sociedade J... aos clientes consta o valor do serviço prestado como “valor do documento” da fatura e o valor final recebido do cliente como “valor atribuído”, o qual corresponde ao “valor do documento” da fatura deduzido da retenção na fonte devida no país da fonte do rendimento, a qual é apresentada como “valor pendente”, na respetiva moeda.
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Os comprovativos das transferências bancárias efetuadas pelos clientes da sociedade J... apresentam quantitativos que concordam com o “valor atribuído” constante nos respetivos recibos e documentos internos.
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O departamento financeiro da sociedade J... efetuava um procedimento de conferência documental, de forma a verificar a conformidade das faturas emitidas com os pagamentos efetuados e com as taxas de retenções em vigor nos países em causa, solicitando aos clientes a confirmação dos valores deduzidos.
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A relação entre as faturas e os comprovativos de pagamento apresentados pelos clientes, em conjunto com os documentos internos da sociedade J..., resulta da indicação formal ou manuscrita, em cada comprovativo de pagamento, do número da fatura a que o mesmo respeita, sendo igualmente indicado o valor do imposto que foi retido.
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A sociedade J... solicitou aos seus clientes o envio de comprovativos certificados por organismo estatal competente relativos às retenções na fonte realizadas nos países estrageiros em causa, evidenciando o pagamento e entrega do imposto sobre os pagamentos que lhe foram efetuados.
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Entre a sociedade J... e os clientes estrangeiros foi trocada correspondência, tendo sido disponibilizados comprovativos e emitidas declarações confirmativas do pagamento dos serviços e da retenção de imposto nos respetivos países.
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Os montantes de retenções na fonte foram inscritos pela sociedade J... no Anexo G da IES (campo G03), para efeitos de dedução à coleta em Portugal por dupla tributação internacional.
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No seguimento da ação inspetiva, e considerando o relatório final emitido, a Autoridade Tributária procedeu à correção dessas deduções, tendo procedido a liquidação oficiosa de IRS relativamente aos Requerentes, atendendo às correções efetuadas.
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Uma vez que a sociedade J... se encontra sujeita ao regime da transparência fiscal, a correção foi, subsequentemente, refletida nas declarações de rendimentos da respetiva declaração anual de rendimentos apresentadas pelos seus sócios aqui Requerentes, para efeitos de IRS.
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Consequentemente, a Autoridade Tributária desconsiderou o montante de € 758,91 relativamente ao Requerente A..., o montante de € 431,79 relativamente à Requerente B..., o montante de € 407,80 relativamente à Requerente C..., o montante de € 337,09 relativamente à Requerente D..., o montante de € 779,77 relativamente à Requerente E..., o montante de € 766,72 relativamente ao Requerente F..., o montante de € 407,80 relativamente ao Requerente G... e o montante de € 474,59 relativamente ao Requerente H... (que corresponde à proporção das suas quotas em relação ao valor total desconsiderado na esfera da sociedade).
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Na sequência da referida correção, a Autoridade Tributária procedeu à emissão das seguintes liquidações adicionais de IRS:
a) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 840,96, relativamente ao Requerente A...;
b) 2021 ..., da qual resultou um valor a pagar de € 478,48, relativamente à Requerente B...;
c) 2021 ..., da qual resultou um valor a pagar de € 463,49, relativamente à Requerente C...;
d) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 327,16, relativamente à Requerente D...;
e) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 916,48, relativamente à Requerente E...;
f) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 849,62, relativamente ao Requerente F...;
g) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 454,23, relativamente ao Requerente G...;
h) 2021..., da qual resultou um valor a pagar de € 576,56, relativamente ao Requerente H....
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Não obstante discordarem das liquidações emitidas, os Requerentes procederam ao pagamento dos valores apurados pela Autoridade Tributária.
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Por não se conformarem com as referidas correções e com os atos de liquidação de IRS, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa.
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Após audição prévia, por ofícios datados de 29-12-2022, os Requerentes foram notificados das decisões de indeferimento das respetivas reclamações graciosas.
IV.2. Factos Não Provados
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
IV.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lho apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
Nos termos do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, o Tribunal aprecia livremente a falta de impugnação especificada dos factos alegados.
Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida nos autos, nos documentos juntos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como no acordo das partes ou falta de contestação quanto aos respetivos factos alegados.
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Matéria de Direito
V.1. Objeto e âmbito do processo
Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nas respetivas peças processuais, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre as seguintes questões:
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Da ilegalidade (e anulação) dos atos tributários impugnados, por alegada violação da lei quanto à admissibilidade da dedução à coleta pelos Requerentes, no período de tributação de 2017, das retenções na fonte de imposto a que foram sujeitos os pagamentos efetuados à sociedade J... pelos seus clientes estrangeiros, e que, por força do regime da transparência fiscal, foram refletidas na esfera individual dos Requerentes, enquanto sócios da sociedade;
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Do reembolso dos impostos e juros (indevidamente) pagos, com referência às liquidações contestadas, acrescido de juros indemnizatórios.
V.2. Legislação relevante
Para efeitos de enquadramento prévio, o artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC determina que “É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros: (…) Sociedades de profissionais”.
O artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRC clarifica que “Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se: a) Sociedade de profissionais: 1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade”.
A atividade de “Advogados” encontra-se especificamente prevista na lista de atividade a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, atendendo ao teor da Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto.
Com efeito, e conforme alegado pelas partes nos autos, a sociedade J... é abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do Código do IRC.
Relativamente ao IRS, o imposto “incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos: (…) Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais”, ao abrigo do artigo 1.º, n.º 1 do Código do IRS.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do Código do IRS, “Os rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos.”
Em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1 do Código do IRS, no âmbito da categoria B, “Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária”.
Ao abrigo do artigo 20.º do Código do IRS, “Constitui rendimento dos sócios (…) das entidades referidas no artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em causa”, sendo que “as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B”.
Por força do artigo 13.º, n.º 1 do Código do IRS, “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.” Acresce que, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do Código do IRS, “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.”
Conforme previsto no artigo 57.º, n.º 1 do Código do IRS, “Os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa a todas as fontes de rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante, os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo.”
Não obstante, ao abrigo do artigo 75.º do Código do IRS, “A liquidação do IRS compete à Autoridade Tributária e Aduaneira.”
O artigo 78.º, n.º 1 do Código do IRS prevê que “À coleta são efetuadas (…) as seguintes deduções relativas: (…) j) À dupla tributação internacional”.
Ora, quanto à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, o artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS determinava que “Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, (…) têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias: a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.”
Nos termos do artigo 128.º, n.º 1 do Código do IRS, “As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.”
O extravio de documentos comprovativos “por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos”, ao abrigo do artigo 128.º, n.º 4 do Código do IRS.
Ao abrigo do artigo 59.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, “A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros.”
Sem prejuízo, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Como previsto no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
Concomitantemente, “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”, conforme artigo 58.º da Lei Geral Tributária.
V.3. Apreciação do Tribunal Arbitral
Sinteticamente, os Requerentes entendem que têm direito à dedução das retenções na fonte a que os rendimentos obtidos pela sociedade transparente de que são sócios foram sujeitos no estrangeiro, com base em qualquer documento comprovativo dos factos em que assenta o direito, não se exigindo, nos termos da lei, uma forma especial para tal documento comprovativo ou qualquer outro regime de prova vinculada, afigurando-se inadmissível que a prova seja apenas aceite pela Autoridade Tributária quando consista em declaração emitida por autoridade tributária estrangeira do país da fonte, com a qual os Requerentes não têm qualquer relação tributária, carecendo assim de qualquer legitimidade para solicitar o tipo de documento exigido pela Requerida.
Com efeito, os Requerentes consideram que, através das faturas e dos recibos emitidos pela sociedade transparente, dos comprovativos bancários de pagamento e da correspondência trocada entre essa sociedade e os seus clientes, incluindo declarações apresentadas pelos clientes em causa, e de documentação interna da sociedade, se afigura demonstrado que os rendimentos da sociedade de que os Requerentes são sócios foram objeto de retenção na fonte em países estrangeiros.
Contrariamente, e embora se afigure que admita outros tipos de prova no respetivo articulado, a Requerida reconduz-se, sobretudo, ao disposto no Ofício-Circulado n.º 20030, de 18-12-2000, do qual decorre que os documentos comprovativos devem ser originariamente emitidos pelas autoridades fiscais do Estado onde o imposto foi pago e efetivamente entregue, ou fotocópias autenticadas por essas mesmas autoridades fiscais, as quais valerão como se de originais se tratasse.
Considerando os documentos apresentados pelos Requerentes, a Requerida entendeu que, para efeitos da eliminação da dupla tributação internacional, a retenção do imposto nos Estados dos clientes da sociedade transparente não se afigurava suficientemente comprovada, não sendo possível, “sem margem para dúvidas”, estabelecer uma relação entre as faturas e os pagamentos efetuados pelos clientes à sociedade em causa.
A Autoridade Tributária entende que os Requerentes não apresentaram qualquer meio de prova que demonstre a efetiva retenção de imposto no estrangeiro, sendo que apenas a apresentação de comprovativos de pagamento de imposto emitidos pelas autoridades fiscais do país da fonte dos rendimentos permitiria afastar “qualquer dúvida que possa existir” para efeitos da dedução à coleta em causa.
Conforme acima explanado, o artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS dispunha que “Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, (…) têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias: a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.”
O artigo 81.º, n.º 2 do Código do IRS determina ainda que “Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”
Tendo os Requerentes incluído deduções à coleta para eliminação da dupla tributação jurídica internacional, cabe-lhes “apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 do Código do IRS.
Afigura-se evidente que a lei não impõe um regime de prova vinculado, dispondo apenas que os sujeitos passivos devem apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos e das respetivas deduções. Conforme jurisprudência, na ausência de um regime de prova vinculado decorre, naturalmente, que são admissíveis todos os meios de prova admitidos em direito, com liberdade de apreciação no que respeita à respetiva força probatória.
No entanto, a Autoridade Tributária concluiu que “os documentos apresentados não são válidos para fazerem prova do imposto retido no estrangeiro”, não sendo “possível estabelecer uma relação direta entre” as faturas, os recibos e os comprovativos de transferências bancárias. Sem prejuízo, a Autoridade Tributária admite que é possível “estabelecer uma relação direta (…) nos documentos mencionados nos quadros constantes do relatório de inspeção”, sendo “possível verificar nos detalhes das transferências bancárias quais as faturas que estão a ser pagas, sendo que o valor corresponde aos valores dos recibos e das faturas deduzidos dos valores de retenção”.
Ora, vejamos. Conforme decisão arbitral proferida em 23-04-2020, no âmbito do processo n.º 716/2019-T, acessível em www.caad.org.pt:
“a prova a realizar pelos Requerentes, inexistindo – e nem sendo, sequer, invocada – qualquer norma que imponha uma prova legal, poderá ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito. Ora, e desde logo, entre tais meios, (…) “figura a prova por presunção”. (…) Resulta dos factos dados como provados que na sua declaração para efeitos de IRS, oportunamente apresentada, os Requerentes fizeram constar, devidamente e no local próprio, o crédito de imposto ora em litígio. Assim, devendo presumir-se verdadeira tal declaração, da mesma (facto conhecido), por presunção, em obediência ao artigo 349.º do Código Civil, dever-se-á ter como provado o facto (desconhecido) relativo pagamento de imposto no estrangeiro. (…)
Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que o entendimento da AT não tem cabimento legal. Com efeito, não se compreende o conceito de idoneidade invocado pela AT e o recurso subvertido do princípio da proporcionalidade, isto porque, será idónea toda a prova que seja apta a demonstrar a realidade dos factos. Ao invés, violadora do princípio da proporcionalidade parece-nos ser a tese da AT, que, apesar de reconhecer que os dados decorrentes dos elementos de prova são verdadeiros e fiáveis (nem pondo em causa a sua autenticidade) apenas os afasta por não serem emitidos pela autoridade tributária do Estado da fonte.
Ora, os elementos de prova trazidos a estes autos pelos Requerentes são, como se demonstra, totalmente aptos a demonstrar a realidade dos factos, constando dos mesmos, de forma inequívoca, o valor do imposto retido no Estado da fonte. Por outro lado, e sem prejuízo de tudo quanto até aqui se referiu, sempre se entende que, face aos elementos documentais apresentados pelos Requerentes, também por via de uma presunção natural sempre se chegaria ao resultado da demonstração do imposto suportado pelos Requerentes no estrangeiro, em conformidade com o declarado. (…)
Os Requerentes, sujeitos passivos residentes em território português, declararam oportunamente os valores constantes das declarações emitidas por pessoas colectivas notoriamente conhecidas, quer no que diz respeito ao rendimento bruto, quer ao imposto retido e entregue aos Estados estrangeiros. Não se verifica qualquer indício de fraude ou de fuga. A AT aceita os valores declarados como rendimento bruto (…). Assim, apreciada globalmente a situação e tendo em conta as regras da experiência, não restarão dúvidas razoáveis que o imposto suportado pelos Requerentes nos Estados estrangeiros, relativos aos rendimentos ali auferidos e por si declarados, foram, efectivamente, os constantes da sua declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, oportunamente apresentada.”
Em 29-11-2020, a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 799/2019-T, acessível em www.caad.org.pt, mencionava:
“a AT não coloca em causa nem a autenticidade nem a veracidade daqueles documentos (…). Em todo o caso, e mesmo que assim não fosse, verifica-se que as dúvidas em que a AT laborou, assentam, conforme resulta quer do processo administrativo, quer das respectivas peças processuais destes autos, nos seguintes entendimentos:
- O comprovativo do imposto pago, a atender em sede do crédito fiscal que se discute, teria de ser necessariamente um documento emitido pela entidade fiscal do Estado onde os rendimentos foram auferidos e o imposto foi pago; e
- Deveria ter sido apresentada prova de que o imposto pago é o imposto total e final para o ano.
Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que nenhum daqueles entendimentos tem cabimento legal. (…) Nos termos do artigo 128.º, n.º 1, do CIRS: “As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija”.
O preceito legal em apreço não impõe o recurso a meios probatórios específicos, designadamente, a apresentação de declarações emitidas pelas autoridades fiscais dos Estados da fonte dos rendimentos.
Sustenta a Requerida, a exigência de documentos originais (ou fotocópias autenticadas) emitidos pela autoridade fiscal do país de origem desses rendimentos que comprovem o imposto pago no estrangeiro, no disposto no n.º 2 do Ofício-Circulado 20124 de 09-05-2007.
Os Ofícios-Circulados integram as chamadas orientações administrativas que constituem “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos”. Por isso, não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela AT aquando da sua aplicação, mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da AT deve ser efectuada através do confronto directo com a(s) norma(s) legal(is) que os suportam, e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto.
Conclui-se, portanto, como aponta a Requerente, que o Ofício-Circulado invocado pela Requerida, com vista a fundamentar o acto tributário ora contestado, não é apto a criar quaisquer obrigações acessórias que condicionem a aplicação do artigo 81.º do CIRS.
Assim, não sendo o Ofício-Circulado vinculativo para os particulares e, inexistindo qualquer norma que legitime aquilo que a AT sustenta, relativamente à limitação dos meios de prova do imposto pago no estrangeiro, (…) não poderá proceder a tese da AT. (…)
O entendimento da AT, segundo o qual o comprovativo do imposto pago, a atender em sede do crédito fiscal, teria de ser necessariamente um documento emitido pela autoridade fiscal do Estado onde os rendimentos foram auferidos e o imposto foi pago, e que é necessária prova de que o imposto pago é o imposto total e final para o ano, tem, aliás, subjacente uma mundividência que pressupõe que todos os Estados estrangeiros são organizados em quadros burocráticos e legais análogos ao nacional/europeu ocidental, o que, notoriamente, e sobretudo, mas não só, em países menos desenvolvidos não é sempre o caso.
Por outro lado, assume também que as administrações tributárias estrangeiras, a nível global, estão ao dispor de todos quantos aí auferem rendimentos, para emitir as declarações e certidões que a AT portuguesa entenda necessárias. (…)
Por fim, (…) sempre se entende que, face aos elementos documentais apresentados pelos Requerentes, também por via de uma presunção natural, sempre se chegaria ao resultado da demonstração do imposto suportado pelos Requerentes no estrangeiro, em conformidade com o declarado. (…)
De resto, existe entre a grande maioria dos Estados nos quais os Requerentes auferiram rendimentos (à excepção de Curaçau, Ilhas Caimão e Austrália) e a República Portuguesa, Convenção para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
Todas as Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas entre a República Portuguesa e os Estados nos quais os Requerentes obtiveram rendimentos – Estados Unidos da América, Luxemburgo, Suíça, França, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Espanha, Brasil, Rússia, Irlanda, Itália e Finlândia – contêm uma disposição normativa que prevê que as autoridades competentes dos Estados Contratantes troquem entre si as informações necessárias para aplicar a Convenção e as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos pela Convenção.”
Atente-se também na decisão arbitral proferida em 15-12-2021, no âmbito do processo n.º 556/2020-T, acessível em www.caad.org.pt, que refere:
“O ordenamento jurídico português dispõe de diferentes mecanismos que prevêem a eliminação da dupla tributação jurídica internacional. Por um lado, consagra um mecanismo unilateral aplicável aos rendimentos obtidos no estrangeiro por sujeitos passivos residentes. Tratando-se de sujeitos passivos singulares, é aplicável o regime constante do artigo 81.º do CIRS (…).
O mecanismo previsto no artigo 81.º do CIRS funciona como um complemento dos mecanismos bilaterais existentes, as Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebradas por Portugal, e revela-se especialmente importante quando não exista uma CDT celebrada entre Portugal e o estado da fonte do rendimento. (…)
Como se pode constatar, a lei nada refere, quer neste quer noutros preceitos, quanto ao tipo de documento exigido para efeitos de prova dos rendimentos auferidos, factos ou situações referidas na declaração de IRS, limitando-se a uma referência genérica a “documentos comprovativos”.
A exigência de que aquela prova seja feita exclusivamente por documentos provenientes das autoridades fiscais estrangeiras não se encontra plasmada na lei, mas apenas tem sido seguida em algumas orientações administrativas, as quais não têm valor legal e apenas vinculam os serviços internamente, mas não os tribunais nem os particulares. (…)
Entende este Tribunal Arbitral que a chave para decidir se os documentos apresentados podem constituir prova das situações tributárias em causa deverá ser encontrada na interpretação conjugada das normas do sistema fiscal sobre meios de prova e nas demais normas do ordenamento jurídico sobre o tema (…).
De resto, sublinhe-se que foram estes mesmos documentos que serviram de prova do rendimento auferido no estrangeiro pelo sujeito passivo, circunstância que nunca foi posta em causa pela AT, que os aceitou como bons para efeitos de prova da existência do rendimento, mas já não para efeitos de prova do imposto retido, o que revela uma dualidade de critérios sem sustentação no direito aplicável. (…)
Acresce que, não existindo, como já mencionado, uma norma no nosso sistema que impunha, in casu, uma concreta prova legal, a prova a realizar pode ser feita por qualquer meio admitido em direito, tal como resulta especialmente evidente da interpretação conjugada das normas dos artigos 50.º e 115.º, n.º 1 do CPPT e 72.º da LGT. (…)
A Administração Tributária encontra-se vinculada ao princípio do inquisitório, de acordo com o qual “deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” (vd. artigo 58.º da LGT). Este princípio é, de resto, um corolário da prossecução do interesse público a que toda a Administração se encontra constitucional e legalmente vinculada (cf. artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 55.º da LGT).
Daqui resulta para a AT o dever de, no caso de subsistirem dúvidas fundadas sobre a veracidade das situações declarativas em presença, recorrer a todos os meios que tiver ao seu alcance com vista à descoberta da verdade, no respeito pelos princípios da legalidade, da verdade material e da prossecução do interesse público.
Sucede que a Requerida, embora não se tenha considerado esclarecida, não empreendeu todas as diligências probatórias que estavam ao seu dispor. (…)
Logo na sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa, sem que tenha previamente investigado tanto quanto podia, a Requerida procede a uma limitação desproporcional dos meios de prova admissíveis em direito. E, por conseguinte, veda a possibilidade de a Requerente ver reconhecido um crédito de imposto quando as provas documentais por si apresentadas seriam já idóneas a fazer prova do seu direito. Mas mesmo que assim não entendesse, era dever da AT ter desencadeado uma investigação mais aprofundada de modo a dissipar quaisquer dúvidas fundadas que subsistissem. Trata-se de uma exigência decorrente do princípio do inquisitório.”
Considere-se ainda o seguinte excerto da decisão arbitral proferida em 13-04-2017, no âmbito do processo n.º 552/2016-T, acessível em www.caad.org.pt:
“Não há dúvida, pois, que a Requerente tem direito a deduzir o imposto retido no país de origem, questão que não é, sequer, controvertida nos presentes autos. Porém, a AT desconsiderou tal dedução e operou a liquidação oficiosa impugnada nos autos apenas e só porque o documento comprovativo apresentado pela Requerente não é emitido pela autoridade tributária (…), nem se encontra autenticado por esta. Assim, a questão que verdadeiramente opõe as partes intervenientes neste processo é uma questão de exigência de forma para emissão e consideração do documento comprovativo e, no fim de contas, uma questão processual de relevância probatória do mesmo. Resta saber, pois, se a prova documental carreada para os autos é suficiente para o exercício desse direito de dedução. (…)
Ora, no que tange a esta questão, há que referir, antes de mais, que orientações genéricas não são lei mas meras instruções internas dirigidas aos serviços. Por outro lado, a decisão sobre esta questão sempre terá de atender prioritariamente aos princípios estabelecidos na Convenção (instrumento de direito internacional que se sobrepõe ao direito interno em caso de conflito) e na lei interna, ou seja no CIRS e na LGT. (…)
Mal se compreende que a AT não tenha tido qualquer dúvida no que toca ao montante e origem do rendimento a tributar, mas venha por em causa a veracidade do declarado quanto ao imposto retido”.
Conforme decisão arbitral proferida no processo n.º 99/2018-T, em 22-10-2018, acessível em www.caad.org.pt:
“não tendo suporte na lei a exigência probatória que a AT considerou ser necessária para atribuir efeito probatório aos documentos apresentados, terá que proceder o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e de anulação das liquidações adicionais aqui impugnadas, porquanto não estão de acordo com o artigo 81.º do Código do IRS (que não previne esse regime), nem com o regime jurídico que resulta do artigo 440.º do CPC e dos artigos 365.º e 366.º do Código Civil.”
Também no processo n.º 271/2023-T, foi proferida decisão arbitral, em 02-11-2023, acessível em www.caad.org.pt, de onde resulta que:
“Não existe um sistema de prova vinculada para efeitos da comprovação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, e ainda que tal entendimento resulte de uma instrução administrativa, esta é insuscetível de vincular juridicamente os contribuintes, conforme resulta de forma consensual da jurisprudência dos Tribunais Superiores. (…)
Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT incumbe ao contribuinte, no tocante a direitos que pretende fazer valer perante a AT a prova de factos tributários que lhe digam diretamente respeito e pelos quais o contribuinte possa ser responsável. Assim, não se afigura exigível que sobre os Requerentes recaia uma consequência desvantajosa da não realização de prova, quando a emissão dos documentos considerados “aptos” e “sem margem para dúvida” pela AT portuguesa para fazer prova da efetiva entrega e pagamento de imposto retido na fonte, depende da vontade das autoridades tributárias de outros países, sendo certo que, no caso dos autos, os Requerentes são totalmente alheios à relação existente com as referidas autoridades. (…)
Na falta de documentos emitidos pelas autoridades fiscais estrangeiras, outros elementos de prova, designadamente faturas, comprovativos de pagamento e declarações obtidas dos clientes estrangeiros, cuja veracidade não é posta em causa, permitem chegar ao resultado da admissibilidade das deduções à coleta, em sede de IRS, das retenções na fonte de imposto efetuadas no estrangeiro pelos clientes (…), na proporção das quotas dos Requerentes naquela sociedade, em conformidade com o declarado por estes.”
No âmbito do processo n.º 270/2023-T, em 14-11-2023, foi proferida decisão arbitral, acessível em www.caad.org.pt, que conclui:
“A prova do imposto pago no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito, designadamente com faturas, recibos e correspondência, demonstrativos de que os clientes procederam a retenção na fonte, relativamente aos serviços prestados.”
Vejamos ainda a decisão arbitral proferida em 13-12-2023, no âmbito do processo n.º 340/2023-T, acessível em www.caad.org.pt:
“Estando em causa o cumprimento da obrigação de comprovar documentalmente os elementos das declarações de IRS, nos termos do artigo 128.º do CIRS, nomeadamente as retenções na fonte sobre rendimentos de fonte estrangeira auferidos por residentes em Portugal, são admissíveis como prova das retenções na fonte, os documentos particulares emitidos pelas entidades devedoras dos rendimentos de fonte estrangeira (…).
Ocorrendo dificuldade ou impossibilidade em obter documentos emitidos pelas autoridades fiscais das entidades devedoras dos rendimentos de fonte estrangeira, pode o sujeito passivo socorrer-se de outros meios de prova, nomeadamente a demonstração documental de que possui um sistema de controlo interno, fiável e sindicável, quanto às retenções na fonte de imposto efectuadas por clientes estrangeiros, de acordo com o princípio da universalidade dos meios de prova em processo tributário.”
Quanto à jurisprudência dos tribunais judiciais, vejamos. Em 10-03-2022, foi proferido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 1647/10.2BESNT, acessível em www.dgsi.pt, em que decide que:
“A demonstração do pagamento de imposto no estrangeiro não está sujeita a nenhum tipo de formalidade, no sentido de ter de ser feita inexoravelmente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais (…).
Logo, a falta desse tipo de documento não configura violação de uma formalidade ad substanciam, (…) por tal não ser exigível.
Tendo sido facultados elementos, pelas entidades pagadoras dos rendimentos em causa, contendo os valores das retenções na fonte efetuadas, os mesmos são de molde a demonstrar a existência de tais retenções.
Na hipótese académica de a entidade pagadora não entregar (…) o valor do imposto que reteve na fonte, tal não altera a posição dos contribuintes, que pagaram o imposto, na medida em que este lhes foi imediatamente retido. (…)
As instruções administrativas não vinculam os administrados. (…)
Face à prova produzida (…) em sede administrativa, sempre poderia ter a AT recorrido aos mecanismos de troca de informações ao seu alcance, caso considerasse, como considerou, ter dúvidas. O que não fez.”
Também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23-02-2017, no âmbito do processo n.º 3/13.5BELRS, acessível em www.dgsi.pt, afirma que:
“As circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços não podendo a Administração Tributária fazer exigências probatórias não previstas expressamente na lei. (…)
As declarações apresentadas pelos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa fé, até prova em contrário (cfr. artigo 75.º, n.º1 da LGT).
Não tendo sido suscitadas dúvidas acerca da veracidade do documento emitido (…), de tal modo que a Administração Tributária o aceitou para comprovar os rendimentos (…) obtidos pelos impugnantes, deverá o mesmo ser suficiente para provar o imposto suportado (…) sobre os mesmos.”
Atente-se, ainda, ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 01254/04, em 20-04-2005, acessível em www.dgsi.pt:
“É certo que a questão poderia ter outra solução se a lei exigisse um determinado tipo de prova (como parece sustentar a Fazenda Pública); no caso, e como expressamente refere, uma “declaração emitida ou autenticada pela Administração Fiscal do território onde foi prestado o trabalho e alegadamente pago o imposto”.
Mas não é assim. A lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n. 3 do art. 128º, 3, do CIRS aponta até em sentido diverso. (…) É certo que não estamos aqui perante um extravio de documentos. Mas estamos perante uma situação mais grave, (…) a saber: impossibilidade de conseguir tal documento.”
Ora, considerando a jurisprudência acima evocada, à qual se adere, e atendendo à prova documental disponibilizada pela sociedade J... no âmbito da inspeção tributária, à prova documental disponibilizada pelos Requerentes no âmbito dos processos de reclamação graciosa, e à prova documental disponibilizada pelos Requerentes e pela Requerida no âmbito do presente processo arbitral, incluindo o processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e os documentos juntos pelos Requerentes nos autos e na reunião do artigo 18.º do RJAT, bem como o depoimento da testemunha inquirida no decurso dessa reunião, o Tribunal Arbitral entende que, ao abrigo do artigo 128.º do Código do IRS, a prova produzida afigura-se suficiente para comprovar os factos necessários à aplicação do regime de eliminação da dupla tributação internacional, de acordo com os artigos 78.º e 81.º do Código do IRS.
Na verdade, a própria Autoridade Tributária admite que a prova do direito à dedução não se funde apenas em pretensa declaração de autoridade fiscal de país estrangeiro, nem levantou fundadas dúvidas quanto aos documentos comprovativos juntos.
Ademais, o presente Tribunal Arbitral diverge manifestamente da posição da Autoridade Tributária, quando singelamente nega qualquer admissibilidade ou valor probatório aos documentos e demais prova trazida aos autos pelos Requerentes.
A prova do imposto suportado pela sociedade J... e retido no estrangeiro, e subsequentemente entregue pelos respetivos clientes nos respetivos países, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito.
Confrontando toda a documentação junta aos autos, afigura-se que os documentos relativos a faturas, recibos, comprovativos de pagamento e documentos internos da sociedade, que se relacionam entre si, quer por expressa menção das faturas nos respetivos comprovativos de pagamento – como parcialmente admitido e aceite pela Autoridade Tributária –, quer por conciliação entre os valores das faturas e dos recibos com os respetivos comprovativos de pagamento e documentação interna da sociedade – como alegado pelos Requerentes –, comprovam devidamente, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS, o direito à dedução para eliminação da dupla tributação internacional previsto no artigo 81.º do mesmo Código.
Efetivamente, não tendo sido fundadamente demonstrada qualquer das circunstâncias descritas no n.º 2 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, a presunção de veracidade das declarações dos Requerentes mantém-se, sendo certo que, quanto ao montante de rendimentos auferidos, a AT não aparenta duvidar da veracidade das declarações dos Requerentes, mas (apenas) quanto à efetiva entrega das respetiva retenções na fonte, que resultam dessas mesmas declarações e documentos juntos pelos Requerentes.
Na verdade, a Autoridade Tributária não concretiza ou demonstra quaisquer fundadas “dúvidas” que relevem nos documentos juntos pelos Requerentes, nem contesta especificamente esses documentos, limitando-se a afirmar que não são “válidos para fazerem prova do imposto retido no estrangeiro”, o que, no entendimento do presente Tribunal Arbitral, atenta a matéria documentada e provada, e a jurisprudência acima evocada, não se afigura correto.
Em qualquer caso, a Requerida estaria vinculada a realizar (e não aparenta ter realizado) todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, ao abrigo do princípio do inquisitório e, também, das convenções internacionais aplicáveis, independentemente das instruções administrativas vigentes em matéria de prova do direito a dedução à coleta.
Sendo assim, considerando as posições das partes e a prova documental e testemunhal produzida, as regras da experiência e os demais elementos trazidos aos autos, bem como a jurisprudência judicial e arbitral maioritária, não restam dúvidas a este Tribunal Arbitral de que os Requerentes cumpriram com o seu dever de comprovar os elementos das declarações, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS, com o dever de colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária, e com a regra do ónus da prova do artigo 74.º e 75.º da mesma Lei, na medida em que os Requerentes comprovaram, através da prova de que os presentes autos dispõem, que suportaram o imposto retido através de retenções na fonte efetuadas por clientes no estrangeiro, nos termos amplamente explanados acima.
V.4. Do reembolso dos tributos liquidados e pagamento de juros indemnizatórios
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve “erro imputável aos serviços” de onde tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Face à ilegalidade das correções efetuadas pela AT, através de liquidações oficiosas, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados, por referência às quantias que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa legal, conforme artigos 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT.
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Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais e anular os atos tributários impugnados, com consequente restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.
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Valor
Fixa-se o valor do processo em 4.906,98 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de abril de 2024
A Árbitra
Adelaide Moura