Sumário:
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Não se demonstrando que ocorreu erro na emissão, em 2016, de uma fatura de prestação de serviços de arquitetura e design e/ou que a mesma correspondeu a um mero adiantamento de serviços que nunca foram prestados, o insucesso de cobrança dessa fatura não constitui base válida para a sua consideração como gasto dedutível, através da eliminação por via de uma nota de crédito, emitida em junho de 2018.
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A consideração, no período de 2017, como gasto de exercícios anteriores, do valor da referida nota de crédito viola o princípio da periodização económica consagrado no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC.
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Não sendo os gastos imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos, não tem campo de aplicação a exceção ao regime da periodização económica previsto no n.º 2 do citado artigo 18.º.
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Nem é convocável o princípio da justiça como suporte da dedução fiscal de gastos imputáveis a outros exercícios económicos em circunstâncias, como as dos autos, em que o sujeito passivo reduziu significativamente com a sua conduta o valor de IRC a pagar no período de tributação de 2017. Ano que não era, nem o da emissão da fatura anulada (2016), nem o ano da sua anulação por nota de crédito (2018).
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A não aceitação da dedução fiscal de gastos por violação dos artigos 23.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 do Código do IRC não configura duplicação de coleta.
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A concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da "atividade produtiva", interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da Requerente no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social, o que se verifica na situação concreta.
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Os gastos de aquisição de roupa, sapatos e acessórios de moda para uso dos administradores não têm conexão específica, nem exclusiva, com a atividade da Requerente, pelo que não são dedutíveis para efeitos de IRC.
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Do mesmo modo, não o são os gastos de viagens de fim de ano e de férias dos administradores da Requerente.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 24 de outubro de 2023, Alexandra Coelho Martins (presidente), José Alberto Pinheiro Pinto, indicado pela Requerente, e Henrique Fiúza, designado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., S.A., adiante “Requerente”, com o número de matrícula e de pessoa coletiva ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Porto, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea b), 6.º, n.º 2, alínea b) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), do artigo 137.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
A Requerente pretende a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra a liquidação de IRC n.º 2021..., bem como dos juros compensatórios e de mora inerentes, de que resultou o valor final a pagar de € 180.757,10, bem como a anulação parcial da referida liquidação de imposto e juros, na importância de € 173.925,68. Peticiona, ainda, a condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 18 de abril de 2023 e, em seguida, notificado à AT.
A Requerente designou como árbitro o Dr. José Alberto Pinheiro Pinto, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, tendo a Requerida indicado o Dr. Henrique Fiúza.
Na sequência dos requerimentos apresentados pelos árbitros designados pelas Partes, para que o árbitro presidente fosse designado pelo Conselho Deontológico, foi, por despacho de 4 de outubro de 2023, do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, designada a Dra. Alexandra Coelho Martins nessa qualidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), II parte do RJAT.
Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada em 4 de outubro de 2023, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 24 de outubro de 2023.
Em 27 de novembro de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, tendo junto ulteriormente o processo administrativo (“PA”).
Em 11 de janeiro de 2024, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com declarações de parte e inquirição de duas testemunhas indicadas pela Requerente. O Tribunal notificou as Partes para apresentarem alegações escritas e fixou o dia 23 de abril de 2024 como data-limite para prolação da decisão (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
Em 26 de janeiro de 2024, a Requerente apresentou alegações, reafirmando a posição expressa no pedido arbitral. Na mesma data, a AT contra-alegou, no mesmo sentido da Resposta.
Posição da Requerente
A Requerente alega que as correções de IRC infra enumeradas, derivadas da não aceitação da dedubilidade de gastos, para efeitos de IRC, são indevidas, porque decorrem de uma errada subsunção do direito aos factos em causa:
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Emissão de uma nota de crédito, no valor de € 469.973,80;
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Gastos de financiamento, no valor de € 74.134,63;
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Gastos com imagem, no montante de € 75.996,68; e
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Gastos com deslocações e estadas, no montante de € 61.419,70.
Começando pela desconsideração dos gastos decorrentes da emissão de uma nota de crédito datada de 12 de junho de 2018, a Requerente refere que, no seu modelo de negócio, o pagamento dos projetos é efetuado de forma fracionada, mediante adiantamentos a efetuar pelos clientes que são assim relevados na contabilidade.
Invoca que a fatura do ano 2016 que esteve na origem da nota de crédito respeita a um adiantamento relacionado com serviços de empreitada num imóvel em Paris que não chegaram a realizar-se. A nota de crédito foi emitida para anular essa fatura, na medida em que considera que esta concorreu indevidamente para o apuramento do lucro tributável de 2016.
Acrescenta que, apesar de a nota de crédito datar de junho de 2018, por ter sido nesse momento que obteve a confirmação formal e definitiva da desistência da empreitada, por parte do cliente, a mesma foi registada como gasto no período anterior, 2017, dado que nesse ano já reunia as necessárias evidências dessa desistência. Admitindo que, em linha com a AT, a contabilização correta fosse o registo de uma variação patrimonial negativa (através do seu reflexo em resultados transitados), esta variação sempre teria de concorrer para o apuramento do lucro tributável de 2017 da Requerente. E se não fosse aceite a dedução do gasto em 2017, então deveria sê-lo em 2018, ano da emissão da nota de crédito, sob pena de violação dos princípios da tributação do lucro real, da justiça e da capacidade contributiva.
Argui a Requerente que a situação em apreço é enquadrável no artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, por estarmos perante gastos desconhecidos ou manifestamente imprevisíveis. Por outro lado, defende que o princípio da periodização económica não é rígido, permitindo a dedutibilidade dos gastos em exercícios posteriores, ao abrigo do princípio da justiça, se não existir prejuízo para a receita do Estado, como entende ser o caso.
De acordo com a Requerente, a posição da AT, de não dedução do gasto, constitui duplicação de coleta (v. artigo 204.º do CPPT), uma vez que o rendimento associado à fatura anulada havia sido tributado em 2016, ano em que aquela foi emitida. E a referida anulação, por via de nota de crédito, constitui um custo efetivamente incorrido pela empresa, pelo que deve ser fiscalmente dedutível, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, encontrando-se documentalmente comprovado (v. artigo 23.º, n.ºs 3 a 6 do mesmo diploma).
Quanto aos gastos suportados com financiamento, resultantes do desconto de livranças obtidas junto de um banco, a Requerente sustenta ter demonstrado que aqueles foram exclusivamente incorridos para financiar a sua atividade comercial e que não derivam da concessão de empréstimos à sociedade, por si participada, B..., S.A..
Salienta, ademais, que a semelhança entre o valor dos financiamentos contratados e do empréstimo por si concedido à B..., S.A. não é suficiente para determinar um nexo de causalidade, que a AT não demonstrou. Embora, numa lógica de Grupo, preconize que nada obsta a que uma sociedade se endivide e canalize o financiamento para outra sociedade do Grupo.
Argui, ainda, que a correção da AT, se fosse devida, não deveria fundar-se na indedutibilidade dos gastos de financiamento (artigo 23.º do Código do IRC), antes, no princípio de plena concorrência (artigo 63.º do Código do IRC), já que o motivo dos Serviços de Inspeção Tributária foi a não repercussão de juros/encargos pela Requerente à B..., S.A..
Segundo a Requerente, a desconsideração dos gastos de financiamento pela AT redunda na sindicância da bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão do negócio e padece de suporte legal e de fundamentação, pelo que viola, de forma grosseira, o ónus da prova que recai sobre a Requerida (v. artigos 55.º e 74.º da LGT) e os princípios do inquisitório e da verdade material.
Por fim, acerca da desconsideração de parte dos gastos suportados com fornecimentos e serviços externos, decompostos em, por um lado, gastos com imagem e, por outro lado, despesas com deslocações e estadas, a Requerente especifica que os mesmos respeitam a encargos que teve de suportar para fazer face às necessidades da sua atividade, no segmento de luxo, tendo em vista a prospeção e angariação de nova clientela e a pesquisa de mercado e acompanhamento de novas tendências.
Neste âmbito, a Requerente explica que, para o seu posicionamento num segmento de luxo, é essencial a presença em determinados locais e eventos, permitindo-lhe angariar novos negócios, fortalecer as suas relações comerciais com a carteira de clientes, servindo também de fonte de inspiração para diversos projetos.
Conclui que os gastos em análise assentam em suporte documental adequado, pelo que a liquidação de IRC é, nesta medida, ilegal, devendo ser anulada e, bem assim, o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, com a condenação da AT a indemnizar pelos encargos suportados com a prestação de garantia.
Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida defende que deve ser mantida a não aceitação dos gastos de exercícios anteriores (2016) decorrentes da emissão de uma nota de crédito (em 2018), pois não se trata de um adiantamento cujo valor não foi recebido, ao contrário do defendido pela Requerente.
Assinala que a fatura não indica tratar-se de um adiantamento, mas sim de “Prestação de Serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”. Nessa fatura foi aposta a designação “FO”, utilizada pela Requerente para faturar serviços prestados a clientes de países terceiros, e não foi empregue a menção “FAD” contida nas faturas de adiantamentos recebidos pela Requerente.
Acresce que, além de documentalmente não ter sido conferido o tratamento dado a adiantamentos, mas sim o que corresponde a uma efetiva prestação de serviços, a própria contabilização da fatura pela Requerente não foi consentânea com o enquadramento de adiantamento, pois, neste caso, deveria ter sido reconhecida no Balanço como rubrica do passivo corrente, na conta 218 – Adiantamentos de Clientes, sem concorrer para a determinação do lucro tributável, e não como rendimento (como foi).
A par, invoca que a argumentação da Requerente é contraditória e não logrou provar que os serviços não foram efetivamente prestados, nem forneceu qualquer evidência dos contactos que alega ter tido com o cliente sobre a desistência dos serviços.
Adicionalmente, a Requerida entende que se a fatura tivesse sido emitida indevidamente, a sua anulação teria de se reportar ao período da sua emissão, i.e., 2016, através de declaração de substituição (prazo de 1 ano – v. artigo 122.º, n.º 2 do Código do IRC), ou de Reclamação Graciosa da liquidação de IRC desse período (v. artigo 131.º, n.º 1 do CPPT), o que, neste último caso, era ainda possível à data em que foi emitida a nota de crédito (2018).
Conclui que a nota de crédito serviu apenas para anular um crédito considerado pelo sujeito passivo como não recuperável e que a via para reconhecer a impossibilidade de cobrança do crédito passaria pelo registo de perdas por imparidade, ao abrigo do disposto nos artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC e não pela emissão da referida nota de crédito.
Em relação aos gastos de financiamento desconsiderados, a Requerida salienta que o argumento do acréscimo substancial da atividade da Requerente, que exigiria um reforço da sua capacidade financeira, não tem correspondência com o aumento do saldo de clientes. Pelo contrário, este reduziu-se substancialmente nos exercícios posteriores a 2013, ficando por demonstrar a necessidade de recurso a crédito bancário, no total de € 1.400.000,00, para financiamento da atividade da Requerente.
Acresce que esse mesmo valor foi utilizado no mesmo período temporal em que a Requerente realizou obras de € 1.441.290,04 no imóvel detido pela participada B..., S.A., que não foram pagas pela participada, tendo essa importância sido transferida para a conta de investimentos financeiros em finais de 2015.
A Requerente não comprovou que os financiamentos obtidos eram necessários à sua atividade, ónus que sobre si recaía (v. artigo 74.º da LGT).
Os financiamentos bancários concedidos à Requerente foram, na verdade, utilizados para financiar terceiros (a participada B..., S.A.), não estando demonstrada a conexão entre gastos suportados e rendimentos sujeitos a IRC consignada no artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código deste imposto.
Finalmente, no âmbito das correções dos gastos com fornecimentos e serviços externos, foram desconsideradas as viagens e estadias em hotéis de luxo, em destinos paradisíacos, quando estas são coincidentes com as datas de passagem de ano e das férias, por revestirem caráter essencialmente pessoal e particular, não tendo a Requerente comprovado que foram incorridas no interesse da sociedade.
Acresce que a maior parte dos documentos de suporte não observam as condições previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC, com a consequente exclusão para efeitos de dedução fiscal – v. artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.
Quanto aos gastos com imagem respeitam à aquisição de peças de vestuário e calçado de marcas de luxo de uso pessoal dos administradores sem relação com a atividade desenvolvida pela Requerente e os próprios documentos de suporte não a identificam como adquirente dos bens, mas sim os administradores, o que, à semelhança das situações antecedentes, os exclui da determinação do lucro tributável – v. artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC, conjugado com as condições previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do mesmo diploma.
Não se verificando ilegalidade na liquidação, a Requerida preconiza ficar prejudicada a questão da indemnização por prestação de garantia prevista no artigo 53.º da LGT. Conclui pela improcedência da ação in totum.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de liquidação de IRC e juros compensatórios e de mora inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, tendo em conta que o indeferimento da Reclamação Graciosa foi notificado em 15 de janeiro de 2023 e que a presente ação foi deduzida em 17 de abril de 2023 (o dia 15 de abril de 2023 foi um sábado, pelo que a data-limite passou para o primeiro dia útil seguinte, 17 de abril).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A B..., S.A., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, constituída em 1994, que opera no segmento de luxo da prestação de serviços de arquitetura e design de interiores. Dedica-se, ainda, à atividade de consultoria relacionada com arte, design, decoração, arquitetura e moda – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto como Documento 4, e Documento 9 (certidão permanente).
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Em 16 de novembro de 2016, a Requerente emitiu a fatura FO 2016/7 ao cliente C... Inc., com sede na República do Panamá, no valor de € 469.973,80, pela “Prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”, a qual foi registada na sua contabilidade como rendimento e concorreu positivamente para a determinação do lucro tributável do período de tributação de 2016 – cf. RIT e Documentos 19 e 20 quanto ao último segmento.
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A C... Inc. não efetuou o pagamento desta fatura, apesar de a secretária da Requerente afirmar ter contactado telefonicamente este cliente, por diversas vezes, em 2017, tendo em vista aferir se iria pagá-la – cf. RIT e depoimento da primeira testemunha.
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Em 12 de junho de 2018, a Requerente emitiu a nota de crédito NC 2018/5, no valor de € 469.973,80, referente à citada fatura FO 2016/7, com o descritivo “Prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”. Referente à n/fatura FO 2016/7, por desistência de negócio” – cf. RIT.
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Esta nota de crédito foi registada no período de tributação de 2017, mês “13”, por débito da conta “6881106 – “Correções períodos anteriores não previsível” e crédito na conta “211300506 –C....“ – cf. RIT.
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Além da fatura FO 2016/7 acima identificada, na mesma data a Requerente tinha emitido ao cliente C... Inc., em 2016, uma fatura de adiantamento FAD 2016/53 (€ 331.923,12) e duas faturas de serviços, FO 2016/4 e FO 2016/5 (€ 250.000,00 e € 308.077,00). Estas três faturas foram prontamente pagas – cf. RIT e Documento 17.
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No período de tributação de 2017, a Requerente estava enquadrada no regime geral de IRC e era abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), como sociedade dominante, detendo 98,86% do capital social da subsidiária D... . Detinha ainda uma participação de 25% na sociedade associada B..., S.A. – cf. RIT.
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O setor de atividade em que a Requerente opera implica deslocações internacionais e a participação em eventos para angariação e fidelização de clientela no segmento de luxo – cf. depoimento da segunda testemunha e da parte.
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Os contratos celebrados entre a Requerente e os seus clientes têm por base um orçamento escrito com os valores dos concretos serviços a prestar – cf. depoimento da primeira testemunha e da parte.
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Com referência ao ano 2017, os sócios e administradores da Requerente adquiriram em estabelecimento comercial de luxo sito em Paris, vestuário, calçado e acessórios no valor global de € 75.996,68. Os documentos de suporte destas aquisições são faturas e recibos com referência à “A...” e algumas mencionam modo de expedição “intracomunitário” e a morada portuguesa (Rua ... Porto). Apenas uma das faturas (837203010) contém o número de IVA da Requerente. Nestas faturas o estabelecimento comercial liquidou IVA francês à taxa de 20% – cf. RIT e Documento 35.
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A Requerente, a nível individual, foi objeto de uma ação de inspeção, em cumprimento da Ordem de Serviço Interna OI2019..., relativa ao exercício de 2017 e âmbito parcial em IRC, tendo em vista a análise da Declaração Modelo 22 individual, no âmbito do RETGS – cf. RIT.
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Desta ação inspetiva resultaram correções à matéria tributável de IRC da Requerente no valor de € 711.882,23, por desconsideração da dedução de gastos, as quais, após o exercício do direito de audição do sujeito passivo (cf. Documento 14), foram mantidas no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), com os seguintes fundamentos – cf. RIT:
III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS (IRC) – Lucro Tributável
III.1.1. Gastos contabilizados no período não dedutíveis para efeitos fiscais
III.1.1.1. Gastos relativos a exercícios anteriores
Em 16-11-2016, a A... emitiu a fatura FO 2016/7 ao seu cliente “C...” com sede na República do Panamá, com a seguinte descrição “Prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”, pelo montante total de 469.973,80€. O SP informou que a referida fatura foi registadas e devidamente tributada no ano de 2016.
No período de tributação de 2017, mês “13”, n.º de registo interno 130.004, e por débito da conta “6881106 – “Correções períodos anteriores não previsível” e crédito na conta “211300506 –C...”, foi registada a nota de crédito NC 2018/5 emitida em 12-06-2018 para o cliente “C...” com sede na República do Panamá, pelo valor total de 469.973,80€ e com a descrição “Prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”. Referente à n/fatura FO 2016/7, por desistência de negócio.
Refira-se que na mesma conta 6881 – Correções relativas a períodos anteriores, foram ainda registadas a débito, outras verbas no montante total de 2.667,09€, que o SP acresceu devidamente no campo 710 do Q07 da modelo 22 de IRC do ano de 2017.
Após pedido de esclarecimento a solicitar informação acerca do registo contabilístico acima identificado, em 29-04-2020 e através de email, foi referido o seguinte: “Quanto ao projeto de arquitetura, uma vez que não foi concretizado e por lapso a fatura tinha sido emitida, levamos a esta conta 6881106” e nesse mesmo dia foi ainda rececionado mais um email com a seguinte informação:
“Do meu processo de auditoria recolhi o seguinte:
Conforme a minha agenda para a reunião (com a presença do Sr E..., o Dr F... a, a G... e eu próprio) de 03/06/2018 (fecho de contas de 2017), passámos em revista a situação dos saldos de clientes aparentemente em mora.
Deles fazia parte o saldo devedor da C..., de €469.973,80.
Se bem me recordo, a Dª H... e o Sr E... explicaram que a fatura em "dívida" tinha sido emitida como suporte documental (espécie de fatura proforma) para o cliente proceder ao avanço (pagamento antecipado) daquele montante. Por razões que agora não me recordo, o fornecimento / prestação de serviços não chegou a concretizar-se, nem a ocorrer o pagamento, nem iria sê-lo. Isto é, a fatura emitida tinha perdido o seu fundamento (ausência de operação comercial ou financeira).
Do ponto de vista do balanço, o respetivo ativo tinha deixado de ter qualquer consistência, pelo que era necessário, na opinião do ROC, proceder à sua regularização, o que não parecia viável por constituição de imparidade por não se estar em presença de crédito de cobrança duvidosa, mas apenas de uma fatura indevidamente emitida.
Dias depois, em 9/6/2018, enviei-lhe o texto que reproduzo em anexo, onde deixei algumas considerações sobre o assunto e as vias possíveis de regularização do "ativo", tendo a empresa optado por fazer a regularização do "ativo", saldando a conta do cliente por contrapartida da 688 (por se tratar da anulação de "venda" de 2016), se não estou em erro.”
De referir que não foi remetido qualquer texto em anexo ao email.
Em 12-05-2020 e através do ofício 2020S..., solicitaram-se esclarecimentos adicionais, ao SP, com o seguinte teor, “Relativamente à subconta “6881106 — Gastos de exercícios anteriores (469.973,80€)”, e na sequencia dos esclarecimentos que já foram sendo prestados, solicita-se o envio de toda a documentação comprovativa referente à operação em causa, nomeadamente cópia da fatura emitida e comprovativo do registo dessa fatura numa conta de rendimentos contabilizados e declarados fiscalmente em anos anteriores, cópia da eventual nota de crédito a anular a fatura, caso exista, cópia de contratos, orçamentos, trocas de correspondência com o cliente em questão, bem como quaisquer outros comprovativos julgados pertinentes que demonstrem e comprovem inequivocamente o gasto agora declarado face ao disposto no art.º 23º do CIRC conjugado com o disposto no art.º 18 do mesmo código.”
Em resposta ao pedido formulado o SP, através de email rececionado em 06 de agosto de 2020, referiu que “A verba de 469,973,80€, foi levada a esta conta uma vez que por lapso não tinha sido efetuada a Nota de Crédito respetiva no ano de 2017, em 2018 emitiram a respetiva Nota de crédito para regularizar o lapso”.
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Fundamentação legal para a não dedutibilidade fiscal do gasto no período de 2017
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Normalização contabilística
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Norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 20 – Rédito
A NCRF 20 - Rédito, nos seus parágrafos 2º, 4º e 20º, define rédito, prestações de serviço e esclarece o momento do seu reconhecimento.
Nos termos dos parágrafos 2º e 4º dessa NCRF, esta deve ser aplicada na contabilizareção do rédito proveniente de prestações de serviços, consistindo estes “no desempenho por uma entidade de uma tarefa contratualmente acordada durante um período de tempo acordado. Os serviços podem ser prestados dentro de um período único ou durante mais do que um período.“
Quanto ao momento do reconhecimento do rédito, prescreve o parágrafo 20 da mesma NCRF, que “quando o desfecho de uma transação que envolva a prestação de serviços possa ser fiavelmente estimado, o rédito associado com a transação deve ser reconhecido com referência à fase de acabamento da transação à data do balanço. O desfecho de uma transação pode ser fiavelmente estimado quando todas as condições seguintes forem satisfeitas:
(a) a quantia de rédito possa ser fiavelmente mensurada;
(b) seja provável que os benefícios económicos associados à transação fluam para a entidade;
(c) a fase de acabamento da transação à data do balanço possa ser fiavelmente mensurada; e
(d) os custos incorridos com a transação e os custos para concluir a transação possam ser fiavelmente mensurados.”
Ora, no caso em apreço, a sociedade ao reconhecer contabilisticamente o rendimento no período de 2016, considerou que todas as condições para o reconhecimento e mensuração daquele rédito, enunciadas no parágrafo 20.º da NCRF 20, se encontravam satisfeitas.
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NCRF 4 – “Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros
De acordo com o previsto na NCRF 4, as correções de erros materiais em demonstrações financeiras de períodos anteriores devem ser efetuadas através do procedimento de reexpressão retrospetiva.
Quando esses erros afetem resultados de períodos anteriores, sendo situações materialmente relevantes, devem ser imputados à conta de resultados transitados e implicar a reexpressão retrospetiva desde o período comparativo mais antigo apresentado, conforme previsto nos parágrafos 32 a 39 da NCRF 4.
Apenas podem ser utilizadas as contas de perdas e ganhos do período corrente (p.e. correções de exercícios anteriores), quando os erros respeitarem a situações que não sejam materialmente relevantes, não sendo importante a reexpressão retrospetiva para a análise da informação comparativa das demonstrações financeiras, não se aplicando, portanto, os procedimentos da NCRF 4.
Existindo erros contabilísticos nas demonstrações financeiras de períodos anteriores, que sejam materialmente relevantes, a correção desses erros materiais deve ser efetuada através dos procedimentos da NCRF 4, nas demonstrações financeiras do período corrente, através da reexpressão retrospetiva.
A correção de erros materiais de períodos anteriores nunca deve ser reconhecida nos resultados do período corrente em que se esteja a efetuar a correção.
A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão da omissão ou declaração incorreta ajuizada nas circunstâncias que a rodeiam, conforme previsto no parágrafo 5 da NCRF 4.
O que a entidade deve verificar, para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade, será aferir se esse erro irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.
Se considerar que esse erro influenciou essa tomada de decisão deve considerar o erro como material, e proceder à reexpressão retrospetiva, ou seja, refletir na informação comparativa das demonstrações financeiras, a correção do erro de modo a efetuar os ajustamentos necessários para que estas apresentem a informação como se o erro nunca tivesse ocorrido.
No período corrente, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar refletido nos resultados transitados, pois decorre da correção nos resultados desse período anterior.
Se considerar que o erro é imaterial, pode não aplicar a NCRF 4, e corrigir o erro, que afetou resultados de períodos anteriores, nos resultados do período corrente (p.e. conta 6881 ou 7881 – “Correções relativas a períodos anteriores”).
O objetivo principal da necessidade de se proceder à reexpressão retrospetiva de erros materiais está fundamentalmente relacionado com a necessidade da existência de comparabilidade na informação financeira, nomeadamente entre diferentes períodos.
No caso em concreto, por erro ou negligência, a anulação de prestações de serviços registadas como rédito no período de 2016 foram classificadas como “gastos” do período de 2017.
Atendendo ao valor que é materialmente relevante, seria de desreconhecer do rédito, a prestação de serviços pelo débito da conta 56 – “Resultados transitados” por contrapartida do crédito da conta 21 1300506 – “Clientes C...”, pelo montante da nota de crédito emitida.
Em termos de IRC, a respetiva variação patrimonial negativa não seria de deduzir no período corrente (2017), atendendo ao regime do acréscimo previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC, pelo que não haveria que proceder a qualquer correção ao lucro tributável no Quadro 07 da Modelo 22 do período de tributação em análise.
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Enquadramento em sede de IRC
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O n.º 1 do art.º 17.º do Código do IRC, referente à determinação do lucro tributável, dispõe que: “o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n. º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
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O n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma deixa claro que o período de tributação coincide com o ano civil (a não ser que empresa opte por um diferente período de tributação).
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O reconhecimento dos réditos encontra-se previsto nos artigos 18.º a 20.º do Código do IRC.
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De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC, “Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:” os relativos a vendas ou prestações de serviços, entre outros, sendo que, no caso em análise, estamos perante rendimentos (réditos) relativos a prestações de serviços.
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Determina, ainda, o art.º 18.º do mesmo código, que “Os rendimentos (...), assim como outras componentes positivas (...) do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos (...) independentemente do seu recebimento (...) de acordo com o regime de periodização económica.” E, a alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, determina que “Os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data em que o serviço é concluído, exceto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, que são imputáveis proporcionalmente à sua execução;”.
Como se constata, esta norma do IRC acompanha o tratamento contabilístico do reconhecimento do rédito das prestações de serviços em função do seu acabamento ou proporcionalmente a cada período, quando sejam atos ou prestações de car[á]ter continuado ou sucessivo.
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Não aceitação da dedução fiscal do “gasto de exercícios anteriores”
O que se constata é que o sujeito passivo considerou no exercício de 2017 como gasto de exercícios anteriores, o valor de 469.973,80€ cujo documento justificativo de suporte ao registo foi uma nota de crédito emitida em 12-06-2018, para um cliente sediado na Republica do Panamá, com vista a anular a “prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações”, faturada ao mesmo cliente em 16-11-2016, constituindo uma infração ao princípio da especialização dos exercícios vertido no artigo referido anteriormente, já que os rendimentos e gastos são imputáveis ao período de tributação correspondente. A relevância de tal princípio traduz-se no impedimento de que exista a possibilidade de ajustamentos nos resultados, principalmente fiscais, por parte dos sujeitos passivos.
A exceção a esta regra consta do artigo 18 n.º 2 do CIRC que refere: “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”
Tal exceção não se aplica ao caso em apreço já que, o “gasto” não era nem imprevisível nem desconhecido, dado que admitindo:
- Que a prestação de serviços foi efetuada em 2016, o facto de o cliente não a ter pago, nunca implicaria a anulação da fatura e do respetivo proveito registado, quando muito originaria o reconhecimento de uma perda por imparidade se e quando existisse dúvidas na cobrabilidade da dívida;
- Tendo havido emissão indevida da fatura, pelo facto de o serviço não ter sido efetivamente prestado ou concluído, por desistência do cliente, conforme informou o SP, e pela relevância do valor em causa (469.973,80€ que representa quase 10% do volume de negócios do ano de 2016) a anulação da fatura e o desreconhecimento do correspondente ganho registado deveria ter sido reportado ao mesmo período de tributação.
Não existe justificação para que apenas em meados de 2018, o sujeito passivo se tenha dado conta que a prestação de serviços não foi efetivamente realizada e/ou paga, pois de acordo com o histórico dos registos evidenciados na conta corrente do cliente "C..." constata-se que o registo de pagamento de todas as outras faturas foi efetuado no mesmo mês ou no mês seguinte ao da emissão da fatura, tendo como única exceção a fatura aqui em apreciação […].
Acresce que, de acordo com o disposto no artigo 23 n.º 1 do CIRC, tal “gasto” também não será de considerar para efeitos fiscais, pois em momento algum, o sujeito passivo apresentou justificação ou evidências de que a prestação de serviços não foi efetivamente realizada. Não foi apresentado qualquer orçamento, qualquer troca de correspondência com o cliente e nem qualquer comprovativo que demonstre que o cliente tomou conhecimento da emissão da nota de crédito e não pode deixar de se reforçar que se trata de um cliente com residência no Panamá, um dos países que faz parte da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis.
Por outro lado, de acordo com o n.º 2 do artigo 122.º do CIRC, quando “… tenha sido liquidado imposto superior ao devido ou declarado prejuízo fiscal inferior ao efetivo”, o SP deveria ter apresentado uma declaração de substituição Modelo 22 referente ao ano de 2016, corrigindo o respetivo lucro tributável, o que poderia ter efetuado até ao dia 30-06-2018 (data posterior à data em que decidiu regularizar a situação afetando indevidamente os resultados do ano de 2017).
Assim, o montante de 469.973,80€, contabilizado na conta “6881106 – Correções de períodos anteriores não previsível”, concorreu, indevidamente, para o apuramento do resultado líquido do exercício de 2017, pelo que, para efeitos de apuramento do lucro tributável devia ter sido acrescido no campo 710 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2017.
III.1.1.2. Gastos financeiros suportados com o financiamento a terceiros
Conforme referido no ponto II.3.9 deste relatório, a A..., em 31-12-2017, detém 25% do capital da sua participada B..., S.A.
No Relatório de Gestão na alínea b) do ponto 4 referente a Investimentos Financeiros, encontra-se evidenciado, o seguinte: “Por sua vez a B..., SA, onde a participação direta da A... é agora de 25%, concluiu agora o projeto de requalificação do imóvel da Rua ... . Neste quadro, a A... manteve a situação de principal financiadora das necessidades da sua participada, reduzidas em 2017 por efeito da alienação de um dos seus imóveis.” (sublinhado nosso)
Da análise aos elementos do dossier fiscal, designadamente Balanço, Demonstração de resultados e Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados (ABDR), constata-se que no final de 2017 a A... evidencia um montante total de empréstimos concedidos à sua participada, B..., SA., que ascende a 2.654.718,83€, encontrando-se registados na conta “412301 — Investimentos Financeiros — B..., SA.
Foi solicitado ao sujeito passivo o envio de cópia dos contratos de financiamento obtidos celebrados com as Instituições Bancárias e concedidos à sua participada B..., bem como os extratos das contas correntes com estas entidades.
Após análise dos elementos remetidos constatamos o seguinte:
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Em 27-12-2010, foi celebrado um contrato de mútuo (mero escrito particular sem qualquer validade) [2 Atendendo ao facto de o mútuo ser um negócio formal, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado conforme estipulado no artigo 1143º do Código Civil. verificou-se que o referido contrato não se encontra autenticado por notário ou entidade equiparada.] entre o SP e a B..., que teve por objeto a concessão, pela A... à B..., de um financiamento com vista a fazer face às carências de tesouraria. Naquela data foi entregue pelo SP à sua participada, a quantia de 215.073,29€ e foi ainda estabelecido que o presente empréstimo era concedido por 10 anos e que poderia ser reforçado até um valor máximo de 3.000.000,00€. De referir que não foi estipulado o pagamento de qualquer valor referente a juros.
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Tendo por base os extratos de conta corrente, onde foram registados os montantes de empréstimos concedidos à B... desde o ano de 2010 até 31-12-2017, elaborou-se o quadro resumo que se segue, onde se evidencia os períodos e os montantes em que os empréstimos foram concedidos:
Conta
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Data
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Observações
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Débito
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Saldo
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414201-B..., SA
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31-12-2010
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Empréstimos efetuados em 2010
|
215.073,29
|
215.073,29
|
414201-B..., SA
|
31-12-2011
|
Saldo dos empréstimos concedidos no período de 2011
|
1.340.111,94
|
1 .555.185,23
|
414201-B..., SA
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31-07-2012
|
Saldo dos empréstimos concedidos no período de 2012
|
62,46
|
1.555.247,69
|
414201-B..., SA
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31-13-2015
|
Valor transferido da conta 211100473 – Clientes B..., SA
|
1.441.290,04
|
2.996.537,73
|
414201- B..., SA
|
31-12-2016
|
Saldo dos empréstimos concedidos no período de 2016
|
-141.028,69
|
2.855.509,04
|
414201- B..., SA
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03-05-2017
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Pagamento parcial do empréstimo
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-200.780,20
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2.654.728,84
|
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Saldo devedor em 31-12-2017
|
2.654.728,84
|
No quadro acima encontra-se evidenciado, que no ano de 2015, foi efetuada uma transferência para a conta 414201, no montante de 1.441.290,04€. Esta transferência, resultou da regularização do saldo em dívida na conta corrente da B... como cliente, valor registado a débito da conta 211100473 – Clientes B..., SA […].
Os registos efetuados nesta conta resultam do facto da A... ter realizado obras no imóvel detido pela sua participada B..., sito na Rua ..., no Porto, tendo registado aquelas prestações de serviços na conta acima identificada e que ascenderam a 1.441.290,04€, das quais a A... ficou credora, agora numa conta de investimentos financeiros.
Em conclusão, os movimentos registados na contabilidade a débito da conta “414201”, atendendo à sua natureza e características, configuram crédito concedido pela A... à sua participada B..., evidenciado na respetiva conta corrente, cujo valor acumulado, à data de fecho do ano de 2017, ascende a 2.654.718,83€.
De referir que pelos montantes do crédito concedido a esta entidade o SP não regista qualquer ganho relacionado com juros de empréstimos concedidos.
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Pela breve análise à demonstração de resultados, constata-se que a A... no período analisado incorreu em gastos de financiamento obtidos. Foram remetidas pelo SP, após solicitação por nós efetuada, cópia dos contratos de financiamento sob a forma de desconto de livranças e extrato da conta corrente “2511101 – Banco BPI” onde se encontra evidenciado um total de financiamento obtido que ascende a 1.400.000,00€, valor este resultante do desconto de três livranças, uma de 750.000,00€ descontada em outubro de 2014, outra de 500.000,00€ descontada em março de 2015 e uma terceira de 150.000,00€ descontada em setembro de 2015, todas estas livranças têm vindo a ser sistematicamente reformadas.
Como se constata o desconto destas livranças ocorreu no mesmo período em que a A... realizou as obras no imóvel detido pela B..., cujos valores das prestações de serviços faturados não foram pagos e foram transferidos para a conta de investimentos financeiros, em finais de 2015, conforme acima descrito.
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Em relação a estes financiamentos (por via de desconto de livranças) junto do Banco BPI a A..., no decorrer do período de 2017, suportou juros devedores bem como encargos com imposto de selo que contabilizou como gastos no período de 2017, no total de 74.134,63€ […].
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Fundamentação legal para a não dedutibilidade fiscal do gasto no período de 2017
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Enquadramento em sede de IRC
O n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC dispõe que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Assim, à luz do artigo 23º do CIRC, são fiscalmente aceites juros e outros encargos financeiros de capitais alheios aplicados na exploração, pelo que, não serão aceites os encargos financeiros suportados com financiamentos obtidos, na mesma proporção do montante canalizado para fins alheios à atividade da empresa, nomeadamente, os correspondentes ao crédito disponibilizado às entidades relacionadas, ou seja, não devem ser considerados como fiscalmente dedutíveis os gastos com juros e outros encargos decorrentes de financiamentos bancários contraídos pelo sujeito passivo, que não sejam aplicados na sua atividade para obtenção dos seus rendimentos sujeitos a IRC.
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Não aceitação da dedução fiscal do “Gastos financeiros suportados com o financiamento a terceiros”
Conforme já foi referido a atividade da A... prende-se com a prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, bem como atividade de consultoria relacionada com arte, design, decoração, arquitetura e moda.
O SP contraiu empréstimos, e da análise efetuada aos elementos contabilísticos respeitantes ao período de 2017, verificou-se que recorre a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário sob a forma de desconto de livranças, o qual se encontra contabilizado na conta 2511101 – Financiamentos obtidos – Banco BPI e que no final de 2017, ascendia a um total de 1.400.000,00€.
Dos financiamentos que obteve e relativamente aos quais suportou os juros e encargos, anteriormente identificados (D), o sujeito passivo concedeu empréstimos à sua participada, os quais se encontram contabilizados na conta 414201 – Investimentos financeiros B... e ascendem, no final de 2017, a um total de 2.654.718,83€ e não registou qualquer proveito relacionado com estes empréstimos concedidos.
Dentro deste enquadramento, depreende-se que os financiamentos contraídos pela A... e utilizados para financiar a B..., entidade relacionada, sem serem cobrados juros, geraram gastos na primeira que não contribuíram para a realização de rendimentos sujeitos a imposto desta empresa.
Assim, sendo os empréstimos concedidos, pela A..., de montantes superiores aos financiamentos obtidos pela mesma, é lógico concluir que o SP neste período de 2017, não tinha necessidade de recorrer a financiamento bancário para o exercício da própria atividade.
Pelos valores apresentados nos quadros acima, ficou claro que para efetuar esses financiamentos à B..., o SP recorre também ele a financiamento externo, incorrendo em gastos financeiros que vem deduzindo na íntegra ao seu resultado tributável, o que viola o estabelecido no artigo 23º do CIRC, porque inequivocamente não se comprova a sua necessidade para a estrita atividade da A... .
Se o SP recorre a empréstimos bancários com os quais é suposto financiar a sua atividade e incorre em encargos financeiros que contabilizou como gastos do exercício, mas, por seu turno, concede financiamentos a terceiros, lógico será que a proporção dos encargos financeiros que suporta relativamente aos empréstimos que concede não deva assumir um gasto na sua contabilidade, ou, em alternativa, que esta proporção seja debitada aos mutuários, por forma a obter, a título de compensação, o rendimento financeiro equivalente ao gasto que suportou, mas que respeita a terceiros.
Não pode uma sociedade só porque tem sócios comuns, ou participa numa outra sociedade, substituir-se a esta na assunção de passivos, resultando daí efeitos fiscais diferentes dos que se obteriam caso o financiamento estivesse alocado à sociedade que dele necessita, para o exercício da sua atividade. Desta forma, os gastos financeiros no montante de 74.134,63€ e que estão diretamente relacionados com o desconto das três livranças que ascenderam a um total de 1.400.000,00€, valor semelhante ao crédito concedido à participada no mesmo período e que ascendeu a 1.441.290,04€, não são aceites fiscalmente de acordo com o artigo 23º do CIRC.
III.1.1.3. Gastos suportados com Imagem e Aparência e Deslocações e Estadas
Gastos suportados com Imagem e Aparência
A A... no decorrer do período de 2017, registou na sua contabilidade a débito das contas que se evidenciam no quadro seguinte, a aquisição de vários artigos de vestuário, calçado e acessórios de moda para uso pessoal dos administradores do SP. Todas as aquisições referidas foram efetuadas à entidade I... com sede na ... em Paris. Pela descrição das faturas e preços unitários, constata-se que se trata da aquisição de peças de vestuário de alta costura (calças, camisas, jaquetas, blusões, ténis, meias, gravatas e outros acessórios de moda), sendo que três das faturas identificam vários itens com preços unitários diferentes, mas com a mesma designação “... 4972 GUCCI”.
CONTA
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Data
|
Diário
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N.º Diário Descrição
|
Débito
|
Observações
|
62229922–Imagem/Aparência M
|
2017-04-30
|
91
|
40.089 CC AM
|
7.125,00
|
Aquisição de peças de vestuário da marca Gucci
|
62229921–Imagem/Aparência M
|
2017-06-30
|
91
|
60.044 V/ Fact nrº 364
|
11.755,00
|
Aquisição de peças de vestuário
|
62311–Ferramentas e utensílios de desgaste rápido MN
|
2017-06-30
|
91
|
60.044 V/ Fact nrº 364
|
1.980,00
|
Aquisição de um saco
|
62229922–Imagem/Aparência M
|
2017-07-31
|
91
|
70.080 BIC CC
|
17.255,00
|
Aquisição de peças de vestuário da marca Gucci
|
62229922–Imagem/Aparência M
|
2017-08-31
|
91
|
80.062 CC UNICRE
|
4.640,00
|
Aquisição de peças de vestuário da marca Gucci
|
6221991–Outros
|
2017-09-30
|
91
|
90.133 V/ Fact nrº 3437
|
20.384,16
|
Aquisição de peças de vestuário, calçado e acessórios de moda
|
62229922–Imagem/Aparência M
|
|
91
|
110.082 CC JB
|
5.595,01
|
Aquisição de peças de vestuário e calçado
|
62229922–Imagem/Aparência M
|
|
91
|
120.101 CC AM
|
7.262,51
|
Aquisição de peças de vestuário
|
Total
|
75.996,68
|
|
De referir que os documentos de suporte aos registos identificados no quadro acima não identificam a A... como adquirente dos bens, mas sim os próprios administradores, algumas delas contém a indicação da “A...” mas de seguida o nome do administrador “E...” ou “J...” e um número de cliente, nenhuma das faturas acima identificadas contém o NIF da A... ou a designação completa.
Gastos suportados com deslocações e estadas
O sujeito passivo no período de 2017, suportou e registou diversos gastos na subconta 625 – deslocações e estadas, conforme se evidenciam no quadro seguinte:
CONTA
|
Data
|
Diário
|
N.º Diário Descrição
|
Obs
|
Débito
|
Descrição dos documentos
|
62512 - Refeições e Alojamento
|
2017-01-31
|
91
|
10.022 V/ Fact nrº 20171201
|
a)
|
5.460,00
|
Acomodação Costa Caribes “Casitas de las flores” de 27-12-2016 a 2-01-2017
|
62511 - Viagens e Deslocações
|
2017-07-31
|
91
|
70.039 V/ Fact nrº 2434
|
b)
|
3.728,00
|
Viagem Porto-Charles de Gaulle-Napoles (11-08-2017) e Nápoles -Charles de Gaulle-Porto (25-08-2017)
|
626131 - Custo pela Totalidade
|
2017-07-31
|
91
|
70.039 V/ Fact nrº 2434
|
b)
|
543,68
|
Aluguer de pick up em Napoles
|
62512 - Refeições e Alojamento
|
2017-09-30
|
91
|
90.073 CC AM
|
a)
|
11.771,00
|
Estadia no Hotel ... na ilha de Capri de 11-08 a 24-08-2017
|
62511 – Viagens e Deslocações
|
2017-09-30
|
91
|
90.074 UNICRE
|
c)
|
3.550,00
|
Documento emitido pela Hoverfly Italia referente a voo de helicóptero
|
62512 - Refeições e Alojamento
|
2017-12-31
|
91
|
120.101 CC AM
|
d)
|
15.645,31
|
Acomodação de luxo Vista mar em “Cotton House” em St Vincent and the Grenadines de 27-12-2017 a 2-01-2018
|
62512 - Refeições e Alojamento
|
2017-12-31
|
91
|
120.101 CC AM
|
e)
|
20.721,71
|
Email da British Airways a informar o valor pago e o itinerário “London-St Lucia (Hewanorra)” (27-12-2017) e “Bridgetown (Barbados) – Londres (03-01-2018)”
|
Total
|
|
61.419,70
|
|
-
Documento de suporte Fatura com identificação da A... e como hóspede Sr. E...
-
Documento de suporte Fatura com identificação da A... e como passageiros E... e J...
-
Documento de suporte é apenas um documento a identificar E... e J... como passageiros
-
A fatura não tem NIF da A... e identifica como hóspede E...
-
O documento de suporte é apenas o email da British Airways a informar o valor pago, o itinerário, as datas e identificação dos passageiros J... e E..., não tem qualquer referência à A... .
Os gastos identificados no quadro acima referem-se exclusivamente a viagens de avião e helicóptero e estadias em hotéis tendo como hóspedes e passageiros o Sr. E... e Sr. J..., administradores da A..., em períodos coincidentes com a passagem de ano de 2016 (27-12-2016 a 02-01-2017), passagem de ano de 2017 (27-12-2017 a 02-01-2018) e período de férias do ano de 2017 (11-08-2017 a 24-08-20[1]7), conforme consta na descrição dos documentos de suporte aos referidos registos. Os documentos de suporte aos gastos registados e conforme referido nas observações referem sempre expressamente o nome dos administradores e alguns deles nem fazem qualquer referência à A... .
Consideram-se “deslocações e estadas” as despesas suportadas quando se estiver perante encargos com transporte, estadas, refeições suportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo. Este tipo de despesa compreende os gastos de alojamento e viagem (hotel, avião, comboio) e alimentação (restaurantes, pastelarias, etc..) efetuados por trabalhadores da empresa, ao serviço da mesma, fora do local de trabalho.
No âmbito da comprovação deste tipo de gastos, para além do documento emitido em forma legal é determinante identificar os beneficiários e demonstrar inequivocamente o motivo destes gastos. A exigência destes elementos não é mais do que a garantia do cumprimento com a obrigatoriedade de comprovar e justificar os gastos que decorre do artigo 23.º do Código do IRC.
Como justificação para a dedutibilidade dos gastos acima referidos o SP referiu resumidamente que, a A... opera num segmento de negócio de luxo, que se dedica à prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, o setor de atividade em que opera determina, necessariamente, um conjunto de deslocações, particularmente ao nível internacional, essenciais para a projeção da A... no mercado, designadamente no que respeita à angariação e fidelização de uma clientela muito particular. Neste sentido, a presença da A... em determinados locais e eventos revela-se absolutamente imprescindível ao desenvolvimento da sua atividade, até porque, conforme se compreenderá, não é possível angariar e reter uma clientela num segmento de luxo sem que a mesma se faça representar nesse mesmo segmento. À semelhança do que sucede com as deslocações, também ao nível de gastos com a imagem e aparência se verifica que os mesmos são indissociáveis da atividade da A..., na medida em que o segmento em que a mesma opera implica o cumprimento de requisitos ao nível da imagem e apresentação dos seus representantes.
-
Fundamentação legal para a não dedutibilidade fiscal dos gastos “Imagem e Aparência” e “Deslocações e Estadas”
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Enquadramento em sede de IRC
Dispõe o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”; o n.º 2 elenca alguns dos gastos aceites fiscalmente e nos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo refere-se que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente e que esses documentos devem conter entre outros elementos o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário.
Dispõe ainda o n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC que “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação” e na alínea c) deste n.º 1 refere “Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º….”
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Não aceitação da dedução fiscal dos “Gastos Imagem e Aparência e Deslocações e Estadas”
O artigo 23.º do Código do IRC define as regras a cumprir para que os gastos possam ser aceites fiscalmente. Para o efeito, estabelece que os gastos da empresa são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, sejam necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos gastos como gastos fiscais, devendo os respetivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
Com as restrições à dedutibilidade fiscal dos gastos procura-se evitar a afetação dos recursos da esfera empresarial à esfera pessoal (sócios, administradores ou terceiros) ou externa à empresa, e a inerente redução do resultado tributável.
Decorre do artigo 23.º do Código do IRC em conjugação com o artigo 23.º-A [alínea c) do n.º 1] do mesmo código que são requisitos legais de dedutibilidade a comprovação e a justificação do gasto para com os rendimentos obtidos ou garantidos.
Os encargos estão documentados e comprovados quando contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT o controlo da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto.
No caso em apreço, os gastos incorridos com a aquisição de roupas para uso próprio dos administradores ou de terceiros, bem como os gastos incorridos para passagens de ano e férias, referem-se a gastos que, pela sua natureza, têm um caracter essencialmente pessoal e particular, e como tal não se encontram diretamente ou, apenas e somente, relacionadas com a atividade da sociedade.
A justificação apresentada pelo SP é muito genérica e baseia-se essencialmente no facto de a A... operar num setor de luxo e como tal ter necessidade de efetuar diversas deslocações a nível internacional e um cuidado acrescido ao nível da aparência e imagem.
É de salientar que os gastos com deslocações e estadas registadas no ano de 2017 ascenderam a 234.228,52€ e a correção apenas está relacionada com as deslocações e estadas efetuadas no período de passagens de anos e período de férias.
Relativamente aquisição de roupas para uso pessoal dos administradores ou de terceiros, tal gasto não se esgota com o exercício dessas funções pelo que não pode ser dedutível para efeitos fiscais de acordo com o estipulado no art.º 23.º do CIRC.
Acresce que, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, os gastos em análise também não serão de considerar para efeitos fiscais por não estarem devidamente documentados, dado que a maior parte deles não identificam a A... como beneficiária, mas sim os próprios administradores e, há documentos não descrevem os bens adquiridos apenas referem o código do bem.
Atento o exposto, concluiu-se que os gastos incorridos ou suportados não cumprem os requisitos do o artigo 23º do CIRC, pelo que não são aceites fiscalmente os gastos com “Imagem e Aparência” no montante de 75.996,68€ e os gastos com deslocações e estadas no montante de 61.419,70€.
III.1.1.4. Gastos suportados com “Artigos para ofertas”
[…] correção aceite pela Requerente
III.1.2. Resumo das correções propostas em sede de IRC
Atendendo aos factos e fundamentos descritos nos pontos anteriores, resultam correções meramente aritméticas, num total de 711.882,23€, pelo que se propõe a correção da matéria coletável declarada, de 474.857,44€ para 1.186.739,67€, como se resume no quadro seguinte:
Rubricas
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Item do Relatório
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2017
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Lucro Tributável Declarado (A)
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474.857,44
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Correções propostas
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Gastos relativos a exercícios anteriores – Art.º 18 do CIRC
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III.1.1.1.
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469.973,80
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Gastos financeiros suportados com o financiamento a terceiros – Art.º 23.º do CIRC
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III.1.1.2.
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74.134,63
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Gastos suportados com imagem – Art.º 23.º e 23.º - A do CIRC
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III.1.1.3.
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75.996,68
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Gastos suportados com Deslocações e Estadas – Art.º 23.º e 23.º - A do CIRC
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61.419,70
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Gastos suportados com “Artigos para ofertas” – Art.º 23.º do CIRC
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III.1.1.4.
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30.357,42
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Total das correções propostas (B)
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711.882,23
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Lucro tributável corrigido (C) = (A) + (B)
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1.186.739,67
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[…]
VIII. Direito de Audição
[…]
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Desconsideração dos gastos decorrentes da emissão de uma nota de crédito
[…]
Análise da argumentação apresentada pelo sujeito passivo
O Capítulo A do DA tem por base a correção proposta no ponto “III.1.1.1., Gastos relativos a exercícios anteriores”, deste relatório e em face do exposto cumpre-se informar o seguinte:
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Refere a A... que é habitual na adjudicação de uma obra o pagamento ser efetuado de forma fracionada mediante adiantamentos efetuados pelos clientes e que a fatura n.º FO 2016/7 emitida ao cliente “C...”, em 16-11-2016, no valor total de 469.973,80€, foi emitida para que o cliente efetuasse um adiantamento.
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Como mencionado no capitulo III, a fatura FO 2016/7, emitida em 16-1 1-2016, tem o seguinte descritivo “Prestação de serviços de arquitetura e design de interiores, manutenções e deslocações” pelo que, contrariamente ao mencionado pelo sujeito passivo, no seu descritivo não refere que se trata de adiantamentos, mas sim de concretas prestações de serviços e deslocações. O número da fatura é precedido de FO referência utilizada, pela A..., para faturas emitidas a clientes de países terceiros. O número das faturas emitidas, pela A..., para documentar adiantamentos de clientes é precedido de FAD.
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Argumenta a A... que a fatura em causa foi reconhecida como rendimento no ano da sua emissão (2016), também como já referido no capítulo III, ao considerar como rendimento a referida fatura de prestações de serviços, o sujeito passivo, expressou que o desfecho da transação era fiavelmente estimado, e que se encontravam cumpridos os requisitos mencionados no parágrafo 20 da NCRF 20, ou seja:
a) A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;
b) Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade;
c) A fase de acabamento da transação à data do balanço possa ser fiavelmente mensurada; e
d) Os custos incorridos com a transação e os custos para concluir a transação possam ser fiavelmente mensurados.
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Um adiantamento de clientes não é mais que um recebimento por conta do fornecimento futuro de bens ou serviços, antes da entrega do produto ou serviço solicitado pelo cliente e como tal não pode ser reconhecido como rendimento, o mesmo deve ser reconhecido no Balanço na rúbrica do passivo corrente. Quando estamos perante um adiantamento de um cliente, o desfecho da transação não pode ser fiavelmente estimado, como tal, não será de registar como um rédito. Os adiantamentos de clientes seriam de registar na conta 218 – “Adiantamentos de clientes”.
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Quando estamos perante um adiantamento, não estarão cumpridos, todas as condições do parágrafo 20 da NCRF 20, e a entidade prestadora não deverá proceder ao reconhecimento de qualquer rédito (registo na conta 72), pelo que, para efeitos de IRC, esta operação de adiantamentos não é relevante para a determinação do lucro tributável do período corrente.
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A A... insiste várias vezes ao longo do DA que as faturas emitidas para o cliente "C...", no ano de 2016, foram todas relevadas contabilisticamente numa conta de rendimentos e assim contribuíram para o apuramento dos resultados líquidos, enviando como documentos comprovativos o Balanço, a Demonstração dos fluxos de caixa, a Demonstração de Resultados por natureza e até a declaração mod.22 de IRC dos anos de 2015 e 2016. Estes documentos tinham já sido anexados ao esclarecimento remetido no decorrer da inspeção, mas como se sabe não servem de prova para concluir do tratamento que foi dado às faturas emitidas, ao cliente C..., no ano de 2016 e anos anteriores. Para avaliar o tratamento dado às quatro faturas emitidas, no ano de 2016, para aquele cliente seria necessário tão só enviar o diário de movimentos daqueles documentos e os extratos das contas correntes das vendas e prestações de serviços do ano de 2016, onde terão sido relevadas as referidas faturas, o que nunca foi remetido, nem durante o procedimento inspetivo nem agora em sede de DA.
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Conforme já referido no capitulo III, deste relatório, por parte do sujeito passivo, também não foi apresentado qualquer comprovativo de que os serviços descritos na fatura n.º FO 2016/7, não tenham sido efetivamente prestados, apenas foram enviadas por We Transfer, várias fotos (referidas no DA como documento 3) de um prédio em reconstrução. As referidas fotos, já tinham sido remetidas no decurso do procedimento inspetivo, não permitindo identificar de que prédio se trata, nem a titularidade do mesmo, nem qualquer relação entre os serviços efetivamente prestados e os serviços que eventualmente seriam ainda de prestar.
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Atendendo que não foi apresentado pelo sujeito passivo, qualquer comprovativo de que os serviços descritos na fatura n.º FO 2016/7, não tenham sido efetivamente prestados, podemos concluir que a nota de crédito serviu apenas para anular um crédito considerado pelo sujeito passivo como não recuperável.
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A A... foi confrontada para esclarecer devidamente a situação e prestou os esclarecimentos já descritos no ponto III.1.1.1., agora em DA, insiste apenas que a fatura foi emitida para documentar adiantamentos de clientes, não apresentando qualquer prova de tal facto, contrariando mesmo o registado por si na contabilidade no ano de emissão da fatura (2016).
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Insiste ainda o SP, que não era previsível que o cliente viesse a desistir do negócio e que só em 2018, é que obteve indicação expressa e formal da desistência dos serviços em causa, pelo que a A... estava perante um gasto manifestamente desconhecido, por ser, de facto imprevisível e como tal ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC foi corretamente registado no ano de 2017. Contrariamente ao alegado pelo SP, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão de decorrer de situações externas que o SP não pode controlar, o que não foi o caso aqui em análise.
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Admitindo que houve emissão indevida da fatura, pelo facto de os serviços não terem sido efetivamente prestados ou concluídos, por desistência do cliente, conforme invocou o SP (mas nunca comprovou), e pela relevância do valor em causa (469.973,80€ que representa quase 10% do volume de negócios do ano de 2016) a anulação da fatura e o desreconhecimento do correspondente ganho registado sempre seria de reportar ao mesmo período de tributação, ano de 2016.
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O sujeito passivo, poderia ter optado pela entrega de uma declaração de substituição, referente ao ano de 2016, de acordo com o n.º 2 do artigo 122.º do CIRC, “… tenha sido liquidado imposto superior ao devido ou declarado prejuízo fiscal inferior ao efetivo”, ou apresentado reclamação graciosa nos termos do art.º 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), corrigindo o respetivo lucro tributável em vez de afetar indevidamente os resultados do ano de 2017.
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No caso de o SP ter optado pela correção da declaração de rendimentos referente ao ano de 2016, o resultado tributável do ano de 2016 ficaria negativo e a rentabilidade fiscal do SP ficaria muito abaixo da média do setor de atividade em que o SP se insere, bem como abaixo dos valores do histórico da sua própria rentabilidade. […]
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[…] o SP evidenciaria um prejuízo fiscal no ano de 2016 no montante de 51.181,14€. O volume de negócios do ano de 2016 apenas teria sofrido um aumento de 5,48% em relação ao ano de 2015 enquanto que os fornecimentos e serviços externos teriam sofrido um aumento de 27,4%, pelo que mais uma vez, outro rácio ficaria fora da média do setor de atividade e do padrão normal do próprio SP. Sempre será de referir que o SP apresentando prejuízo fiscal ficaria sujeito ao agravamento, em 10 pontos percentuais, das taxas de tributação autónoma conforme previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC.
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Atendendo a que não foram apresentados novos argumentos, nem documentos, pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, nem foi comprovado que os serviços faturados não foram efetivamente prestados, mantêm-se a correção anteriormente proposta.
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Desconsideração dos gastos suportados com ofertas
[…]
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Desconsideração dos gastos suportados com financiamentos
[…]
Análise do Direito de Audição (DA) apresentado pelo sujeito passivo
O capítulo C do DA tem por base a correção proposta no ponto “III.1.1.2. Gastos financeiros suportados com o financiamento a terceiros”, deste relatório e em face do exposto cumpre-se informar o seguinte:
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A correção proposta aos gastos de financiamento registados pela A... e contrariamente ao afirmado pelo SP no ponto 101 do DA, não assenta no facto de o valor descontado das livranças (1.400.000,00€) ser semelhante ao valor de um crédito concedido à empresa sua participada (1.441.290,04€), mas antes no facto de após análise efetuada e relatada no ponto III.1.1.2, ter ficado claro que para efetuar esses financiamentos à B..., o SP recorreu também ele a financiamento externo, incorrendo em gastos financeiros que vem deduzindo na íntegra ao seu resultado tributável, o que viola o estabelecido no artigo 23º do CIRC, porque inequivocamente não se comprova a sua necessidade para a estrita atividade da A... .
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Nada obsta, numa lógica de grupo de empresas ou com gestão comum, que por razões de natureza diversa, determinada entidade, porque beneficia de melhores condições para se financiar externamente ao grupo (na banca por exemplo), contraia um empréstimo ou financiamento que beneficie não só a sua atividade direta, como também para canalizar financiamento para outras entidades do grupo, sempre e quando faça repercutir nestas últimas a parcela dos encargos financeiros que suportou a montante.
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Se a A... recorre a empréstimos bancários com os quais é suposto financiar a sua atividade e incorre em encargos financeiros que contabilizou como gastos do exercício, mas, por seu turno, concede financiamentos a terceiros, lógico será que a proporção dos encargos financeiros que suporta relativamente aos empréstimos que concede não seja assumido como um gasto fiscal, ou, em alternativa, que esta proporção seja debitada aos mutuários, por forma a obter, a título de compensação, o rendimento financeiro equivalente ao gasto que suportou, mas que respeita a terceiros.
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A A... reitera no DA, que os financiamentos remontam ao exercício de 2010, o que como se observa no quadro resumo evidenciado no ponto III.1.1.2. deste relatório, no ano de 2010 (29-12-2010), ano em que foi celebrado o contrato de mútuo, apenas foi concedido um empréstimo de 215.073,29€, referindo o próprio contrato que aquela quantia poderia ser reforçada até 3.000.000,00€.
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Da análise do referido quadro, que foi elaborado tendo por base a conta corrente onde foram registados os empréstimos efetuados à participada B..., (414201-B...), observa-se que o empréstimo iniciado em dezembro de 2010, foi reforçado em 1.340.111,94€ no ano de 2012, e novamente reforçado em 1.441.290,04€ no ano de 2015.
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O reforço em 2015 e como já foi referido, resultou da regularização do saldo em dívida na conta corrente da B... como cliente, valor registado a débito da conta 211100473 – Clientes B..., SA. Os registos efetuados nesta conta resultam do facto da A... ter realizado obras no imóvel detido pela sua participada B..., sito na Rua ..., no Porto, tendo registado aquelas prestações de serviços na conta acima identificada e que ascenderam a 1.441.290,04€, das quais a A... ficou credora, agora numa conta de investimentos financeiros.
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Afirma ainda a A..., nos pontos 109 e 110 do DA, que os financiamentos obtidos junto dos bancos eram necessários para a prossecução da sua atividade e que não estão relacionados com os financiamentos concedidos à sua participada, mas antes diretamente relacionados com o aumento do volume de negócios particularmente notório no ano de 2014, período em que a A... assistiu a um aumento das obras adjudicadas e que paralelamente ao aumento do volume de negócios a A... assistiu a sérios constrangimentos na cobrança de créditos relativo a obras realizadas para clientes sediados em Angola. No entanto e pela observação dos balanços comparados evidenciados no ponto II.3.6.2 do capítulo II deste relatório, podemos verificar o contrário do afirmado, o saldo de clientes em finais de 2013 ascendia a 10.794.090,90€, no final de 2014 ascendia 3.525.021,69€, pelo que no decorrer do ano de 2014 houve uma redução substancial das dívidas de clientes. No decorrer do ano de 2015 as dívidas de clientes continuaram a reduzir e no final de 2015 ascendiam apenas a 1.223.215,00€. De salientar ainda que no final de 2013, a conta do passivo, “Adiantamento de clientes” evidenciava um saldo de 9.890.867,95€, pelo que contraria o afirmado pela A... .
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Também neste capítulo e à semelhança dos anteriores, atendendo a que não foram apresentados novos argumentos pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, mantêm-se a correção anteriormente proposta referente a gastos financeiros suportados com o financiamento a terceiros.
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Desconsideração dos gastos suportados com Fornecimentos e Serviços Externos: Despesas de representação e gastos com imagem e aparência
A A... manifesta também a sua não concordância com a correção proposta, no montante de 61.419,70€ referente a deslocações e estadas e no montante de 75.996,68€ referente a imagem e aparência, elencando os mesmos argumentos apresentados no decorrer do procedimento inspetivo, concluindo que estes gastos reúnem todos os requisitos que permitem a sua dedução ao resultado fiscal.
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Análise do Direito de Audição (DA) apresentado pelo sujeito passivo
O capitulo D do DA tem por base a correção proposta no ponto “III.1.1.3. Gastos suportados com imagem e com deslocações e estadas”, deste relatório e em face do exposto cumpre-se informar o seguinte.
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Os argumentos apresentados pela A... não diferem dos apresentados no decorrer da inspeção, concentrando a justificação para estes gastos, no facto do setor de atividade onde opera ser considerado de luxo, pelo que a presença em determinados locais e eventos se revelam imprescindíveis ao desenvolvimento da sua atividade.
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Relativamente aos gastos relacionados com deslocações e estadas reiteramos que apenas foi proposta correção para as estadas e deslocações efetuadas nos períodos de passagem de ano e período de férias conforme quadro evidenciado no ponto III.1.1.3
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Pela pesquisa livre efetuada, confirma-se que se tratam de hotéis de luxo em destinos paradisíacos e que o período de ocupação é coincidente com os festejos de passagem de ano e período de férias. Para além disso e como já referido os documentos de suporte não cumprem os requisitos do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, pelo que também não são aceites como gasto fiscal de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º - A do mesmo código.
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Relativamente aos gastos relacionados com roupas e conforme quadro resumo que novamente se reproduz, constata-se que se trata de aquisição de peças de vestuário e calçado de marcas de luxo para uso pessoal dos administradores ou de terceiros e que não se esgotam no exercício das funções de representantes da A..., pelo que não pode ser dedutível para efeitos fiscais de acordo com o estipulado no art.º 23.º do CIRC.
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De referir que nenhuma das faturas identificadas no quadro acima identificam a A... como adquirente dos bens, pois em nenhum daqueles documentos se encontra evidenciado a designação social da A... nem o seu número fiscal. Contrariamente ao afirmado em DA, pela A..., de acordo com o n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, os documentos de suporte à aquisição de bens e serviços devem conter, pelo menos, o nome ou denominação social dos fornecedores e do adquirente bem como o número de identificação fiscal.
Também neste capítulo e à semelhança dos anteriores, atendendo a que não foram apresentados novos argumentos pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, mantêm-se a correção anteriormente proposta referente a deslocações e estadas e gastos com imagem e aparência.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, convictos da razão que nos assiste, e fazendo fé que na fundamentação apresentada se encontra demonstrada as razões porque não foram aceites os argumentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de audição prévia, mantêm-se a correção nos termos propostos no Capítulo III deste relatório, num total de 711.882,23€, pelo que se propõe a correção da matéria coletável declarada, de 474.857,44€ para 1.186.739.67€.”
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Por forma a refletir no Grupo as correções promovidas ao lucro individual da Requerente, foi encetado um procedimento sob a Ordem de Serviço OI2019..., ao mesmo exercício de 2017 – cf. Documento 5.
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Em 28 de julho de 2021, a Requerente foi notificada, enquanto sociedade dominante, do projeto de correções ao lucro tributável apurado pelo Grupo, no âmbito do qual a AT propôs correções de € 733.144,05, em que € 21.261,82 correspondiam às correções efetuadas à D..., que esta aceitou, e € 711.882,23 às correções ao lucro tributável apurado pela Requerente – cf. Documento 15.
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Foi, em consequência, apurada uma correção à derrama municipal do Grupo, de € 10.678,23, e feita uma correção a favor do Grupo, a título de tributações autónomas, de € 455,52. A AT propôs ainda a alteração do lucro tributável do Grupo de € 347.964,67 para € 1.059.846,90 – cf. Documento 15.
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Inconformada, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante, exerceu o direito de audição prévia – cf. Documento 16.
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No entanto, a AT manteve a totalidade das correções propostas – cf. Documento 5.
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Nesta sequência, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC do Grupo para o período de tributação de 2017, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, de mora e da demonstração de acerto de contas que determinaram o valor final a pagar de € 180.757,10, tendo como prazo limite para pagamento voluntário o dia 28 de dezembro de 2021 – cf. Documento 2 (liquidação de IRC n.º 2021..., demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas n.º 2021...).
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A Requerente conformou-se com as correções derivadas da desconsideração de gastos suportados com ofertas efetuadas a clientes, no valor de € 30.457,42, a que corresponde IRC, no valor de € 6.830,42, que pagou em 23 de dezembro de 2021 – cf. Documento 6 e posição da Requerente no ppa.
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Porém, reagiu contra as demais correções, geradoras de IRC e de juros no valor de € 173.925,68, apresentando Reclamação Graciosa (cf. Documento 3), que foi indeferida por despacho do Diretor adjunto de Direção de Finanças, de 15 de dezembro de 2022, ao abrigo de Delegação de competências, notificado através de registo simples, a 15 de janeiro de 2023 – cf. Documento 1.
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A Requerente prestou garantia no valor global de € 220.521,88 para sustação do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado (...2022...) por não pagamento do valor de € 173.925,68 relativo aos atos tributários acima identificados – cf. Documentos 7 e 8.
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Em discordância da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como da liquidação adicional de IRC reportada ao período de tributação de 2017, na parte não aceite, na importância de 173.925,68, que inclui os juros subjacentes, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 17 de abril de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes.
Em relação à prova produzida pela inquirição das duas testemunhas colaboradores da Requerente, apesar de terem demonstrado conhecimento direto e pessoal da atividade desta, o seu contributo nada acrescentou à matéria que já resultava provada por via documental e, por outro lado, em geral, não alcançou a prova de outros factos alegados (i.e., dos não provados por documentos).
Com efeito, no que se refere à primeira testemunha, H..., com funções administrativas e secretária-geral da sociedade há quase 26 anos, não logrou explicar de forma congruente o contexto de emissão da fatura não paga pelo cliente C.... em 2016 e da sua posterior anulação, dois exercícios depois (em 2018), por nota de crédito, e, bem assim, da razão da sua consideração como gasto no ano intermédio, 2017, apesar de referir que o cliente apenas tomou a decisão definitiva em 2018.
A testemunha, que é a pessoa responsável pelo processamento das faturas dos clientes da Requerente, começou por referir um contexto de relacionamento pré-existente e de caráter continuado com o cliente C..., no âmbito do qual as faturas iam sendo emitidas e pagas à medida que os serviços eram prestados, exceto aquela em discussão nestes autos.
Informou contactos telefónicos que tinha tido com o cliente no primeiro trimestre de 2017, sobre a falta de pagamento da fatura de 2016, e que este lhe tinha dito que estava indeciso sobre a realização do trabalho e que lhe pediu para o suspender. A seguir às férias, em setembro ou outubro de 2017, voltou a contactar o cliente, tendo este confirmado que possivelmente ia desistir.
Porém, no decurso do depoimento, confrontada a testemunha com o facto de só existirem faturas para esse cliente no exercício de 2016 e de terem sido todas emitidas na mesma data (mês de novembro), não se confirmou, quer a existência do dito relacionamento continuado e com alguma antiguidade, quer a emissão progressiva de faturas a acompanhar o trabalho, verificando-se, antes, uma inegável contradição.
A testemunha referiu ainda que com esse cliente o valor global do contrato seria, só para a decoração, de 7 milhões de euros e que tinha sido feita uma proposta de serviços com o orçamento enviado ao cliente.
No entanto, nem do procedimento, nem dos presentes autos constam quaisquer elementos sobre dito orçamento ou sobre o relacionamento comercial e contactos com esse cliente (como por exemplo e-mails ou mensagens), com exceção das faturas. O mesmo se diga sobre o âmbito dos serviços a prestar ou dos bens a transmitir, o local e prazo da sua execução e o respetivo valor contratado.
A testemunha confirmou, em linha com o RIT, que as faturas, à data dos factos, tinham séries distintas consoante se tratasse de adiantamentos – FAD (atualmente FAA) – ou de faturação de serviços/bens. Neste último caso, as siglas usadas eram: FA – mercado nacional; FO – país terceiro e FAI – intracomunitário. Todavia, também de forma pouco congruente e, menos ainda, convincente, não apresentou fundamento válido para a posição preconizada pela Requerente de que, tendo a fatura em causa a sigla FO (ou seja, de serviços/país terceiro), representasse afinal a um adiantamento. Afirmou que tinha sido combinado que o cliente iria pagar à cabeça e que por isso as faturas não iam ser emitidas como adiantamento. O que é paradoxal, pois um pagamento “à cabeça” é um adiantamento. A seguir, acrescentou, em jeito de emenda, tratar-se de um erro técnico.
Nem explicou a testemunha porque é que, sendo a pretensa obra/trabalho em Paris, a sigla da fatura em causa (FO) indicia um país terceiro, de acordo com a “taxonomia” da própria Requerente. Sendo que a testemunha foi a pessoa que procedeu à emissão dessa fatura e que, por essa razão, em melhor posição está para fornecer essa explicação.
No que se refere às necessidades de financiamento da Requerente, a testemunha referiu a quebra de faturação em Angola entre 2013 e 2014, “apertos” financeiros e uma “questão de gestão”. No entanto, não contestou que entre 2013 e 2015 houve muitos clientes que pagaram, ocorrendo uma redução substancial das dívidas destes à Requerente, e que aumentou o valor dos adiantamentos, cujo saldo, em 2013, era superior a 9 milhões de euros.
Perpassa, ao longo do depoimento desta testemunha, falta de objetividade, com afirmações genéricas e tomadas de posição em favor da Requerente, independentemente de factos concretos de sustentação.
A segunda testemunha, K..., é colaborador da Requerente desde 2017, desempenhando as funções de arquiteto. Limitou-se a referir algumas generalidades sobre a atividade da Requerente, salientando que os seus administradores são a cara da empresa, pelo que têm de se apresentar de forma consentânea à sua clientela e realizar viagens para o desenvolvimento de projetos específicos, como aquele em que interveio, de decoração de um restaurante de caviar, que, contudo, não está em discussão nestes autos.
Em relação às declarações do administrador da Requerente E..., as mesmas reproduzem de forma genérica a tese da Requerente exposta no pedido arbitral, de posicionamento do segmento de luxo e da necessidade de se vestir de determinada forma e de realizar viagens para contacto e angariação de clientes e para acompanhar as tendências e retirar ideias para os projetos. Referiu a existência de relações de grande proximidade com os clientes, podendo encontrar-se com eles nas suas casas, em diversas partes do mundo, e o facto de a sua vida pessoal estar intrinsecamente ligada à Requerente, não existindo uma separação entre a vida pessoal e profissional.
Especificamente sobre o cliente C..., Inc. referiu um projeto em Paris que não chegou a ser feito, só as demolições, e que teve mais negócios com o mesmo, mas não se lembra quais. Acrescentou que, apesar dos valores elevados dos projetos realizados, de milhões de euros, os contactos que faz com os clientes são todos por telefone, não troca e-mails, nem há documentos escritos, com exceção dos orçamentos dos projetos.
Nestes termos, dada a ausência de prova documental e atento o teor dos depoimentos, conforme acima descrito, não se provaram os seguintes factos, alegados pela Requerente:
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Que as obras da C..., Inc. respeitam a um apartamento sito em Paris, pois não existe qualquer evidência que estabeleça uma conexão entre as faturas de serviços emitidas pela Requerente e o local dos mesmos, sendo que a fatura em questão não só não menciona qualquer local, como tem aposta a sigla que a Requerente utiliza para países terceiros. As diversas fotografias juntas aos autos podem ser de qualquer obra realizada pela Requerente (artigos 52.º, 1.º travessão e 74.º do ppa);
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Que a prestação de serviços subjacente àquela fatura nunca chegou a realizar-se, pois a própria Requerente dá nota de que a obra já estava em curso (artigos 46.º II parte e 52.º, 1.º travessão, conjugados com o artigo 78.º do ppa);
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Que a fatura que deu origem à nota de crédito respeita a um adiantamento (artigo 52.º, 1.º travessão do ppa);
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Que apenas no ano 2017 a Requerente reuniu as necessárias evidências que confirmariam que o seu cliente iria desistir da empreitada e que os serviços subjacentes àquele adiantamento não seriam prestados, muito embora aquela confirmação apenas tenha ocorrido, formalmente, em 2018 (artigos 52.º, 2.º travessão, 81.º e 93.º do ppa). Com efeito, não foram carreadas para os autos quaisquer evidências de que os serviços tenham sido “formalmente” cancelados pelo cliente, nem de que o tenham sido em 2018;
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Que os trabalhos a executar pela Requerente no imóvel foram suspensos até indicação do cliente em contrário, mas sempre na expectativa de virem a ser concluídos, até porque a obra já se encontrava em curso (artigos 80.º e 85.º do ppa);
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Que os gastos de financiamento desconsiderados não têm qualquer relação com os financiamentos concedidos à sociedade participada da Requerente (artigos 147.º, 165.º e 168.º do ppa) e que foram incorridos exclusivamente para fazer face à sua atividade normal (artigos 148.º e 170.º do ppa);
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Que tenha sido devido a acréscimo de atividade da Requerente em 2013 e a constrangimentos na cobrança dos créditos dos clientes em Angola que surgiu a necessidade de reforço da sua capacidade financeira com repercussão no período de tributação de 2017 (artigos 160.º a 162.º do ppa);
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Que as viagens realizadas no fim do ano 2016/2017 e no período de férias de 2017 tiveram em vista a prospeção e angariação de nova clientela e a pesquisa do mercado e de novas tendências (artigos 61.º, 208.º, 209.º, 211.º a 213.º do ppa);
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Que a aquisição de peças de vestuário de marcas de luxo pelos administradores é indissociável da atividade comercial da Requerente (artigos 220.º e 226.º do ppa).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
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Do Direito
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Questões decidendas
Como atrás assinalado, o litígio prende-se com a divergência sobre a “indedutibilidade”, para efeitos de IRC, dos gastos infra identificados:
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De emissão de nota de crédito;
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De financiamento;
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De imagem; e
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Deslocações e estadas.
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Ponto prévio: o critério de conexão dos gastos com a atividade
A título preliminar importa dar nota das condições de dedutibilidade dos gastos fiscais, que foi um dos pontos sobre que incidiu a Reforma do IRC, concretizada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
Até ao exercício de 2013, a conformação legal da relação entre gastos e a finalidade de obtenção ou realização de rendimentos sujeitos a imposto [IRC] apelava de forma expressa ao critério da indispensabilidade.
A aplicação do conceito de indispensabilidade como condição delimitativa da dedutibilidade fiscal em IRC suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram dirimidas pela via jurisprudencial e que promoveram, conjuntamente com a doutrina, uma maior densificação deste conceito.
Como reconheceu Saldanha Sanches, é “no referido conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração dos custos empresariais e que repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”, acrescentando que “o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários” – “Os Limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pp. 215-216.
É hoje consensual que a concretização da cláusula geral da indispensabilidade dos gastos não implica um juízo de oportunidade e mérito sobre a realização dos mesmos, que não pode, desta forma, constituir critério de decisão válido.
Tal noção, como consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) (pleno) n.º 49/11, de 15.06.11[1] – tem de ser interpretada como “um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo”.
Deste modo, a “Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”, conforme preconizado pelo Acórdão do STA n.º 1236/05, de 29.03.06.
O que significa, na explicitação do Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.11, que “a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (…). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (…). A indispensabilidade não pode porém ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”
Rejeita-se, deste modo, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre gastos e rendimentos – vide Acórdãos do STA n.º 779/12, de 24.09.14; n.º 372/16, de 15.11.17 e n.º 627/16, de 28.06.17.
Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.
A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte. “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” – Acórdão do STA n.º 627/16, de 28.06.17[2].
O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina firmou, desta forma, a relação causal genérica do gasto à atividade globalmente considerada (superando o nexo estrito gasto-rendimento) e vincou o afastamento da avaliação, por parte da Administração, do acerto, conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos entes corporativos.
Com a Reforma do IRC suprimiu-se a referência à “indispensabilidade” dos gastos: Na versão atual:
“Artigo 23.º
Gastos e perdas
1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) […];
b) […];
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
[…]“
Mantém-se, no entanto, a conexão necessária entre os gastos e o objetivo de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e o princípio geral inerente de que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados.
Segundo o Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – 2013 –[3], a alteração visou confirmar o afastamento da “interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos” e contribuir desta forma para o “decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa”, acolhendo a jurisprudência firmada que sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente dos sócios.
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Emissão de nota de crédito à C... Inc.
Resulta da matéria factual apurada nos autos que não se provaram os pressupostos narrativos da Requerente como justificação para a anulação da fatura emitida em 2016 à sociedade C..., Inc., do Panamá, por meio de nota de crédito emitida em 2018, anulação esta que considerou, para efeitos fiscais (IRC), não em 2018, como seria natural, mas no ano antecedente, 2017.
Desde logo, e conforme consta da fundamentação de facto, não se demonstrou que a emissão da fatura pela Requerente em 2016 com o descritivo de serviços prestados, em vez de adiantamento, se tenha devido a erro. É que, não só foi utilizada a série de faturas respeitante à prestação de serviços (e não a de adiantamentos que continha a sigla “FAD”), como essa fatura foi reconhecida na contabilidade em 2016 em contas de resultados e não apenas de balanço (i.e., tratada como remuneração de serviços prestados). Além de que, na mesma data, a Requerente também emitiu outra fatura com o descritivo de adiantamento, usando a série própria para esse fim (“FAD”), tal como salientado, e bem, no RIT. Inusual seria existirem duas faturas de adiantamento exatamente com a mesma data, ao mesmo cliente.
Não ficou também evidenciado o local da realização dos serviços de obras, tendo a Requerente exibido fotos de apartamento em Paris sem, contudo, juntar qualquer elemento que permita fazer a conexão entre o mesmo e o seu cliente C..., Inc., ou os serviços a este prestados e às faturas que lhe foram emitidas. Neste ponto, interessa referir que as três faturas de prestação de serviços emitidas pela Requerente a este cliente usam a série de faturação “FO”[4], utilizada pela Requerente para países terceiros (e não no território da União Europeia), pelo que as escassas evidências documentais que existem – as faturas – apontam em sentido diverso do argumentado pela Requerente.
Na verdade, apesar da referência pela primeira testemunha e pela Parte à existência de orçamentos comunicados aos clientes, certo é que não foi junto qualquer elemento documental sobre o orçamento ou o contrato celebrado com a C..., Inc., nem sequer um simples e-mail ou mensagem, sendo que se trata de serviços cujo valor global é de milhões de euros (só a fatura anulada é de quase meio milhão de euros, tendo sendo emitidas outras para esse cliente, na mesma data, de valor superior a 800.000 euros).
Ainda sobre a factualidade adquirida nos autos, existe contradição entre a afirmação de que a Requerente já teria efetuado a parte das demolições no dito apartamento, com base num pré-projeto, e a tese de que o serviço a que se refere a fatura, alegadamente relativa a esse apartamento, ainda não se tinha iniciado. Uma prestação de serviços de arquitetura e de design de interiores não se esgota na demolição, esta não é uma finalidade em si mesma, sendo uma parte/fase integrante de um projeto de redecoração em curso, sendo que a própria Requerente dá nota de que a obra já estava em andamento. Assim, mesmo na tese da Requerente, o serviço em causa já se teria iniciado, tendo sido suspenso por falta de pagamento. Este circunstancialismo é distinto do de um adiantamento relativo a um serviço que ainda não se começou a prestar.
Neste quadro factual, o regime jurídico-fiscal aplicável seria o previsto nos artigos 28.º-A e 28.º B do Código do IRC, cumpridas as condições neles consagradas, e não o aplicado pela Requerente. Esta disciplina permite a relevação progressiva de perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa[5], quando contabilizadas no período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, se o risco de incobrabilidade estiver devidamente justificado, nomeadamente se os créditos estiverem em mora há mais de seis meses desde a data do vencimento e existirem provas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento (v. artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) e artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do Código do IRC).
No entanto, não foi este o procedimento aplicado pela Requerente, que optou por anular a fatura (mediante a emissão da correspondente nota de crédito). No entanto, essa anulação apenas teria fundamento se se tratasse de uma operação não realizada, inválida, objeto de resolução, rescisão ou redução (v. situações a que se refere o artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA).
Porém, não se verificando tais pressupostos, e enquadrando-se a situação vertente no regime da cobrança duvidosa acima descrito, ou no da incobrabilidade dos créditos, este previsto no artigo 41.º do Código do IRC[6], só nas condições aí previstas os gastos derivados do não recebimento podem ser fiscalmente deduzidos.
De salientar que o argumento de que em 2017 a Requerente reuniu as necessárias evidências que confirmariam que o seu cliente iria desistir da empreitada e que os serviços subjacentes ao alegado adiantamento não seriam prestados também não foi substanciado em quaisquer factos provados. Nem que a formalização da desistência do cliente ocorreu em 2018.
Aliás, não se percebe que a Requerente alegue uma confirmação “formal” da desistência dos serviços em 2018, quando não carreou qualquer meio de prova “formal” comprovativo da mesma. Nestes termos, e como antes mencionado, não constam dos autos evidências de que os serviços tenham sido formalmente cancelados pelo cliente em 2018, nem de que já em 2017 a Requerente possuía as necessárias evidências de que esse cancelamento ia ocorrer. Também não se compreende que, se assim fosse, só em junho de 2018 a Requerente tivesse emitido a nota de crédito.
Na verdade, a narrativa construída pela Requerente, de ausência de operação e erro na emissão da fatura como justificação do seu “abate” contabilístico-fiscal (regularização do ativo, saldando a conta do cliente por contrapartida de gastos), não se afigura verosímil, nem aderente à realidade processualmente adquirida.
Do ponto de vista contabilístico, o procedimento da Requerente também não se afigura acertado, com consequências no efeito fiscal pretendido, uma vez vigora no sistema português o princípio da dependência parcial, espelhado no artigo 17.º do Código do IRC, segundo o qual, o lucro tributável é constituído pela soma do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas não refletidas naquele resultado, conforme determinados na contabilidade, sem prejuízo dos ajustamentos previstos no próprio Código do IRC.
Desde logo, caso se tratasse de um erro, hipótese que, saliente-se não foi demonstrada, e dado que o mesmo sempre seria de qualificar como materialmente relevante, a correção não devia ser reconhecida nos resultados do período de 2017. Conforme referido no RIT supra transcrito, de acordo com a NCRF 4 a Requerente deveria proceder ao desreconhecimento do rédito (com efeito nos resultados transitados, por decorrer da correção de resultados de período anterior), sem acarretar correção ao lucro tributável de 2017, em razão do princípio da periodização económica constante do artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC.
A correção ao IRC devia ser feita, nesse caso, atento o princípio do acréscimo, com referência ao período de 2016, por declaração de substituição (até 31 de maio de 2018) de acordo com o disposto no artigo 122.º do Código do IRC), ou, por reclamação graciosa, no prazo de 2 anos após a apresentação de declaração modelo 22 relativa a 2016 (no limite, até 31 de maio de 2019, ao abrigo do artigo 131.º, n.º 1 do CPPT).
Porém, como atrás assinalado, não ficou provado que ocorreu erro por parte da Requerente na emissão da fatura de 2016, que foi anulada por nota de crédito em 2018. Resulta dos autos que essa fatura foi emitida e, ao contrário, das outras três (duas de serviços e uma de adiantamento), emitidas na mesma data ao cliente C... Inc., não foi paga, verificando-se uma situação de cobrança duvidosa que se pode ter transformado em incobrabilidade definitiva.
Nesse âmbito, o procedimento adequado, que dependia ainda assim da comprovação de diligências de cobrança sem sucesso, seria o registo de perdas por imparidade e a sua dedução fiscal na cadência prevista no artigo 28.º-B, n.º 2 do Código do IRC[7], nos períodos correspondentes. Uma vez que a fatura remonta a novembro de 2016, em de 2017 não poderia ser reconhecida uma perda superior a 50% do valor da fatura.
Todavia, a Requerente não o fez. Não adoptou o procedimento de perdas por imparidade em créditos e optou por uma solução ad hoc, sem suporte legal, de anulação da fatura emitida em 2016, e nem sequer a considerou [à anulação] no período de tributação em que se verificou (2018), mas no ano antecedente, 2017 (ano intermédio entre os eventos de emissão e de anulação da fatura).
Ora, neste âmbito coloca-se uma questão de temporalidade do reconhecimento e imputação do gasto, pois a regra da periodização económica, prevista no artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC, dispõe que os rendimentos e gastos, bem como as demais componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos[8] ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento).
A Requerente considerou no período de 2017, como gasto de exercícios anteriores (2016), o valor de € 469.973,80 cujo documento de suporte é ulterior, de 2018. Este gasto, a ser aceite nestes moldes, devia sê-lo com referência a 2016, na tese de que a fatura tinha sido emitida por erro, o que poderia ser feito por declaração de substituição ou reclamação graciosa, como atrás referido. Ou, no limite, com base no documento emitido em 2018, no próprio exercício de 2018, se enquadrável na exceção ao princípio da periodização económica (v. artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC), que permite que os gastos respeitantes a períodos anteriores sejam imputáveis noutro período de tributação posterior, quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.
A Requerente não demonstrou, contudo, que a fatura derivou de um erro de emissão imprevisível ou manifestamente desconhecido. A fatura foi emitida e ocorreram diversas tentativas de cobrança durante mais de um ano por parte da funcionária da Requerente responsável pelo processamento de faturas, o que não faria qualquer sentido se entendesse que esta derivava de um erro e tinha sido indevidamente emitida. E, reitera-se, também não se demonstrou que a prestação de serviços não tivesse sido iniciada e realizada. O que se extrai dos autos é a emissão de uma fatura ao cliente em causa em 2016, com o descritivo de serviços prestados e cujo rendimento foi reconhecido nesse ano pela Requerente, tendo esta desenvolvido contactos telefónicos visando a sua cobrança.
É um facto que o cliente não pagou, mas a não cobrança de uma fatura não legitima a sua anulação, prevendo a lei fiscal um mecanismo de reconhecimento gradual de perdas por imparidade (25% por cada seis meses de mora, até perfazer o total), caso se suscitem fundadas dúvidas de cobrabilidade do crédito. Mecanismo do qual a Requerente não fez uso e que, em qualquer caso, não lhe permitiria deduzir a totalidade do valor da fatura no período de tributação de 2017, mas apenas 50%.
À face do exposto, não se constata que exista um gasto relativo à emissão indevida de uma fatura enquadrável no regime de dedutibilidade previsto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, nem que estejamos perante uma situação de gasto manifestamente imprevisível ou desconhecido (v. artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC) que configure uma exceção admissível ao princípio da periodização económica.
Trata-se, antes, de um caso de não cobrança passível de gerar perdas por imparidade em créditos, as quais são dedutíveis para efeitos fiscais se forem contabilizadas no mesmo período de tributação (2017) ou em períodos anteriores (v. 28.º-A, n.º 1 do Código do IRC). Porém, não foi esse o caso, e, mesmo que o tivesse sido, sempre seriam de observar as anteditas limitações do artigo 28.º-B, n.º 2 do Código do IRC, pelo que a dedução em 2017 nunca poderia ultrapassar 50% do valor da fatura em dívida.
Sobre a aplicação do princípio da justiça ao caso em análise, é verdade que, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, ocorrendo um desvio do princípio da periodização o princípio da justiça constitui suporte legal para a dedução fiscal de gastos imputáveis a outros exercícios económicos, desde que se verifiquem determinadas circunstâncias, a saber, não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios. Tal sucede, a título de exemplo, se há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício, ou em retirar benefícios do seu reporte, e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de novembro de 1996, processo n.º 020404[9]).
Este princípio aplica-se quando não houve reconhecimento dos gastos num dado ano, para permiti-lo num outro ano, ulterior.
E este Tribunal Arbitral também perfilha o entendimento descrito, no sentido de que a violação do princípio da periodização económica, nas referidas condições, é superável por parametrização do princípio da justiça.
Não obstante, no caso em apreço, existem fortes indícios de ter existido uma escolha relativamente ao momento em que a Requerente decidiu reconhecer os gastos, pois tendo emitido o documento de anulação em 2018 foi, não obstante, antecipar o respetivo reconhecimento para 2017.
O que não é, de todo, inócuo. A consideração integral como fiscalmente dedutível do valor da anulação no período de tributação de 2017 permitiu reduzir o resultado líquido de ~ € 475.000 para € 4.170 e, consequentemente, o valor de IRC a pagar nesse exercício, configurando um ajustamento deliberado dos resultados fiscais efetuado pelo sujeito passivo. Assim, se a relevância fiscal da anulação da fatura tivesse ocorrido no ano 2018, quando foi emitida a nota de crédito, a Requerente teria pago IRC, em importância não despicienda, em 2017. Admitir nestas circunstâncias a dedução fiscal pretendida pela Requerente é que violaria o princípio da justiça e não o inverso[10].
Em relação à duplicação de coleta arguida pela Requerente, interessa relembrar que é um conceito legal (v. artigo 205.º, n.º 1 do CPPT), que implica que estando pago por inteiro um tributo, se exija da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, “resultando da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta” (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de fevereiro de 2013, processo n.º 01079/12).
A situação dos autos não é reconduzível ao referido regime, pois não resulta da tributação, como ganho, em duplicado, do mesmo rendimento e menos ainda com base no mesmo preceito legal. Acresce notar que a não aceitação do gasto fiscal derivou singelamente do não preenchimento, por parte da Requerente, dos requisitos legais estabelecidos, nomeadamente temporais, que poderia ter ultrapassado por via declarativa (ou reclamação graciosa), reportando corretamente a operação.
Deste modo, em linha com a Requerida, não se constata ilegalidade por duplicação de coleta, nem estão reunidas as condições de procedência do pedido relativamente à nota de crédito emitida à C..., Inc..
O entendimento adotado pela Requerida, que este Tribunal Arbitral acompanha, não viola os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da justiça e da capacidade contributiva, pois foi a conduta fiscal e procedimental da Requerente (sibi imputet) que impediu o preenchimento dos requisitos da dedução fiscal dos gastos/perdas, nos períodos de tributação devidos e na medida legalmente permitida, colocando-a na posição de não poder beneficiar dessa dedução.
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Gastos de financiamento
A questão que aqui se suscita em relação aos gastos suportados com financiamento, resultantes do desconto de livranças pela Requerente junto de um banco, consiste em saber se estes podem ser considerados indispensáveis à atividade do sujeito passivo, na aceção do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, em circunstâncias tais que os fundos obtidos sejam afetos a outras sociedades participadas sem remuneração.
Neste âmbito, a Requerente discorda das correções efetuadas pela AT à dedução fiscal desses gastos de financiamento, por entender estarem satisfeitos os requisitos previstos no artigo 23.º, nº 1 e nº 2, alínea c) do Código do IRC, relativos à necessária conexão daqueles com a sua atividade e à obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.
Para este efeito, defende a tese de que, apesar da coincidência de valores, o desconto da livrança não deriva do facto de ter suportado o custo das obras/remodelação no imóvel da sua participada B..., S.A., na qual detém uma participação direta de 25%, mas, antes, do acréscimo da sua própria atividade, que exigiu maior capacidade financeira, e, paralelamente, de constrangimentos na cobrança dos créditos relativos a clientes de Angola.
Apesar de ter resultado da prova produzida que esta justificação dada pela Requerente do acréscimo de atividade e de dificuldades de cobrança não tem correspondência com a realidade do período em análise (ou dos períodos imediatamente antecedentes), quer pelo procedimento de cobrança “à cabeça”, no momento de adjudicação das propostas, de uma parte substancial dos valores dos projetos, e consequente volume expressivo do saldo de adiantamentos de clientes, quer pela redução substancial dos valores em dívida dos clientes entre 2013 e 2015, dado estes terem procedido ao respetivo pagamento, tal não significa que não se considere que a canalização de meios financeiros para a participada é efetuada no contexto da atividade da Requerente.
Sobre esta questão segue-se a posição adotada nas decisões arbitrais 12/2013-T, 585/2014-T, 695/2015-T, 264/2015-T e 181/2018-T, nos termos infra explanados.
A jurisprudência do STA tem vindo a considerar como fiscalmente irrelevantes (leia-se não dedutíveis), os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo Grupo, que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abrindo uma exceção, quando estejam em causa empréstimos de SGPS às sociedades por si participadas, atendendo ao seu objeto social específico (v. Acórdão do STA n.º 1206/17, de 28.02.2018).
Relativamente a outro tipo de sociedades, preconiza-se que “[à] luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas – Acórdão do STA n.º 107/11, de 30.11.2011 (no mesmo sentido, vide os Acórdãos n.º 171/11, de 30.05.2012; n.º 1077/08, de 20.05.2009, e n.º 1046/05, de 07.02.2007).
Segundo esta jurisprudência, os gastos previstos no artigo 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte e a atividade respetiva tem de ser por esta desenvolvida, que não por outras sociedades (v. neste sentido o Acórdão n.º 1046/05 supra citado).
A conceção segundo a qual a obtenção de fundos por uma sociedade, seguida da sua cedência, sem remuneração, a uma participada, não constitui, sem mais, atividade ou interesse daquela, é, porém, rejeitada por Tomás de Castro Tavares, no processo do CAAD n.º 12/2013-T, de 08.07.2013:
“Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”.
De igual modo, a Decisão proferida no âmbito do CAAD no processo n.º 695/2015-T, de 18.05.2016, considera que o conceito de “atividade produtiva” de harmonia com a posição sufragada pela doutrina de referência não pode ser interpretado de forma tão restritiva, posição que se acompanha, desde logo, pela bondade dos argumentos em que se alicerça:
“A atividade de uma empresa, no sentido em que só dela decorreriam custos indispensáveis, nunca poderia ser assimilada à atividade produtiva, no contexto em que esta se traduz no conjunto de operações de transformação ou de produção de bens e serviços. O ciclo de exploração das empresas compõe-se de atividades pré-produtivas: formação legal da entidade, estudos pré investimento, investigação, desenvolvimento, aprovisionamento e outras. E, como é óbvio, também engloba atividades pós produtivas: comerciais, assistência pós venda, etc.. Para mais, inclui também atividades administrativas e financeiras, que são concomitantes a estas fases pré e pós produtivas.
Tal é uma evidência económica que não carece, assim o julgamos, de maior fundamentação.
A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Julgamos ser este o sentido apropriado da expressão «atividade produtiva», tanto na obra de T. TAVARES, como na aceção fiscal usada pela AT e alguma jurisprudência.
Até por que, se assim não fosse, o artigo 23.º não admitiria certamente como custos dedutíveis os gastos administrativos, de financiamento e até menos valias. Estes gastos não têm diretamente que ver com atividades produtivas, tout court, e todavia estão previstos na lei. Também, por exemplo, o abate de existências ou o financiamento de certos ativos que foram retirados da produção (que podem ser designados, em certas condições, por «ativos não correntes detidos para venda») estariam de fora da atividade das empresas, entendida nessa aceção restrita, o que seria inaceitável.
Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade produtiva só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, e exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).
O ponto que este Tribunal sublinha é o seguinte: a «atividade» de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de operações produtivas ou operacionais. «Atividade» é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.
A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.
Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.
O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objetivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da atividade desenvolvida.
A atividade empresarial que tem relação com os custos indispensáveis estende-se a todos os atos de gestão que visem o interesse das empresas. Esse conjunto de operações abarca, no entender deste Tribunal, os atos de gestão dos ativos e passivos que constituem os meios ao dispor das entidades empresariais, desde que tais atos sejam conformes ao escopo, fim ou objetivo desses entes coletivos.
Em síntese conclusiva deste ponto, a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.”
Se partimos do pressuposto (e partimos) de que os ativos financeiros detidos fazem parte integrante do património do sujeito passivo, relativamente aos quais este tem a legítima expetativa de gerar benefícios económicos futuros, atributo, aliás, essencial para que contabilisticamente possam ser qualificados como ativos, de acordo com a estrutura concetual do sistema contabilístico (§49 a § 58)[11], então a sua gestão e os potenciais rendimentos que deles derivem, nomeadamente dividendos e mais-valias, não podem deixar de estar associados à atividade prosseguida.
Deste modo, uma operação de financiamento de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo. Dito de outro modo, tanto será “atividade produtiva” ou “exploração” a gestão de um ativo físico, como a de um ativo financeiro ou outro intangível. Ponto é que se esteja no âmbito da gestão do ativo.
Como assinala o Acórdão em análise a própria norma contabilística e de relato financeiro (“NCRF”) 13 expressa o conceito segundo o qual um investimento numa participada se insere no âmbito do interesse da investidora, nos seguintes termos:
“Associada: é uma entidade (aqui se incluindo as entidades que não sejam constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) sobre a qual o investidor tenha influência significativa e que não seja nem uma subsidiária nem um interesse num empreendimento conjunto.
Subsidiária: é uma entidade (aqui se incluindo entidades não constituídas em forma de sociedade, como, p. ex., as parcerias) que é controlada por uma outra entidade (designada por empresa-mãe).
Controlo: é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade ou de uma atividade económica a fim de obter benefícios da mesma.
19. Se o investidor detiver, direta ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), 20 % ou mais do poder de voto na investida, presume-se que tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. Se o investidor detiver, direta, ou indiretamente (por exemplo, através de subsidiárias), menos de 20% do poder de voto na investida, presume-se que não tem influência significativa, a menos que o contrário possa ser claramente demonstrado. A existência de outro investidor, que detenha uma participação maioritária ou substancial, não impede necessariamente que se exerça influência significativa.”
Como manifestação de influência significativa, o ponto 20, alínea b) da NCRF 13 refere a participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições. Se a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas da participada, “então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.”
“Ora a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.” – cf. Decisão Arbitral n.º 695/2015-T.
A Decisão Arbitral n.º 585/2014-T, de 13.02.2015, que versa sobre encargos financeiros incorridos para efetuar prestações acessórias numa sociedade (que não é uma SGPS), segue idêntica fundamentação:
“A atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.
Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.
A dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto dos financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expetativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (ativo financeiro).
O facto de decisões tomadas na esfera da participante influenciarem o património da participada não quer dizer que elas sejam concretizadas no interesse de terceiros. Elas são tomadas a partir do interesse da participante em assegurar a operacionalização e rendibilização do seu investimento na participada.
A participada usa fundos que lhe são aportados, mas esse aporte de fundos é feito no interesse da participante, ou seja, no contexto de atos normais de gestão que se podem englobar no seu escopo ou propósito lucrativo.
Nas situações em que a participante detém a totalidade do capital da participada e, por isso, detém total possibilidade de intervir na gestão da participada e assegurar que o investimento é utilizado no seu interesse, o investimento na participada reconduz-se a gestão da participação e consubstancia exercício indireto pela participante da atividade económica que a participada leva a cabo, cujos reflexos positivos ou negativos se acabam por repercutir totalmente na esfera jurídica da participante através da valorização ou desvalorização da sua participação, pelo que os encargos necessários para assegurar o investimento potenciador da obtenção de futuros benefícios enquadram-se no conceito de indispensabilidade económica, com o referido sentido de despesas integralmente efetuadas no interesse da empresa.
Nos casos em que se está perante uma situação de detenção pela participante de parte do capital da participada, só se pode considerar que os custos são «comprovadamente» indispensáveis, como exige o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, se estiver assegurada a possibilidade de influência da participante na sociedade participada, pois se essa possibilidade não existir, se o investimento for efetuado sem qualquer possibilidade de a participante influenciar o seu destino, não se poderá considerar assegurado (comprovado) que ele irá ser utilizado no seu interesse. […]
Logo, deverá entender-se que há interesse da participante no investimento na participada quando aquela detém influência significativa na gestão da participada, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada.
A comprovar-se esta influência, o financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.”
A Decisão Arbitral n.º 264/2016-T, de 20.11.2016, considera, de igual modo, enquadrável na atividade e interesse da sociedade participante a realização de prestações suplementares, que, por definição, não são remuneradas. Não obstante, estava aí em discussão uma SGPS e relativamente a este tipo de sociedades tem sido relativamente pacífica a aceitação destes gastos, por enquadramento no seu objeto social que é, em exclusivo, o de gestão de participações sociais (neste sentido, vejam-se os Acórdãos do STA n.º 473/13, de 21.02.2018, e n.º 1206/17, de 28.02.2018).
À face do exposto, de acordo com a interpretação que se perfilha, a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, na medida em que seja enquadrável como gestão do ativo financeiro em causa (instrumento de capital próprio ou parte de capital), do qual se estima que fluam benefícios, na forma de rendimentos sujeitos a IRC, como, por exemplo, dividendos e mais-valias. Constitui condição para que se considere verificado o interesse da participante (aqui Requerente) no investimento na participada, a influência significativa na gestão desta, i.e., em regra quando aquela detenha pelo menos 20% do capital social. Circunstância que se verifica na situação vertente, pois a B..., S.A. é detida, de forma direta, em 25% pela Requerente.
Nestes termos, se o valor de 1,4 milhões de euros foi canalizado para uma sociedade cujo capital social é detido em mais de 20% pela Requerente, esta cedência enquadra-se na gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas (sem prejuízo do regime de eliminação da dupla tributação económica previsto no artigo 51.º do Código do IRC).
Deste modo, conclui-se que o “financiamento” não remunerado concedido pela Requerente à sociedade participada B..., S.A. foi realizado no âmbito da atividade da primeira e em ordem ao seu interesse social, e passa o crivo da necessária relação causal entre os gastos incorridos e a atividade da Requerente, prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Em consequência, os gastos associados são dedutíveis para efeitos de IRC.
Assiste, neste ponto, razão à Requerente, pelo que deve ser anulada a liquidação de IRC e os juros inerentes, no segmento em que resultam da não aceitação da dedução fiscal de gastos de financiamento no valor de € 74.134,63.
Por último, importa notar que as correções em análise se fundam na indedutibilidade dos gastos e não no regime de preços de transferência (v. artigo 63.º do Código do IRC), pelo que não cabe aqui a apreciação destes últimos. O Tribunal está circunscrito ao conhecimento das razões externadas na fundamentação contemporânea do ato tributário e se uma correção tiver diversos fundamentos válidos, apenas podem ser apreciadas aquelas que tenham sido invocadas como motivação do ato impugnado.
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Gastos de imagem – aquisição de vestuário de luxo
Interessa começar por notar que, em matéria de dedutibilidade dos gastos, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (n.º 1 do artigo 74.º da LGT), o que resulta confirmado pela restrição operada pelo n.º 1 do artigo 75.º da LGT à presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que opera com a seguinte ressalva: “sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
Assim, é sobre a Requerente, que pretende ver deduzidos os gastos, que impende o encargo da comprovação, quer da conexão dos gastos à atividade, quer da sua adequada documentação formal. “[A] falta da prova exigida por lei deve, em princípio, ser valorada contra o contribuinte, afastando a dedutibilidade dos gastos não provados nos termos previstos na lei. Diz-se, «em princípio» porque esta regra geral do ónus da prova é temperada pela do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que impõe a anulação dos actos impugnados, nos casos de «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário». É a esta luz que há que apreciar as correcções efectuadas em matéria de dedutibilidade de gastos.” (v. decisão arbitral n.º 604/2020-T, de 24 de novembro de 2021).
A Requerente registou gastos de aquisição de vestuário de alta costura da marca Gucci (calças, camisas, jaquetas, blusões, meias, gravatas), calçado e acessórios de luxo para uso pessoal dos seus sócios e administradores, cuja dedução fiscal foi questionada pela AT, quer por incumprimento do requisito material da conexão com a sua atividade [da Requerente] e a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC (v. artigo 23.º, n.º 1 do respetivo Código), quer do requisito formal, em virtude de a documentação de suporte não observar o disposto nos n.ºs 3, 4 e 6 do artigo 23.º do mesmo Código, conforme estatui o artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.
Relembra-se aqui que a dedutibilidade fiscal depende de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (v. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC). Neste ponto, a Requerente invoca que está inserida num segmento de luxo, o que implica um determinado dress code, pelo que considera essencial a aquisição de roupa e calçado no valor de mais de € 75.000 no período de 2017.
Não se acompanha este raciocínio, pois as roupas e calçado adquiridos são destinados a uso pessoal dos administradores. Com efeito, mesmo que um determinado padrão de estético e de qualidade seja adequado ao exercício das funções, o vestuário não é exclusivamente destinado à utilização em representação da empresa.
No limite, seguindo a tese da Requerente, todos os bens de utilização e caráter pessoal poderiam ser qualificados como conexos com a atividade, mesmo que extravasassem esse âmbito. Seria o caso, a título ilustrativo, da compra de pasta de dentes, gel de banho ou shampoos, pois é inegável ser essencial que um profissional que tenha contacto com o público, com colegas ou com fornecedores assegure um nível de higiene e cuidado pessoal adequado. Apesar disso, afigura-se manifesto que estes são gastos pessoais, pois não são específicos nem exclusivos do exercício de uma atividade[12].
Desta forma, a título de exemplo, mesmo que os administradores adquiram um relógio de marca de topo com o objetivo de se enquadrarem dentro de um determinado estilo consentâneo com o meio social em que estão integrados os seus clientes, isso não significa que esse gasto tenha a necessária conexão à atividade da Requerente, pois constitui um item de natureza e uso pessoal. Ou seja, sem prejuízo de poder ser usado quando os administradores estão a exercer funções, designadamente de representação, e de aí transmitir uma determinada imagem, é também passível de ser usado em muitas outras situações (como certamente será) em que não estão a exercer essas funções.
A alegada promiscuidade e falta de distinção entre a vida pessoal e profissional dos administradores, não milita no sentido preconizado pela Requerente de que tudo o que aqueles fazem está sempre conexo com a atividade (e que os gastos devam ser, sem mais, aceites como imputáveis à atividade).
Pelo contrário, dimana da falta de linha divisória invocada a necessidade de a estabelecer, para efeitos da correta aplicação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, que visa precisamente responder à preocupação de não serem considerados dedutíveis os gastos que não sejam exclusivamente incorridos na atividade e que, de alguma forma, prosseguem interesses alheios, nomeadamente pessoais dos sócios.
De referir ainda que o tratamento em IVA conferido pelo estabelecimento comercial francês e pela Requerente às aquisições de vestuário, calçado e acessórios foi o correspondente ao de uma compra efetuada a título pessoal, i.e., por um particular / não sujeito passivo de IVA. Com efeito, foi liquidado IVA francês nessas operações.
Se a Requerente estivesse a agir no âmbito da sua atividade, como sujeito passivo (B2B), as operações não teriam tido IVA francês, mas seriam tributadas à chegada a Portugal, por autoliquidação de IVA português efetuada pela própria Requerente (aquisição intracomunitária de bens – v. artigos 3.º e 8.º do RITI). Não foi esse o caso.
É, pois, de acolher o entendimento da Requerida de que os mencionados gastos não passam o teste substantivo do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, pelo que, nesta parte, não se identifica ilegalidade invalidante da liquidação.
Sobre os requisitos documentais importa atender ao disposto no artigo 23.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC que comina não serem dedutíveis os encargos cuja documentação não cumpra o disposto no artigo 23.º, n.ºs 3 e 4 do mesmo Código, em concreto, que não estejam comprovados por documento que contenha, pelo menos, os seguintes elementos:
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“Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
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Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
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Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
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Valor da contraprestação, designadamente o preço;
Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”
Estas exigências têm por finalidade complementar as medidas de combate à fraude e evasão fiscais e desempenham uma função instrumental de comprovação e controlo (ad probationem), pelo que a sua insuficiência deve poder ser suprida pela comprovação dos requisitos substantivos das operações (ad substantiam) – v. decisão arbitral 590/2020-T.
Nestes termos, a sua insuficiência – em especial, tratando-se de documentos emitidos por entidades estrangeiras – não impede a sua dedução, conquanto esteja demonstrada a realização da despesa e a sua necessidade e os documentos disponíveis sejam suficientemente precisos na demonstração dos pressupostos materiais das despesas.
Efetivamente, não podem ignorar-se os limites de territorialidade na lei portuguesa que não é competente para reger a forma como os prestadores/fornecedores localizados noutro país emitem os documentos de débito aos seus clientes[13]. Deste modo, sem prejuízo de a dedução dos gastos em Portugal depender da identificação dos elementos essenciais das operações previstos no citado n.º 4, não se pode sufragar o entendimento da Requerida de que a Requerente deveria ter na sua posse uma fatura emitida de acordo com todos os requisitos previstos na legislação portuguesa, para poder deduzir os gastos correspondentes.
Como assinala Rui Morais “o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”, pois “a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efetivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva.” – v. Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 79-80. No mesmo sentido aponta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como, a título ilustrativo, a constante dos Acórdãos de 05.07.2012, processo n.º 658/11, e de 14.09.2011, processo n.º 433/11.
Em qualquer caso, apesar de se considerarem documentalmente suportados, os gastos de aquisição de roupa, sapatos e acessórios de moda para uso dos administradores, como atrás analisado, não têm conexão específica, nem exclusiva, com a atividade da Requerente, pelo que, de um ponto de vista material, não são dedutíveis para efeitos de IRC (v. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC).
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Gastos com deslocações e estadas – períodos de passagem de ano e de férias
Relativamente a gastos desta natureza, suscitam-se questões idênticas às analisadas no ponto anterior (gastos de imagem), quer no tocante à sua conexão com a atividade da Requerente, quer à comprovação documental dos mesmos.
Começando pelos elementos documentais, as viagens e deslocações no valor de € 3.550,00 (voo de helicóptero), € 15.645,31 (alojamento de 5 dias em ilha das Caraíbas na passagem de ano 2017/2018) e de € 20.721,71 (voos para e das Caraíbas) não são suportadas em documentos emitidos ou dirigidos à sociedade, pelo que são alheios à mesma, nada havendo a censurar em relação à sua desconsideração para efeitos fiscais na esfera desta, pois não lhe foram destinados.
É, neste âmbito, irrelevante aferir se os gastos estão devidamente documentados, pois não estando em nome da Requerente, são gastos de terceiros, alheios à mesma e por isso não dedutíveis nos termos do disposto no citado artigo 23.º, n.º 1, sem que de tal derive qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e do parâmetro de igualdade que lhe subjaz.
Os demais gastos respeitam a viagens e alojamento na passagem de ano 2016/2017 e no período de férias dos administradores em de agosto de 2017 em Capri. À semelhança do que antes se referiu sobre os gastos de imagem, também aqui estamos perante gastos de natureza pessoal desprovidos de caráter estritamente empresarial, pelo que não devem ser aceites como gastos fiscalmente dedutíveis, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Isto, sem prejuízo de nessas viagens, terem sido captadas imagens de elementos de decoração inspiradores para trabalhos a realizar para os clientes. Assim como, os profissionais que, nas suas viagens de férias, atendam telefonemas de clientes e respondam a alguns e-mails urgentes e importantes não podem considerar que essas férias/viagens são imputáveis a esses clientes/trabalhos. Trata-se de situações acidentais e/ou circunstanciais que não constituem o propósito principal das viagens, nem as (re)qualificam em viagens de negócios. De assinalar que a Requerida, em relação a todas as outras viagens registadas na contabilidade da Requerente no período de 2017, no valor de centenas de milhar de euros, não questionou a sua dedução fiscal.
Em síntese, neste ponto não existe ilegalidade a apontar à Requerida, pelo que, nessa medida, se mantém a liquidação de IRC e juros impugnada.
Sobre as questões de constitucionalidade, a Requerente imputa às correções tributárias efetuadas referentes aos gastos não aceites para efeitos fiscais a violação dos princípios constitucionais da justiça, da tributação pelo lucro real, da legalidade, da prossecução do interesse público e da verdade material.
Como declarado na decisão do processo arbitral do processo 14/2021-T, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional).
A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08 do TC) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08 do TC), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos que são objeto de impugnação judicial.
Tendo-se limitado a Requerente a imputar os vícios de inconstitucionalidade às correções tributárias, sem indicação da norma ou interpretação normativa que entende terem sido aplicadas em violação da Lei Fundamental e sem um mínimo desenvolvimento quanto às razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade, não há que tomar conhecimento de qualquer dessas questões.
* * *
Por fim, foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
À face do exposto, com exceção dos gastos de financiamento, cuja dedução em IRC deve ser acolhida, o ato de liquidação de IRC e juros referente ao período de tributação de 2017 e inerentes juros compensatórios e de mora, impugnado na presente ação arbitral, não padece das ilegalidades invocadas pela Requerente, pelo que o pedido é parcialmente improcedente.
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Indemnização por Prestação Indevida de Garantia
A Requerente peticiona o pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida no valor global de € 220.521,88 para sustação do processo de execução fiscal que lhe foi instaurado.
Dispõe a este respeito o artigo 171.º do CPPT que a “indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” (n.º 1) e que a “indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência” (n.º 2).
É inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
O processo arbitral constitui um meio alternativo da impugnação judicial, pelo que sendo essa a via contenciosa escolhida pelo sujeito passivo é nesse processo que é discutida a legalidade da dívida exequenda. Deste modo, como resulta de uma leitura material do teor do n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, deve também ser o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
Ocorrendo erro imputável aos serviços conducente à ilegalidade dos atos tributários, assiste ao sujeito passivo o direito a ser ressarcido dos custos incorridos com a prestação e manutenção da garantia.
No caso dos autos, apenas é procedente a ilegalidade da liquidação de IRC e juros inerentes na parte respeitante aos gastos de financiamento não aceites [gastos de € 74.134,63]. Quanto a estes, sendo a correção e liquidação da exclusiva iniciativa da AT e não tendo a Requerente contribuído para que fosse praticada, julga-se indevida a prestação de garantia bancária, na proporção que lhe corresponda, ao abrigo do artigo 53.º da LGT, sem prejuízo da limitação do quantum indemnizatório estatuída no seu n.º 3, a liquidar na fase de execução da decisão arbitral.
Porém, no remanescente (correções dos gastos deduzidos em relação à emissão da nota de crédito à C..., Inc. – € 469.973,80 –, dos gastos com imagem – € 75.996,68 – e dos gastos com deslocações e estadas – € 61.419,70), dada a improcedência do pedido e decaimento da Requerente, improcede também o pedido de indemnização por prestação de garantia, uma vez que o valor garantido (da prestação tributária e acessórios) é efetivamente devido.
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Decisão
Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar:
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Parcialmente procedente a ação arbitral na parte em que a liquidação de IRC e juros dimana da não aceitação da dedução fiscal de gastos de financiamento no valor de € 74.134,63, com a consequente anulação parcial (nesse segmento) da liquidação de IRC e de juros compensatórios e de mora referentes ao ano 2017, bem como da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa na parte em que manteve essa correção;
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Parcialmente procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, em relação à correção dos gastos de financiamento, com o limite do 53.º da LGT, a liquidar em fase de execução da presente decisão;
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Improcedentes os demais pedidos.
Tudo com as legais consequências.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 173.925,68, que corresponde ao valor da liquidação adicional de IRC e respetivos juros, com referência ao período de tributação de 2017, cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Taxa de Arbitragem
Dada a modalidade de designação de árbitro pelo sujeito passivo, a taxa de arbitragem constitui encargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 5.º do RCPAT e da Tabela de Custas a este anexa.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de abril de 2024
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
José Alberto Pinheiro Pinto
(com declaração de voto de vencido junta)
Henrique Fiúza
(com declaração de voto de vencido)
VOTO DE VENCIDO
Não posso subscrever a decisão na parte respeitante à nota de crédito.
Tratando-se de um gasto que visa compensar (ou neutralizar) um rendimento que alegadamente não existiu (e que a Requerida não contrariou, pois, quanto a mim, lhe caberia o ónus dessa prova) e que terá sido indevidamente contabilizado em 2016, não seja aceite, nem em 2017, nem em nenhum outro ano.
Na verdade, resulta claramente do Processo que a nota de crédito e a fatura a que respeitou foram esquematicamente contabilizadas como segue (valores em €):
Não é, pois, discutível a existência de um gasto, apenas se podendo questionar se, em face do princípio da especialização dos exercícios, o mesmo é imputável a 2016 – ano em que indevidamente se registou o rendimento – ou a 2017 – ano em que foi feita a respetiva imputação para efeitos de IRC.
Não colhe, quanto a mim, o argumento aduzido pela Requerente no sentido de que o registo do gasto deve ser imputado ao ano em que ficou claro que o negócio não viria a concretizar-se, por incumprimento do cliente, mas ao ano em que a fatura foi indevidamente emitida.
Estamos, assim, perante uma situação em que um gasto imputável a 2016 foi contabilizado em 2017 e lhe foi conferida relevância fiscal nesse ano.
A AT, aliás, confirma isso mesmo na sua Resposta no presente Processo, concretamente nos pontos 51 a 53, em que afirma:
“51. Ademais, os documentos n.º 19 e n.º 20 juntos ao pedido arbitral são, respetivamente, o extrato da conta corrente do cliente e os extratos das contas da classe 7 – Rendimentos.
52. A análise dos dois documentos evidência o registo, a débito, da importância de € 469.973,80 na conta corrente do cliente e o registo a crédito na conta “7213 - Serviço de Arquitetura e Dec. de Int. – ME”.
53. Ora, o lançamento na contabilidade foi efetuado com data de 30 de novembro de 2016, diário 51 n.º de diário 110.003 e descrição “Vendas OM – n/FO 2016/7” e parece comprovar que a fatura foi registada como rendimento do exercício de 2016 e contribuiu para o apuramento do lucro tributável.”
Como resulta destes pontos, a prova de que o rendimento foi tributado em IRC no exercício de 2016 estava absolutamente feita, não se suscitando qualquer dúvida a esse respeito.
Em situações como esta – em que o sujeito passivo registou um rendimento indevido em 2016 e a retificação não foi fiscalmente operada no mesmo ano, mas no ano seguinte –, o imposto foi até pago antecipadamente ao Estado, não sendo de penalizar o contribuinte com uma dupla sanção, ao não lhe ser aceite o gasto em ano nenhum, e sendo o rendimento tributado por antecipação.
E, neste caso, parece estar comprovada a falta de uma vantagem fiscal do contribuinte no diferimento do gasto, situação que, de acordo com a jurisprudência reinante e com a própria doutrina da AT, justifica a aceitação do gasto no ano em que foi registado, com fundamento nos princípios da justiça e da proporcionalidade.
José Alberto Pinheiro Pinto
VOTO DE VENCIDO
Entendi expressar a presente declaração de voto de vencido, por não me rever na Decisão Arbitral, na parte em que se refere aos encargos financeiros (4. Gastos de Financiamento) suportados pela A..., SA (Requerente), quando procede ao desconto de três livranças, no montante de €1.400.000,00 (um milão e quatrocentos mil euros), e destina esse valor ao financiamento da B..., SA (Participada), sociedade da qual é accionista detentora de 25% do respectivo capital social.
O dinheiro emprestado pela Requerente A..., SA (Participante) à Participada, é um factor de produção desta e não daquela, devendo os custos suportados com juros e demais encargos ser tratados como gastos da Participada, por serem referentes ao custo do dinheiro utilizado no financiamento da sua actividade.
Para que uma entidade de caráter empresarial possa levar a cabo a actividade para a qual foi constituída, em conformidade com o seu objecto social, produzindo e comercializando bens e/ou prestando serviços, ela necessita de ter à sua disposição os chamados fatores de produção.
Pode, de uma forma breve, dizer-se que são chamados de fatores de produção, os elementos considerados necessários a uma entidade empresarial, para a produção e comercialização de bens e serviços conformes ao seu objecto social.
O capital, no qual se inclui o dinheiro para investimento e fundo de maneio, é um dos fatores de produção que, a par com os recursos naturais e os recursos humanos, a que foram sendo acrescentados outros, como a capacidade empresarial e a capacidade tecnológica, permite a uma entidade empresarial exercer a sua atividade de produção e comercialização de bens e de serviços.
Em cada período anual, as entidades de carácter empresarial, devem elaborar as suas contas, deduzindo aos rendimentos obtidos os gastos correspondentes aos factores de produção por si utilizados na produção dos bens e serviços que produziu e comercializou no período.
Sendo obtidos financiamentos por uma sociedade, suportando ela os custos com o juros e demais encargos, para emprestar esse dinheiro a uma outra sociedade na qual detém uma participação no capital social, porque é esta que utiliza o factor de produção capital/dinheiro na sua actividade, deve ser esta a incluir nas suas contas os gastos correspondentes a esse financiamento. No caso de outro alguém ter suportado esses custos de financiamento e de não os ter repercutido na esfera da beneficiária, então esses custos não podem por si ser considerados como gastos para efeitos fiscais.
Se não, vejamos
Se uma sociedade comercial, pelo simples facto de deter uma participação de 25% no capital de outra sociedade, entender que pode suportar os custos de um ou mais financiamentos para emprestar os respectivos valores, gratuitamente, à sua participada, para que esta possa financiar a sua actividade empresarial, e ainda assim ver os encargos financeiros aceites como gastos para efeitos fiscais, que é o entendimento do Tribunal, estaria aberta a porta para a manipulação dos balanços e resultados das actividades empresariais, deixando as respectivas demonstrações financeiras de dar uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira das entidades empresariais.
Porquê?
De acordo com os argumentos apresentados pelo Tribunal, os gastos suportados com o financiamento bancário obtido pela Requerente, e emprestado à Participada, sem a cobrança dos devidos juros, são justificados pela necessidade de fornecimento de meios, no caso financeiros, que são aportados com a intenção de valorizar a sua participação (de 25%) no capital social da Participada, sendo sabido que os gastos vão influenciar negativamente os resultados da Participante e os rendimentos vão aparecer nas contas da Participada. Neste caso ficará por fazer o balanceamento ou “matching” entre os rendimentos e os gastos de cada sociedade. Porque, em tal caso, uma entidade fica com os rendimentos e a outra entidade fica com os gastos.
E o argumento é que, sendo a Requerente detentora de acções correspondentes a 25% do capital da Participada, ao emprestar dinheiro à Participada, a Requerente fá-lo com a intenção de valorizar essa sua participação social.
Mas, se para uma sociedade valorizar a sua participação social noutra sociedade, é considerado legítimo que coloque ao serviço dessa outra sociedade os seus activos, no caso o seu dinheiro, suportando os respectivos custos, então, para atingir esse mesmo fim, a sociedade Participante pode colocar ao serviço da sua participada, por exemplo, um camião para o transporte de materiais, uma máquina de produção de betão ou até colocar os seus trabalhadores a trabalhar para a sua participada, para, com esses meios, com esses activos da Participante, a Participada gerar maior produção, maiores vendas e prestações de serviços, em suma, maiores resultados, e assim ver valorizada a participação social detida.
Levada ao limite a capacidade de imaginação da Participante, toda a actividade da Participada seria realizada com activos cedidos gratuitamente pela Participante – porque desta forma a sua participação seria valorizada – ficando a Participante a apresentar nas suas contas anuais apenas os rendimentos obtidos, dado que não haveria gastos suportados no exercício da sua actividade.
A toda esta possibilidade, desfasada de qualquer racional económico, acresce que, a aqui Requerente, é detentora de, apenas, 25% do capital social da Participada, e por essa razão, teria apenas o retorno de 25% dos acréscimos dos resultados e valorizações da sua participação na Participada gerados pela gestão dos valores recebidos por empréstimo, levando a que 75% do acréscimo de resultados e valorizações da Participada fosse rendimento/ganho de terceiros, ou melhor, dos sócios detentores de 75% do capital social, sem que estes tenham suportado quaisquer custos.
A Sociedade Requerente é uma entidade distinta da Sociedade Participada, com personalidade jurídica e capacidade tributária próprias, devendo cada uma delas prestar contas aos interessados, nos quais se inclui o Fisco, com a inclusão de todos os rendimentos e de todos os gastos que proporcionaram esses rendimentos, de modo a ser feito o balanceamento (matching) entre os rendimentos e os gastos, em conformidade com a normalização contabilística, com vista à apresentação de contas que dêem uma imagem verdadeira e apropriada do balanço e dos resultados.
A Sociedade Participante, ao suportar os custos de financiamento dos capitais mutuados à Sociedade Participada, está a prejudicar os seus sócios e a conceder vantagens económicas indevidas aos sócios detentores de 75% do capital social da Sociedade Participada.
Como se pode ler no RIT correspondente à inspecção tributária da Requerente, realizada ao exercício de 2017, a sociedade Participante e a sociedade Participada têm sócios comuns, podendo concluir-se que a sociedade Participante (a Requerente) suportou 100% dos custos com o financiamento da sociedade Participada, para ter o retorno de apenas 25% dos resultados desta, beneficiando os outros sócios detentores de 75% do capital da sociedade Participada, que por esse motivo enriquecem de forma injustificada.
Resumindo, os gastos necessários ao financiamento da sociedade Participada, por ser ela a utilizadora e beneficiária desse factor de produção, o capital, no caso sob a forma de dinheiro, são gastos que devem integrar as suas contas onde se demonstram os resultados do respectivo período anual.
No caso de os gastos serem assumidos por outra qualquer entidade, no caso a Requerente, esse gasto não pode ser aceite como gasto das suas operações, mormente como gasto fiscal.
Se tudo o que ficou dito, puder ser, aparentemente, contrariado por decisões de tribunais superiores, cumpre lembrar que tais tribunais têm o entendimento de que as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), no âmbito do exercício indirecto da actividade empresarial, podem conceder mútuos às suas participadas e, inclusive, conceder mútuos a essas entidades sem qualquer retribuição. Esta opinião dos tribunais superiores foi, entretanto, alargada às sociedades que são tributadas pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS).
Porém, porque a Requerente não é uma SGPS nem é tributada pelo RETGS no qual se inclua a participada em causa, ou seja, a B..., SA, tal posição dos tribunais superiores não é aplicável ao caso.
Acresce ainda que, embora o regime jurídico das SGPS preveja a hipótese de essas sociedades fazerem contratos de suprimento com sociedades participadas, nada existe nesse regime jurídico, nem na legislação fiscal, que estabeleça que as SGPS podem obter financiamentos bancários em seu nome para com eles fazerem suprimentos a sociedades participadas, podendo, ainda assim, considerar como gastos seus (das SGPS) os juros e demais encargos suportados com esses créditos obtidos.
Estabelecendo a lei que, em determinadas condições, as SGPS podem conceder suprimentos a participadas, de que não são dominantes, como é o caso, mediante a contratualização de suprimentos, tal não significa que as SGPS, quando obtêm empréstimos bancários para com eles realizarem suprimentos em participadas, possam ver os encargos financeiros suportados serem aceites como gastos para efeitos fiscais.
Cada sociedade, como entidade autónoma, deve elaborar as suas contas, deduzindo aos rendimentos obtidos em cada período, os gastos correspondentes aos factores de produção por si utilizados na produção desses mesmo bens e serviços comercializados.
E porque o capital mutuado pela via dos suprimentos foi utilizado pela sociedade participada, a B..., SA, deveria ser esta a incluir nos seus gastos o custo desse empréstimo. No caso de outro alguém, no caso a Requerente, ter suportado esses custos de financiamento, então esses custos não podem ser considerados como gastos para efeitos fiscais.
O último mas não o menos importante, é o facto de o Tribunal sustentar a sua posição no argumento de que “...se o valor de 1,4 milhões de euros foi canalizado para uma sociedade cujo capital social é detido em mais de 20% pela Requerente, esta cedência enquadra-se na gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas.
Com o devido respeito, este argumento usado pelo Tribunal não pode vencer, pelos seguintes motivos:
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Em primeiro lugar, a afirmação carece de ser tornada mais clara. Afirma o Tribunal que “se o valor de 1,4 milhões de euros foi canalizado para uma sociedade cujo capital social é detido em mais de 20% pela Requerente, esta cedência enquadra-se na gestão de ativos financeiros”. Porém, certamente, o Tribunal queria dizer “esta cedência enquadra-se na gestão de participações sociais”, pois é de participações sociais de que se trata a questão em análise.
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Se o Tribunal considera que a sociedade exerce a actividade de gestão de participações sociais, está a afirmar que a Requerente exerce uma actividade que lhe está vedada por lei;
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Ainda que a gestão de participações sociais não fosse actividade vedada à Requerente, ao exercê-la de facto, estava a exercer uma actividade para a qual não está autorizada pelos seus próprios estatutos, uma vez que o seu objecto social não prevê a gestão de participações sociais.
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Assim, não constando do seu objecto social a actividade de gestão de participações sociais, a Requerente não está autorizada a exercer a actividade para a qual, alegadamente, foi obtido o financiamento. E sendo o dinheiro obtido com o financiamento bancário, utilizado para fundo de maneio da sua participada, fica claro que os encargos financeiros suportados, não podem ser aceites como gastos para efeitos fiscais, por não terem sido suportados no âmbito do exercício da actividade da Requerente.
As razões apontadas são aquelas que me levam a não me rever na fundamentação do Tribunal, nem na sua decisão, no que respeita aos gastos de financiamento suportados pela Requerente, quando obtém financiamentos no montante de €1.400.000,00 e os empresta à sua participada B..., SA, sem remuneração, nem qualquer forma de reembolso dos custos financeiros suportados.
VOTO DE VENCIDO
Entendi expressar a presente declaração de voto de vencido, por não me rever na Decisão Arbitral, na parte em que se refere aos encargos financeiros (4. Gastos de Financiamento) suportados pela A..., SA (Requerente), quando procede ao desconto de três livranças, no montante de €1.400.000,00 (um milão e quatrocentos mil euros), e destina esse valor ao financiamento da B..., SA (Participada), sociedade da qual é accionista detentora de 25% do respectivo capital social.
O dinheiro emprestado pela Requerente A..., SA (Participante) à Participada, é um factor de produção desta e não daquela, devendo os custos suportados com juros e demais encargos ser tratados como gastos da Participada, por serem referentes ao custo do dinheiro utilizado no financiamento da sua actividade.
Para que uma entidade de caráter empresarial possa levar a cabo a actividade para a qual foi constituída, em conformidade com o seu objecto social, produzindo e comercializando bens e/ou prestando serviços, ela necessita de ter à sua disposição os chamados fatores de produção.
Pode, de uma forma breve, dizer-se que são chamados de fatores de produção, os elementos considerados necessários a uma entidade empresarial, para a produção e comercialização de bens e serviços conformes ao seu objecto social.
O capital, no qual se inclui o dinheiro para investimento e fundo de maneio, é um dos fatores de produção que, a par com os recursos naturais e os recursos humanos, a que foram sendo acrescentados outros, como a capacidade empresarial e a capacidade tecnológica, permite a uma entidade empresarial exercer a sua atividade de produção e comercialização de bens e de serviços.
Em cada período anual, as entidades de carácter empresarial, devem elaborar as suas contas, deduzindo aos rendimentos obtidos os gastos correspondentes aos factores de produção por si utilizados na produção dos bens e serviços que produziu e comercializou no período.
Sendo obtidos financiamentos por uma sociedade, suportando ela os custos com o juros e demais encargos, para emprestar esse dinheiro a uma outra sociedade na qual detém uma participação no capital social, porque é esta que utiliza o factor de produção capital/dinheiro na sua actividade, deve ser esta a incluir nas suas contas os gastos correspondentes a esse financiamento. No caso de outro alguém ter suportado esses custos de financiamento e de não os ter repercutido na esfera da beneficiária, então esses custos não podem por si ser considerados como gastos para efeitos fiscais.
Se não, vejamos
Se uma sociedade comercial, pelo simples facto de deter uma participação de 25% no capital de outra sociedade, entender que pode suportar os custos de um ou mais financiamentos para emprestar os respectivos valores, gratuitamente, à sua participada, para que esta possa financiar a sua actividade empresarial, e ainda assim ver os encargos financeiros aceites como gastos para efeitos fiscais, que é o entendimento do Tribunal, estaria aberta a porta para a manipulação dos balanços e resultados das actividades empresariais, deixando as respectivas demonstrações financeiras de dar uma imagem verdadeira e apropriada da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira das entidades empresariais.
Porquê?
De acordo com os argumentos apresentados pelo Tribunal, os gastos suportados com o financiamento bancário obtido pela Requerente, e emprestado à Participada, sem a cobrança dos devidos juros, são justificados pela necessidade de fornecimento de meios, no caso financeiros, que são aportados com a intenção de valorizar a sua participação (de 25%) no capital social da Participada, sendo sabido que os gastos vão influenciar negativamente os resultados da Participante e os rendimentos vão aparecer nas contas da Participada. Neste caso ficará por fazer o balanceamento ou “matching” entre os rendimentos e os gastos de cada sociedade. Porque, em tal caso, uma entidade fica com os rendimentos e a outra entidade fica com os gastos.
E o argumento é que, sendo a Requerente detentora de acções correspondentes a 25% do capital da Participada, ao emprestar dinheiro à Participada, a Requerente fá-lo com a intenção de valorizar essa sua participação social.
Mas, se para uma sociedade valorizar a sua participação social noutra sociedade, é considerado legítimo que coloque ao serviço dessa outra sociedade os seus activos, no caso o seu dinheiro, suportando os respectivos custos, então, para atingir esse mesmo fim, a sociedade Participante pode colocar ao serviço da sua participada, por exemplo, um camião para o transporte de materiais, uma máquina de produção de betão ou até colocar os seus trabalhadores a trabalhar para a sua participada, para, com esses meios, com esses activos da Participante, a Participada gerar maior produção, maiores vendas e prestações de serviços, em suma, maiores resultados, e assim ver valorizada a participação social detida.
Levada ao limite a capacidade de imaginação da Participante, toda a actividade da Participada seria realizada com activos cedidos gratuitamente pela Participante – porque desta forma a sua participação seria valorizada – ficando a Participante a apresentar nas suas contas anuais apenas os rendimentos obtidos, dado que não haveria gastos suportados no exercício da sua actividade.
A toda esta possibilidade, desfasada de qualquer racional económico, acresce que, a aqui Requerente, é detentora de, apenas, 25% do capital social da Participada, e por essa razão, teria apenas o retorno de 25% dos acréscimos dos resultados e valorizações da sua participação na Participada gerados pela gestão dos valores recebidos por empréstimo, levando a que 75% do acréscimo de resultados e valorizações da Participada fosse rendimento/ganho de terceiros, ou melhor, dos sócios detentores de 75% do capital social, sem que estes tenham suportado quaisquer custos.
A Sociedade Requerente é uma entidade distinta da Sociedade Participada, com personalidade jurídica e capacidade tributária próprias, devendo cada uma delas prestar contas aos interessados, nos quais se inclui o Fisco, com a inclusão de todos os rendimentos e de todos os gastos que proporcionaram esses rendimentos, de modo a ser feito o balanceamento (matching) entre os rendimentos e os gastos, em conformidade com a normalização contabilística, com vista à apresentação de contas que dêem uma imagem verdadeira e apropriada do balanço e dos resultados.
A Sociedade Participante, ao suportar os custos de financiamento dos capitais mutuados à Sociedade Participada, está a prejudicar os seus sócios e a conceder vantagens económicas indevidas aos sócios detentores de 75% do capital social da Sociedade Participada.
Como se pode ler no RIT correspondente à inspecção tributária da Requerente, realizada ao exercício de 2017, a sociedade Participante e a sociedade Participada têm sócios comuns, podendo concluir-se que a sociedade Participante (a Requerente) suportou 100% dos custos com o financiamento da sociedade Participada, para ter o retorno de apenas 25% dos resultados desta, beneficiando os outros sócios detentores de 75% do capital da sociedade Participada, que por esse motivo enriquecem de forma injustificada.
Resumindo, os gastos necessários ao financiamento da sociedade Participada, por ser ela a utilizadora e beneficiária desse factor de produção, o capital, no caso sob a forma de dinheiro, são gastos que devem integrar as suas contas onde se demonstram os resultados do respectivo período anual.
No caso de os gastos serem assumidos por outra qualquer entidade, no caso a Requerente, esse gasto não pode ser aceite como gasto das suas operações, mormente como gasto fiscal.
Se tudo o que ficou dito, puder ser, aparentemente, contrariado por decisões de tribunais superiores, cumpre lembrar que tais tribunais têm o entendimento de que as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), no âmbito do exercício indirecto da actividade empresarial, podem conceder mútuos às suas participadas e, inclusive, conceder mútuos a essas entidades sem qualquer retribuição. Esta opinião dos tribunais superiores foi, entretanto, alargada às sociedades que são tributadas pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS).
Porém, porque a Requerente não é uma SGPS nem é tributada pelo RETGS no qual se inclua a participada em causa, ou seja, a B..., SA, tal posição dos tribunais superiores não é aplicável ao caso.
Acresce ainda que, embora o regime jurídico das SGPS preveja a hipótese de essas sociedades fazerem contratos de suprimento com sociedades participadas, nada existe nesse regime jurídico, nem na legislação fiscal, que estabeleça que as SGPS podem obter financiamentos bancários em seu nome para com eles fazerem suprimentos a sociedades participadas, podendo, ainda assim, considerar como gastos seus (das SGPS) os juros e demais encargos suportados com esses créditos obtidos.
Estabelecendo a lei que, em determinadas condições, as SGPS podem conceder suprimentos a participadas, de que não são dominantes, como é o caso, mediante a contratualização de suprimentos, tal não significa que as SGPS, quando obtêm empréstimos bancários para com eles realizarem suprimentos em participadas, possam ver os encargos financeiros suportados serem aceites como gastos para efeitos fiscais.
Cada sociedade, como entidade autónoma, deve elaborar as suas contas, deduzindo aos rendimentos obtidos em cada período, os gastos correspondentes aos factores de produção por si utilizados na produção desses mesmo bens e serviços comercializados.
E porque o capital mutuado pela via dos suprimentos foi utilizado pela sociedade participada, a B..., SA, deveria ser esta a incluir nos seus gastos o custo desse empréstimo. No caso de outro alguém, no caso a Requerente, ter suportado esses custos de financiamento, então esses custos não podem ser considerados como gastos para efeitos fiscais.
O último mas não o menos importante, é o facto de o Tribunal sustentar a sua posição no argumento de que “...se o valor de 1,4 milhões de euros foi canalizado para uma sociedade cujo capital social é detido em mais de 20% pela Requerente, esta cedência enquadra-se na gestão de ativos financeiros, relativamente aos quais se esperam benefícios económicos, i.e., rendimentos que caiam no âmbito de sujeição do imposto, como sejam dividendos e mais-valias, e que, por essa razão, podem ancorar uma conexão válida e relevante entre os encargos financeiros incorridos e a atividade do sujeito passivo, mesmo quando os capitais sejam cedidos de forma gratuita a sociedades participadas.
Com o devido respeito, este argumento usado pelo Tribunal não pode vencer, pelos seguintes motivos:
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Em primeiro lugar, a afirmação carece de ser tornada mais clara. Afirma o Tribunal que “se o valor de 1,4 milhões de euros foi canalizado para uma sociedade cujo capital social é detido em mais de 20% pela Requerente, esta cedência enquadra-se na gestão de ativos financeiros”. Porém, certamente, o Tribunal queria dizer “esta cedência enquadra-se na gestão de participações sociais”, pois é de participações sociais de que se trata a questão em análise.
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Se o Tribunal considera que a sociedade exerce a actividade de gestão de participações sociais, está a afirmar que a Requerente exerce uma actividade que lhe está vedada por lei;
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Ainda que a gestão de participações sociais não fosse actividade vedada à Requerente, ao exercê-la de facto, estava a exercer uma actividade para a qual não está autorizada pelos seus próprios estatutos, uma vez que o seu objecto social não prevê a gestão de participações sociais.
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Assim, não constando do seu objecto social a actividade de gestão de participações sociais, a Requerente não está autorizada a exercer a actividade para a qual, alegadamente, foi obtido o financiamento. E sendo o dinheiro obtido com o financiamento bancário, utilizado para fundo de maneio da sua participada, fica claro que os encargos financeiros suportados, não podem ser aceites como gastos para efeitos fiscais, por não terem sido suportados no âmbito do exercício da actividade da Requerente.
As razões apontadas, são aquelas que me levam a não me rever na fundamentação do Tribunal, nem na sua decisão, no que respeita aos gastos de financiamento suportados pela Requerente, quando obtém financiamentos no montante de €1.400.000,00 e os empresta à sua participada B..., SA, sem remuneração, nem qualquer forma de reembolso dos custos financeiros suportados.
Henrique Manuel Lima Fiúza
Economista Conselheiro (OE)
[1] A jurisprudência dos tribunais superiores aqui referenciada está acessível em linha através do seguinte endereço: www.dgsi.pt.
[2] O entendimento restritivo da indispensabilidade foi muito criticado pela doutrina, podendo ver-se, a este respeito, TOMÁS DE CASTRO TAVARES, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Outubro-Dezembro 1999, pp. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, janeiro de 2002, p. 40, e ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, 2004, pp. 243 e ss..
[4] Foi emitida uma quarta fatura, mas de adiantamento, como acima referido. Essa tem a sigla “FAD”.
[5] Até ao total de 100% (acumulado) para créditos em mora há mais de 24 meses (artigo 28.º-B, n.º 2 do Código do IRC).
[6] O reconhecimento dos gastos depende, nos casos de incobrabilidade (definitiva), do decurso de processos executivos, de insolvência, de revitalização ou do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (“RERE”), nas condições descritas no artigo 41.º do Código do IRC.
[7] Ou, eventualmente, se fosse o caso, a sua consideração nos termos do artigo 41.º do mesmo diploma.
[8] Sobre os rendimentos e ganhos, rege o artigo 20.º do Código do IRC, que considera como tais os relativos a vendas ou prestações de serviços (v. n.º 1, alínea a)).
[9] V. a título ilustrativo também os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo nos processos n.ºs 01648/02, de 2 de maio de 2003; 0807/07, de 2 de abril de 2008; 0291/08, de 25 de junho de 2008; 0716/13, de 14 de março de 2018. São também diversas as decisões arbitrais no mesmo sentido, indicando-se como exemplos as seguintes: n.º 588/2015-T, n.º 666/2018-T, n.º 697/2018-T, 431/2020-T.
[10] De notar que o Tribunal está circunscrito à apreciação dos factos relativos ao exercício de 2017. Não pode conhecer, nem se deve pronunciar sobre o tratamento que devia ter sido conferido em 2018.
[11] Cf. Aviso n.º 8254/2015, de 20 de julho de 2015, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças: “Pelo Despacho n.º 264/2015 -XIX do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16 de julho de 2015, foi homologada a seguinte Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho” – publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 146, de 29 de julho de 2015.
[12] Na verdade, se os gastos com imagem e aparência fossem “indissociáveis” da atividade comercial da Requerente, também o seriam a higiene pessoal, a exibição de jóias e de relógios de marca e indicadores de gosto refinado. Porém, estes não são, apesar disso, específicos da atividade empresarial, mas gastos pessoais. Isto sem prejuízo de os gastos pessoais serem condicionados pelos objetivos de estatuto dos indivíduos, do seu posicionamento sócio económico e, mesmo, dos seus objetivos profissionais.
[13] O artigo 35.º-A do Código do IVA constitui uma manifestação desta territorialidade que foi inserida na Diretiva IVA de forma expressa em 2010 (v. artigo 219.º-A da Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010).