Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 269/2023-T
Data da decisão: 2024-04-19  IVA  
Valor do pedido: € 180.038,46
Tema: IVA; direito à dedução; e pro rata.
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SUMÁRIO:

Embora a atividade de venda de extensões de garantia (EG) beneficie da publicidade feita pelo comerciante à sua marca ou aos produtos que vende, e entre os quais se encontram os que suscitam a venda de tais EG, essas despesas de publicidade não podem ser imputadas, sequer em parte, a tais vendas, se nem sequer são consideradas para efeito dos custos de tais EG, que são fixadas pela seguradora, sendo o comerciante remunerado por uma comissão.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Victor Calvete, David de Oliveira Nunes Fernandes, Francisco Nicolau Domingos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A.,  contribuinte n.º..., com sede na ..., ..., ..., ..., ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a),  do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) número 2022..., referente ao período de tributação 201812T, perfazendo um total a pagar de € 180 038,46 (€ 156 557,88 de IVA e € 25 246,83 de juros compensatórios – demonstração acerto de contas n.º 2022...).

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 11 de abril  de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 1 de junho de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. O Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 21 de junho de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

5. Em 11 de setembro de 2023, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).

 

6.  A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT realizou-se no dia 5 de janeiro  de 2024, tendo sido inquiridas as seguintes testemunhas: i) B...; ii) C...; e iii) D... . O Tribunal Arbitral admitiu, igualmente, a junção aos autos das gravações da prova testemunhal  respeitante ao processo n.º 310/2023-T peticionada pela Requerida e aceite pela Requerente. Determinou-se, por último, que a inquirição da testemunha E... se realizasse no dia 12 de janeiro de 2024.

 

7. No dia 12 de janeiro de 2024 foi inquirida a testemunha E... e, concomitantemente, o Tribunal Arbitral notificou, ainda, as partes para querendo apresentarem alegações finais escritas e simultâneas, no prazo de vinte dias.

 

8. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais escritas em 2 de fevereiro de 2024,  tendo reiterado os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

9. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente está registada com o CAE 47540 – Comércio a retalho de eletrodomésticos, em estabelecimentos especializados e encontra-se enquadrada no regime normal mensal de IVA;

(PA)

 

  1. A atividade principal da Requerente consiste no comércio de eletrodomésticos, artigos de informática e telecomunicações;

(PA)

  1. A Requerente comercializa, para além da sua atividade normal, extensões de garantia (seguros) que proporcionam um prolongamento da garantia original.

 

  1. A venda de extensões de garantia tem subjacente um contrato de agência na atividade de mediação de venda de apólices de seguro;

(Documento junto pela Requerente, sob o número 2, com o pedido de pronúncia arbitral)

 

  1. A AT efetuou uma inspeção à Requerente, relativa ao ano de 2018, na qual foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária (“RIT”), que consta do documento junto com o pedido de pronúncia arbitral sob o n.º 1,  no qual se refere, nomeadamente, o seguinte:

 

 

III.1. IVA - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

 

III.1.1.Enquadramento legal das extensões de garantia

 

Conforme já referido, no âmbito da sua atividade, a A... vende extensões de garantia (EG), que vão proporcionar aos adquirentes dos eletrodomésticos uma garantia adicional, para além da que é atribuída pelo fornecedor da marca. Ou seja, uma EG mais não é do que um seguro.

Nessa medida, estas prestações de serviços estão isentas de IVA, nos termos do artigo 9.°, n.° 28 do CIVA (aliás, como muito bem foi entendido pela A...).

 

Em consequência, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços relacionados com as EG não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.°, n.° 1 do CIVA.

A questão que se coloca é apurar o montante de imposto suportado inerente a esta atividade.

Efetivamente, na A... não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade). Contudo, há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.     

 

Relativamente aos bens e serviços de utilização mista, o artigo 23.º  do CIVA prevê duas formas de determinar o imposto dedutível:

a)        Fazendo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito;

b)        Com base na percentagem (vulgarmente pro rata) correspondente ao montante anual das operações que dão lugar a dedução, a qual é calculada através de uma fração, que comporta no numerador o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução, nos termos do n.° 1 do artigo 20.°, e no denominador o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo.

 

Sobre as EG e o artigo 23.° do CIVA, cumpre referir que no âmbito das ações inspetivas efetuadas aos anos de 2014 a 2017, foi invocado pela A... que estas operações são financeiras e, como tal, deveriam ser excluídas do denominador da fração a que se refere o n.° 4 do artigo 23.° do CIVA (pro rata).

Esta posição não mereceu acolhimento por parte da AT, o que motivou as correções em sede de IVA, efetuadas naquelas ordens de serviço.

Tais correções foram objeto de recurso por parte do sp, mediante a apresentação no CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) de um pedido de constituição do tribunal arbitrai coletivo.

Na sequência do pedido de decisão prejudicial, efetuado pelo CAAD ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), veio este Tribunal concordar com a fundamentação apresentada pela AT (Acórdão de 2021-07-08), tendo o CAAD, em consequência, decidido no mesmo sentido (Decisão de 2021-07-20).

Portanto, não restam dúvidas que as extensões de garantia não sé confundem com as operações financeiras a que se refere o n.° 4 do artigo 23.° do CIVA, pelo que não se excluem do denominador da fração nele indicada.

 

III.1.2 Tratamento contabilístico das extensões de garantia

 

O valor de venda das EG é faturado pela A... aos clientes, na mesma fatura da venda do eletrodoméstico.

Em termos de contabilização, o valor correspondente às vendas de eletrodomésticos é registado na conta 71 - Vendas e o valor das EG é registado na conta 7816000007 - Outros rendimentos suplementares - ext garantia.

Posteriormente, e de forma periódica, a seguradora, no caso a “F... Plc", com sede em Espanha, emite uma fatura à A... pelo valor global das EG, líquido da correspondente comissão a que a A... tem direito (ou seja, o valor da fatura da seguradora corresponde ao que ela tem a receber).

Esta fatura da seguradora é registada na conta 6228000006 ~ Outros trabalhos especializados.

O ganho obtido pela A... com a venda de extensões de garantia resulta da diferença entre a conta 7816000007 e a conta 6228000006.

No período de tributação de 2018, aquelas contas registaram os valores de €10.740.379,90 e de €6.768.104,93, respetivamente, pelo que o ganho bruto obtido com as EG foi de €3.972.274,97 (cerca de 84% do resultado líquido da empresa).

Cumpre referir que, não obstante a A... ser um intermediário entre a seguradora e o cliente, tal forma de faturação e correspondente contabilização impossibilita que estas operações sejam enquadradas, em sede de IVA, como quantias pagas em nome e por conta do adquirente e, por isso, excluídas de tributação, nos termos do artigo 16.°, n.° 6, c) do CIVA.

Com efeito, a exclusão de tributação prevista naquele artigo exige que sejam utilizadas contas de terceiros apropriadas (e não contas da classe 6 e 7) e que as faturas da seguradora fossem emitidas em nome do adquirente da EG (e não da A...), o que não sucedeu.

 

III.1.3 Apuramento do imposto suportado em cada atividade

 

Conforme já referido, perante o exercício de uma atividade sujeita a IVA e dela não isenta em paralelo com uma atividade isenta, cumpre determinar o imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos a uma e a outra, com vista a ser apurado o imposto dedutível (o da atividade não isenta) e o imposto não dedutível (o da atividade isenta).

O apuramento do IVA suportado com cada atividade, requer, numa primeira fase, que se proceda à imputação direta, isto é, identificar o que é diretamente imputável à atividade não isenta e o que é afeto à atividade isenta.

Feita esta primeira distinção, e subsistindo imposto suportado simultaneamente com ambas as atividades, haverá que determinar que parte do imposto cabe a cada uma, recorrendo aos métodos previstos no artigo 23.° do CIVA.

 

III.1.3.1. Distribuição dos encargos e do IVA suportado por tipo de atividade

No caso da A..., o IVA suportado e deduzido com a aquisição de bens e serviços de utilização mista estará incluído nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA (já que os restantes campos de IVA dedutível dizem respeito unicamente a inventários, ou seja, os correspondentes encargos são imputados diretamente à venda de mercadorias).

Porém, naqueles campos poderá estar também incluído o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços afetos unicamente à atividade sujeita e não isenta.

Por esse motivo, foi solicitado à empresa que procedesse à distribuição dos encargos por tipo de atividade (venda de eletrodomésticos e mista), com indicação do correspondente critério utilizado.

 

i) Distribuição efetuada pela A...

 

Em resposta ao solicitado, veio a A... apresentar a informação, no documento que se junta como Anexo 1, onde discrimina todos os encargos cujo correspondente imposto foi deduzido nos campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA.    

Os valores indicados pela empresa foram obtidos com base na contabilidade analítica, a partir da qual foi extraída informação detalhada dos valores dos campos 20 e 24 por natureza, isto é, por tipo de despesa.

Uma vez feita esta decomposição, a A... procedeu à imputação direta dos gastos que considera terem uma relação exclusiva com a atividade sujeita e não isenta.

Aqui se incluem, entre outros, os transportes de mercadorias e os gastos das instalações unicamente afetas a armazém, perfeitamente identificados, com centro de custo próprio, na contabilidade analítica.

Nos casos em que não está associado um centro de custo, ou em que no mesmo centro de custo possam estar alguns encargos afetos só à atividade de venda de eletrodomésticos e outros afetos à atividade mista, a imputação direta implicou uma análise por documento contabilístico.

De seguida, e para os gastos que a A... considerou de utilização comum em ambas as atividades, procedeu à afetação real de uma parte, com base nos critérios explicitados no Anexo 1.

 

Destacam-se os critérios utilizados relativamente aos gastos de funcionamento das lojas, que incluem uma parte de armazém e outra de exposição para venda das mercadorias.

Para estes gastos, tais como água, eletricidade, limpeza, rendas, etc., foi feita a repartição com base na área de cada loja, tendo sido considerada a parte estritamente afeta a armazém como inerente à atividade sujeita e não isenta e a restante parte de utilização mista.

A percentagem da área de cada loja assim obtida, foi aplicada aos respetivos gastos, identificados na contabilidade analítica por centro de custo.

Os valores decorrentes da imputação direta e da afetação real foram indicados, no referido documento, na coluna designada por “Imputado diretamente a mercadorias".

O remanescente foi considerado pela A... como sendo de utilização mista.

Resumem-se no quadro seguinte os valores indicados pela A...:

Quadro n.° 4                                      (valores em euros)

Valor total de bens e serviços

Imputado diretamente a mercadorias

Utilização Mista

Base

 Iva suportado

Base

Iva suportado

Base

Iva suportado

21 506 850,89

4 912 417,04

13 583 776,63

3102 571,09

7 923 074,26

1 809 845,95

 

 

 

ii) Distribuição aceite pela AT

 

Sobre os critérios utilizados pela A... para a distribuição dos encargos entre atividade exclusivamente de venda de mercadorias e atividade mista, cumpre referir que mereceram a concordância da AT, exceto no que se refere aos gastos com publicidade.

Com efeito, a A... considerou que a publicidade está exclusivamente afeta à venda de mercadorias (imputação direta). Tal entendimento, porém, não pode ser aceite pela AT.

Na verdade, a venda de EG está de tal forma associada à venda de eletrodomésticos, que, na generalidade dos gastos, se torna quase impossível definir os que são apenas de uma ou de ambas as atividades.

Repare-se que as EG são propostas aos adquirentes dos eletrodomésticos pelos próprios vendedores, enquanto se desenrola o processo de venda, ou no momento do pagamento, pelos operadores de caixa.

Ou seja, a venda de EG é efetuada no mesmo espaço e pelas mesmas pessoas que efetuam a venda dos eletrodomésticos.

Portanto, coexistindo as duas atividades e sendo desenvolvidas em conjunto, no mesmo espaço e pelas mesmas pessoas, a generalidade dos encargos da empresa vai ser comum a ambas as atividades.

De facto, ambas as atividades vão aproveitar a generalidade dos gastos suportados pela empresa, sem ser possível distinguir, de forma objetiva, quanto é que a atividade de venda de eletrodomésticos vai usufruir desses gastos e quanto é que a atividade de venda de EG vai usufruir.

Aliás, assim entendeu a A..., que considerou como sendo de utilização mista os gastos com as lojas (água, eletricidade, rendas, etc.), entre outros.

Ora, no caso concreto da publicidade, poderá a A... afirmar que com a publicidade vai conseguir apenas incrementar a venda de eletrodomésticos?

Mais ainda, poderá a A... afirmar que o acréscimo de vendas de eletrodomésticos, proporcionado pela publicidade, não vai dar lugar a um acréscimo de venda de EG?

É evidente que não!

O objetivo da publicidade é atrair clientes, com vista a aumentar a faturação da empresa, ou seja, os seus rendimentos, sendo concretizado quer com a venda de eletrodomésticos, quer com a venda de extensões de garantia!

Não deixa de ser verdade, como foi referido pela A... nos diversos contactos tidos ao longo do procedimento inspetivo, que por vezes a publicidade é dirigida a determinados artigos, com campanhas de descida de preço.

Mas será certo dizer que com essa publicidade a A... pretende apenas atrair clientes para vender os artigos referidos na campanha?

Ou será que a publicidade a esses determinados artigos é uma forma de atrair clientes e de aumentar as vendas da empresa, daqueles e de outros artigos, vendas essas que começam por ser de eletrodomésticos e acabam por dar lugar a extensões de garantia?

Não parece haver dúvidas de que a resposta afirmativa é para a segunda questão. Ou seja, a publicidade, ainda que dirigida a determinados artigos, é uma forma de atrair clientes e de aumentar as vendas da empresa, daqueles e de outros artigos, vendas essas que começam por ser de eletrodomésticos e acabam por dar lugar a extensões de garantia.

Acresce que há certas campanhas, designadamente nos canais televisivos, em que a publicidade é institucional, ou seja, à A... como um todo, e não a artigos específicos.

Os aspetos elencados são por si só suficientes para demonstrar a ligação da publicidade a ambas as atividades.

Ainda assim, e sem prescindir, não podemos deixar de lembrar o peso que os ganhos obtidos com a venda de EG tem no resultado líquido.

Efetivamente, conforme já referido no ponto III.1.2., a venda de EG proporcionou à A..., no ano de 2018, uma margem bruta de €3.972.274,97, representativa de cerca de 84% do resultado líquido da empresa, que ascendeu a €4.741.594,77.

Ora, face a estes valores, e sabendo-se que a venda de eletrodomésticos proporciona venda de EG, será razoável admitir que com a publicidade a A... pretende apenas vender eletrodomésticos?

A decisão da empresa quanto aos gastos a suportar com a publicidade será alheia aos ganhos que vai obter com a venda de EG?

Não podemos aceitar tal absurdo!

Em suma, pelas várias considerações efetuadas, é por demais evidente que os gastos com a publicidade promovem quer a venda de eletrodomésticos, quer a venda de EG, pelo que deverão ser considerados de utilização mista.

Este entendimento foi transmitido à A..., no decurso do procedimento inspetivo, tendo sido referida pela empresa a alteração de posição da AT, face aos anos anteriores.

Na verdade, no procedimento inspetivo anterior, a publicidade foi considerada pela A... como afeta exclusivamente à atividade não isenta (venda de eletrodomésticos), não tendo, na altura, o critério sido contestado pela AT.

Tal não obsta, porém, a que se tenha agora adotado outro entendimento. Com efeito, no procedimento inspetivo anterior, a questão fulcral foi determinar se as operações de seguro se enquadravam nas operações financeiras, para efeitos de exclusão do denominador da fração a que se refere o n.° do artigo 23.° do CIVA (pro rata).

Feita agora uma análise mais detalhada da repartição dos encargos por tipo de atividade (ainda assim, com recurso a amostragem, dada a infinidade de documentos a analisar), concluiu-se que algumas rubricas de gastos foram, indevidamente consideradas como não afetas à atividade mista.

Tal mudança de posição é perfeitamente admissível. Aliás, sobre o critério de cálculo do IVA não dedutível, também a AT questionou a A... quanto à possibilidade de existir outro, diferente do que foi utilizado nos anos anteriores, que melhor se adequasse à realidade da empresa.

E de facto a A... veio apresentar esse critério, ou seja, alterou o entendimento assumido nos anos anteriores.

Conforme a seguir melhor se explicitará, tal critério não mereceu acolhimento por parte da AT, mas apenas e unicamente por não ser considerado objetivo. Não foi pelo facto de o critério ser diferente do que foi utilizado nos anos anteriores que não foi aceite pela AT.

Diga-se, ainda, que a análise mais detalhada da natureza dos gastos, que motivou a inclusão da publicidade nos encargos de utilização mista, também permitiu à AT detetar outros, designadamente com as instalações designadas por … Parque, que não foram, no passado, considerados afetos à atividade mista, mas que: deveriam ter sido.

Tal lapso foi reconhecido pela A..., que, no apuramento dos gastos de 2018 de utilização mista, procedeu à sua inclusão.

Portanto, o facto de a AT não ter questionado, nos anos anteriores,  a consideração da publicidade como sendo afeta apenas à venda de mercadorias, e de agora vir alterar o seu entendimento, não deverá, nem poderá sequer, servir como fundamento para demonstrar a sua ligação exclusiva à venda de mercadorias.

Face ao exposto, considerando a distribuição dos encargos da A..., evidenciada no anexo 1, e o entendimento da AT quanto à publicidade, apuram-se os seguintes valores de IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista:

 

Quadro n.° 5

 

(valores em euros)

IVA suportado - utilização mista

2018

Considerado pela A... (0)

(+)

1 809 845,95

De gastos com publicidade(a)

(+)

1 556 472,51

IVA suportado, de utilização mista - AT

3 366 318,46

 

 

III.1.3.2. Critérios de cálculo do IVA inerente a cada atividade

Critérios sugeridos pela A...

> Critério "horas-homem"

Feita a distribuição dos encargos por tipo de atividade e apurado o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, cumpre determinar o montante do imposto dedutível e, por sua vez, o não dedutível.

Face à possibilidade de opção por um dos métodos previstos no artigo 23.° do CIVA, para determinar o montante de IVA dedutível, foi a A... notificada para informar a AT por qual dos métodos optaria.

Admitindo que a opção pudesse ser pelo método da afetação real, foi ainda solicitado à A..., na mesma notificação, para indicar os critérios objetivos, devidamente fundamentados, que em seu entender permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços comuns em cada tipo de atividade.

Em resposta ao solicitado, veio em 2022-04-18 a A... eleger o critério horas-homem", para determinar o grau de utilização dos bens e serviços comuns em cada tipo de atividade e, assim, apurar o IVA não dedutível, relativo à venda de EG, referindo que este critério está previsto no Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril.

A percentagem do tempo gasto na venda de EG, aplicada ao IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista (apurado com base nos critérios descritos no Anexo 1), determinaria o montante do imposto não dedutível.

Fundamenta a opção pelo critério horas-homem, alegando que no ponto 18 do Acórdão do TJUE, relativo ao procedimento inspetivo anterior, "ficou assumido (e reforçando o entendimento do CAAD) que a afetação de recursos de utilização mista à atividade de venda de extensões de garantia era apenas uma percentagem diminuta", estimada em 0,62%.

Informa que esta percentagem de 0,62%, calculada através do critério horas-homem, com referência ao ano de 2017, resultou de uma amostra efetuada pelo departamento de auditoria interna da A..., em novembro de 2018. Para justificar os cálculos efetuados, remete para o relatório de auditoria, que juntou à resposta (anexo 2).

A referida amostra foi composta por 195 operações, realizadas em 8 lojas, tendo sido apurado que o tempo médio gasto numa venda (incluindo eletrodomésticos e EG) é de 13,43 minutos e que deste tempo 2,78 minutos são gastos a vender ou a tentar vender EG e os restantes 10,65 minutos a vender eletrodomésticos.

Pese embora o cálculo desta percentagem envolva alguns passos, conforme consta do referido relatório de auditoria, no essencial ela resulta da proporção do tempo médio que os colaboradores da A... gastam a vender ou a tentar vender EG (tendo por base a amostra efetuada e extrapolando para o ano todo), no total do tempo de trabalho anual.

Ou seja, sabendo o tempo médio de venda de uma EG e multiplicando pelo número de EG vendidas (número este calculado com base num determinado critério), a A... obtém as horas gastas no ano a vender EG. Dividindo estas horas pelo total de horas trabalhadas, obtém a percentagem de tempo gasto na venda de EG, que em 2017 foi de 0,62%.

A mesma forma de cálculo permitiu apurar que a venda efetiva de eletrodomésticos e EG representa 33,87% do tempo de trabalho anual, sendo que os restantes 66,13% são gastos noutras tarefas necessárias ao funcionamento das lojas e da atividade (tais como atendimento sem venda concretizada, arrumação, limpeza, formação, etc.).

Para comprovar que uma parte significativa do tempo de trabalho não é a vender, a A... remeteu informação da taxa de concretização, que relaciona o número de faturas emitidas numa determinada loja com o total de pessoas que entram nessa loja. O somatório das taxas de cada loja vai determinar a taxa de concretização global dal empresa, que em 2018 foi de 17,42%.

Relativamente ao rácio horas-homem de 2018, foi utilizada a mesma forma de cálculo, tendo sido apurada a percentagem de 0,65%, conforme informação remetida por email, em 2022-07-29, e que se indica no quadro seguinte (as letras atribuídas a cada coluna e a correspondente justificação são da responsabilidade da AT):

 

 

 

 

D, F, G, H, I: dados da A... .                        E = (F + G) / D

J = [ G / (F + G) ] x D x B / 60 /1 x 100

 

 

 

> Critério "área-ocupada"   

Para além do critério descrito, que a A... considera ser o que mais se adequa à situação, veio ainda, na resposta remetida em 2022-04-18, indicar outro, designado por “área ocupada”.

Não obstante ter a A... posteriormente abandonado este critério, conforme informou via email de 2022- 07-29, cumpre descrever, de forma sucinta, em que consistia.

Assim, o critério área ocupada era semelhante ao que foi utilizado para afetar os gastos de funcionamento das lojas (já descrito no ponto III.1.3.1.), mas, desta feita, admitindo que a venda das EG só ocorria na zona das caixas (e não em toda a loja, como acabou por ser admitido).

Com base neste pressuposto, a A... apurou que a área onde se exerciam ambas as atividades (acrescida de áreas comuns, como vestiários e área social dos trabalhadores) representava 14,57% da área total das lojas.

Esta percentagem seria aplicada aos encargos de utilização mista (determinados com base no procedimento descrito no ponto III.1.3.1.), apurando-se o valor dos encargos e correspondente IVA afetos à área de exercício das duas atividades.

Finalmente, ao valor assim apurado, seria aplicado o pro rata, calculado nos termos do n.° 4 do artigo 23.° do CIVA, para se obter o montante do IVA não dedutível.

 

Análise crítica da AT

> Critério “horas-homem"

 

Sobre o critério horas-homem sugerido pela A..., diga-se que a falta de objetividade patente no seu cálculo afasta desde logo a possibilidade de ser aceite pela AT.

Repare-se que, de acordo com o relatório de auditoria, a amostra efetuada pela empresa contemplou apenas 8 lojas e 195 registos (isto é, faturas de venda), num total de 1.655.887 registos. Ou seja, a amostra representa apenas 0,01%, pelo que dificilmente poderia ser aceite.

De qualquer forma, ainda que aquela amostra contemplasse um número substancialmente superior, sempre seria de questionar a sua objetividade.

Na verdade, resultando a venda de EG de uma conversa de um funcionário (mais ou menos expedito), e dependendo do cliente (mais ou menos indeciso), nunca se pode quantificar, com objetividade, o tempo despendido para a venda de EG.

Sendo certo que há situações em que o cliente solicita a ajuda do vendedor para a escolha do artigo que procura, há outras em que ele entra na loja sabendo aquilo que quer e faz a compra sem qualquer apoio do vendedor, sendo apenas no momento do pagamento que lhe é proposta a EG.

Ora, num caso destes, a percentagem de tempo gasto pelo funcionário a vender a EG seria substancialmente superior à da venda do eletrodoméstico.

É verdade que o Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril, admite, como critério para determinar o grau de utilização dos bens e serviços de utilização mista em cada tipo de atividade, as horas-homem ou horas-máquina, mas desde que calculadas de forma objetiva.

De facto, tratando-se de uma máquina que trabalha 12 horas por dia e que nesse tempo produz x unidades do produto A e y unidades do produto B, então é possível quantificar, de forma objetiva, o tempo despendido pela máquina na produção de cada produto.

Ou mesmo se falarmos de determinadas tarefas executadas por um trabalhador, desde que essas tarefas demorem sempre o mesmo tempo e sejam determinadas com objetividade.

E é a essa situação que o Ofício-Circulado 30103/2008, de 23 de abril, se refere, isto é, quantificação do tempo despendido, apurado de forma objetiva!

Quanto à pretensão da A... de dar como validada pelo TJUE a percentagem de 0,62% (tempo gasto com a venda de EG em 2017), é totalmente descabida.

Na verdade, no ponto 18 do Acórdão referente ao processo inspetivo anterior, o TJUE não se está a pronunciar sobre a sua concordância ou não com o valor apresentado, mas tão só a descrever o que o órgão jurisdicional de reenvio defende, relativamente à natureza acessória das extensões de garantia.

A análise do caso, que culminou na decisão, é feita pelo TJUE a partir do ponto 21 do Acórdão. E o facto é que o TJUE não se pronunciou sobre aquela percentagem, até porque não era esta a questão em causa.

De qualquer modo, diga-se que aquela percentagem foi apresentada pela A..., na petição que entregou no CAAD, unicamente para demonstrar o carater acessório das operações de seguro (extensões de garantia), face à atividade global.

Nunca em momento algum, nem durante o procedimento inspetivo, nem na fase de recurso jurisdicional, foi manifestada pela A... discordância quanto à utilização do pro rata, nem foi sugerido que deveria ser utilizado o critério horas-homem como alternativa ao pro rata.

 

E foi nessa temática, a de definir se a atividade de venda de extensões de garantia era ou não acessória, que o CAAD se refere ao reduzido peso que o tempo de venda das EG representa no total do tempo dos colaboradores da A... .

Portanto, no que toca à utilização do critério horas-homem para determinar o montante do IVA afeto à atividade de venda de EG, nunca o CAAD ou o TJUE se pronunciaram.

Não obstante não se pode aceitar este critério, face à manifesta falta de objetividade inerente ao cálculo do tempo gasto na venda de EG, não queremos prescindir de comentar os restantes cálculos efetuados.

Assim, a percentagem de 0,62% foi apurada pela A... por comparação do tempo médio de venda de EG com o tempo total de trabalho, que inclui outras tarefas, necessárias ao funcionamento das lojas e da atividade, para além do ato da venda efetiva de eletrodomésticos e EG.

Ora, isto não faz qualquer sentido. É verdade que estas tarefas fazem parte do desenvolvimento da atividade da A..., que engloba venda de eletrodomésticos e venda de EG. Por isso mesmo, elas devem ser equiparadas a gastos comuns.

Se a A... pretendia utilizar o critério “tempo de venda” (e ignorando o facto de este critério não ser objetivo), então faria sentido calcular a proporção do tempo de venda de EG no tempo total efetivo de venda e a proporção do tempo de venda de eletrodomésticos no tempo total efetivo de venda.

Portanto, a ser utilizado este critério, teríamos que considerar que db tempo total efetivo de venda (13,43 minutos), a venda de eletrodomésticos (10,65 minutos) representa 79,3% e a venda de EG (2,78 minutos) ocupa 20,7%.

Tendo em conta que a percentagem atribuída à venda de EG seria a que determinaria o IVA não dedutível, pergunta-se: pretenderá a A... utilizar a percentagem de 20,7% em vez da que decorre do pro rata, que é de 5%?

Em síntese, tendo em conta os vários aspetos referidos, tais como:

~          O facto de o tempo de venda ser muito relativo e variável, não podendo ser calculado com objetividade;

-           A reduzida amostra, representativa de apenas 0,01 %, efetuada com vista a calcular esse tempo;

-           Ainda que o tempo médio de venda fosse calculado de forma objetiva (o que não é!), não faz qualquer sentido compára-lo com o tempo total de trabalho, mas sim com o tempo efetivo de venda.

É por demais evidente que o critério horas-homem, proposto pela A..., não pode ser aceite.

 

Critério "área-ocupada"

Sobre o critério área ocupada, considerando que o mesmo foi abandonado pela A..., diga-se apenas que o mesmo não poderia ser aceite pela AT, dada a falta de aderência à realidade.

De facto, é sabido que a venda de EG pode ser feita na zona das caixas, mas também noutro qualquer local da loja, pelo que limitar a área desta forma não poderia merecer acolhimento.

 

> Outros critério objetivos

 

Por fim, diga-se que não foram apresentados outros critérios pela A..., para além dos dois já referidos, apesar de lhe ter sido dada a oportunidade para tal, depois de lhe ter sido comunicada que não seria aceite o critério proposto.

 

Critérios a utilizar pela AT

 

Não tendo os critérios sugeridos pela A... merecido acolhimento por parte da AT, e não sendo conhecidos outros critérios objetivos, resta aplicar a fórmula de cálculo prevista no n.° 4 do artigo 23.° do CIVA, já explicitada no ponto III.1.1.

Tal faculdade está prevista no próprio artigo 23.°, no n.° 2 do CIVA, que concede o direito à AT de fazer cessar a opção pelo método da afetação real, caso o mesmo provoque distorções significativas na tributação, como é o caso.

Ora, conforme ficou explicitado, não cumprindo o critério horas-homem o requisito basilar previsto no n.° 2 do artigo 23.° do CIVA, isto é, a objetividade, não pode ser aceite, tanto mais que a sua utilização determinaria um imposto a regularizar substancialmente inferior.

Sobre esta matéria, da possibilidade de a AT fazer cessar o método da afetação real, já se pronunciou a jurisprudência favoravelmente à AT, dando-se como exemplo o Acórdão do TCAS relativo ao processo n.° 209/14.0BEBJA.

 

III.1.4., Cálculo do imposto não dedutível

 

 III.1.4.1. Cálculo do pro rata

Com base nos valores constantes do balancete remetido pela A..., foi apurada a seguinte percentagem (que, colocada à consideração da A..., mereceu a sua concordância):

 

Quadro n.° 7

(valores em euros)

Cálculo do Pro rata

2018

(1) Operações tributadas

 

7110000000

-229 448 739,33

7110000001

-1 469 053,00

7110000002

-102 862,87

7110000003

270 664,72

7110000004

-270 664,72

7181000000

46 683 316,09

7210000001

-327 062,35

7210000002

-153 921,70

7210000003

-99 247,22

7210000004

-54 810,66

7210000005

-35,56

7280000001

11 708,73

7280000002

-26,26

7280000003

2645,51

7280000004

944,04

7886000600

-2 412 422,93

Subtotal-(1)

-187 369 567,51

(2) Operações não tributadas

 

7816000007

r10 740 379,90

Subtotal - (2)

-10 740 379,90

Total das operações - (3) = (1) + (2)

-198 109 947,41

Pro rata -(4) = (1)/(3)(a)

 95%

 

a) Nos termos do n.° 8 do art.° 23° do CIVA, o quociente da fração é arredondado para a centésima imediatamente superior.

 

 

III.1.4.2. [VA a regularizar

Considerando o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços de utilização mista, apurado pela AT no ponto 111.1.3.1. (vide quadro n.° 5), que o sp deduziu na totalidade, e o pro rata calculado (vide quadro n.° 7), que determina o ÍVA dedutível, resultam os seguintes valores cie Imposto a regularizar a favor do Estado:

 

 

Quadro n.° 8   , (valores em euros)

Imposto a regularizar

2018

IVA suportado, de utilização mista

(D

3 366 318,46

Pro rata

(2)

95%

IVA dedutível

(3) = (1)x(2)

3 198 002,54

IVA não dedutível - a regularizar

 

168 315,92

 

 

 

(PA – RIT)

 

  1. Em resultado do procedimento de inspeção, a AT emitiu a liquidação de IVA n.º 2022 ..., período 201812T, no montante de € 156 557,88, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de € 25 246,83 - demonstração acerto de contas n.º 2022....

(Sistema informático do CAAD)

 

  1. A Requerente tem como atividade principal a venda a retalho de eletrodomésticos.

(PA)

 

  1. No final de cada venda de eletrodomésticos, após o encerramento, o vendedor que a efetuou propõe ao comprador a aquisição de extensão de garantia por um valor adicional.

(Depoimento da testemunha B...)

 

  1. A Requerente propõe, após a venda dos eletrodomésticos, para além das extensões de garantia, serviços de transporte instalação/montagem e demonstração ao domicílio.

(Depoimento da testemunha B...)

 

  1. Não existe formação específica dos funcionários para a venda de extensões de garantia, mas os (funcionários) mais novos assistem à prestação do serviço por aqueles (funcionários) mais antigos, utilizando um folheto que serve de apoio.

(Depoimento da testemunha B...)

 

  1. A Requerente não vende extensões de garantia sem a prévia venda de eletrodomésticos.

(Depoimento da testemunha B...)

 

  • As garantias são asseguradas pelos respetivos fornecedores das marcas dos eletrodomésticos que a Requerente transaciona, tendo esta atividade de intermediação, base em contrato de agência na atividade de mediação e venda de apólices de seguro.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  1. As extensões de garantia vendidas pela Requerente circunscrevem-se aos produtos de natureza tecnológica.

(Depoimento das testemunhas D... e C...)

 

  • A parcela de clientes que compra extensões de garantia é marginal.

(Depoimento das testemunha D...)

 

 

  • O tempo despendido pelos vendedores com referida atividade é muito baixo no total das horas de trabalho.

(Depoimento da testemunha C...)

 

 

  1. A Requerente não faz publicidade a extensões de garantia.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. A  Requerente faz publicidade a produtos que não são passíveis de extensão de garantia, v.g., drones, cartões Netflix, sacos para aspiradores e tinteiros para impressoras.

(Testemunhas B... e D...)

 

  1. Os trabalhadores da Requerente desempenham várias tarefas, distintas da venda das extensões de garantia, como reposição de produtos, limpeza, contactos com fornecedores, colocação de preços, elaboração de inventários e estar com atenção aos clientes e  ao sistema de segurança.

(Depoimento das testemunhas  B... e D...)

 

  1. A Requerente vende, para além das extensões de garantia, seguros de danos acidentais.

(Depoimento da testemunha B...)

 

  1. Se a  venda é realizada, com intervenção de um vendedor, é este quem trata da extensão de garantia.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. Caso o cliente retire o produto do expositor e se dirija para a caixa, é apenas nesta que há intervenção na venda da extensão de garantia.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. A Requerente propõe aos seus clientes, após a venda de eletrodomésticos, para além da venda das extensões de garantia, diversos serviços, como o transporte, a instalação/montagem e a configuração.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  1. A Requerente contabiliza a venda do produto na conta 71 – Vendas e  a venda da extensão de garantia na conta 7816000007 – outros rendimentos suplementares-extgarantia.

(PA e depoimento da testemunha D...)

 

  1. A Requerente não contabiliza a comissão relativamente às vendas de extensões de garantia porque o sistema informático é obsoleto e, por isso, não o permite.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  1. O custo da extensão de garantia que a Requerente paga à seguradora é contabilizado na conta  6228000006 – Outros trabalhos especializados.

(PA e  depoimento da testemunha  D...)

 

  1. O preço da extensão de garantia é definido pela seguradora.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  1. O custo da publicidade efetuada pela Requerente não é considerado para determinar o preço das extensões de garantia pela seguradora.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  1. A Requerente encomendou à empresa G..., Lda. o estudo que junta com o pedido de pronúncia arbitral, sob o número 8, e no qual se concluiu o seguinte:

 

 

Com o intuito de compreender o perfil de vendas da A... e a forma como se relaciona com o nº de colaboradores, foi realizada uma análise agregada a alguns indicadores. Este estudo revelou que há uma elevada correlação entre vendas de garantias e vendas totais. Além disso, observa-se que o total de colaboradores da empresa segue a tendência de crescimento das vendas de extensões de garantia, existindo uma correlação significativa. No entanto, dado que correlação não implica causalidade, revelou-se a necessidade de estudar conjuntamente todos os fatores que influenciam a venda de extensões de garantia. Para a análise de fatores significativos para venda de extensões de garantia, foi realizada uma regressão múltipla com todos os fatores considerados relevantes. A regressão destaca que o fator com maior impacto é a venda de artigos e que o total de colaboradores não é um fator significativo na venda de extensões de garantia. Este facto fundamenta a utilização do método de afetação real face ao método pro-rata, motivando a realização do estudo do tempo despendido na venda de extensões de garantia. Tendo por base a recolha de medições de tempos de venda de extensões de garantia realizada pela A..., foi desenvolvido um modelo que estima o tempo de venda de garantia para todos os artigos com venda efetiva de garantia. O modelo gerado considera que as variáveis mais importantes são a categoria do artigo, o preço do artigo e o preço total do talão. A taxa de afetação foi calculada através da estimativa do tempo de venda efetiva de extensão de garantia para todos os artigos vendidos no período de 2018-2022 com uma venda de garantia associada, obtida pelo modelo descrito. Assim verificou-se que a taxa de afetação estimada é 1.480% em 2018, 1.349% em 2019, 1.473% em 2020, 1.537% em 2021 e 1.361% no ano de 2022.

 

(Documento junto pela Requerente, sob o n.º 8, com o pedido de pronúncia arbitral).

 

 

  1. O autor do Relatório identificado no número anterior é Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

(Documento junto pela Requerente, sob o n.º 8, com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A recolha de tempos gastos pelos colaboradores da Requerente com as vendas abrangeu mais de 1000 observações, tendo, no relatório de estudo, sido aplicados modelos matemáticos.

(Documento junto pela Requerente, sob o n.º 8, com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Para recolha de tempos foram escolhidas lojas de modo a  abranger  a sazonalidade e heterogeneidade dos estabelecimentos e trabalhadores da Requerente, tendo, designadamente, em conta os seguintes fatores: situados no Norte, Centro e Sul do país; dias de semana e fins de semana; produtos com garantia e sem garantia; lojas de grande e pequena dimensão; tarefas efetuadas por trabalhadores experientes e com pouca experiência; tempos gastos com pequenos e grandes eletrodomésticos.

(Depoimento da testemunha E...)

 

  1. O tipo de artigo que é objeto da venda é o fator mais preponderante para influenciar o tempo de venda.

(Depoimento da testemunha E...)

 

  1. A recolha de tempos foi realizada em 2023 e extrapolada para 2018 e 2019, tendo sido entendido no estudo que a variação do ano em que se realizam as vendas não tem potencialidade para alterar significativamente os tempos, sendo apenas relevantes aqueles outros fatores.

(Depoimento da testemunha E...)

 

 

  1. A recolha de dados foi realizada  no final do mês de fevereiro de 2023, tendo sido entendido pelos autores do estudo que não seria necessário fazer  recolha de dados em períodos de grande procura, como novembro e dezembro.

(Depoimento da testemunha E...)

 

 

  1. O estudo utiliza uma técnica estatística de regressão múltipla e tem uma taxa de erro entre 20% e 30%.

(Documento junto pela Requerente, sob o n.º 8, com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A AT  concluiu, em inspeções anteriores, que a publicidade estava gizada para a venda de produtos  e não, também, para a venda de extensões de garantia.

(PA)

 

  1. Os funcionários da Requerente que estão na sede, também prestam serviços às lojas.

(Depoimento da testemunha D...)

 

  • Os únicos recursos que são gastos exclusivamente nas extensões de garantia  são os necessários para a impressão, quando não são enviadas por e-mail.

(Depoimento da  testemunha B...)

 

  1. Em 11/04/2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

(Sistema informático do CAAD)

 

§2 – Factos não provados

11. Não se provou a percentagem exata de recursos de utilização mista que foi afeta, em 2018, a cada uma das atividades da Requerente,

            11.1 Com relevo para a decisão do presente processo, não  existem  quaisquer factos que se tenham considerado como não provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

13. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            14. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, i.e.,  da prova documental junta aos autos pela Requerente,  do PA junto aos autos pela Requerida e da prova testemunhal, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

15. O facto não provado, em particular, resulta da circunstância de o estudo apresentado pela Requerente ter sido realizado, em 2023, e, apesar da sua fundamentação, tem uma margem de erro de 20% ou 30%, de acordo com a testemunha E... .

 

16. Quanto aos concretos factos dados como provados, a sua fonte encontra-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam no processo administrativo (melhor descritos nos factos assentes) e, por último, na prova testemunhal.

A testemunha E... foi o coordenador do estudo junto pela Requerente sob o número 8, no qual colaboraram dois profissionais.

A testemunha B... é colaborador da Requerente tendo sido, em 2019,  gerente no seu estabelecimento nas Caldas da Rainha, sendo atualmente gerente comercial na zona norte.

A testemunha D... é colaboradora da Requerente há mais de 30 anos, desempenha as funções de diretora executiva e contabilista certificada e é intermediária entre a Requerente e a seguradora que emite as extensões de garantia.

A testemunha C... trabalha para a Requerente desde 2006, já foi vendedor, sendo atualmente gerente regional.

Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção  e com conhecimento direto dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Ordem de conhecimento dos vícios

 

            17. Resulta do artigo 124.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPPT aplicável ex vi artigo 19.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que, nos casos de vícios que conduzam à mera anulabilidade e relativamente aos quais não foi estabelecida uma relação de subsidiariedade pela impugnante, deverá a ordem da respetiva apreciação ser determinada de acordo com o prudente critério do julgador, de forma a assegurar a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

            18. No presente processo a Requerente contestou a legalidade dos atos tributários, na medida em que considera, em primeiro lugar, que a AT violou o princípio da neutralidade do IVA e os artigos 23.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) ao estimar os custos de publicidade dos produtos nos bens de utilização mista e, de modo subsidiário, propugna que: ainda que se considere que a aplicação do pro rata é o método mais adequado, deve ser aceite (pro rata) atendendo ao valor da comissão que a Requerente recebe. Considerando que entre os vícios foi estabelecida uma relação de subsidiariedade será respeitada a ordem fixada pela Requerente.

Destaca-se que, caso proceda o primeiro vício imputado aos atos tributários ficará prejudicado o conhecimento do segundo.

 

§3 – Posições das partes

 

O  RIT refere, nomeadamente que: “[e]m consequência, o imposto suportado na aquisição de bens ou serviços relacionados com as EG não é dedutível, conforme dispõe o artigo 20.°, n.° 1, do CIVA.

A questão que se coloca é apurar o montante de imposto suportado inerente a esta atividade.

Efetivamente, na A... não há evidência de aquisição de bens e serviços exclusivamente afetos às extensões de garantia (cujo IVA suportado não seria objeto de dedução, na totalidade). Contudo, há outros, designadamente os inerentes ao funcionamento das lojas, que são de utilização mista, isto é, afetos simultaneamente à realização de operações que conferem direito a dedução e às extensões de garantia.

O dissídio encontra-se na determinação da percentagem de dedução dos recursos de utilização mista a aplicar.          

A Requerente alega, em primeira linha, que ao considerar  os custos de publicidade dos produtos nos bens de utilização mista, a AT violou o princípio da dedução do IVA e da neutralidade deste imposto, bem como o artigo 23.º e seguintes do CIVA.

Argumenta, em tal sentido, do seguinte modo:

 

  1. Os custos de publicidade relacionam-se com a venda de equipamentos, pois estão direta e imediatamente conexos com a referida venda e são considerados, entre outros fatores, na formação do preço dos equipamentos, na medida em que a margem na venda é calculada de modo a cobrir a integralidade dos custos;

 

  1. O critério “horas homem” constitui um parâmetro objetivo para determinar o grau de uso dos bens de utilização mista (fundamentalmente custos dos espaços comerciais por onde os vendedores circulam).

 

Alega ainda, de modo subsidiário, que:

 

  1. O valor recebido dos clientes pela venda de extensões de garantia não é uma receita própria da Requerente, no sentido em que a totalidade do valor não é contrapartida da sua atividade de intermediação na comercialização de seguros, mas somente a comissão de € 3 972 274,97;

 

  1. Assim, ainda que se admita que a aplicação do  pro rata é o mais adequado, a AT deve apurar o pro rata considerando apenas o valor da comissão de intermediação (verdade material), aquele que é considerado uma receita própria.

 

Já a AT defende nos autos o vertido no RIT, destacando-se os seguintes argumentos:

 

  1. Os custos de  publicidade, por contribuírem para a angariação de clientes, quer no âmbito da atividade de venda de mercadorias, quer para a venda de extensões de garantia, se tem de haver como “inputs” de utilização mista;

 

  1. O efeito da publicidade vai ser aproveitado por ambas as atividades, pelo que os seus encargos deverão ser considerados de utilização mista;

 

 

  1. A  prova testemunhal confirmou que  o  tempo de trabalho associado à venda do bem é diminuto e, por outro lado, existe o tempo normal que é empregue na venda de extensões de garantia (necessário à explicação das condições gerais);

 

  1. As situações em que tal mais se verifica (a escolha do produto sem a ajuda do vendedor), são as correspondentes às alturas de maior afluência de clientes e às lojas maiores;

 

  1. O facto de os dados  do estudo terem sido recolhidos no primeiro semestre de 2023, impede que seja preciso, no que respeita ao apuramento do peso do tempo empregue na venda de extensões de garantia sobre o tempo despendido na totalidade das vendas (vendas de bens e de extensões de garantia);

 

  1. O estudo, não apurou,  nem tentou apurar, qual o tempo de trabalho dos trabalhadores da Requerente, despendido na venda de produtos;

 

  1. A Requerente limitou-se a calcular o tempo de trabalho despendido na venda das extensões de garantia e, considerou tal parte como correspondendo à da parte isenta e, dividiu sobre o tempo total de trabalho dos trabalhadores afetos às lojas;

 

  1. A aceitar-se o critério, sempre se teria de calcular o tempo de trabalho despendido na venda de extensões de garantia por um lado, o tempo de trabalho despendido na venda de produtos propriamente dita (aconselhamento, registo, etc.) por outro e, somando os dois, apurar o total de tempo empregue numa e noutra atividade, para se concluir o peso de uma componente no todo;

 

  1. As tarefas dos trabalhadores da Requerente englobam inúmeras outras componentes que não a venda de bens, como por exemplo, reposições de stocks em loja, colocação de preços, tempos de espera a aguardar por clientes, limpeza das lojas que garantem, pelo menos, que o tempo remanescente de trabalho, de todos os trabalhadores afetos às lojas, que não é empregue diretamente na venda de extensões de garantia, não é na totalidade (nem provavelmente na maioria), empregue diretamente na venda dos bens e serviços que correspondem à atividade que confere o direito à dedução;

 

  1. Para além do mais, a primeira testemunha ouvida nos presentes autos esclareceu o Tribunal que, apenas 25 a 35 por cento do tempo de trabalho dos trabalhadores afetos às lojas corresponde a tempo de trabalho empregue nas vendas (de bens e de extensões de garantia);

 

  1. A parte do estudo que pode contribuir para o apuramento do critério a utilizar no  direito à dedução da Requerente é a conclusão de que existe uma manifesta correlação entre a venda de bens e a venda das garantias;

 

  • O critério mais objetivo para o apuramento da percentagem de dedução será o do peso do valor das vendas de extensões de garantia nas vendas totais da Requerente, ou seja, o pro rata;

 

  1. E, para este efeito, em nada desvirtua tal critério, o facto de ser contabilizado na parte isenta da atividade, a totalidade do valor da venda da extensão de garantia e, não, a comissão obtida pela Requerente, porquanto, do lado da atividade que confere o direito à dedução (da Requerente), também não se tem em conta apenas a margem (da Requerente), mas antes e sim, a totalidade do volume de vendas;

 

  • O fator que mais influencia a venda de extensões de garantia são as vendas de bens em geral e o tempo de trabalho dos trabalhadores não é influenciador;

 

  • Se o tempo de trabalho não influencia as vendas, dificilmente se consegue compreender que se escolha esse mesmo critério para apurar o peso de umas e outras vendas (de extensões de garantia e de bens em geral);

 

  1.  Se o fator mais influenciador de venda de extensões de garantia é a venda de bens, não consegue a Requerida compreender, como alega a Requerente, que a publicidade efetuada à venda de bens, não aproveita, de igual forma e, como uma taxa de correlação assinalável, à venda de extensões de garantia;

 

  1. A  própria Requerente aceitou que, o espaço de exposição dos produtos em loja, deveria ser considerado como concorrendo para a realização de ambos os tipos de operação (não isenta e isenta);

 

  1. Se o espaço de exposição, tal como resulta das regras da experiência comum, tem como pretensão, persuadir o cliente à aquisição do produto exposto e, como a Requerente aceita, tal concorre para a realização das operações isentas, que são a venda de extensões de garantia dos produtos expostos que se vendem, como se pode alegar o contrário, para a publicidade, que, de igual forma, pretende persuadir o consumidor à aquisição do bem publicitado e, consequentemente, em x% dos casos, conduzirá à venda da extensão de garantia desse mesmo bem?

 

  1. Tal como resulta do depoimento da testemunha E... (o autor do estudo junto pela Requerente, na inquirição do processo 310/2023-T), a Requerente sabe que, quando vende x produtos de determinada tipologia, venderá y extensões de garantia;

 

  1. E, tanto assim é que, os objetivos de venda de extensões de garantia fixados aos seus colaboradores e, que determinam o recebimento por parte destes, de bónus, é estabelecida, em números objetivos, o que demonstra que, a Requerente tem a noção de quantas extensões de garantia venderá, o que lhe permite  concretizar o que seja a superação de tais expectativas, na fixação dos bónus;

 

  1. Ora, assim sendo, decorre das regras da experiência comum que, a Requerente, ao efetuar publicidade a bens, com a expectativa de aumentar a venda (desses bens) em x ou y, sabe de antemão, que tal venda, aumentará também a de extensões de garantia em z ou v;

 

  1. E, isto, mesmo que na publicidade em questão não seja feita menção às extensões de garantia, porque como vimos e o estudo confirmou, o aumento da venda de extensões de garantia, depende apenas do aumento da venda dos bens;

 

  1. Tanto mais que, contrariamente ao que pretende fazer crer a Requerente, a atividade de venda de extensões de garantia, não é despicienda, pois como se observa, não fossem os quase quatro milhões de euros de lucro que tais vendas proporcionaram à Requerente e, estava inquinado o lucro apresentado no período;

 

  1. É ainda relevante, a este respeito, ter em conta que, tal como testemunhado pela Requerente, o montante gasto com publicidade é fixado em função do volume de negócios, pelo que, a venda de extensões de garantia, tendo em conta que o volume de negócios (desta atividade) foi de dez milhões de euros, influencia significativamente aquele orçamento;

 

  1. Ou seja, parte do resultado deste segmento da atividade é objetivamente empregue na aquisição de serviços de publicidade, mas pretende a Requerente que tal aquisição não seja considerada, como afeta, ainda que parcialmente, àquela atividade.

 

 

 

§4– Dedução indevida de IVA

 

A Requerente vende,  na sua atividade social, extensões de garantia relativamente aos produtos que transaciona, com o objetivo de proporcionar aos adquirentes uma garantia complementar àquela que é atribuída pelo fornecedor da marca.

Não há dissídio nos autos relativamente a que as extensões de garantia são “seguros”, sendo, por conseguinte,  prestações de serviços isentas de IVA, nos termos do artigo 9.º, n.º 28, do CIVA.

Há acordo entre as partes quanto à não dedutibilidade do IVA suportado na aquisição  de bens ou serviços relacionados com as extensões de garantia, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do CIVA.

A dissonância respeita, assim, à determinação da percentagem de dedução dos recursos de utilização mista a aplicar. A questão já foi apreciada no âmbito do processo n.º 310/2013-T, acompanhando-se nestes autos, no essencial, a fundamentação de direito nele incorporada.

A estrutura nuclear do direito à dedução do IVA encontra-se nos artigos 168.º, 173.º e 174.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, a que correspondem no CIVA os artigos 19.º, 20.º e 23.º. Vejamos a redação de cada uma das referidas fontes normativas.

 

Artigo 19.º
Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram:

  1. O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

 

Artigo 20.º
Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

 

 

Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

 

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

 

 

Os sujeitos passivos mistos têm dois métodos para o exercício do direito à dedução: (i) pro rata ou da percentagem de dedução; e (ii) afetação real.

No primeiro, o sujeito passivo determina a sua percentagem do direito à dedução do imposto através de uma fração  que integra, no numerador, o montante anual, dos impostos excluídos, das operações que legitimam,  a dedução nos termos do artigo 20.º do CIVA e, no denominador, o montante anual, de imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo emergentes do exercício de uma atividade económica prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIVA.

O imposto, neste método, é dedutível, como determina o artigo 23.º, números 1 e 4, do CIVA, na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar à dedução e exige, paralelamente, que os bens ou serviços relativamente aos quais se determina o montante de imposto dedutível sejam igualmente de utilização mista.

Por outro lado, no método da afetação real, o imposto é determinado com base em critérios objetivos que permitam  apurar o grau da respetiva utilização nas operações não decorrentes do exercício de uma atividade prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIVA e nas demais operações. A afetação real deve ser empregue em função da efetiva utilização, como a área ocupada, o número de elementos de pessoal afeto, a massa salarial, as horas-máquina e as horas-homem.

O direito à dedução é fundamental quanto à garantia da neutralidade do imposto, como também relativamente à igualdade de tratamento fiscal. Este direito visa que (i) o sujeito passivo se liberte totalmente do ónus do IVA devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas;  (ii) não pode ser limitado; (iii) deve ser exercido imediatamente em relação a todo o imposto que incida sobre as operações efetuadas a montante; (iv) tem incidência no nível de encargo fiscal; e  (v) deve aplicar-se igualitariamente em todos os Estados-membros. Só são permitidas as derrogações expressamente previstas na Diretiva IVA. O direito à dedução deve ser exercido em relação à totalidade do encargo fiscal que incidiu sobre as operações efetuadas a montante e opera pelo denominado método de crédito de imposto.

O artigo 23.º do CIVA consagra o princípio de que os sujeitos passivos devem proceder à imputação direta (afetação real) do IVA suportado nas compras às operações ativas que realizem e que conferem, ou não, o direito à dedução.

Os sujeitos passivos devem procurar imputar as operações passivas às operações ativas da forma mais rigorosa possível, de forma a dar cumprimento ao princípio da neutralidade fiscal, ou seja, a se poder deduzir unicamente o IVA suportado para a realização de operações que conferem direito à dedução.

A jurisprudência tem concluído relativamente ao direito à dedução que: (i) para (que o direito à dedução do IVA pago a montante) seja reconhecido ao sujeito passivo  e para determinar a amplitude do referido direito é necessária a existência de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação  a montante  e uma, ou várias operações, a jusante, com direito à dedução; (ii) o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução; e (iii) se existir falta de tal nexo direto e imediato, é reconhecido o direito à dedução, quando os custos  dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta.

Veja-se, por exemplo, o acórdão de 18 de julho de 2013, proferido no processo C – 124/12, do Tribunal de Justiça da União Europeia, onde se destaca o descrito em (iii) do parágrafo anterior.

 

26 Com efeito, o regime das deduções destina-se a libertar completamente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. Por conseguinte, o sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados destas atividades, na condição de as mesmas estarem, em princípio, sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdão SKF, já referido, n.º 56 e jurisprudência referida).

27 Segundo jurisprudência assente, a existência de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito. O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (acórdão SKF, já referido, n.º 57 e jurisprudência referida).

28 Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direta e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdão SKF, já referido, n.º 58 e jurisprudência referida).

 

Aplicando a sobredita jurisprudência aos autos conclui-se que, para o IVA suportado com as despesas com a publicidade ser imputado, para efeitos de dedução, às vendas de extensões de garantia revela-se necessário que essas despesas tenham nexo direto e imediato com as  vendas ou, em alternativa, integrem as despesas gerais da Requerente e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço das extensões de garantia.

No caso sub iudice, como  resulta do probatório, as despesas de publicidade têm por objeto direto  e imediato somente as vendas de produtos, não tendo existido qualquer publicidade para as extensões de garantia.

Deste modo, as vendas de extensão de garantia poderão beneficiar das despesas com a publicidade somente de forma indireta e mediata, na medida em que promovem a venda de produtos e destas podem resultar vendas de extensões de garantia.

Assim, falta o nexo direto e imediato que permitiria afetar às extensões de garantia parte das despesas de publicidade.

Todavia, também resulta da prova produzida que o preço das extensões de garantia não é determinado tendo em conta as despesas de publicidade efetuadas pela Requerente, pois este  é determinado pela seguradora, tendo somente a Requerente direito a uma comissão. Por conseguinte, deve concluir-se que as despesas de publicidade apenas  têm nexo direto e imediato e são consideradas para efeitos de formação dos preços dos produtos vendidos pela Requerente, pelo que têm de ser imputadas à atividade tributada da Requerente. Deste modo, não há despesas de publicidade que possam estar relacionadas com a venda de extensões de garantia.

Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente ao ato de liquidação de IVA (de juros compensatórios) contestado no presente processo, por erro sobre os pressupostos de direito, na parte em que assenta no argumento de que as despesas com a publicidade efetuadas pela Requerente podem ser imputadas à atividade de  venda de extensões de garantia, para efeitos de determinação do pro rata de dedução de IVA.

Tendo a liquidação de juros compensatórios como pressuposto a liquidação de IVA procede o seu pedido de anulação.

 

§5 – Questão de conhecimento prejudicado

 

Tendo o Tribunal Arbitral reconhecido a declaração de ilegalidade da liquidação de IVA e de juros compensatórios que são objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado  o conhecimento do vício indicado, de modo subsidiário, pela Requerente.

O artigo 124.º do CPPT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, caso seja julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer os restantes.

Não se conhece, assim, o vício imputado de modo subsidiário ao ato tributário de liquidação (e de juros compensatórios) objeto dos autos.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente;
  2. Anular o ato de liquidação de IVA contestado pela Requerente, nos termos acima fixados;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), fixa-se ao processo o valor de € 180 038,46.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3 672, a suportar pela Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de abril de 2024

 

O Árbitro Presidente,

 

 

Victor Calvete

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

David de Oliveira Nunes Fernandes

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Francisco Nicolau Domingos